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1 Crise de 2008 e o Papel determinante dos bancos públicos na recuperação da economia brasileira Elena Soihet i César Murilo Nogueira Cabral ii Resumo O artigo objetiva analisar ações de política bancária e monetária na crise financeira de 2008. A despeito da alta dos preços das commodities, esta não foi capaz de reverter o saldo da balança comercial nem tampouco o saldo em transações correntes. O que houve foi um retorno dos fluxos de capitais em 2009 principalmente os investimentos em carteira. Quanto à política fiscal ela pode ser considerada tímida se comparado aos esforços empreendidos em outros países. A proposta é mostrar que a principal alavanca para restauração da economia brasileira esteve relacionada às medidas de política econômica interna, sobretudo pela atuação dos principais bancos públicos(Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Nesse sentido as demais políticas econômicas tiveram um papel coadjuvante assim como o cenário externo. Abstract The article aims to analyze the actions of monetary and banking policy in the 2008 financial crisis. Despite the high commodity prices, this has not been able to reverse the trade balance nor the current account balance. What happened was a return of capital flows in 2009 mainly portfolio investments. Regarding fiscal policy it can be considered shy compared to efforts in other countries. The proposal is to show that the main lever to restore the Brazilian economy was related to measures of domestic economic policy, especially by the action of the main public banks, Caixa Economica Federal, Banco do Brasil and Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. In this sense the other economic policies had a supporting role as the external environment. Palavras-Chave: Bancos Públicos versus Privado, Canal de Crédito, Banco Central e suas políticas Key Words: State-Owned versus private bank, banking credit market, Central Bank and its policies.. JEL: E58, G1 ÁREA: Sistema Financeiro e Financiamento da Economia i Professora Adjunta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)/- Instituto Multidisciplinar Correio Eletrônico: e.soihet @globo.com ii Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) – Instituto Multidisciplinar Correio Eletrônico: cesar.cabral@yahoo.com.br 2 Introdução A primeira década do século XXI foi marcada nas economias mundiais pela crise norte- americana das hipotecas subprime em 2008. Entretanto esta crise começou a ser desenhada desde 2001, quando se iniciou a especulação imobiliária nos EUA, associada a uma política de juros baixos imposta pelo Federal Reserve devido à baixa inflação naquele período. Em virtude disso, os agentes que antes não conseguiam adquirir um imóvel, seja por falta de renda, garantias, ou histórico de crédito que comprovassem a concessão do empréstimo passaram a ter acesso a novos meios de financiamento que não exigiam detalhadas verificações sobre a saúde financeira do tomador e continham juros baixos, tornando a aquisição possível. No entanto o imóvel permanecia alienado a instituição que fornecia o serviço de financiamento até que fosse concluído o pagamento total do valor da dívida. Este mecanismo já era conhecido antes como hipoteca, contudo o subtítulo subprime foi imposto nesse momento por conta desta nova condição do mercado imobiliário americano (CARVALHO, 2008, 17-18). O aumento da taxa de juros de 1% para 5,25% pelo Federal Reserve entre o segundo trimestre de 2004 e o segundo trimestre de 2007 foi determinante para que em pouco tempo, os tomadores das hipotecas subprime não conseguissem honrar seus compromissos. A crise financeira continuou seu curso no ano de 2008, agravando-se, consideravelmente, a partir de meados de setembro. A decisão das autoridades americanas de não prover apoio financeiro ao Lehman Brothers em setembro de 2008 agravou profundamente a crise, gerando um forte impacto nos mercados globais. Bancos e empresas, mesmo possuindo condições saudáveis do ponto de vista financeiro, passaram a ter amplas dificuldades na obtenção de novos recursos e linhas de crédito de curto prazo. Na esteira da piora da crise financeira, cresceram as preocupações e desconfianças com relação à solvência do sistema bancário norte-americano e seus impactos recessivos sobre o lado real da economia. Nesse sentido, a quebra do Lehman Brothers é, efetivamente, o ponto nevrálgico de agravamento da crise financeira. (BORÇA JUNIOR e TORRES FILHO, 2008, p.132). Em reação a este canal de transmissão da crise e aos efeitos negativos decorrentes do contexto de pânico e fugas de capital o governo brasileiro adotou as chamadas políticas anticíclicas. Não obstante, conforme Araújo e Gentil (2012, p, 38): o cenário externo favorável que muitas vezes é minimizado contribuiu para ajudar a recuperação da economia brasileira. De fato a manutenção de altas taxas de crescimento da China e da Índia partir do segundo trimestre de 2009, a política monetária expansiva dos países centrais que impulsionou uma maior liquidez internacional e a queda do risco dos títulos dos emergentes foram fatores que estimularam a recuperação da economia brasileira. Contudo, a partir de 2008 o saldo do Balanço de Pagamentos foi de apenas US$3 bilhões ante um saldo de US$ 87,4 bilhões em 2007, no que se observa uma queda de 97%. Embora as exportações tenham aumentado 23,2% em 2008, e as importações terem sofrido uma queda considerável (cerca de 40%) tal queda não foi suficiente para reverter o saldo em transações correntes, que pela primeira vez desde 2005 tornou-se negativo (US$ -28,2 bilhões). Em 2009, o saldo da balança comercial ficou no mesmo patamar que 2008 e, portanto não conseguiu recuperar o nível alcançado em 2007. Por coseguinte, a despeito da alta dos preços das commodities, esta não foi capaz de reverter o saldo da balança comercial nem tampouco o saldo em transações correntes. O que houve foi um retorno dos fluxos de capitais em 2009, sobretudo dos investimentos em carteira. Após uma grande queda do fluxo ocorrida em 2008 (cerca de 66%) voltou a ficar no mesmo nível que 2007, ajudado também na apreciação do real entre 2007 a 2009 iii . Quanto à recuperação da economia brasileira, os sinais iniciaram-se em 2009. O PIB começou uma trajetória de alta a partir de março de 2009, porém mesmo assim o PIB real em 2009 obteve uma pequena queda de 0,3%. A recuperação efetiva se deu apenas em 2010, onde apresentou crescimento no ano de 7,5%. A formação bruta de capital fixo iniciou embora timidamente sua recuperação no 3º trimestre de 2009. Com a recuperação das expectativas positivas dos agentes essa taxa voltou a elevar- se e ao final de 2009 e permaneceu no mesmo patamar do início de 2008. Em relação ao emprego, iii Ver os dados do Anexo I, .balanço de pagamento do Brasil (2005-2009). 