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Capítulo 7 Brasil dos Bancos 7.1. Origem dos bancos e evolução do sistema bancário A economia bancária, na ótica da macroeconomia, deve ser estudada como um todo, em vez de examinada em pequenas parcelas como entidades separadas desse todo. Na atividade econômico-financeira, existem padrões de ação coletiva que são resultantes distintas das esperadas pela mera soma dos comportamentos das partes. Por exemplo, o estímulo dos bancos às aplicações financeiras sem a contrapartida na expansão dos empréstimos pode resultar em futuro declínio nas sobras de renda para novas aplicações financeiras. A atividade bancária, responsável pela circulação financeira, permeia a produção, a distribuição e o consumo. Assim, os bancos integram a economia real. Em outras palavras, todos os agentes econômicos fazem parte do sistema bancário. Daí meu espanto pela “demonização dos bancos”, seja na imprensa junto à opinião pública, seja entre acadêmicos formadores da opinião especializada. O sistema bancário não deve ser visto como “demônio” (ou adversário), em cima do qual se joga toda responsabilidade pelos infortúnios pessoais ou sociais. Fugindo desse “mundo assombrado pelos demônios”, não estaremos caindo na visão do mercado como um deus onipotente e onisciente, que, deixado livre, pode atender a preces e realizar os desejos mais íntimos, desde que não se cometa o pecado de atentar contra suas leis divinas. Nem ele configura o papel de deus, nem o presidente do banco central, a missão de papa dos que professam essa religião, cujas normas e circulares estabeleceriam dogmas inquestionáveis. Senão estaríamos em divertido paradoxo: se é onisciente, ele já tem de saber que vai haver intervenção, para mudar o curso da história, usando sua onipotência; mas isso significa que ele não pode mudar de idéia sobre a intervenção, o que implica que ele não é onipotente... O melhor a fazer é enxergar, claramente, o papel das instituições financeiras na vida econômica. Instituição não é apenas organização ou estabelecimento para promoção de um objetivo em particular, como banco comercial ou banco central. Na visão dos institucionalistas, é também padrão organizado de comportamento grupal, bem estabelecido e aceito como parte fundamental da cultura. Inclui hábitos, costumes sociais, leis, modos de pensar e formas de vida. A vida econômica, afirmam os institucionalistas, é regulada pelas instituições econômicas e não por leis econômicas. O darwinismo, ou melhor, a abordagem evolucionista, pode ser, cautelosamente, empregada na análise econômica, porque a sociedade e suas instituições estão sempre em constante mudança. Em vez do equilíbrio, prezado pela visão ortodoxa, há o movimento. Os institucionalistas discordam da abordagem estática dos modelos neoclássicos ou mesmo dos keynesianos que tentam descobrir verdades econômicas eternas sem considerar as diferenças de tempo e local e sem se preocupar com mudanças que estão ocorrendo constantemente. A evolução e o funcionamento das instituições econômicas Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 280 deveriam ser os temas centrais da Economia, em uma abordagem interdisciplinar. Neste plano menos abstrato, ela estaria ligada à Política, à Sociologia, à Psicologia, à Lei, aos costumes, à ideologia, à tradição e a outras áreas de crença e experiências humanas. A Economia Institucional analisa os processos sociais, as relações sociais e a sociedade em todos os seus aspectos. Por que então os capítulos anteriores deste livro se preocuparam com a economia empresarial, nas atividades bancárias, e não trataram, diretamente, da economia social, como se propõe neste capítulo? Pela simples razão científica de que, assim como para a vida biológica, visando explicar a evolução da complexa vida bancária, em nosso país, não podemos recorrer ao mesmo tipo de raciocínio que podemos aplicar na origem dessa vida. A origem da vida de cada banco no Brasil mereceu o estudo dos diversos casos. Já os eventos que constituem a evolução ordinária, distintos de sua origem singular, podem receber uma explicação unificadora, colocando ênfase no princípio da causação ou de mudanças cumulativas. Tirando a citação de um autor darwinista de um (con)texto distinto, DAWKINS (2007: 189) afirma: “a evolução da vida é um caso completamente diferente do da origem da vida, porque, repetindo, a origem da vida foi (ou pode ter sido) um evento singular, que teve de acontecer apenas uma vez. A adaptação de espécies a seus diversos ambientes, por outro lado, ocorreu milhões de vezes, e continua ocorrendo”. A transposição que fazemos é que, aqui no Brasil, também estamos lidando com um processo generalizado para a otimização das espécies bancárias, um processo que funciona em toda economia monetária, em toda economia de mercado, e em todo o contexto contemporâneo. É um fenômeno recorrente, previsível e múltiplo, o da concentração bancária. E, continuando a tomar emprestado conceito de Darwin, sabemos como ele acontece: pela seleção competitiva, dentro de um determinado contexto institucional. Uma vez que aquele golpe inicial de oportunidade tenha sido aproveitado pelo encontro do capital previamente acumulado, seja no poder público, seja em mãos privadas, com o talento profissional em utilizá-lo em atividades bancárias, a seleção competitiva assume, escolhendo os bancos mais aptos para a sobrevivência, em ambiente mutante, a cada momento. A seleção competitiva é “avenida de mão única”, cumulativa, para o aperfeiçoamento do sistema bancário. Essa proposição vai, então, na contramão do atomismo do mercado livre. O atomismo, originalmente, era uma doutrina proposta por filósofos da Grécia antiga, que propunham que o Universo era composto por constituintes materiais indivisíveis chamados átomos. Sem contemplar que seu núcleo era divisível, em prótons e nêutrons, ligados através de uma força nuclear forte, os neoclássicos defendiam a abstração do atomismo como o modelo ideal para a organização de uma sociedade sob forma de mercado livre. Nenhum agente econômico seria capaz de impor absolutamente seu interesse aos demais e, conseqüentemente, haveria harmonia e não choque de interesses. No entanto, na realidade, esses átomos podem se agrupar, formando moléculas. Combinadas, sob as restrições institucionais de cada Estado, elas podem dar origem aos mais diversos corpos sociais. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 281 A concentração bancária possui uma lógica imanente à economia capitalista contemporânea: envolve a seleção competitiva entre os mais aptos a sobreviver em um mundo de ofertas hostis. Essa lei de mercado está calcada em dois conceitos motivacionais, um microeconômico, a economia de escala, outro, sistêmico, o multiplicador monetário. Há a tentativa ambiciosa dos maiores bancos em torná-lo endógeno, evitando o vazamento monetário de sua contabilidade de créditos e débitos. Com esse fenômeno cada vez mais internalizado em sua própria rede de clientes, os banqueiros, ou melhor, as figuras do capital bancário, podem se sentir, senão como o próprio deus-todo-poderoso-criador-da-moeda, mas, no mínimo, como divindades legítimas, no momento de recolher suas participações nos lucros multiplicados em bancos múltiplos. Nesse momento, eles furtam, na prática, o prazer do maior triunfo teórico de um professor de Economia Monetária, segundo James Tobin, autor laureado pelo Prêmio Nobel de Economia. É quando ele expõe, para seus alunos, a múltipla criação de depósitos bancários pelo crédito bancário. Nessa aula, o professor critica a visão dos banqueiros. Segundo eles próprios, seus bancos não criam moeda, na medida em que a escala de seus ativos está limitada por seus passivos e, portanto, emprestam somente o dinheiro depositado. O professor aponta, então, a falácia de composição: o que um banco empresta cria novos depósitos bancários. Istoé verdade para o sistema bancário como um todo, pois depende da aritmética de sucessivas rodadas de criação de depósitos. Está limitado este multiplicador monetário pela exigência do Banco Central de que os bancos comerciais façam depósitos compulsórios de parte dos depósitos à vista e pela retirada de papel-moeda por seus clientes. O professor, geralmente, conclui a lição afirmando de que não se deve estabelecer o crédito bancário sobre o modelo dos fundos existentes. É mais correto dizer que “empréstimos criam depósitos”, isto é, bancos criam depósitos em seus atos de emprestar, em vez da visão dos banqueiros, que dizem que emprestam somente os depósitos entregues à sua guarda, de acordo com a “teoria dos empréstimos por conta dos outros”. Na realidade, enquanto os depositantes prosseguem gastando (pagando com cheque ou cartão de débito) como se tivessem conservado o dinheiro em seu poder, da mesma forma os mutuários gastam "o mesmo dinheiro e ao mesmo tempo". Isso era “a verdade”, desde que se considerasse o efeito multiplicador monetário pela rede bancária como um todo. Em outras palavras, caso fossem os clientes de outros bancos os recebedores de pagamentos com o dinheiro originado de um