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OS (DES)CAMINHOS DO ZONEAMENTO SOCIOECONÔMICO-ECOLÓGICO DE MATO GROSSO1 Andrea A. Azevedo2 1- Histórico: O Zoneamento Socioeconômico-Ecológico (ZSEE) de Mato Grosso tem uma trajetória de aproximadamente 20 anos na elaboração de seus estudos (Figura 1). Foram gastos por volta de 34 milhões de reais em sua elaboração, além do envolvimento de técnicos e pesquisadores de várias instituições do Brasil. Esse zoneamento foi levado à Assembleia Legislativa (AL) em 2004, mas foi arquivado em 2005. Em 2008, após uma revisão do estudo pela EMBRAPA, a pedido do então governador Blairo Maggi, esse Projeto de Lei (PL) voltou para AL. No período em que ficou na Assembleia, o documento passou por ampla publicização e consulta por meio de diversos seminários técnicos e audiências públicas. Figura 1: etapas pelas quais passou o zoneamento em Mato Grosso 1 Esse relato traz informações da vivência da autora em diversos desses eventos, mas também traz relatos e alguns números do governo do MT, do Instituto Centro Vida (ICV) e de um comunicado interno do MMA sobre o assunto. 2 A autora é Doutora em Desenvolvimento Sustentável com ênfase em políticas publicas e gestão ambiental. Pesquisadora do IPAM no programa Cenários para Amazônia. 2- Quais as categorias que formam o zoneamento do Mato Grosso? O zoneamento do MT apresentado à AL em 2008 foi baseado no Decreto 4297/2002 do Governo Federal. Ele trazia quatro categorias de uso: 1) Áreas com estruturas produtivas consolidadas ou a consolidar; 2) Áreas que requerem adequação de manejo (sobretudo para áreas com alto potencial hídrico – nascentes do Xingu e região dos Parecis: regiões que são divisores de grandes bacias e formam recargas de grandes aquíferos); 3) Áreas que requerem manejo específico (ambientes com elevado potencial florestal e áreas frágeis) 4) Áreas protegidas (UC / TI) Nas audiências públicas houve uma disputa muito grande entre o setor do agronegócio (capitaneado pela FAMATO) e os movimentos ecológicos e sociais (liderado pelo GTMS – grupo de trabalho de mobilização social de MT3). A grande demanda do agronegócio era que a maioria das regiões entrasse na categoria 1 (consolidada). Após o primeiro substitutivo proposto pelo deputado Alexandre César (PT), essas quatro categorias foram transformadas em três. As áreas 2 e 3 passaram a formar a mesma categoria. Ficou da seguinte forma as categorias que passaram a vigorar para os outros substitutivos: 1) Áreas com estruturas produtivas consolidadas ou a consolidar; 2) Áreas que requerem manejos mais específicos (áreas de relevância ecológica e paisagística, devido às suas características físicas, de sazonalidade do regime fluvial, de rica cobertura florestal e de proteção dos recursos hídricos) 3) Áreas protegidas (UCN e TI existentes; UCN estaduais propostas) 3 – O que aconteceu no meio do caminho (audiências – aprovação) ? Após o envio do PL 273/2008 pelo governo estadual contendo o anexo que trazia o zoneamento do estado foi montando um amplo programa de discussão pela AL. Foram realizadas 15 audiências públicas em todos os municípios pólos dentro das regiões de planejamento do zoneamento (são 12 regiões de planejamento: Juína, Alta Floresta, Vila Rica, Barra do Garças, Rondonópolis, Cuiabá, Cáceres, Tangará da Serra, Diamantino, Sorriso, Juara e Sinop). Essas audiências eram antecedidas por dois dias de seminário técnico, onde os presentes eram divididos em grupos de discussão de acordo com as categorias, que na época eram quatro. Basicamente os pontos maiores de conflito, na época, eram: 3 O Grupo de Trabalho de Mobilização Social do Estado do MT foi formado justamente para fazer um contraponto ambiental e social nas demandas do zoneamento. Participam mais de 50 grupos de movimentos sociais e ambientalistas do estado e é um dos mais ativos contra as alterações feitas nos substitutivos. • mudança de categoria: todos querendo ir para categoria 1; • conflito sobre uso de veneno em torno das Terras Indígenas; • ampliação das UCN; • plantio em áreas arenosas e solos hidromórficos Após o termino das audiências, o relator da comissão do zoneamento na AL, deputado Alexandre Cesar (PT), coordenou uma equipe contratada pela AL para fazer toda compilação do material advindo das 15 audiências públicas. Dessa forma, foi proposto o primeiro substitutivo integral ao projeto do executivo (substitutivo 1). Entretanto, na votação da Comissão do Zoneamento na AL o substitutivo 1 foi rejeitado, tendo somente o voto do relator. O presidente da Comissão, deputado Dilceu DalBosco, propôs um segundo substitutivo (substitutivo 2). O substitutivo 2 foi duramente criticado pela sociedade civil organizada, MP e algumas secretarias do governo, pois modificou muito as versões anteriores, tanto a do executivo, quanto a do substitutivo 1. Após algumas revisões foi proposto um terceiro substitutivo por uma bancada ampla de parlamentares (substitutivo 3). Esse último substitutivo teve, pelo menos, umas três versões diferentes até ser enviado para votação na AL. Por fim, o substitutivo três foi votado e aprovado com apenas um voto contrário no dia 27 de outubro de 2010. 