3 observou-se que somente a partir do 3º trimestre de 2009 o volume de admissões voltou a ultrapassar o número de demissões. Por fim o nível de consumo das famílias ensaiou uma recuperação a partir do 2º trimestre de 2009 e terminou o ano com um consumo de R$ 500 bilhões (o maior volume desde o 1º trimestre de 2008) iv . Diante desse quadro, o artigo se propõe a mostrar que a principal alavanca para restauração da economia brasileira esteve relacionado às medidas de política econômica interna, sobretudo pela atuação dos bancos públicos, especialmenteCaixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (respectivamente BB, CEF e BNDES). Tendo como referência a concepção pós-keynesiana, na qual o sistema bancário não é neutro, ao contrário, desempenha um papel crucial na determinação da capacidade de uma nação crescer e prosperar em uma situação de crise, a hipótese aqui estabelecida é que a política bancária via atuação dos bancos públicos (BPs) foi o fator determinante para o enfrentamento e minimização dos efeitos danosos da crise mundial de 2008. Nesse sentido o Banco Central do Brasil (BCB) exerceu um papel coadjuvante, porém não irrelevante. De um lado adotou uma atitude conservadora quando demorou a diminuir a taxa Selic, mesmo com o agravamento do cenário internacional. O Comitê de Política Monetária (COPOM) iniciou apenas em 2009 a redução da taxa Selic e esta só se tornou um dígito somente em junho de 2009. Por outro lado, o BCB se valeu outros instrumentos de política monetária tais como o open- market e compulsório na tentativa de melhorar as condições de liquidez da economia. Quanto à política fiscal segundo Araújo e Gentil (2012, p.50 e 51) “os investimentos federais permaneceram estagnados entre dezembro de 2008 e março de 2009, na mais difícil travessia da turbulência, só iniciando sua expansão após marco, seis meses após a deflagração interna da crise”. Segundo Almeida (2010, p.8) “o instrumento fiscal pode ser considerado tímido se comparado aos esforços empreendidos em outros países”. De fato, a política fiscal seguiu na direção correta, mas com uma intensidade relativa muito baixa. No acumulado do ano de 2009 até o terceiro trimestre enquanto o Brasil fazia 1,7% do PIB de superávit primário, a economia americana produzia déficit de 11,6% e as economias da zona do euro 6,3% em média (ARAUJO e GENTIL, 2012, p.51). O presente trabalho tem por objetivo analisar ações de política bancária e monetária, especificamente 1) a atuação do BPs e a contribuição deles na redução do spread bancário e na expansão do crédito. 2) a atuação do BCB baseado nos seus instrumentos de política monetária e na legislação vigente. O artigo está estruturado em quatro seções, além da presente introdução e conclusão. A seção 2 se propõe a discutir teoricamente as diferentes visões acerca do papel dos bancos públicos. A seção 3 é dedicada analisar a atuação do sistema bancário brasileiro durante a crise internacional de 2008. Nessa seção foi ainda apresentada através de estatísticas bancárias uma análise comparativa entre a performance dos bancos privados e públicos. A Seção 4 mostrará a atuação do Banco Central e as medidas impostas por ele através dos instrumentos de política monetária. 2. Debate sobre a literatura dos Bancos Públicos A literatura sobre o papel dos bancos públicos é vasta e com muitas controvérsias de acordo com as diversas correntes. Conforme Freitas (2010, p.334) a partir da montagem no Banco Mundial de uma ampla base de dados sobre o sistema financeiro, inúmeras pesquisas empíricas foram realizadas, objetivando mensurar a eficiência do setor. O interesse dessas pesquisas no mainstream está amplamente relacionado ao processo de privatização ocorrido principalmente na América Latina e Sudeste da Ásia. Tais estudos focam em mensurar a competitividade dos bancos públicos, e de uma forma geral a conclusão é que os bancos públicos são menos competitivos do que os bancos privados. Conforme a literatura convencional, a intermediação financeira, pública ou privada, existe para mitigar problemas de assimetria de informação e da “incompletude” dos contratos A propriedade pública, na medida em que diminui a pressão por lucratividade, poderia induzir bancos a emprestarem iv Ver os dados do Anexo II- principais variáveis do Setor Real . 4 para tomadores cujo retorno é socialmente (mas não privadamente) positivo. (COELHO 2007, p.21). Panizza e Micco (2005, p.22) argumentam que os bancos públicos devem ter uma função objetivo diferente de instituições financeiras privadas. Em particular, os bancos públicos deveriam ser mais ativos nos setores onde as imperfeições do mercado tendem a ser mais prevalente. Nessa visão os candidatos naturais são setores associados a assimetrias de informação e externalidades. A partir literatura convencional têm-se basicamente duas grandes linhas: a visão do desenvolvimento (development view) e a visão política (political view). A primeira é associada a Alexander Gerschenkron (1962) que foca na necessidade de ter instituições financeiras públicas voltadas ao desenvolvimento e crescimento econômico. Ele exemplifica o caso da Rússia no século XIX que ao contrário da Alemanha não tinha bancos privados para alavancar crescimento. Os bancos públicos preenchiam a função de bancos industriais. Em oposição a esta linha tem-se a “visão política” que