crédito recebido, eles fariam depósitos desse dinheiro e ele se manteria sob domínio do sistema bancário. Não vazando moeda desse circuito bancário sob forma ou de depósitos compulsórios ou de papel-moeda, “o milagre da multiplicação dos pães”, isto é, da moeda bancária, não seria sobrenatural, mas corriqueiro o suficiente para não despertar mais a atenção nem dos clientes nem da autoridade monetária. A história bancária se desenrolou no sentido da busca desenfreada de uma concentração cada vez maior nos créditos, nos depósitos, enfim, nos ativos, ou seja, as diferentes formas de manutenção de riqueza, na contabilidade de um número cada vez menor de poderosos bancos. Isto ocorreu aqui e lá fora. Ao mesmo tempo, no Brasil, o Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 282 sistema de pagamentos se tornou cada vez mais eletrônico sob controle dos sistemas de processamento de informações desses bancos e câmaras de compensação on line – em tempo real. Tudo isso, a concentração e a automação bancária contribuíram para resultar em lucros surpreendentemente maiores a cada fechamento de balanço. Já o conceito de economia de escala está presente como meta administrativa em qualquer empresa: produção de bens e serviços em larga escala com vistas a uma considerável redução nos custos relativos. Também chamadas de “economias internas”, as economias de escala resultam da racionalização intensiva de inovações tecnológicas e de processos avançados de automação, organização e especialização do trabalho. Todos os fatores integrantes da economia de escala, geralmente, estão fora do alcance do alcance de pequenas e médias empresas. Conseqüentemente, a tendência é a concentração monopolista, com a eliminação dos concorrentes. As economias de escala não comportam mercados consumidores limitados. Sua existência está diretamente ligada à ampliação da sociedade de consumo capaz de absorver a produção em série sem se limitar às fronteiras geográficas e sociais. Isso, em se tratando de empresa não-financeira, já é lugar-comum. Mas no caso de instituições financeiras, por trabalharem com um bem público universal, composto pelos meios de pagamento, os interesses corporativos necessariamente devem se submeter a alguma forma de regulação da chamada autoridade monetária. Este estatuto interventor surge porque a fusão entre dois bancos, seja por motivo de aquisição de um por outro, seja pela razão de associação entre os dois parceiros, formando um único grande banco, geralmente sob controle administrativo do maior ou mais próspero deles, tem algumas conseqüências indesejadas. Em linguagem metafórica, a fusão (nuclear) pode gerar uma “bomba atômica”. Esse tipo de associação permite redução de custos, mas pode levar à prática restritiva ou oligopolista. Daí, uma instituição em defesa da concorrência pode (e deve) agir. Quando um banco se integra a outro, espera ganhar sinergia. A integração leva bastante tempo e, em geral, tem três fases: a primeira, com redução de custos e ganhos de eficiência, depois, a integração tecnológica de operações e de serviços centrais, e, finalmente, a fusão das redes de agências. Como conseqüência da dita duplicidade, algumas agências são fechadas ou mudadas de endereço. Quanto às demissões, a redução de pessoal acontece mediante adiantamento de aposentadorias ou desligamentos voluntários. Parte dos cortes de custos afeta os contratos de outsourcing com terceiros, não afetando neste caso os funcionários do próprio banco adquirido. O maior risco na compra de um banco é que, nos primeiros anos, a instituição tende a se voltar para si. Há, então, risco de perder oportunidades de bons negócios. Além da dificuldade em si da incorporação, o banco comprador corre o perigo de desprezar conquistas e a experiência de áreas em que o comprado estava na frente, como, por exemplo, o atendimento de qualidade para clientes de determinado segmento. Corre assim o risco de estragar muita coisa que dava certo, inclusive desprezar o valor de mercado da própria marca adquirida. O comprador planeja, imediatamente, certa otimização da organização comercial, unida à adoção de uma estratégia de marca única, no momento oportuno. Todas suas unidades convergirão então para uma única marca. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 283 Os estudos de casos de origem de bancos no Brasil registraram o DNA histórico dos sobreviventes. Sua miscigenação, derivada de associações, fusões e aquisições com capitais de outras origens, seja estadual, seja estrangeira, irá dificultando, progressivamente, desvendar o genoma. Até que ponto o DNA do banco brasileiro será uma história de bastardia? Será tal como a dos brasileiros brancos, cuja bastardia cultural é revelada pelo fato de, pela linhagem paterna, o brasileiro ser filho de europeu, e pela linhagem materna, aproximadamente 60% dos brancos terem ancestralidade nativa ou africana? Esse genoma desvendado confirma a história de opressão social do português dono do engenho, predador de africanas e ameríndias por estupro. Mas a “raça brasileira” não existe, como, de resto, nenhuma outra raça epidérmica. Existe apenas a raça humana, que se diferencia das raças de outros animais por ser racional. Geneticamente falando, a origem de todas as etnias é o homo sapiens da África, cidadão do mundo que viveu há 130 mil anos ou 4.333 gerações atrás. As diferenças superficiais de seus descendentes se explicam, simplesmente, por uma mudança evolutiva desses filhos do mesmo pai na adaptação aos diversos meios ambientes. Cabe também “desracializar” o mundo bancário? Estaremos convencidos, brevemente, que os bancos são efetivamente iguais, ou melhor, igualmente diferentes, e de que o nacionalismo não deve mais existir? Assim como no fim do racismo, a extinção do nacionalismo colocaria em seu lugar a democracia em sua plenitude, isto é, o governo em que o povo exerceria sua soberania, tomando as decisões importantes a respeito das políticas públicas, no território nacional, submetendo todas as instituições financeiras aqui presentes, independentemente de suas origens? 7.2. Fases da história da moeda e dos bancos no Brasil Ter uma moeda nacional, assim como deter o monopólio da violência, ambos os fatores constituem indicadores da soberania nacional. Nesse sentido, a história dos bancos no Brasil se confunde com a própria periodização da história monetária brasileira. Como síntese didática, reapresentaremos uma visão geral dos estágios importantes no desenvolvimento nacional das instituições monetárias e bancárias. O primeiro estágio pode ser visto como secular, indo de 1808 a 1921, isto é, desde a primeira fundação do Banco do Brasilaté sua transformação efetiva em semi- autoridade monetária, já após sua última fundação, em 1905. A economia brasileira oscilou entre a moeda mercadoria (ouro), ou então o papel-moeda conversível com estritas regras de reserva aurífera, e as diversas tentativas estatais de emissão de uma moeda apenas fiduciária, para cobrir déficits. A rigor não se pode falar nem que havia um relativamente subdesenvolvido sistema bancário, pois os poucos bancos existentes em praças locais emprestavam praticamente seus recursos próprios e através do padrão legal de pagamentos. Em tal economia, a quantidade de moeda, quando lastreada, era determinada fora do setor bancário por fluxos de comércio externo, investimentos estrangeiros ou mesmo a produção de ouro. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 284 O segundo estágio ocorreu quando, finalmente, surgiram também condições institucionais mínimas necessárias para a criação da moeda bancária e, conseqüentemente, o descolamento da fração bancária da classe dominante. O DNA do Unibanco (ex-Casa Bancária Moreira Salles de Poços de Caldas – MG, criada em 1924) e o do Banco Real (ex-Banco da Lavoura de Minas Gerais) foram encontrados na década de 20 do século XX. Por pressão dos nacionalistas, em reação à fuga de capitais realizadas no período pré-guerra, que colocou fim à primeira das duas experiências brasileiras do século passado com o padrão-ouro, a Caixa de Conversão (1906-1914) e a Caixa de Estabilização (1926-1930), iniciou-se a colocação de restrições legislativas à livre entrada (e saída) dos bancos estrangeiros. A reforma bancária de 1921 resultou na criação de câmara de compensação de cheques e na abertura de carteira de redescontos no Banco do Brasil, para redescontar títulos de outros bancos. Quando as ondas de liquidez internacional se esvaíram, respectivamente, com a I Guerra Mundial e com a Crise de 1929, as experiências com o padrão-ouro findaram. A partir de então, nunca mais houve experiência com moeda conversível em ouro, no Brasil. Mas ocorreram ainda tentativas de câmbio fixo, atrelando a moeda nacional ao padrão monetário hegemônico: o dólar. Embora tenha havido debate sobre a criação de um banco central no Brasil, inclusive com a vinda de missão de apoio inglesa, em 1931, os fatos que mais marcaram a história bancária brasileira, entre 1930 e 1945, foram: a socialização das perdas bancárias, a imposição da reserva de mercado, no varejo bancário, em favor dos bancos