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Aspectos legais da inquisição

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Aspectos legais 
A Igreja teve um papel de extrema importância na sociedade medieval, na qual deteve um poder muito grande em certas épocas e localidades.
 O Direito Canônico que era o direito da comunidade religiosa dos cristãos, elaborado, de início, a partir da necessidade de uma ordenação, pois existiam várias leis, diversas situações, mas faltava uma organização para começar a formar indicadores que pudessem depois serem consultados para facilitar a ordem de execução das tarefas. Era aplicado em membros e autoridades do clero católico e desempenhou um papel importante durante toda a Idade Média como um conjunto de normas (cânones) que orientam a disciplina eclesiástica, definem a hierarquia administrativa, os direitos e deveres dos fiéis católicos, os sacramentos e possíveis sanções por transgressão das normas (leis próprias da igreja). 
 O Direito Canônico foi redigido, comentado e analisado desde a Alta Idade Média, tendo sido o único direito escrito durante a maior parte do período. E mesmo quando surgem as primeiras redações de costumes, não muito anterior ao século XIII, estas são, mais ou menos, sistemáticas do direito canônico, através da codificação que se perpetuam até os dias atuais. A jurisprudência romana subsistiu-se de certa forma através do direito eclesiástico, uma vez que a igreja se desenvolveu à sombra do antigo Império Romano. Sua influência sobre as legislações da Europa ocidental deveu-se ao alargamento do poder jurisdicional dos Tribunais Eclesiásticos que, durante a Idade Média, estendeu-se aos leigos. 
Segundo Wolkmer, em matéria penal, era de competência dos Tribunais Eclesiásticos processar e julgar todas as pessoas que praticassem alguma infração contra a religião (heresia, apostasia, simonia, sacrilégio, bruxaria, etc.), bem como o adultério e a usura. No apogeu da Inquisição , os Tribunais Seculares da Europa ganharam jurisdição sobre tais crimes, suplementando os Tribunais Eclesiásticos como instrumentos judiciais da perseguição.
Dessa forma, os vários fatores que levaram à significativa influência do direito canônico sobre o direito laico desenvolvem-se pelo fato de ter sido um direito escrito e formalizado e constituir-se de objeto de vários estudos doutrinais. 
 Em virtude das relações entre Igreja e Estado, o poder da Igreja acabou refletindo-se nos princípios e na lógica de ordenamento do direito laico. Finalmente, a extensão da jurisdição dos Tribunais Eclesiásticos caracterizou a caça aos hereges essencialmente uma operação judicial. Igreja e Estado estavam juntos no combate à propagação dos “seguidores de Satã”, que ameaçavam não somente o poder da Igreja, como o poder do soberano. A utilização do Tribunal do Santo Ofício como braço do poder real é um dado indiscutível. A religião, a moral e o direito estavam visceralmente ligados, amalgamador e, dessa forma, havia a interferência de dogmas e de argumentos de matizes divinas na própria estruturação jurídico-política do Estado, cujas ações passaram a gozar de uma legitimação eclesiástica.
 Segundo Levack, esse aparato legal foi uma condição necessária, aliada a fundamentos culturais e teológicos, tais como a crença na existência de seitas de indivíduos adoradores de Satã, como a convicção na capacidade que tais indivíduos adquiriram para praticar o mal após um pacto com o Diabo. 
Processo penal acusatório 
 A mudança ocorrida no sistema penal, em termos legais, entre os séculos XII e XIII, propiciou um julgamento intensivo dos hereges, com todos os seus requintes de barbárie ao final da Idade Média e início da Idade Moderna.
 A transformação de um sistema irracional para um sistema racional de direito, principalmente no que dizia respeito à prova, caracterizou o período mais importante na formação dos direitos europeus, trazendo a mudança do processo acusatório para o processo de inquirição (inquisitio). 
No sistema acusatório, a ação penal só poderia ser desencadeada por uma pessoa privada, que seria a parte prejudicada ou seu representante. Se as provas apresentadas pelo acusador fossem inequívocas ou se o acusado admitisse sua culpa, o juiz decidiria contra ele. A acusação era pública e feita sob juramento, em caso de dúvida do acusador, a inocência ou culpa tonava-se uma intervenção divina, a qual cabia a Deus dá um sinal, pois o homem não investigava o crime. 
 Existiam 3 formas do acusado provar sua inocência. A primeira forma era do ordálio, o qual era um teste de resistência. O acusado afundava o seu braço em água fervente ou então carregava ferro em brasa, com isso, após um certo número de dias, caso fosse inocente, deveria mostrar a ferida milagrosamente curada por obra de Deus; ou então era mergulhado num rio e seria considerado inocente caso afundasse, pois, neste caso, Deus o teria acolhido. Existiam duelos judiciais entre o acusado ou o seu padrinho que duelava com o acusador ou padrinho, a vitória daquele era sinal de inocência. Outra forma era o processo de compurgação, no qual o acusado deveria ter várias testemunhas que jurassem a sua honestidade, aplicava-se a crimes considerados menores.