sustenta que o bancos públicos, através dos seus financiamentos, politiza a alocação de recursos, para fins de obtenção de votos, não persegue as restrições orçamentárias, e portanto tem uma baixa eficiência. (LA PORTA, LOPEZ –DE-SILANES E SHLEIFER, 2002, p.3) Na “visão do desenvolvimento” há autores mais focados na defesa das instituições públicas como Myrdal (1968) favorável a existência dos bancos públicos exemplificando o caso de sucesso da Índia e outros países da Ásia. (LA PORTA, LOPEZ –DE-SILANES E SHLEIFER, 2002, p.4) Para eles a existência delas é importante para suprir setores essenciais através do crédito concedido o que impactaria positivamente sobre o crescimento econômico. Conforme Thorne (2011,p.5) os bancos de desenvolvimento são uma forma de intervenção governamental no sistema financeiro, com o objetivo de suprir as falhas do mercado na oferta de financiamento, fornecendo crédito para os segmentos de mercado que não são bem servidos pelo setor privado. Esses segmentos incluem projetos cujos benefícios sociais excedem os seus fins comerciais; projetos de longo prazo, projetos de risco tais como aqueles cujos empreendimentos exigem novas tecnologias, projetos em regiões pobres ou distantes, e por fim os pequenos e novos que não têm garantia colateral. A autora estabelece seis princípios sob os quais os bancos de desenvolvimento sejam eficazes: um ambiente favorável, regulação do mandato, supervisão, governança e gestão financeira e avaliação de desempenho. No entanto, sublinha que os bancos desenvolvimento continuam a ser uma iniciativa incerta para o governo, mas que mediante circunstâncias corretas e supervisão adequada podem ser um instrumento útil para alcançar seus objetivos, ou seja, ser um canal para o desenvolvimento da sociedade. Essa visão é compartilhada por Rocha (2003) citada por Deos e Mendonça (2010, p.59) em defesa das instituições públicas. O argumento central seria que a ausência do Estado no papel de provimento de serviços bancários, além de implicar em menor compromisso com a universalização desses serviços, determinaria investimentos menores em segmentos como infraestrutura pesquisa e desenvolvimento (P&D). Na linha de mercado é enfatizada a ideia de corrupção e incompetência da burocracia estatal além da defesa da privatização. Para eles a instituição pública existe por razões políticas e não econômicas. Caprio et al. (2005, p.3) se valem de vários argumentos para justificar a ineficiência dos bancos públicos. Primeiramente, ao se analisar os bancos públicos pelos indicadores financeiros convencionais, tais como retorno sobre o patrimônio líquido, grau de inadimplência e níveis de despesa, em geral eles apresentam desempenho pior que os bancos privados; alguns bancos públicos costumamoferecer empréstimos subsidiados e crédito direcionado às indústrias especiais ou empresas identificadas pelo governo; tais bancos também sobrecarregam seus governos com grandes passivos resultantes de garantias explícitas ou a assunção implícita de que alguns destes bancos são "grandes demais para falir". Em outras palavras, os bancos públicos tem piores indicadores financeiros que os dos bancos privados, apresentam uma menor rentabilidade uma vez que fornecem créditos subsidiados ou direcionados e por fim ao desempenhar o papel de emprestador de última instância oneram seus passivos. Do ponto de vista econômico, a política ótima é a privatização para os governos que possuem um histórico de mau desempenho dos bancos públicos. Esta solução não só pode economizar o dinheiro público, através da eliminação dos subsídios, como também pode melhorar o desempenho de 5 suas economias, garantindo que o crédito será canalizado via mercado e não através de funcionários do governo (CAPRIO et al., 2005, p. 5). Guinle (1999, p.41) ao analisar os instrumentos para controle da crise bancária cita vários instrumentos entre eles o fomento, a fusão, fechamento de bancos inviáveis e redução da participação estatal no sistema bancário. Nas palavras da autora: Bancos públicos sempre foram fonte de má administração de crédito, ineficiência administrativa, baixa lucratividade e mais recentemente nos países emergentes, sinônimo de insolvência devido a interferências políticas diretas. A privatização dos bancos estatais é instrumento de reconfiguração do sistema trazendo estabilidade e uniformidade de tratamento na indústria. (GUINLE, 1999, p.41) De acordo com suas avaliações empíricas baseado em dados do Brasil, Coelho (2007, p. 82,83) o efeito competitivo dos bancos públicos é menor dos que nos privados. Em outro procedimento em que a presença dos bancos públicos é exógena, o resultado sugeriu que, enquanto a presença de bancos privados estimula a competição, a presença de bancos públicos é, no melhor dos casos, neutra em relação à competição. Ou seja, sob a visão de mercado os bancos públicos são fontes de má administração de crédito. Na visão do desenvolvimento os bancos públicos devem existir com o objetivo de suprir as falhas do mercado na oferta de financiamento e fornecendo crédito para os segmentos de mercado que não são bem supridos pelo setor privado. Sob essa visão há um enfoque mais favorável a existência dos bancos públicos no sentido que tais instituições devem permanecer uma vez são voltadas ao desenvolvimento e crescimento econômico do país. Em contraponto a visão convencional tem-se a linha pós–keynesiana ligada aos fundamentos da teoria keynesiana e a Hyman Minsky. Na síntese neoclássica, o sistema bancário, especialmente o banco comercial, é mecânico, estático e passivo, ou seja, são neutros na medida em que não tem impacto significativo sobre o comportamento da economia. Com relação à atuação bancária, Minsky assim como Keynes, também admitiu que os bancos são agentes ativos, pois não apenas recebem de forma passiva os recursos de acordo com as escolha do público, mas procuram interferir nessas escolhas das mais diferenciadas formas para que consigam lucrar ainda mais (Paula,1999,p.179) Minsky em seu trabalho “Stabilizing an Unstable Economy” (1986) dividiu a estrutura financeira em