brasileiros, a legislação liberal propícia a fundações de bancos, o início do uso de bancos públicos (federais e estaduais) para uma atuação desenvolvimentista. A origem dos principais bancos, no Brasil, ocorreu antes de 1945, quando as barreiras à entrada, para brasileiros, era baixa. Exigia-se pouco volume de capital e a tecnologia bancária era acessível. Durante a 2ª Guerra Mundial, dobrou o número de bancos: de 354 em 1940 para 663 em 1944. A partir de então, já se trata da evolução de um sistema bancário, com um processo de concentração simultâneo ao de ampliação da rede nacional de agências. Em 1964, 20 anos depois, já tinha se reduzido para a metade (328) o número de bancos, mais 10 anos, para um terço (106). Este número se manteve até a abertura neoliberal, quando, entre 1988 e 1994, se multiplicou por quase três (271). Mas com a crise bancária, a privatização, a desnacionalização e a concentração, o setor bancário brasileiro reduziu-se para 167 bancos múltiplos e comerciais, em 2002, e, finalmente, 155 em 2007. O terceiro estágio da história monetária e bancária brasileira ocorreu entre 1945 e 1964, introduzindo a exigência de reservas bancárias fracionárias sobre os depósitos, com mais depósitos possuídos como forma líquida de manutenção da riqueza, com o uso das ordens de transferências de depósitos como um meio mais comum de troca, sendo os cheques mais aceitos pela rede comercial, com rede bancária se expandindo em nível nacional. Sem exigências de reservas legais, a oferta de moeda tornava-se um tanto elástica, com o multiplicador monetário sendo determinado pela demanda de crédito, pelos pagamentos de empréstimos e pela prudência (ou imprudência) dos banqueiros. Vários deles, como vimos, emprestavam para os próprios grupos econômicos (ou familiares) em condições privilegiadas, prática proibida a partir da reforma bancária do regime militar, em 1964. Quando os passivos dos bancos começaram a tomar a forma de Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 285 depósitos transferíveis por cheques, a moeda criada pelos empréstimos bancários usualmente não deixava o sistema bancário, elevando a capacidade de empréstimos dos bancos. Mas eles eram ainda intermediários passivos, isto é, sem ativar a demanda de crédito, apenas atendiam-na, emprestando até o limite de seus depósitos. Isto, conjuntamente com umas financeiras nascentes, descreve, razoavelmente, o sistema financeiro antes do estabelecimento pleno do Banco Central do Brasil. Neste período, a SUMOC dividia o papel de autoridade monetária com o Banco do Brasil. O quarto estágio foi quando se criou o Banco Central que efetivamente impôs exigência de reserva sobre os bancos. A autoridade monetária buscava regular os empréstimos bancários e recuperar o controle sobre o saldo monetário. Em 1970, o Banco Central do Brasil começou a usar operações de open market ou empréstimos de liquidez para ajustar as reservas bancárias, acentuando seu poder sobre a oferta de moeda. Sob forte influência monetarista, seus técnicos passaram a tentar modelar, formalmente, o sistema monetário, inspirando-se em “modelos de base monetária-multiplicador monetário” e supondo o controle do banco central sobre reservas bancárias e rígidas relações reservas/depósitos. Durante 3 décadas, entre 1964 e 1994, perdurou um regime de alta inflação, 10 anos mais longo que o próprio regime militar! Este deixou também essa “herança maldita”. Devido ao mecanismo de proteção via correção monetária às aplicações e aos empréstimos, inicialmente restrito aos efetuados em longo prazo, e, depois, com o progressivo encurtamento de prazos, sua contrapartida foi um regime monetário com a chamada “moeda indexada”. Essa situação foi extremamente lucrativa aos bancos, envolvidos em captação de “dinheiro a custo zero” (depósitos à vista e floating – disponibilidades líquidas) para aplicarem em empréstimos ou títulos de dívida pública com correção monetária. Mas, nesse estágio, a história bancária teve três sub-fases. A primeira (1964- 1974) foi a de tentativa-e-erro no esforço tecnocrata de transplantar o modelo norte- americano de segmentação de instituições financeiras, isolando os velhos banqueiros e propiciando o surgimento de novos aventureiros na esteira do breve boom do mercado de capitais (bolsa de valores) e da permanente expansão do mercado (aberto) de dinheiro (open market). A segunda (1974-1988), reclamada aos velhos banqueiros a incorporação de negócios falidos dos novos, foi a do processo de concentração, conglomeração e internacionalização. A visão neoliberal já hegemônica nas instituições multilaterais achava que vigorava, aqui, um processo de repressão (apenas) financeira. Somente na terceira (1988-1994), após a Constituinte, que os ideólogos neoliberais conseguiram liberalizar o mercado financeiro, fazer a abertura externa aos capitais forâneos e denominar corretoras e distribuidoras de “bancos múltiplos”. Dessa nova aventura liberalizante, com o impacto da estabilização inflacionária (breve bolha de consumo e longa sobrevalorização da moeda nacional, da eleição até a reeleição de FHC), restou um estágio transitório de crise bancária com: liquidação de grandes bancos privados nacionais, privatização de bancos estaduais, reestruturação patrimonial das instituições financeiras públicas federais, concentração e desnacionalização bancária. Fernando Nogueira da Costa. Brasildos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 286 No final dos anos 90´s, um século depois, após mais uma política deflacionista, assistiu-se, novamente, o ponto de partida: crise bancária e recurso aos bancos estrangeiros. Além da tendência à concentração, verificou-se progressiva desnacionalização do setor bancário brasileiro, que tinha usufruído, na era desenvolvimentista, desde os anos 30, de “reserva de mercado”. Na era neoliberal, essa reserva de mercado bancário passou a ser considerada supérflua. Com a queda da inflação, desapareceu também a “moeda indexada”. Mas novo regime monetário foi de fato implantado somente a partir de 1999, com a mudança do regime de câmbio fixo para câmbio flexível, a adoção de regime de metas de inflação e política fiscal com metas de superávit primário. Nesse quinto estágio (pós-1999), já se pressupunha que as inovações financeiras eram técnicas descobertas para superar as restrições impostas sobre os bancos através de exigências de reservas pelo banco central. O uso eficiente do mercado interbancário, para captação em mercado aberto, constituiu a inovação-chave. Inovações na forma de captação de passivos e nas técnicas de gerenciamento de ativos permitiam aos bancos aumentar seus empréstimos sobre dado montante de reservas. Paralelamente a essas técnicas de administração de passivos, os bancos viam também a possibilidade de manipular seus portfólios de ativos através de prática tal como a venda de créditos em pacotes (securitização). Os bancos faziam empréstimos sob demanda e, então, cobriam suas posições de reserva mais adiante, usando essas várias técnicas. Outra técnica que aumentava a endogeneidade da oferta de moeda era oferecer linhas de crédito pré- compromissadas, que os clientes podiam utilizar se tivessem necessidade. Desde que a maioria dos empréstimos bancários fosse realizada sob contratações prévias, o volume total de crédito era largamente determinado pela demanda de empréstimos. Além disso, a internacionalização do mercado financeiro reduzia o controle do Banco Central do Brasil sobre o crédito bancário e a oferta monetária doméstica. Embora ele tentasse ainda ter o controle sobre o total de reservas, relaxou quanto à meta de ter a oferta de moeda exogenamente determinada, substituindo-a pela meta de inflação a ser alcançada através da manipulação da taxa de juros básica – a SELIC. Quando a taxa de juros subia, o valor de mercado dos papéis prefixados, negociáveis no mercado, caia. Entretanto, sabia-se que o Banco Central preocupado com a possibilidade de crise financeira sempre reagiria, seja prestando assistência financeira de liquidez aos intermediários financeiros, seja através das operações de open market. Sob estas circunstâncias, as reservas bancárias eram determinadas endogenamente, pois a autoridade monetária atuava para estabilizar o mercado financeiro, acomodando as necessidades dos bancos por reservas adequadas à cobertura de seus empréstimos criadores de depósitos. Tornando seu comportamento estabilizador previsível, o mercado controlava o Banco Central do Brasil. A fase 2003-2006 será marcada na história bancária brasileira como a de acesso popular a bancos (“bancarização”) e a crédito (em consignação, aos consumidores e microcrédito). Com o ganho de economia de escala, elevou a competitividade dos bancos no Brasil. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 287 O número de contas do sistema bancário brasileiro cresceu 52% entre 2001 e 2006, segundo pesquisa do Banco Central do Brasil (FSP: 15/06/07). Ao final do ano de 2006, o Brasil contava com 76,8 milhões de poupanças e 59,5 milhões de contas correntes. No mesmo período, a população do país cresceu 7%, chegando a 183,9 milhões de pessoas. Segundo o estudo, os correspondentes bancários e a criação das contas simplificadas foram os principais destaques do período, e boa parte da expansão ocorreu com a inclusão de clientes de classes mais baixas. A porta de entrada mais usada para o sistema bancário foi a poupança. Em seis anos, o total de contas desse tipo subiu 50%. A evolução das contas correntes foi um pouco mais discreta, com crescimento de 37% no mesmo período. A FEBRABAN estimava que, em 2006, existiam 102,6 milhões contas correntes (face a 63,7 milhões em 2000), sendo que, destas, 28,9 milhões delas eram contas inativas há mais de 6 meses. As contas de poupança eram estimadas em 75,0 milhões. O quadro abaixo capta as declarações dos próprios bancos de varejo, observando que a Caixa possuía 31,6 milhões de clientes que optavam por contas de poupança, isentas de tarifas. Clientes de bancos de varejo no Brasil – dezembro de 2006 (em milhões) Bancos Pessoas físicas Pessoas jurídicas Total de Clientes Banco do Brasil 22,8 1,559 24,4 Caixa Econômica Federal 9,1 1,061 10,2 Bradesco 16,8 0,985 17,8 Itaú 16,0 0,339 16,3 Unibanco 7,7 0,850 8,6 Santander 7,2 0,300 7,5 Real 5,8 0,405 6,2 HSBC 3,9 0,338 4,2 Nossa Caixa 3,2 0,322 3,5 Banrisul 4,6 0,206 4,8 Total 97,1 6,37 103,5* Fonte: Anuário Brasileiro de Bancos 2007 – * 73,7 milhões de contas são movimentadas. Antes, dizia-se que existiam dois tipos de dinheiro, aqui, no Brasil: o “dinheiro do rico” e o “dinheiro do pobre”. O primeiro ficava nos bancos, protegido da inflação. O Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 288 último ficava sem correção monetária, tendo seu poder de compra corroído pela alta de preços. O pobre recebia seu dinheiro e tinha de correr às compras. Tentava comprar enquanto ele valia algo. Passava o resto do mês achando que “sobravam dias, faltava salário”... O rico pegava seu capital e podia deixá-lo nos bancos. Enquanto ele dormia tranqüilo no “overnight”, o dinheiro do pobre ficava no relento. O rico tirava o seu de lá na hora que quisesse gastar, com o poder aquisitivo preservado. Enquanto os ricos recebiam juros, os pobres pagavam juros extorsivos nas compras a prazo. Essa clientela, chamada de “classe A” pelos banqueiros, era disputada arduamente. Pudera, a renda total do 1% mais rico equivalia à dos 50% mais pobres! Os 10% mais ricos somavam uma renda quase 50 vezes maior do que a soma das rendas dos 10% mais pobres! A discriminação entre o “dinheiro do rico” e o “dinheiro do pobre” agravou o processo de concentração de renda no país. Levou-o a uma situação de desigualdade social vergonhosa, destaque negativo entre todas as nações. O desafio era superar essa fase de nossa história monetária e bancária. Três mudanças inéditas ocorreram, recentemente, nessa história bancária. Uma se referiu aos chamados “correspondentes não bancários”, outra, à abertura de contas simplificadas e a terceira foi a respeito do acesso ao crédito popular. Antes, nada menos que 30% das cidades do país, ou seja, 1.674 cidades não tinham sequer uma agência bancária. Em 2007, ainda existiam 1.926 municípios (ou 34,5% do total de 5.580 municípios) que possuíam apenas uma dependência bancária, sendo que 1.479 deles possuíam apenas uma agência. Os 447 restantes tinham ou um posto de atendimento bancário (PAB) ou um posto de atendimento avançado (PAA). Só era possível abrir o comércio porque existia nessas localidades a figura do correspondente não bancário, geralmente pequenas padarias, mercearias ou loterias contratadas pela Caixa, ou correios conveniados com o Banco Postal, para fazer pagamentos e receber dinheiro nessas cidades. Com a falta de uma representação bancária, as cidades paravam de crescer e iam minguando. Isso porque, quando as pessoas iam a cidades vizinhas para retirar dinheiro, preferiam fazer suas compras por lá mesmo. Em correspondentes não bancários, os habitantes de pequenas localidades passaram a pagar suas contas, além de sacar o dinheiro da aposentadoria e depositar na poupança. Um correspondente dividia sua rotina entre vender suas mercadorias e receber contas de luz, água ou telefone. Ele tambémpagava benefícios sociais para os moradores. A instalação do correspondente começou então a estimular a economia local. Os números dos tradicionais canais dos bancos, representados por suas agências e postos de atendimento instalados em empresas ou entidades públicas, pouco variaram de 2000 a 2007. Na realidade, em 2000, tinham diminuído em relação ao número de agências já existentes em 1994 (17.400). O que possibilitou a expansão de suas redes de atendimento foram os caixas eletrônicos, instalados em locais de grande circulação de público, e o bem sucedido canal representado pelos correspondentes não bancários. Estas formas de acesso aos seus clientes representavam mais de 80% de suas dependências. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 289 Rede de Atendimento dos Bancos no Brasil Período 2000 2007 Variação absoluta Número de agências 16.396 18.308 1.912 Postos tradicionais (PAB + PAP + PAA) 9.495 10.427 932 Postos eletrônicos 14.453 34.790 20.337 Correspondentes não bancários 13.731 84.332 70.601 Total de dependências bancárias 54.075 147.857 93.782 Fonte: Anuário Brasileiro de Bancos 2008 Outro recurso importante que se desenvolveu em localidades que não dispunha de agência bancária foi a telefonia. Ela permitiu ao comércio de várias dessas cidades excluídas oferecer pagamentos eletrônicos. Por exemplo, uma mercearia poderia colocar no balcão do estabelecimento terminais de cartões de crédito e de débito. A “moeda eletrônica” tornou-se, então, acessível a todos. Não houve mais tanto problema de falta de numerário sob forma de papel-moeda. Substituindo-o, foi se resolvendo o difícil problema de seu transporte (com segurança), em um país de dimensão continental. Somente tecnologia bancária cada vez mais avançada seria capaz de atender a contingente tão grande de brasileiros com velocidade e segurança. O avanço na automação e na regulamentação, além de vontade política, tudo isso permitiu avançar no acesso bancário. Esta “bancarização” era o propósito do Programa da Conta Simplificada, criado em 2003, conta corrente desburocratizada em que não era obrigatório ter endereço fixo ou comprovante de renda. O programa tinha como pano de fundo a inclusão bancária e, em última análise, a social. Em um país de alta concentração de renda, dar acesso aos bancos era o mesmo que dar cidadania. Permitia também democratizar o acesso ao crédito bancário, para promover o crescimento econômico. Quatro anos após o início desse Programa, em maio de 2007, o número de contas simplificadas abertas na Caixa Econômica Federal atingiu 5,04 milhões, sendo 3,93 mantidas ativas. Com isso, ela praticamente dobrou sua base de clientes correntistas. O Bradesco declarava que o Banco Postal tinha 5,5 milhões de contas e o Banco Popular do Brasil, 1,5 milhão. Antes, a cadeia de “cordialidade” com relações pessoais de clientela determinava o crédito pessoal de cada indivíduo. Originava, então, uma longa tradição histórica brasileira de tratar os negócios como relações pessoais, com o fornecedor do crédito sendo considerado alguém com quem se tem dívida moral, “obrigação pessoal”, em vez de se estabelecer relações monetárias, liquidando os laços de dependências pessoais com a entrega do dinheiro. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 290 Antes, cadeias de lojas comerciais populares preferiam os clientes pobres para “escravizá-los” em crediários com juros escorchantes. O crédito popular, concedido por bancos públicos federais, passou a ser uma opção para fugir dessa situação, atender suas necessidades emergenciais ou realizar seus gastos extras. Esse crédito popular, concedido por bancos comerciais, cuja contratação de agentes de crédito seria muito dispendiosa, não seguiu o modelo puro do “microcrédito produtivo orientado” com grupos de aval solidário. Foi construído como modelo propriamente brasileiro, para enfrentar problemas específicos de sociedade urbanizada (84% da população mora em cidades), massificada (5ª maior população mundial), espalhada em território gigantesco (47% da América do Sul) e com grande disparidade de renda. Colabora para fomentar mercado de consumo popular, em nosso país. Confirmando-se também a inclusão bancária dos milhões de recebedores de benefícios sociais, talvez se esteja construindo o maior (e mais rápido) programa de democratização do crédito do mundo! 