 O papel do juiz nessas formas descritas era imparcial, onde só orientava todo o processo, mas não julgava o acusado. O papel de promotor era desempenhado pelo próprio acusador, que seria julgado caso o réu provasse a sua inocência.
 Esses processos trazem insuficiência, como: os crimes misteriosos eram de difícil julgamento; o acusador corria o risco de ser levado a julgamento caso esse não provasse o erro do julgado; o apelo a divindade ocasionaria vantagem ao acusado; homens poderosos por poderem comprar testemunhas passaria mais facilmente pela compurgação; e os julgados poderiam desenvolver técnicas para obterem maior resistência às provas ordilárias. 
O processo por inquérito
O sistema penal acusatório por não se mostrar eficaz ao crescimento da criminalidade é substituído pelo processo por inquérito no século XIII, e consolida-se em toda a Europa continental no século XVI, alterando extremamente todo o sistema penal, concedendo ao juízo humano um papel essencial, condicionado pelas regras racionais do direito. Esse processo atribuiu ao direito uma nova reformulação em suas concepções devido à restauração do estudo do direito romano, estimulando de uma forma direta a mudança do direito penal, assim como fatores políticos e filosóficos, como, por exemplo, a influência dos humanistas historicistas. 
Porém, foi a Igreja a maior incentivadora à essa mudança, não movida pelo humanitarismo, mas sim pelo fato de que o novo sistema era muito mais eficaz ao que se referia aos crimes de heresia, pois esses ameaçavam o seu poder. A Igreja, por exemplo, proibiu a participação dos clérigos nos ordálios, os quais apelavam à providência divina para estabelecer a culpa ou inocência do réu, requeria a presença de clérigos para abençoar a operação. Estando estes, a partir do Concílio, proibidos de participar dos ordálios, não mais poderiam ser realizados.
 Esse processo baseava-se em: acusações privadas, sendo que a responsabilidade do acusador não existia caso o réu fosse inocentado; denúncias poderiam ser comunitárias; suspeitos eram julgados mesmo sem provas; os oficiais do tribunal poderiam intimar um suspeito de crime com base em informações por eles mesmos obtidas; entre outras. 
 A iniciação do processo, segundo Wolkmer, nesta modalidade, facilitou não só o julgamento de todos os crimes, como demonstrou-se muito eficaz na caça aos hereges. No temor cotidiano vivido pela população, quanto aos poderes de Satã, tudo poderia significar sinais da prática de bruxaria e heresia; desde extravagâncias no comportamento, mau humor, até o exercício do curandeirismo. Era comum atribuir às feiticeiras as tempestades e as pragas que se abatiam sobre a plantação, bem como as pestes sobre o gado. Doenças como reumatismo, cálculorenal e até impotência sexual encontravam sua justificação na pessoa da bruxa. Para tanto, bastavam alguns boatos e dificilmente ela escaparia do processo.
 Outro fator a caracterizar o processo por inquérito foi a oficialização de todas as etapas do processo judicial a partir da apresentação de denúncia, no qual o juiz não seria mais um árbitro imparcial, mas sim, ele e os demais oficiais do tribunal assumiam a investigação do crime e determinavam se os réus seriam culpados ou não, através do interrogatório de testemunhas e do próprio réu, com tudo registrado por escrito. 
Além disso, o processo permanecia secreto até sua sentença, os únicos que tinham acesso às provas eram os juízes e os profissionais do direito que representavam o próprio direito de punir do soberano (do rei). Os métodos e as provas eram rigorosos. Era o advento do inquérito da razão. A racionalidade ganha espaço, ao contrário do processo antigo. Toda uma tradição de direito romano-canônico prescrevia exatamente a natureza e a eficácia da prova.
 As provas, então, eram divididas ou até mesmo combinadas entre si de forma que essas fossem: diretas, indiretas, manifestas, imperfeitas, ou, ainda as provas plenas (testemunho ocular de duas pessoas), indícios próximos (provas semiplenas) e os indícios longínquos (opinião pública, má fama do suspeito, etc). 
As provas plenas poderiam acarretar qualquer condenação, as semiplenas causavam suplícios, mas nunca a pena capital, e os indícios bastavam para declarar um suspeito e iniciar investigações. Todas essas provas podiam ser combinadas entre si, de modo que duas provas semiplenas se transformassem em uma prova direta. O problema estava no fato de que todo este cálculo penal, além de motivar sérias discussões, obstruía seriamente a averiguação dos crimes de heresia. Por mais combinações que pudessem sofrer, as ademais provas não se transformariam em prova plena. Como os crimes de bruxaria e heresia eram crimes ocultos, as provas obtidas dificilmente seriam, por exemplo, de duas testemunhas que houvessem presenciado uma bruxa criar uma tempestade. Fazia-se necessário a confissão. Além de constituir uma prova tão forte, a ponto de prescindir de outras, a confissão era o assentimento do próprio acusado em relação à culpabilidade no crime a ele imputado.

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