unidades hedge, posição especulativa e posição Ponzi. As unidades hedge esperam que o fluxo de caixa oriundo de operações com os ativos de capital (ou a partir dos contratos financeiros possuídos) seja mais que suficiente para a quitação dos compromissos contratuais correntes e futuros. Consequentemente, não podem ter um grande volume de dívida à vista. As unidades hedge são consideradas as mais conservadoras. As unidades que adotam posturas financeiras especulativas esperam que o fluxo de caixa oriundo da operação com ativos (ou da posse de contratos financeiros) seja menor do que os compromissos de pagamento em alguns períodos, tipicamente no curto prazo. A finança especulativa envolve o rolamento de dívidas que estão vencendo. As unidades especulativas tem uma postura menos conservadora que a hedge. Por fim as nas unidades Ponzi os custos financeiros são maiores do que a renda de modo que a quantidade nominal de dívida pendente aumenta. A postura Ponzi é um caso extremo da postura especulativa. A solidez ou a fragilidade de um sistema financeiro depende do tamanho e da força das margens de segurança e da probabilidade de que distúrbios iniciais sejam ampliados (Minsky 2008, p.209 . Associando essas posturas ao sistema bancário, Paula (1999, 184,185), observou que os bancos procediam de acordo com o hedge quando aumentavam a participação em ativos mais líquidos e utilizavam os fluxos de caixa como critério para a concessão de fundos. E agiam de maneira especulativa quando relaxavam os critérios para a concessão de fundos e aumentavam a participação em ativos mais lucrativos, os quais em sua maioria ofereciam fortes riscos. 6 Por meio dessas análises, Minsky, reforçou a importância dos bancos na estrutura econômica mundial, uma vez que estes possuem o poder de fragilizar ou tornar robusta a situação econômica global através da natureza de seus empréstimos, ou seja, se os empréstimos tiverem como origem posturas hedge, o sistema econômico-financeiro estará sadio, caso contrário, se forem frutos de posturas especulativas ele estará fragilizado e propenso a crise. Associando a teoria do ciclo minskyano a existência dos bancos públicos, podem-se sugerir tais bancos são fundamentais para estabilizar uma economia em crise, criar um ambiente propício para negócios e melhorar as expectativas de negócios. Nesse sentido como apontado por Deos e Mendonça (2010), os bancos públicos devem ocupar papel importante mesmo em economias com sistemas financeiros maduros. Isto no tocante ao atendimento de segmentos não interessantes do ponto de vista do setor privado, mas que podem ter desdobramentos relevantes sobre a economia local, setorial ou nacional, bem como no que diz respeito á contribuição para implementação de uma política financeira. Assim, além dessa atuação mais pontual, que não entendemos ser desempenhada apenas no sentido de minimizar as falhas e lacunas do mercado, mas também no sentido de criar mercados inexistentes, as instituições públicas podem, e muitas vezes devem atuar em outras dimensões. (DEOS e MENDONÇA, 2010, p.50) Assim, ao exercer seu papel de bancos públicos a preocupação com a rentabilidade do banco não deve estar em primeiro plano. Na verdade enquanto agente de fomento e indutor de novos rumos para o mercado pode estar, em oposição ao desempenho financeiro do próprio banco. Na próxima seção será analisado o desempenho do sistema público no Brasil no período da crise financeira internacional de 2008. 3. Análise do Sistema Bancário durante a crise internacional de 2008 e o papel dos bancos públicos 3.1- Indicadores de Mercado Entre 2003 e 2008 (antes da crise internacional) os bancos, basicamente os privados, passavam por um ciclo de alta do crédito bancário. Para se ter uma ideia do boom de crédito que se desenvolvia na economia no momento anterior à crise internacional, basta observar que em setembro de 2008 o crédito crescia 45,0% e 17,9% , para pessoas jurídicas e pessoas físicas na comparação com o mesmo mês do ano anterior. (ALMEIDA, 2010, p.58) A partir de setembro de 2008 até meados 2009 os bancos privados apresentaram comportamento defensivo com relação à concessão do crédito. Este comportamento foi previsto na teoria keynesiana quando no capitulo 17 da Teoria Geral,Keynes argumentou que “em momentos de elevada incerteza, mesmo que o governo amplie a oferta de moeda, os aplicadores podem preferir manter sua riqueza sob a forma de moeda do que aplicá-la em ativos de capital”. A crise de 2008 apresentou essas características, ou seja, os agentes demandaram segurança em virtude da crise de confiança instaurada no sistema bancário. Nesse sentido podem-se destacar os seguintes fatores que corroboraram para o pessimismo do sistema bancário privado nacional (i) os prejuízos de empresas e bancos com derivativos de câmbio, (ii) as perdas no mercado de capitais e (iii) os aumentos dos indicadores de inadimplência Os derivativos de câmbio provocaram perdas principalmente em empresas exportadoras ante a apreciação do dólar. (ver tabela 1) 7 A incerteza se agravaria à medida que iam se tornando públicos os elevados montantes de empréstimos a empresas concedidos em operações casadas com aplicações em mercados futuros de câmbio nas quais as empresas assumiram riscos cambiais. Com a desvalorização do real foram gerados vultosos prejuízos em muitas empresas brasileiras, o que em setores como celulose, alimentos processados e açúcar e álcool levou a quebras de empresas nacionais de porte. (ALMEIDA, 2010, p.58) Tabela 1- Prejuízos de empresas selecionadas no mercado de derivativos cambial Empresa Setor Perda em milhões de dólares ARACRUZ CELULOSE 2.130 GRUPO VOTORANTIM DIVERSIFICADO 1.040 SADIA ALIMENTOS 360 Fonte: Elaboração dos autores adaptado de Farhi e Borghi (2009, p.176). Em relação ao mercado de capitais, em tempos de crise, há grande queda na eficiência marginal. As mercadorias são vendidas, independentemente dos preços. O declínio da eficiência marginal do capital afeta a propensão a consumir e reduz drasticamente o investimento e redução empresas. A queda grave na eficiência marginal do