7.3. Três funções básicas dos bancos 7.3.1. Viabilizar sistema de pagamentos Esse direito ao acesso ao sistema de pagamentos com moeda bancária só se viabilizou pelo avanço tecnológico da indústria bancária brasileira. É consenso que o barateamento do atendimento aos clientes através de cartões eletrônicos, devido à automação bancária, que possibilitou, financeiramente, ampliar o acesso de clientes pobres. O setor de Tecnologia de Informações (TI) no sistema bancário brasileiro se desenvolveu nos últimos 30 anos, período que esteve na maior parte sob pressão de uma economia instável sujeita a mudanças bruscas, como nas reformas monetárias ocorridas nos anos 80 e 90. Os bancos brasileiros investiram muito em tecnologia para evitar perdas com a aceleração da inflação, possibilitando elevar a velocidade de circulação da moeda nacional, evitando deixá-la ociosa sem aplicação. Esses percalços provocaram o desenvolvimento de soluções que agilizaram todo o processo de gestão de ativos, de contas correntes, de câmbio, de relacionamento com clientes (CRM), call centers, etc. Estudos realizados em universidades estrangeiras, comparando experiências na área inclusive nos Estados Unidos e na Europa, colocavam o país como um dos mais avançados no desenvolvimento, produção e utilização de tecnologias bancárias. O Brasil tornou-se exportador de serviços e soluções de TI para bancos. Desde o início dos anos 1980, os três maiores bancos comerciais (Bradesco, Itaú e Banco do Brasil) se envolveram diretamente na produção de hardware e software para automação bancária, através de suas subsidiárias tecnológicas como Sid, Itautec e Cobra, respectivamente. No período da “indústria nascente”, a política de reserva de mercado para a informática, adotada pelo governo brasileiro no final dos anos 1970, a chamada “Lei da Informática”, que limitava a presença estrangeira no país e privilegiava a produção de hardware, passou, com a imposição da realidade, a voltar-se para a automação e a produção de software. Depois da extinção da lei de reserva de mercado, o Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 291 setor já tinha adquirido condições de se desenvolver rapidamente. À ação dos grandes bancos somaram-se iniciativas oficiais de apoio e estímulo à produção e exportação de softwares brasileiros para o sistema financeiro dos anos 90 em diante. As empresas brasileiras desenvolveram expertise em produtos como hardware e software para redes de máquinas de auto-atendimento (ATMs), internet banking, e-mail banking e, mais recentemente, mobile banking (acesso à conta bancária pela telefonia celular), entre muitos outros produtos. A implantação do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), cuja estrutura exigia que as empresas fornecessem soluções para diversas camadas (bancos, câmaras de liquidação, banco central) tornou o mercado interno altamente comprador de automação bancária. Esse sistema que controla todos os pagamentos realizados no país via operações interbancárias, em rede e em tempo real, desperta o interesse em vários países, que enviam missões ao Brasil para melhor conhecê- lo. As empresas brasileiras de software para finanças, atualmente, vendem soluções avançadas, com tecnologias de ponta, em várias regiões do mundo. O uso da comunicação móvel como canal de serviços era a fronteira tecnológica. Com notebooks e smart phones, acessava-se a internet de qualquer lugar que dispusesse de rede-sem-fio. Mas, enquanto o internet bankingteve como limite a ainda reduzida parcela da população com acesso à rede mundial, o celular já estava mais acessível ao bolso de cidadãos brasileiros de todos os segmentos de renda da sociedade. Mirava-se, então, na experiência bancária da África do Sul, onde o First National Bank usou o canal celular para dar acesso bancário a centenas de milhares de pessoas. Com mais de 100 milhões vendidos no Brasil, os celulares massificaram o acesso à telefonia, o que levava à expansão dos call centers dos bancos. Mas o grande salto seria o uso dos celulares como meios de pagamento. Tratava-se de uma mídia sofisticada, com processador, memória e conectividade, que podia representar uma evolução em relação aos cartões. Entretanto, se o número de celulares era grande, a parcela com aparelhos de fato habilitados a mobile banking ficava entre 4 a 5 milhões de terminais. Teria ainda que se avançar muito para chegar a uma solução de pagamento para valores baixos, em que o custo da ligação telefônica teria peso relativo. As transações por celular incidiriam em custo para o usuário, assim como tinha o custo do acesso pela Internet. Mas, os acessos às agências ou aos postos de atendimento bancário também tinham custos (e riscos) crescentes, face ao tempo perdido no trânsito, quando não se enfrentava assaltos... O tema mobilidade passou a ser a pauta mais presente em quase todo grande banco. A expectativa era que as agências permanecessem, mas não mais como centros de transações, mas sim como centros de processamento. A possibilidade de corte de custos com as agências justificava que os bancos investissem pesado em seus projetos de mobile banking e, mais adiante, na HDTV banking, ou seja, no banco diretamente na TV digital do cliente, para ele operar sua agência sem sair de sua casa. No primeiro caso, não existiam maiores problemas técnicos e a infra-estrutura estava preparada para receber esse novo canal. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 292 De imediato, a expectativa era que pagamentos e transferências deveriam ser o principal atrativo do mobile banking entre categorias de aplicações wireless possíveis. O Mobile Payment era o uso do celular para ordem de transferência de depósitos à vista, em substituição a cartões de débito ou crédito, sendo o canal inerentemente preparado para pagamentos remotos. No serviço de M-Payment, a transação se completaria no próprio celular. Essa solução permitiria que o cliente realizasse e pagasse compras à distância, com a ajuda do celular. Com o serviço, a compra poderia acontecer sem a presença física do cliente, o que seria ideal, por exemplo, para serviços de entregas de lojas virtuais. Uma vez informado o número do telefone, o lojista por um desses três canais (POS adaptado, página da bandeira na internet ou celular próprio) lançaria a transação no sistema. Logo, o cliente receberia uma mensagem SMS informando que havia uma transação pendente de confirmação por senha, que ele faria, imediatamente, usando a mesma do seu cartão. Os maiores apelos seriam facilidade, segurança e rapidez, criando uma cultura de pagamento móvel no Brasil. Para que as soluções de mobilidade, em transações financeiras, realmente funcionassem, seria preciso que os comerciantes operassem com qualquer banco e com o celular de qualquer operadora. A primeira premissa seria a definição de padrão de mensagem comum, protocolo padronizado. Deveria se estabelecer uma forma padronizada de descrição de transações financeiras, assim como se tinha homogeneizado a descrição dos serviços bancários tarifados, o que permitiria pagamentos e outras interações entre agentes econômicos vinculados a qualquer banco. Seria também necessário criar serviços comuns de clearing (compensação) e liquidação. Uma das propostas era usar a infra-estrutura da Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), que operava o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), e fazer com que a provedora assumisse a função de clearing. Portanto, haveria ganhos para todos os elos da cadeia: “bancarização” de não clientes, conforto para o já cliente-usuário, rentabilidade para a operadora, com a massificação da escala no seu tráfego. O SPB iniciou seu funcionamento efetivo no dia 22 de abril de 2002. Reduzir o chamado “risco sistêmico” foi o principal benefício do novo sistema. Era o risco de que um banco não tivesse recursos para honrar suas dívidas com outro banco, que, por sua vez, também ficaria sem ter como pagar seus compromissos, em um “efeito-dominó” que se alastraria por todo o sistema financeiro. As contas de reservas bancárias devem ser vistas como contas-correntes dos bancos no Banco Central, onde são lançados todos os créditos e débitos oriundos das operações que seus detentores realizam com os outros bancos, o Tesouro Nacional e a própria autoridade monetária. Todas as operações financeiras entre quaisquer contrapartes, exceto o Banco Central, provocam alterações nos níveis individuais de reservas bancárias das instituições financeiras, entretanto, sem alterar o saldo consolidado do sistema financeiro. Constitui sistema fechado onde as instituições não são capazes de criar ou destruir reservas bancárias (em espécie) sem a participação da autoridade monetária. Todo agente econômico está sujeito ao fluxo de caixa (cashflow). Cada qual, seja deficitário, seja superavitário, necessitará ter seus fluxos de saída e de entrada de caixa Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 293 equilibrados (“zerados”) por instituição financeira. Esta captará o excesso de caixa dos clientes superavitários e concederá crédito para os deficitários, zerando o fluxo de caixa de sua clientela, independentemente do equilíbrio entre os recursos tomados e os concedidos, que só por caso se igualarão. A instituição financeira, por sua vez, ao equilibrar as finanças dos clientes, desequilibrará seu próprio fluxo de caixa, tornando-o superavitário ou deficitário. Como também ocorrem os mesmos desequilíbrios nos fluxos de caixa de outras instituições financeiras, em função da “zerada” do setor real da economia, há oscilações, ao longo do dia, nos fluxos individuais de caixa das instituições financeiras. Desequilíbrios deverão se compensar. No consolidado do sistema financeiro, fluxo