4- Quais são as maiores mudanças no substitutivo 3 aprovado pela AL? Em termos de conteúdo, o substitutivo 1 tentou harmonizar algumas arenas de disputa e ficou mais conhecido como um “caminho do meio”, contudo não houve nenhuma adesão política à proposta. Houve um ligeiro aumento nas áreas consolidadas, foi incluída áreas de quilombolas e a flexibilização de RL foi proposta para todo estado, desde que seguidos alguns critérios. Vários grupos e instituições se mostraram favoráveis a apoiar a retomada do substitutivo 1 na Assembléia Legislativa. O substitutivo 2 e 3 praticamente não diferem. A seguir são apresentadas as mudanças mais significativas do primeiro substitutivo para o terceiro. 4.1 Redução das categorias 2 e 3 em favor da categoria 1: foram retiradas áreas de unidades de conservação propostas (83%), áreas com alto potencial florestal (40%) e áreas com alto potencial hídrico (40%) e remanejadas em sua grande maioria para áreas consolidadas da categoria 1 (áreas amarelas da Figura 2). No total houve um aumento de 67% das áreas consolidadas no substitutivo 3. Figura 2 – o mapa da esquerda é o substitutivo 3 aprovado pela AL e o mapa da direita é o substitutivo 1, resultado da compilação das sugestões das audiências publicas. No detalhe das setas, a de cor azul mostra o local onde antes havia áreas com alto potencial florestal, propício para manejo; a seta de cor vermelha mostra as áreas com potencial hídrico elevado. Essas áreas identificadas pelas setas foram transformadas em áreas consolidadas (categoria 1) conforme se observa no mapa da esquerda nas áreas de cor amarela. As Unidades de Conservação no estado do MT representam 4 % da área do estado (sem APA), portanto um dos menores percentuais da Amazônia Legal. Do projeto original para o substitutivo três houve uma perda de 4, 4 milhões de hectares de áreas com potencial para UC. No substitutivo três restou uma área de 1 milhão de hectares com potencial para criação de novas unidades de conservação. As UCs além de evitar à perda de biodiversidade, é um instrumento de política pública importante na contenção das fronteiras de desmatamento (Nepstad, 2006, Soares-Filho et al, 2010) e, importante ressaltar, é uma promessa de regularização de parte do passivo das reservas legais das propriedades rurais no estado. Portanto, para o próprioagronegócio, não é uma boa idéia a redução na criação de UC. Um milhão de hectares na categoria destinada à criação de novas UC (subcategoria 3.2) considerada com alto potencial de biodiversidade foram transferidos para a categoria 1. A perda das zonas com elevado potencial florestal vai se refletir na desaceleração da economia baseada na floresta, de planos de manejo e de projetos de REDD que poderiam ser desenvolvidos nessas áreas, por exemplo. Além de propiciar o desmatamento (mesmo que legal) nessas áreas. O Mato Grosso ainda possui 66% de suas áreas de floresta (ICV, 2010), portanto é uma área razoável. As zonas com elevado potencial hídrico estão localizadas em áreas essenciais para recargas dos principais aqüíferos da região Centro Oeste e Amazonas. São áreas ao sul do parque do Xingu (figura 2) e na região da chapada dos Parecis (divisor da Bacia Alto Paraguai – Juruena/ Amazonas). Essas áreas dentro dessa categoria poderiam, por exemplo, ter algum tipo de incentivo especial para recuperação de APP, além de ser um diferencial econômico ter a propriedade rural em áreas “produtoras de água”. Essa categoria não traz restrições de uso do solo, a não ser em solos hidromórficos (encharcados) e arenosos (areias quartzosas), mas sofreu grande rejeição nas audiências pelos produtores rurais, que entenderam que teriam suas terras desvalorizadas dentro dessa categoria. 4.2 Eliminação de diversas áreas indígenas não homologadas no estado: das 76 áreas indígenas homologadas e em processo de homologação, 13 destas que ainda não estão homologadas foram retiradas da categoria 3 (Áreas Protegidas). Na prática, isso significa “zonear”, indicando para outras categorias de uso uma área que, se/quando for homologada, poderá criar/adensar mais ainda os conflitos fundiários. 