capital também envolve um acentuado declínio do valor de mercado das Bolsas de Valores. (KEYNES 1964, p.318). O gráfico a seguir, apresenta o desempenho do Índice Bovespa (Ibovespa). Pode-se perceber que as expectativas haviam se deteriorado drasticamente, pois, o período entre julho a dezembro de 2008 foi marcado por uma grande queda agregada desse índice, equivalente a 40,7%. O “fundo do poço” ocorreu no mês de outubro de 2008 no qual o Ibovespa sofreu uma queda mensal de 24,4 , e de 14,7% em apenas um único dia (13/10/2008). Gráfico 1-Bolsa de valores – IBOVESPA (Diário) Período de Jul/2008 a Abr/2010 Fonte: Elaboração dos autores baseada em Série temporal do BCB. Quanto a inadimplência tem-se um aumento dos indicadores a partir de outubro de 2010 tanto para pessoa jurídica como para pessoa física. A menor oferta de crédito no quarto trimestre de 2008, com a concessão mais conservadora, em prazos mais curtos, atingiram os consumidores dependentes de crédito para rolar suas dívidas, ou seja, aqueles que pagam dívidas com novas dívidas. Quanto às empresas de acordo com o indicador Experian Serasa de Inadimplência das Empresas cresceu 18,8% em 2009 quando comparada com 2008. 30.000 35.000 40.000 45.000 50.000 55.000 60.000 65.000 70.000 8 Tabela 2- Crescimento da Inadimplência das empresas Ano % Cresc. da Inad. 2002 2,1 2003 10,2 2004 -19,4 2005 14,2 2006 5,4 2007 1,5 2008 4,8 2009 18,8 Fonte: Elaboração dos autores a partir Experian Serasa de Inadimplência das Empresas do Indicador Serasa Ex A seguir será feito uma análise comparativa do comportamento dos bancos públicos e privados. Nesse particular confrontam-se a evolução de indicadores bancários usualmente utilizados na literatura bancária: spread bancário e seu componente e concessão de crédito bancário. 3.2 -Spread bancário O spread bancário é definido pelo BCB como a diferença entre a taxa de captação paga pelos bancos aos depositantes e a taxa de empréstimo cobrada pelos bancos aos tomadores de crédito v . Tendo em vista este conceito, a seguir será feita uma análise sobre os spreads bancários dividida em duas partes: a primeira abordará o spread total dos bancos e a segunda será uma comparação entre os spreads dos bancos privados e públicos. O spread possui sua composição dividida em sete itens são eles: (i) Custo Administrativo (ii) Inadimplência (iii) Compulsório + subsídio Cruzado (iv) Encargos Fiscais e Fundo Garantidor de Crédito (FGC) (v) Margem Bruta, Erros e Omissões (vi) Impostos Diretos (vii) Margem Líquida, Erros e Omissões vi . A análise da metodologia de decomposição mais recente revela os componentes mais importantes continuam sendo a inadimplência (cerca de 20%), os custos administrativos (cerca de 10%) e a margem líquida (15%). (SOIHET e COUTINHO, 2011,p.11). Assim o foco da análise será baseado nesses itens. Os dados são do Relatório de Economia Bancária de 2009. Gráfico 2 - Evolução do Spread Bancário bancos públicos e privados (%) Período -2004 a 2009 Fonte: Elaboração dos autores baseada em Série temporal do BCB. v Conforme BCB (1999, 2001, 2003, 2004, 2006) vi Segundo BCB (2008), os encargos fiscais e FGC compreendem contribuições e impostos que incidem na atividade de concessão de crédito. Os Impostos Diretos correspondem ao Imposto de Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) 25 30 35 40 45 2004 2005 2006 2007 2008 2009 bancos públicos bancos privados 9 Conforme se pode observar, os spreads dos bancos públicos e privados tiveram alta correlação e ambos apresentaram um elevado nível em 2008 (bancos públicos 37 % e privados 41 %) devido as incertezas na economia. Até 2006 o spread dos bancos públicos era bem mais elevado do que o dos bancos privados, (na média entre 2004 a 2006 o spread dos bancos públicos era 39,2% e dos bancos privados 34,3%). Após a crise mundial essa tendência se inverteu. Em 2009 o spread dos bancos públicos foi de 26,1 % e dos privados 31,2 %. A partir de então vem havendo uma tendência de queda dos spreads nas operações de crédito ( Graf.2 e Graf.3). Gráfico 3- Spread das operações de crédito (%) Com recursos livres referenciais para taxa de juros pré-fixado Fonte: Elaboração dos autores baseada em Série temporal do BCB. A declaração do ex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Brasil, tornou ainda mais nítida a posição que o governo assumiria diante da situação econômica vigente. A redução do spread bancário neste momento é uma obsessão minha. Nós precisamos fazer o spread bancário voltar à normalidade no país... O (ministro da Fazenda) Guido (Mantega) sabe disso, o Banco do Brasil sabe disso, a Caixa Econômica sabe disso, o Banco Central sabe disso. Não há nenhuma necessidade de o spread bancário ter subido tanto no Brasil de julho para cá. vii Gráfico. 4- Evolução da Inadimplência dos bancos público e privados (%) Fonte: Fonte: Elaboração dos autores baseada em Série temporal do BCB. vii Disponível em AGÊNCIA ESTADO. Lula: BB e Caixa sabem de 'minha obsessão' por spread menor.8 abr.2009. 0 10 20 30 40 50 n o v/ 0 7 fe v/ 0 8 m ai /08 ag o /0 8 n o v/ 0 8 fe v/ 0 9 m ai /0 9 ag o /0 9 n o v/ 0 9 fe v/ 1 0 m ai /1 0 ag o /1 0 6 8 10 12 14 16 18 2004 2005 2006 2007 2008 2009 bancos publicos bancos privados 10 A inadimplência dos bancos públicos e privados apresentou um caráter irregular durante o período de 2002 a 2007, entretanto sua maior elevação foi observada no período de 2007 para 2008. A média de inadimplência dos bancos públicos no período 2004 a 2007 foi de 14,4% contra 10,1% dos bancos públicos. Gráfico 5- Evolução do Custo administrativo (%) Fonte: Elaboração dos autores baseada em Série temporal do BCB. Conforme BCB (2008), os custos administrativos compreendem em despesas como água, energia, transporte, salários, propaganda e outros. Esses vêm tendencialmente sofrendo uma queda. (Graf.5) Gráfico 6- Evolução da Margem Líquida bancos públicos e privados (%) Fonte: Elaboração dos autores baseada em Série temporal do BCB A margem líquida, é um item obtido por resíduo, logo é composta pelo lucro do banco e eventuais erros e omissões do exercício de decomposição. Quando