superavitário corresponde a fluxo deficitário, mesmo que seja com valores diferentes. As instituições financeiras recorrerão ao mercado interbancário de reservas bancárias: as superavitárias para “doar” suas sobras de caixa; as deficitárias para “tomar” esses recursos; no final do expediente bancário, todas deverão se “zerar”. Diariamente, os bancos realizam, entre si, milhares de transferências de recursos, por exemplo, com reais, dólares, ações e títulos de dívida pública. O resultado dessas operações interbancárias, pelo sistema anterior, só chegaria ao conhecimento do Banco Central do Brasil um dia depois que já tivessem sido realizadas. Caso ocorresse falha de pagamento, isso implicaria em série de débitos não honrados nos elos seguintes da cadeia e caberia ao Banco Central arcar com essa conta. O SPB eliminou esse risco. Antes de o novo sistema entrar em vigor, para evitar que essa reação em cadeia culminasse em colapso do sistema financeiro, o Banco Central do Brasil era obrigado a entrar em cena, garantindo o pagamento dos passivos da instituição que não tivesse como honrar seus compromissos. Pelas novas regras, vigentes desde 2002, as chamadas “câmaras de liquidação diferida por resultado líquido” simplesmente barram a realização das transações se não houver garantias para isso. São elas: a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) da FEBRABAN; a Câmara Brasileira de Liquidação & Custódia (CBLC) da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA); e as Câmaras de Ativos, Câmbio e Derivativos, da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). Um crédito eliminaria automaticamente um débito no mesmo valor e a clearingnão autorizaria o banco assumir novo débito, caso ele não tivesse reserva bancária. O sucesso do SPB foi o resultado de um pacote de medidas, lançado em 2002, que proporcionou maior segurança jurídico-regulatória, e um confiável aparato tecnológico. Na área jurídico-regulatória, os principais avanços foram relacionados às chamadas “câmaras de compensação” ou clearings, reconhecendo-as como contrapartes centrais nas operações. No caso de um banco que tenha comprado R$ 1 bilhão em dólares, por exemplo, a câmara se compromete a entregar a uma das partes um bilhão de reais e o equivalente em moeda norte-americana à outra. Os negócios são, em última análise, com a clearing e não diretamente entre um banco e outro. O segundo avanço foi a “sacramentação das garantias” oferecidas nessas clearings para a realização das transações. Esses recursos, pelas novas regras, não podem, em hipótese alguma, deixar de ser usados como garantias. Antes, havia risco legal quanto Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 294 à execução de garantias. Caso um banco fosse posto sob intervenção, o interventor podia, simplesmente, escolher quais operações honrar e quais não honrar. No que diz respeito à tecnologia, a principal novidade foi o desenvolvimento do Sistema de Transferências de Reservas (SITRAR), mecanismo de comunicação por mensagens criptográficas. Seu objetivo foi assegurar, de forma rápida e segura, a transferência de recursos entre as contas dos bancos, nas contas de Reserva Bancária no Banco Central do Brasil, e as clearings, nas contas de Liquidação, também no Banco Central. O SPB representou a modernização dos sistemas de pagamentos no Brasil, tornando-o comparável aos mais avançados do mundo. Foi o principal motivo da melhora como um todo do sistema financeiro nacional e reduziu drasticamente os riscos sistêmicos, ajudando a criar condições para a inserção do país no atual sistema globalizado. Com a intervenção no Banco Santos, no final de 2004, e sua posterior liquidação, comprovou-se, na prática, que a utilização de garantias para os sistemas estruturalmente importantes funcionaram e delimitaram as conseqüências indesejáveis para o sistema financeiro nacional. Isolou os efeitos colaterais daquela bancarrota. Na realidade, a CIP não ficou nem um só dia “fora do ar”, nos primeiros cinco anos do SPB. Para os clientes pessoas físicas, representou dispor de uma rapidez inédita no mundo na movimentação de recursos, com a criação da TED – Transferência Eletrônica Disponível. Ela permite remeter ou receber qualquer valor, mas os bancos fizeram um “acordo entre cavalheiros” de ser igual ou acima de R$ 5.000, para não estourar a capacidade de processamento da CIP com transferências do pequeno varejo, em qualquer ponto do país, no mesmo dia, quando não em tempo real. Diferentemente das transferências realizadas por meio de DOCs e cheques, cuja liquidação é realizada um dia após o processamento da operação (D + 1), nas TEDs a liquidação é realizada, instantaneamente, on line. Para as empresas, em geral, mas, sobretudo, para aquelas que gerenciam caixas que as aproximam de bancos, o SPB representou mais segurança, agilidade e eficiência no manejo de recursos e instrumentos financeiros. Por exemplo, os supermercados, que realizam, diariamente, inúmeras operações de compra e venda com fornecedores e clientes, a introdução da TED representou mudança na forma de atuação dos departamentos financeiros. O SPB mudou as transações financeiras entre empresas, que antes eram feitas através de cheques e DOCs e a transferência dos recursos só era confirmada no dia seguinte. Em regime de alta inflação e com alta taxa de juros real, havia custo de oportunidade significativo para os que tinham dinheiro a receber. Com o SPB, transações acima de R$ 5 mil são realizadas on line. É possível conferir as entradas e as saídas, poucos minutos após a negociação. Isso propicia mais segurança para remetentes e receptores que movimentam grandes quantias, já que podem acompanhar a liquidação das operações, confirmando se as movimentações foram efetivadas, e corrigir eventuais problemas durante o próprio expediente bancário. Nas tesourarias das empresas não-financeiras, também foi preciso automatizar os processos de apuração dos valores dos pagamentos e recebimentos. Internamente, foram Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 295 implantados sistemas para a troca de informações entre Contas a Pagar, Contas a Receber, e Caixa. Com horários mais rígidos para as transferências, era preciso um fluxo rápido de informações, pois, passado o prazo, não havia mais como resgatar recursos para cobrir necessidades de caixa nem aplicar sobras. Estreitou-se também o relacionamento dessas grandes companhias com seus bancos, pois boa parte das operações passou a ser feita por sistemas informatizados. Por esse lado, o SPB também induziu a redução de custos, pois foram eliminados processos manuais que demandavam mais tempo e com maior probabilidade de falha humana. Por outro lado, o SPB incentivou a concentração bancária ao exigir gastos altos com o desenvolvimento de sistemas e aumento dos controles internos. Alguns controladores de instituições pequenas desistiram de se manter no negócio diante das exigências em operar no novo sistema. As inovações tecnológicas, aceleradas nos últimos anos, permitiram inovações financeiras no Brasil. Na terceira onda da internet, os usuários têm a possibilidade de produzir conteúdo e o disponibilizar na rede. Trata-se agora de produzir, receber e propagar. Pode-se avaliar e comentar notícias, selecionar os assuntos de interesse próprio, colaborar na geração e alteração de conteúdo, classificar e indicar os produtos. Quanto mais rápida se tornar a conexão interativa, mais pessoas colocarão conteúdo na rede, transformando-a em via de mão dupla. Daí as áreas de TI dos bancos pretenderem utilizar a infra-estrutura da rede celular para conectar agências em Wi-Max (banda larga sem fio), o que permitirá plena mobilidade nas unidades de atendimento. As agências serão itinerantes, com todo funcionário (e seus maravilhosos dispositivos móveis) tendo de ir onde o povo, ops, o cliente está! Lá estará ele, o banco onipresente e onisciente, cuja TI o tirou fora das limitações físicas do tempo (real) e do espaço (total). Sobrenatural: será deus ou demônio? Ou apenas instituição de mercado regulável? 7.3.2. Oferecer segurança, rendimento e liquidez para aplicações É possível fazer um breve resumo da história da riqueza no Brasil, para entender qual foi o papel histórico dos bancos ao oferecer “papéis” aos clientes, como formas alternativas de manutenção de riqueza. No espaço colonial brasileiro, a forma de manutenção de fortuna local, composta de escravos, terras e engenhos, era em “bens de raiz”, não sendo possível levá-los para a metrópole européia. Havia grande dificuldade para transformar a fortuna em dinheiro. Muitos senhores de engenho eram ricos, mas havia o problema de falta crônica de moeda metálica. Os patrimônios eram cada vez maiores, mas a liquidez proporcionalmente menor, pois o valor de produção crescia muito mais que a moeda em circulação. Em face da escassez quase absoluta de moeda, o governo da capitania do Rio de Janeiro chegou a determinar o curso forçado do açúcar para pagamento de impostos e soldos. Essa moeda-mercadoria, mesmo com valor incerto e flutuante face à paridade oficial, cumpria a função de intermediária de trocas de aceitação geral e medida de valor, enquanto os escravos desempenhavam a função monetária de reserva de valor, isto é, a representação da fortuna já obtida. O açúcar e os escravos eram os substitutos da moeda metálica. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 296 Com o fim do “ciclo da economia açucareira” (séculos XVI e XVII) e do “ciclo do ouro” (século XVIII),depois de dois séculos de letargia, restou à população pobre a alternativa da migração. A região Nordeste, o grande ponto de origem das migrações internas brasileiras, perdeu, no século XX, sua participação na população total do Brasil: de 39% a 28%. A região Sudeste, centro do “ciclo da economia cafeeira” (séculos XIX- XX) e do “ciclo urbano-industrial” (após a crise do café na década de 1930), manteve o patamar próximo de 45%, chegando a 2000 com 43%. A região Sul oscilou, mas terminou com os mesmos 15% que tinha em meados do século. Com a crescente interiorização da população brasileira, a região Norte quase dobrou sua participação, saindo de 4% em 1900 para 7,6% em 2000; a região Centro-Oeste mais que triplicou, ao longo do século XX, indo de 2,1% para 6,8%. Caracterizou-se, assim, depois de uma “marcha nordeste-sudeste/sul”, uma “marcha para o oeste (e o norte)”, seguindo a trilha em busca de riqueza: o madeireiro chegava primeiro, o gado o seguia e depois vinha a soja. Com a adaptação da soja para plantio em zonas tropicais, o agricultor comprava as pastagens do pecuarista. Com o dinheiro recebido do agricultor de soja, o pecuarista comprava terras exauridas por madeireiros mais ao norte. O madeireiro avançava sobre terras devolutas, extraía as árvores nobres e ficava à espera de uma oferta do pecuarista. O ciclo de destruição se repetia... Na Amazônia, ¾ das áreas de árvores derrubadas por motosserras de peões (cativos por dívidas) eram transformadas em pastagens, o que fazia da pecuária uma das grandes causas do desmatamento. Na realidade, as cidades brasileiras não tiveram capacidade de absorver, adequadamente, o ritmo elevadíssimo de migração vindo do campo, na segunda metade do século XX. Em busca de maior esperança de vida, acesso a serviços públicos e moradia (“sonho da casa própria”), a população urbana passou de 31% a 84% do total, em pouco mais de 60 anos. Não foi atendida a necessidade levar ao campo os mesmos direitos civis disponíveis na cidade, para dar melhores condições de vida e de trabalho nas zonas rurais brasileiras. “Bolhas” surgiram quando os preços de mercado dos ativos eram inconsistentes com o que os fundamentos justificariam. Uma economia de boom (com alto crescimento) gerava uma bolha de ativos quando a escala de influxos nominais de riqueza à caça de oportunidades em ativos reais ultrapassava a capacidade de criação desses ativos de capital. As bolhas de ativos seguidas por colapsos de ativos foram virtualmente onipresentes em economias (ou em mercados) com fronteiras delimitadas (DYMSKI: 1998). Em sistemas baseados em mercado de capitais, a volatilidade dos preços dos ativos (cambiais, mobiliários e imobiliários), que representam parcela importante do patrimônio das famílias e das empresas, reflete-se seja em um “efeito riqueza”, seja em um “efeito pobreza”. A percepção de um aumento relativo no patrimônio eleva os gastos de consumo e deriva em investimento, inclusive pelo fornecimento de capitais de risco para financiá-lo. Isso ocorre mesmo sem a liquidação das posições, ou seja, na ausência da realização dos lucros imaginados. A seqüência de altas nas cotações pode, então, resultar em ciclo produtivo, com aceleração da taxa de crescimento. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 297 No Brasil, não se constituiu uma “economia de mercado de capitais”. Em uma economia com grande instabilidade inflacionária e cambial, a forma preferida de manutenção de fortuna local sempre foi em “bens de raiz”. No passado, predominava o estoque de riqueza em escravos, terras, engenhos, imóveis urbanos, etc. Com a constituição progressiva de um mercado financeiro, desde o século XIX, as emissões de títulos de dívida pública forneceram lastro para aplicações financeiras em títulos de renda fixa, contrapondo-se, parcialmente, às fugas de capital para o ouro ou as divisas estrangeiras. Evitaram a plena dolarização da economia. Grande parte da riqueza de "novos ricos" surgiu de atividades não-produtivas, geralmente ligadas a ganhos de capital por meio de valorizações mercantis, como a venda de bens (imóveis, fazendas, empresas, participações, etc.) comprados com preços baixos e vendidos após forte alta. Os empreendedores pioneiros investiram, inicialmente, em “zonas de fronteiras” ou espaços urbanos ainda não atendidos por determinadas atividades. Com o controle monopolista de mercados locais, obtiveram “ganhos de fundadores” extraordinários, devido ao crescimento das cidades. Exemplo dessas “economias de bolha”, que atraia capital e trabalhadores, São Paulo era o Estado que concentrava a maior parte dos ricos do país, cuja renda média mensal era a quarta maior (R$ 31.900,00), após a dos ricos de Distrito Federal (R$ 40.800,00), Minas Gerais (R$ 32.600,00) e Mato Grosso (R$ 32.100,00), segundo o “Atlas dos Ricos no Brasil” de POCHMANN (2004). A renda média mensal do 1% mais ricos no Brasil era de R$ 23.400,00 por mês, em setembro de 2003, e a relação entre ela e a renda média da população era de 14,5 vezes maior. Nivelada por cima, a menor relação (13 vezes) desse tipo era no Distrito Federal, cuja renda média dos ricos era a maior entre todas as Unidades Federativas. O Estado do Maranhão, que tinha a menor renda média mensal entre o 1% mais ricos (R$ 14.000,00), era onde justamente essa relação era maior, em torno de 20 vezes, assim como em Alagoas (R$ 17.400,00) e no Piauí (R$ 15.800,00). Na capital de São Paulo moravam 443.462 famílias ricas, representando 38% das famílias com renda mensal superior a R$ 10.982,00, em setembro de 2003, nível arbitrado por POCHMANN (2004) para essa classificação. Cerca de metade do total de 1,162 milhão de famílias ricas do país morava em quatro cidades. Além de São Paulo, cuja renda média dos ricos era R$ 36.600,00, eram elas: Rio de Janeiro com 76.317 famílias (R$ 17.400,00), Brasília com 34.994 (R$ 40.800,00) e Belo Horizonte com 27.526 (R$ 32.600,00). Essa concentração urbana da riqueza sugere que as bolhas de ativos, no Brasil, ocorreram mais no mercado imobiliário. A demanda por imóveis era determinada pela elevação do grau de urbanização da população. A concentração do mercado consumidor, nessas grandes cidades, favorecia o sucesso dos empreendimentos empresariais. Entre 1900 e 1973, a taxa de crescimento médio do PIB brasileiro foi a maior do mundo, propiciando uma economia de boom com bolhas imobiliárias. A sobra de renda dos mais ricos permitia construir a “casa própria” ou investir em imóveis, aplicação que era, antes da reforma financeira de 1964, considerada segura e rentável. Tinha mercado secundário organizado que dava, então, relativa liquidez. Poucas “bolhas” ocorreram no mercado de ações brasileiro. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 298 No Brasil, o Estado, à custa de um imenso e contínuo endividamento, teve que se encarregar da tarefa de industrialização pesada, devido aos grandes riscos do investimento. A insuficiente mobilização de capitais pelos empresários brasileiros, em face da envergadura dos empreendimentos, os afastou. Eles tinham oportunidades lucrativas de inversão, com baixo risco e diminutas barreiras tecnológicas, na medida em que atuassem em mercados protegidos como o bancário e o de empreitadas de obras públicas. Os investimentos que requisitavam patentes tecnológicas foram efetuados por empresas estrangeiras. Essas trouxeram capital do exterior; não necessitaram emitir ações no país. Os investimentos e, conseqüentemente, as necessidades de financiamento das empresas privadas nacionais foram limitados. Foram atendidas pelos lucros retidos e créditos comerciais e oficiais. Com isso, nunca houve estímulo, pelo lado da demanda de recursos, para os proprietários dividirem o poder sobre suas empresas, lançando ações. Inclusive, para incentivar a abertura de capital, criou-se o expediente de separar ações ordinárias e preferenciaiscomo proteção face ao risco de perda do controle acionário por takeover hostil. Isso desestimulava o mercado secundário. Nos últimos 37 anos, a bolsa de valores teve apenas cinco “booms”, no Brasil. O primeiro foi em 1971, durante o chamado “milagre econômico brasileiro”. O segundo foi 15 anos após, depois do lançamento do Plano Cruzado. Em 1989, houve a mega- especulação do Nagi Nahas. Em meados de 1997, com a “crise asiática”, explodiu a penúltima bolha, a da “abertura financeira ao capital estrangeiro”. Desde então, a BOVESPA somente retomou seu crescimento após a crise pré-eleitoral (ou de “marcação a mercado”) de 2002, simultaneamente à estabilização da inflação e ao fim da vulnerabilidade externa da economia brasileira. Nos oito anos antes de 2003, quando Lula tomou posse, a Bolsa acumulou quedas expressivas. Em 1995, a queda foi de 13,9%; em 