4.3 Flexibilização de RL para todo estado sem critérios definidos O código florestal vigente permite que haja em áreas de floresta, na Amazônia Legal, a redução da reserva legal para 50% para fins de recomposição desde que indicado no zoneamento do estado (inciso I, do § 5º, do Artigo 16). No substitutivo 1 havia uma série de critérios (alguns mencionados no Código Florestal e outros não) para essa flexibilização de RL 4. Não foi indicada nenhuma data limite para áreas convertidas que seriam elegíveis à flexibilização, nem as categorias ou zonas especificas para que isso fosse feito. Portanto, o primeiro substitutivo já indicava falhas nesse aspecto, pois um proprietário que desmatasse mais de 50% de sua área em 2007, por exemplo, já bastante ciente da infração implicada nesse ato, seria beneficiado da mesma forma pela flexibilização que outro que o fez quando a legislação permitia a RL de 50%. No substitutivo 3 não há critérios, além daqueles descritos no próprio Código florestal5 e nem indicação de categorias ou zonas para flexibilização. Estabeleceu-se a data da publicação da lei para que a propriedade possa usufruir da flexibilização, ou seja, provavelmente 2011. Na prática, quem desmatou mais de 50% em julho de 2010 estará dentro do que prevê a legislação, considerando o substitutivo 3. A data ainda gera muita controvérsia, porém os Ministérios do Meio Ambiente e Agricultura, Pecuária e Abastecimento, além do CONAMA, devem ser escutados a esse respeito. Em nota técnica sobre o terceiro substitutivo aprovado, o MMA argumenta que muitos juristas consideram a 4 § 1º A redução da reserva legal autorizada no caput não será permitida nas áreas que apresentem uma das seguintes características: I - áreas de preservação permanente; II - ecótonos; III - sítios e ecossistemas especialmente protegidos; IV - locais de expressiva biodiversidade; V - corredores ecológicos; VI - declividade superior a 30 %; VII - solos arenosos; VIII - solos concrecionários; IX - solos litólicos; X - cambissolos pedregosos e cascalhentos em relevo forte ondulado associados a neossolos litólicos e quartzarênicos; XI - cambissolos associados a solos l itólicos em relevo forte ondulado; XII - solos litólicos cascalhentos pedregosos em relevo ondulado e forte ondulado associados a afloramentos rochosos; XIII - planícies fluviais recobertas por solos hidromórficos , e; XIV - sistema de depressões úmidas com solos hidromórficos (Substitutivo Integral ao Projeto de Lei N. 273 /2008, art. 24. Disponível em:http://www.al.mt.gov.br/V2008/Raiz%20Estrutura/Zoneamento/substitutivo/substitutivo_integral.p df). 5 § 2º A redução da reserva legal autorizada no caput não será permitida nas áreas que apresentem uma das seguintes características: I - áreas de preservação permanente; II - ecótonos, que não se enquadrarem como tipologia florestal para determinação da reserva legal; III - sítios e ecossistemas especialmente protegidos; IV - corredores ecológicos aprovados em lei. (Terceiro substitutivo integral, art. 24) data de 26 de maio de 2000, quando foi publicada a MP 1956-50 que elevou os percentuais de RL para AL, a data-marco que deveria ser considerada para esses casos. 5 - Próximos passos A lei 273/2008 oriunda do substitutivo 3 do ZSEE foi enviada no inicio de dezembro de 2010 para ser sancionada ou vetada pelo governador eleito no MT, Silval Barbosa. Contudo, foi devolvida no dia 31/12/2010, segundo o governador, a pedido da própria Assembléia Legislativa, alegando a necessidade de correção de “erros formais”. Portanto, até esse momento não há informações sobre a decisão do executivo em torno do veto ou sanção da lei. Segundo informações obtidas na imprensa, tanto o parecer da Procuradoria Geral do estado (PGE), quanto o parecer da SEMA são favoráveis ao veto pelo governador. Já houve uma nota informativa do MMA mostrando pontos problemáticos na lei aprovada, bem como uma reunião da equipe do Ministério com o governador alertando dos problemas para que esse projeto passe pelo Conama. Um ponto fundamental nesse processo nos leva a reflexão de que mesmo quando um projeto de zoneamento tenha condições técnicas efetivas de promover um planejamento de uso mais sustentável do território, não só fazendo um diagnóstico que apenas legitima o uso já existente, em geral não apresenta condições políticas para ser levado adiante. Esse é o caso que está acontecendo em Mato Grosso. Bibliografia e sítios consultados: Assembleia Legislativa de Mato Grosso, 2009. Substitutivo Integral 1. Disponível em: http://www.al.mt.gov.br/V2008/Raiz%20Estrutura/Zoneamento/default.asp Assembleia Legislativa de Mato Grosso, 2010. Substitutivo integral 3. Disponível em : http://www.al.mt.gov.br/V2008/Raiz%20Estrutura/Zoneamento/default.asp SOARES-FILHO et al. Role of Brazilian Amazon protected areas in climate change mitigation, PNAS, v. 107, n. 24, p. 10821-10826, 26 maio 2010. ICV. Análise do Projeto de Lei do ZSEE (2010) em votação na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso. (Arquivo comunicação pessoal em dez 2010). MMA. Nota Informativa s/n SEDR. Zoneamento Ecológico Econômico de Mato Grosso. Brasília, 22 de novembro de 2010. NEPSTAD et al. Inhibition of Amazon Deforestation and Fire by Parks and Indigenous Lands. Conservation Biology, v.20, n1, p.65-73, fev. 2006. www.icv.org.br www.al.mt.gov.br Links com vídeos relacionados ao assunto: http://www.youtube.com/watch?v=QAmK1Mxfxdo http://www.youtube.com/watch?v=HMaCOVpc4LY&feature=related
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