eclodiu a crise em 2008, ao contrário do esperado tanto os bancos públicos quanto os privados alcançaram a maior margem líquida desde 2004, os bancos públicos passaram para 8,2 p.p e privados 14,3 p.p, o maior valor da série) Tal aumento poderia estar associado ao aumento da inadimplência. Contudo, após esse período a inadimplência sofreu uma queda considerável (gráfico 4) e mesmo com o seu decréscimo os bancos privados continuaram a ter um alto nível de margem liquida. No período 2002-2009 a média de margem líquida dos bancos privados foi o dobro dos bancos públicos( 10 p.p nos bancos privados e 5 p.p. nos públicos). Em síntese, os bancos públicos reduziram seu spread total durante a crise de 2008, assim como os custos administrativos e essa atuação continuou em 2009. Quanto à inadimplência pode ser observado que nos bancos privados essa taxa foi bem menor que nos públicos, mas isso não significou queda da margem líquida dos bancos privados, que continua em patamar muito elevado. 3 5 7 9 11 13 2004 2005 2006 2007 2008 2009 bancos publicos bancos privados 0 5 10 15 2004 2005 2006 2007 2008 2009 bancos publicos bancos privados 11 4.3- Crédito bancário Gráfico 7- Participação das Instituições Públicas,Privadas e estrangeiras nos Empréstimos (2006-2009) Fonte: Boletim Anual do BCB, 2009 (cap.2) O gráfico 7 apresenta a participação percentual nos empréstimos totais do sistema bancário dividido por instituições. Em 2006 e 2007 as instituições públicas detinham menor participação do que as privadas. Já no ano seguinte o setor público aumentou sua participação devido às novas linhas de crédito abertas para o combate à crise, mas ainda assim continuou atrás da participação das instituições privadas. No entanto, em 2009, com a consolidação da redução dos spreads nos bancos públicos e adicionalmente com novas liberações de créditos promovidas pelo governo federal, à participação nos empréstimos totais das instituições públicas superou as privadas e isto se configurou como o complemento decisivo para que o Brasil se recuperasse dos efeitos da crise americana, uma vez que os bancos públicos atuaram eficazmente no momento em que era necessário, incentivando a redução dos spreads bancários e aumentando o volume de crédito na economia. Gráfico 8 – Concessão de Empréstimo das principais instituições públicas (R$ bilhões)- dados deflacionados pelo IPCA Fonte: Relatório de Economia Bancária 2009, BCB. Elaboração dos autores. 0 100000 200000 300000 banco do brasil caixa economica bndes dezembro de 2008 dezembro de 2009 12 Gráfico 9 - Concessão de Empréstimos das instituições públicas e privadas (R$ bilhões)- dados deflacionados pelo IPCA Fonte: Relatório de Economia Bancária 2009, BCB. Elaboração dos autores. O gráfico 8 mostra as principais instituições públicas que atuaram durante a crise.O BB que registrou um aumento real de 2008 para 2009 de 31,5% na concessão de empréstimos seguido da CEF com 51,4%. O BNDES teve um surpreendente crescimento equivalente a 140%. Na média as instituições públicas ampliaram em 66,7% seus empréstimos. A participação dos empréstimos públicos no total de empréstimos cresceu de 38,2% em 2008 para 49,5% em 2009 enquanto a dos empréstimos de bancos privados caiu de 63,5 para 49,2%.(Graf.9) Os dados verificados nessa seção corroboram com a seguinte conclusão: o setor bancário público nacional atuou, durante a crise, mais do que simplesmente um banco comercial visando lucros, mas, sobretudo como um órgão auxiliar da execução da política de crédito do Governo Federal prevista na lei 4595 de 31/12/1964. Seu compromisso foi garantir a liquidez da economia via expansão do crédito assim como a redução do spread bancário. 4- Política Monetária: atuação do Banco Central 4.1-Taxa Selic Nos primeiros meses do ano de 2008 a economia brasileira passava por um período de aceleração do crescimento e a maior valorização de seus ativos por conta do recebimento de grau de investimento em abril de 2008, que acarretou altas na bolsa de valores e o aumento do crédito. Segundo o Relatório Anual do BCB (2009) “toda essa euforia desencadeou crescentes pressões inflacionárias com a inflação em junho de 2008 ultrapassando a meta de 4,5% estipulada pelo Comitê de Política Monetária”. A questão é que o BCB teve não reduziu a Selic mesmo com agravamento do cenário internacional a partir de agosto de 2008. Houve repetidos aumentos da meta da taxa de juros ao longo do ano 2008. Entre 24/07/2008 a 10/09/2008 a Selic situava-se em 13,00%a.a e no auge da crise, durante o período de 11/09/2008 até 21/01/2009, o Comitê de Política Monetária (COPOM) aumentou a Selic para 13,75%. Ao longo de 2009, a postura do BCB foi no sentido de reduzir a Selic, tendo em vista que “já havia sinais de arrefecimento do ritmo de atividade econômica e recuo das expectativas de inflação”viii. O Comitê reduziu a meta para 8,75% em julho, taxa que se manteve também até os primeiros meses de 2010. Contudo a redução da taxa de juros que é um fator decisivo a fim de melhorar as expectativas futuras e influenciar na reativação da demanda agregada entrou em cena muito tarde. viii Boletim do BC – Relatório Anual, (2009) 0 200000 400000 600000 800000 publicas privadas 2008 2009 13 Como há um intervalo de tempo entre a queda da taxa básica de juros e seus efeitos na atividade real, provavelmente a política de juros acelerou a recuperação da economia quando esta já estava em curso, vale dizer, em meados de 2009, sem ter sido em si um antídoto à crise ou um mecanismo primário promotor da reativação. (ALMEIDA, 2008, p.57) 4.2-Compulsório e Redesconto O BCB durante o ponto crítico da crise de 2008 valeu-sede importantes alterações na regra dos depósitos compulsórios e redesconto objetivando assegurar as condições de liquidez necessárias à economia, As principais alterações dessas regras ,assim com o caráter delas- se expansionista ou restritiva- podem ser vistas na Tabela 3. Tabela 3- Principais alterações nos Compulsórios e Redesconto Principais Medidas Caráter Principais Alterações Medida Provisória n° 442 6.10.2008 Restritivo Confere ao Conselho Monetário Nacional assegurar níveis adequados de liquidez cabendo ao BCB na ocorrência de inadimplemento alienar os ativos recebidos em operações de redesconto ou em garantia de empréstimo. Resolução n° 3622 9.10.2008 Restritivo Autorizou o BCB a impor à instituição financeira adoção de limites operacionais mais restritivos além de vedar à exploração de nova linha de negócios. Circular n° 3.408 8.10.2008 Expansionista 1) Reduziu a alíquota adicional dos depósitos compulsórios sobre recursos a vista e a prazo de 8% para 5%. 2) elevou o limite de dedução do compulsório de R$ 300 milhões, fruto da Circular n° 3.262 de 19/11/2004, para R$ 700 milhões. Circular n° 3.409 10.10.2008 Expansionista O Banco Central do Brasil dispensará, em caráter excepcional, o cumprimento de exigibilidades de recolhimentos compulsórios e encaixes obrigatórios de instituição financeira que formalizar pedido de redesconto, até o valor da operação e pelo prazo necessário à sua análise. Circular n° 3.410 13.10.2008 Expansionista Elevou o limite de dedução do compulsório de R$ 700 milhões para R$ 2 bilhões. Circular n° 3.413 14.10.2008 Expansionista Reduziu a alíquota relativa aos recolhimentos de compulsórios sobre recursos a vista de 45% para 42%. Circular n° 3.417 30.10.2008 Expansionista Possibilitou o abatimento até o limite de 70% dos recolhimentos sobre aquisições e depósitos interfinanceiros. Circular n° 3.426 19.12.2008 Expansionista Reduziu mais uma vez a alíquota da exigibilidade adicional sobre recursos a prazo de 5% para 4% produzindo efeitos a partir de 19 de janeiro de 2009. Circular n° 3.427 19.12.2008 Expansionista 1) Reduziu a parcela em espécie dos recolhimentos compulsórios sobre depósitos a prazo de 70% para 60% 2) Incluiu os depósitos interfinanceiros captados de sociedades de arrendamento mercantil na base de 14 cálculo dos valores sujeitos a recolhimento de recursos a prazo 3) Prorrogou o prazo para aquisições de ativos e aplicações em depósitos interfinanceiros entre instituições financeiras de 31 de dezembro de 2008 para 31 de março de 2009. Fonte: Elaboração dos autores baseado no Boletim anual do Banco Central do Brasil, 2008. Ao todo, de 24 de setembro de 2008 a 19 de janeiro de 2009 as alterações nas regras dos compulsórios, conforme dados do BCB proporcionaram a liberação efetiva de R$ 99,8 bilhões do saldo dessa conta. ix . De acordo com Almeida (2008, p.57) os R$100 bilhões que antes os bancos recolhiam compulsoriamente ao Banco Central juntamente com uma ação deliberada de política bancária para evitar uma crise nos bancos de menor porte, na qual 57 instituições públicas adquiriram participações e compraram carteiras de crédito de bancos em dificuldades, a medida de aumento de liquidez foi relevante, pois abortou a possibilidade de corrida bancária ou de dúvidas sobre a situação de liquidez dos bancos brasileiros. Por outro lado, não há unanimidade quanto à eficácia dos compulsórios. A estratégia de redução das alíquotas dos recolhimentos compulsórios adotada pelo BCB se revelou inócua, pois, dada a preferência pela liquidez dos bancos e a possibilidade de aplicação, líquida, rentável e de baixíssimo risco, em títulos públicos, os bancos privados simplesmente não ampliaram o crédito. A liquidez só voltou a fluir quando, em março de 2009, o governo decidiu garantir, mediante o Fundo Garantidor de Crédito, os recibos de depósito bancário (RDB) até 20 milhões de reais por aplicador, sem liquidez diária, emitidos com prazo de no mínimo seis meses e no máximo cinco anos, com teto para as p as captações por instituição financeira no valor máximo de 5 bilhões de reais.(FREITAS,2009 p.139) O fato é que o compulsório em termos reais no ultimo trimestre de 2008 apresentou importante declínio (Graf. 10). O saldo total dos recolhimentos compulsórios em termos reais (deflacionado pelo IPCA), em setembro de 2008, equivalia a R$ 111 bilhões e em dezembro passou para R$ 54 bilhões (queda equivalente a 51,7%). Basicamente o compulsório manteve-se no nível de R$ 54 bilhões até dezembro de 2009. Gráfico 10- Depósitos Compulsórios- valores deflacionados pelo IPCA Saldo em bilhões de reais. Fonte: Elaboração dos autores baseada em Série temporal do BCB Com relação a redesconto as taxas de juros cobradas nessa operação possuem um caráter punitivo, sendo maiores do que as taxas do mercado interbancário. Ao diminuir a taxa do redesconto o BCB entendeu que os bancos teriam incentivos a diminuir suas reservas por conta das facilidades proporcionadas pelo emprestador de última instância. Para era evitar assunção exagerada de riscos pelo setor bancário, aumentando o risco moral no sistema, o BCB argumentou que apesar de ter como ix Dados obtidos no relatório anual de 2009 – seção moeda e crédito. 0 20 40 60 80 100 120 ju n /0 8 ju l/ 0 8 ag o /0 8 se t/ 0 8 o u t/ 0 8 n o v/ 0 8 d ez /0 8 ja n /0 9 fe v/ 0 9 m ar /0 9 ab r/ 0 9 m ai /0 9 ju n /0 9 ju l/ 0 9 ag o /0 9 se t/ 0 9 o u t/ 0 9 n o v/ 0 9 d ez /0 9 15 objetivo final o aumento da liquidez na economia, foi novamente “obrigado” a adotar uma postura mais restritiva, em nome da prudência, conforme destacado na Medida Provisória 442 (6.10.2008), na Resolução 3.622 (9.10.2008). Contudo em meio a essas medidas de restrição pode-se observar uma medida de caráter tipicamente expansionista que combina o redesconto com as reservas compulsórias. Seu texto está no artigo 3° da Circular n° 3.409 de 10 de outubro de 2008, “O Banco Central do Brasil dispensará, em caráter excepcional o cumprimento de exigibilidade de recolhimentos compulsórios e encaixes obrigatórios de instituição financeira que formalizar pedido de redesconto, até o valor da operação e pelo prazo necessário a sua análise”. Isso quer dizer que se um banco está em dificuldade de liquidez e precisa utilizar o redesconto, o BCB desconsiderará os recolhimentos compulsórios e encaixes obrigatórios desse banco se ele estiver dentro do valor da operação e do prazo de análise. O gráfico 11, mostra que no período de outubro a março exatamente no auge da crise, ocorreu uma forte queda no redesconto justificado pelo BCB sua atuação “cautelosa” ao evitar que os bancos se arriscassem diante do ponto crítico da crise. Gráfico 11- Redesconto acumulado em R$ bilhões- valores deflacionado pelo IPCA Fonte: Elaboração dos autores baseada em série temporal do BCB. Durante o último trimestre de 2008, a autoridade monetária com o propósito de aumentar a liquidez na economia, através do open market obteve um resgate líquido de R$21,2 dereais em títulos públicos no mercado primário. No ano de 2009 tal política permaneceu, embora tendencialmente em queda havendo um resgate líquido total em 2009 de R$95,8 bilhões de reais em títulos no mercado primário. (Graf. 12). Gráfico12- Colocações líquidas de títulos públicos –R$ bilhões valores deflacionados pelo IPCA Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados e série temporal do BCB 0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 out-dez/08 jan-mar/09 abr-jun/09 jul-set/09 out-dez/09 -200 -150 -100 -50 0 out/08 nov/08 dez/08 jan/09 fev/09 mar/09 16 Em síntese: o BCB durante o auge da crise buscou estimular a liquidez através das medidas observadas pelos instrumentos dos compulsórios e através das operações de mercado aberto. Entretanto, as demais políticas monetárias não tiveram um caráter anticíclico. A política do redesconto foi restritiva e quanto à redução da taxa básica de juros foi feita tardiamente e, portanto foi inócua para explicar a recuperação da economia. Isto significa que a política monetária nesse período foi incoerente quanto a objetivos, pois dois instrumentos foram direcionados a expansão e dois a restrição. Conclusão A partir dos argumentos expostos neste trabalho pode-se concluir que os bancos são uma peça fundamental para o desenvolvimento econômico, pois como posto pelos pós-keynesianos eles não são apenas intermediadores nas transações financeiras das partes superavitárias para as deficitárias, mas são agentes ativos que atuam dinamicamente nos dois lados do seu balanço, impactando as condições de financiamento da economia e o nível geral de gasto dos agentes, dessa maneira, influenciam as variáveis econômicas reais. Conforme visto na seção 2, com relação aos bancos públicos sua função vai além de um simples banco comercial. Na verdade ele é um agente que desempenha sobretudo, um papel de reverter expectativas negativas do mercado diante de uma crise financeira. A seção 3 teve como objetivo avaliar o papel dos bancos públicos diante da crise financeira de 2008. Tendo como base as análises estatístico-descritivas de variáveis do setor bancário foi comprovada a teoria vista na seção 2. Estes tiveram a incumbência de reverter o quadro de deterioração das expectativas e “empossamento de liquidez”, e o fizeram através da redução dos spreads bancários e do aumento da participação na concessão de crédito comparativamente aos bancos privados no ano de 2009. Para finalizar a seção 4 demonstrou que o BCB agiu de uma forma incoerente diante da crise. Se de um lado tomou medidas restritivas como o redesconto e a taxa Selic, de outro afrouxou a liquidez via redução do compulsório e resgate de títulos no mercado aberto. Assim, a política monetária teve um papel secundário na reativação da economia. Dessa forma é validada a hipótese proposta na introdução, de que a atuação dos bancos públicos foi o fator determinante para o enfrentamento e minimização dos efeitos danosos da crise mundial de 2008. Referências ALMEIDA, Julio Gomes de. Como o Brasil superou a crise. In: CARVALHO, Fernando Cardim..[et al.]. Dossiê da crise II, v.2, p. 57-62, Ago. 2010. Disponível em <http://www.ppge.ufrgs.br/akb>. Acesso em 15 jun. 2012. AGÊNCIA ESTADO. Lula: BB e Caixa sabem de 'minha obsessão' por spread menor. Agência Estado, São Paulo, 8 abr. 2009. ARAÚJO, Victor Leonardo; GENTIL, Denise Lobato, Uma análise da resposta da política economica brasileira à crise financeira internacional. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, fevereiro p.36-70, 2012. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Boletim do Banco Central do Brasil. Diversos números. Disponível em <http://www.bcb.com.br>. 17 __________________. Legislação do Banco Central do Brasil. Diversas normas. 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A Framework for successeful development bank, Development Bank of Southern Africa, WP 25, 2011. 19 Anexo I BALANÇO DE PAGAMENTOS (US$ milhões) Discriminação 2005 2006 2007 2008 2009Transações correntes 13.984,66 13642,60 1.550,73 -28.192,26 -24.302.26 Balança Comercial 44.702,88 46.456,63 40.031,63 24.835,75 25.289,81 Exportações 118.308,39 137.807,47 160.649,07 197.942,44 152.994,74 Importações 73.605,51 91.350,84 120.617,45 173.106,69 127704,94 Serviços e Renda -34.275,99 -37.120,36 -42.509,89 -57.929,58 -52.929,58 Transferências unilaterais 3.557,77 4.306,33 4.028,99 4.223,87 3.337,51 Conta capital e financeira -9.464,05 16.298,82 89.085,60 29.351,65 71.300,60 Erros e Omissões -201,15 627,69 -3.152,08 1.809,44 -347,35 Resultado do Balanço 4.319,46 30.569,12 87.484,25 2.969,07 46.650,99 Fonte: Banco Central do Brasil .Elaboração dos autores Anexo II Gráfico 13-PIB Anual- Saldo em trilhões de reais (2008-2009) (valores deflacionados pelo IPCA) Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração dos autores 20 520 1020 1520 2020 2520 3020 20 Gráfico 14-Formação Bruta de Capital Fixo- saldo em bilhões de reais (valores deflacionados pelo IPCA) Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração dos autores. Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração dos autores Gráfico 15-Admissão e Demissões de pessoal Fonte:CAGED.Elaboração dos autores Gráfico 16-Consumo das famílias (R$ bilhões) dados deflacionados pelo IPCA Fonte: Ipeadata. 100 110 120 130 140 150 160 170 1T/08 2T/08 3T/08 4T/08 1T/09 2T/09 3T/09 4T/09 -400000 -200000 0 200000 400000 600000 800000 1000000 1200000 1400000 1600000 1800000 1T/08 2T/08 3T/08 4T/08 1T/09 2T/09 3T/09 4T/09 admissão demissão saldo R$ 360,00 R$ 390,00 R$ 420,00 R$ 450,00 R$ 480,00 R$ 510,00 1T/08 2T/08 3T/08 4T/08 1T/09 2T/09 3T/09 4T/09 21
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