1998, de 38,5%, em 2000, de 18,3%; em 2001, de 25%; e em 2002, de 45,5%. Depois, a Bolsa acumulou altas expressivas: 141,3% em 2003; 28,2% em 2004; 44,8% em 2005; 45,5% em 2006; e 48% em 2007. A diferença entre os rendimentos da renda fixa e os da variável pode ser observada através de proxy da primeira: a evolução do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), que é referência para os fundos de renda fixa e os depósitos a prazo. Estimativa da rentabilidade acumulada, de julho de 1994 a dezembro de 2005, mostra que o CDI acumulou variações de 1.308%, bem superior à variação do Índice BOVESPA, a proxy para a renda variável, que acumulou em 819%. A poupança, no mesmo período, acumulou 404%. Interessante observar que todas essas aplicações ficaram bem acima da taxa de inflação (IPCA) acumulada no período (196%). Apenas o câmbio variou menos, mostrando que a sobrevalorização da moeda nacional, no 1º mandato do governo FHC, e sua apreciação no 1º mandato do governo Lula, desestimularam as aplicações em dólares. Levantamento da Economática (OESP: 04/09/07), referente a um período mais recente, entre o início de 2002 e o fim de agosto de 2007, mostrou que o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, acumulou alta de 302,4%. No mesmo período, a rentabilidade do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), que acompanhava a taxa básica de juros (SELIC), foi de 152,3%. Foi a primeira vez, em toda Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 299 a história moderna do mercado brasileiro, que o Ibovespa, parâmetro para investimentos de renda variável, apresentou rentabilidade superior ao do CDI, parâmetro para investimentos de renda fixa, por cinco anos consecutivos. Antes, o movimento da bolsa de valores se concentrava em ações das empresas estatais. Com o modelo de privatização, adotado nos anos 90, acompanhado de desnacionalização, perdeu-se a oportunidade histórica de criar grandes corporações privadas nacionais, com a venda de suas ações de maneira pulverizada. Não se fez a “democratização do capital”. O fato histórico é que aqui se constituiu “economia de endividamento”, não “economia de mercado de capitais”. Ainda não houve no mundo nenhuma experiência que tenha convertido a primeira nessa última, típica dos países anglo-saxões. Esse modelo institucional de mercado financeiro não foi copiado senão como caricatura do original. Pelo contrário, atualmente (assim como em 1929), a bolsa de valores de Nova York absorve ações (ADRs) das grandes empresas do resto do mundo, esvaziando as congêneres. Mas, nas décadas de 80 e 90, graças às atividades ligadas ao setor financeiro, pequena parcela da classe média conseguiu enriquecer, elevando a desigualdade social. A piora no Índice de Gini (IG), durante um ciclo com alta inflação e moeda-indexada (disponível para os que tinham acesso a bancos), mostra isso, indiretamente. Em 1981, ele foi 0,564; agravou a concentração de renda até 1993, quando atingiu 0,600. Apenas após a estabilização da inflação, em 2002, ele retomou o patamar de duas décadas antes: 0,563. Em 2007, o IG da renda do trabalho atingiu seu nível histórico mais baixo: 0,528. Em ano de boom na bolsa de valores e expansão econômica, as famílias das classes A e B tiveram o maior crescimento de renda da população brasileira. A expansão foi constatada em estudo da LatinPanel com 8.200 lares no país (FSP: 09/11/07). O principal motivo para o aumento no rendimento foram os ganhos com aplicações financeiras. As famílias mais ricas aumentaram os investimentos em 216%, de uma média mensal de R$ 1.520,00 para R$ 4.812,00. Quem aplicou em ações fez uma boa escolha até o final de 2007. Os ganhos com comissões e bonificações, como a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, também ajudaram nesse crescimento do rendimento, com uma ampliação de 27%, no período analisado. A partir dos anos 80, o que se viu foi o estabelecimento de um modelo de acumulação de riqueza por meio da dívida pública e dos juros altos em que o Estado transferia recursos oriundos de tributação sobre toda a população para as camadas mais ricas do país. O aumento da dívida foi gerado por um conjunto de fatores. A explosão dos juros, sua dolarização em simultâneo à depreciação da moeda nacional, o reconhecimento de dívidas antigas (“esqueletos” como os que levaram o Tesouro Nacional a assumir dívidas estaduais e a trocar ativos da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e do INSS) e a própria necessidade de financiamento do setor público (déficit nominal) aumentaram a dívida líquida. Enquanto isso ocorria, a receita de privatizações reduzia em muito pouco o montante da dívida. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 300 Na segunda metade da década passada, a necessidade de rolagem da dívida exigiu conquistar espaço entre os haveres financeiros para os títulos de dívida pública, como fica demonstrado pela relação crescente entre os fundos de renda fixa e o total dos haveres financeiros. Essa participação sai de 12,5%, em janeiro de 1995, sobe até um primeiro “pico” de 32%, dois anos após, cai para 25%, no ano seguinte, voltando a subir até 39%, em janeiro de 2001, cai levemente até 35%, em janeiro de 2003, e sobe inexoravelmente até 45%, nível alcançado em janeiro de 2006. O estímulo à indústria de fundos de investimentos financeiros ocorreu em desfavor do funding típico dos bancos públicos: depósitos de poupança e a prazo. O crescimento do estoque de títulos de dívida pública conquistou mercado em relação aos títulos de dívida privada (depósitos a prazo e depósitos de poupança), dificultando a obtenção de funding adequado ao financiamento. Esses depósitos, conjuntamente com os haveres monetários (depósitos à vista e papel-moeda em poder do público), representavam 75% do total de haveres financeiros, em janeiro de 1995. No final de 2001, já tinha atingido o patamar de 40%, do qual apenas recuperou com a crise da “marcação a mercado”, em 2002, quando chegou a 49%. No fim do exercício de 2007, os fundos representavam 54% do total de captações, os depósitos a prazo, 20%, os depósitos de poupança, 16%, e os depósitos à vista, 10%. A interpretação interessante do fenômeno da “indústria de fundos mútuos de investimento” é que ele mostra a administração de recursos de terceiros, que é segregada nos bancos pela “chinese wall”, concorrendo com os próprios negócios bancários, isto é, com a captação de funding para a carteira de crédito dos bancos. Em outras palavras, houve um vazamento de dinheiro do circuito monetário tradicional: bancos - crédito - empresas - pagamento dos empregados - consumo - receita das empresas - pagamento do crédito. Nesse sentido, houve um vazamento de recursos do mercado de produtos, não tanto para depósitos quanto para o mercado de títulos de dívida pública. Por que os bancos aceitaram isso? Obviamente, porque foram muito bem remunerados por isso. Os gestores dos fundos de investimento se apropriavam o equivalente a 1,5% do PIB brasileiro, anualmente, apenas comtaxas de administração. A maioria deles tinha apenas a tarefa burocrática de comprar títulos da dívida pública do governo que vinham garantindo os juros reais mais elevados do mundo, independentemente do cenário econômico. A indústria de fundos administrava R$ 1,2 trilhão e cobrava taxas de administração em percentual significativo do patrimônio anual dos recursos administrados. Em 2006, a taxa média cobrada nos fundos de varejo ficou em 2,6% e nos fundos de ações, 3,5% (FSP: 24/09/07). Com aquela taxa, os “administradores dos recursos de terceiros” embolsavam bilhões de reais por ano para fazer um dos trabalhos mais simples do sistema financeiro internacional, que pouco envolvia a prestação de um serviço de valor ao cotista. Porém, com a tendência de queda da taxa de juros, cada vez mais os cotistas teriam a necessidade de um serviço personalizado, que atendesse às necessidades particulares de aplicação de recursos e de tomada de risco. A perspectiva de juros ainda baixos no país colocava um desafio aos gestores de fundos administrados pelos bancos no Brasil: eles teriam de apresentar mais resultado Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 301 para o cliente, fazendo uma gestão de patrimônio mais personalizada, e ainda cobrando taxas de administração menores. O efeito colateral seria assumir cada vez mais riscos. Havia muita riqueza correndo atrás de poucos ativos. Com o aumento da riqueza, os investidores tendiam a aceitar mais riscos. A indústria de fundos teria de responder com maior oferta de investimento de risco, o que elevaria a volatilidade nos mercados. 7.3.3. Financiar atividades A evolução real do crédito, em todo o governo FHC (1995-2002), foi medíocre. Com a reestruturação patrimonial dos bancos públicos federais, em maio de 2001, o saldo de empréstimos caiu inclusive em termos nominais. Esses bancos não recuperaram suas antigas participações no mercado de crédito, desde então. Parte dos recursos direcionados a setores prioritários foi assumida como “esqueletos”. O fato é que, findo o governo FHC, a relação entre o estoque de crédito bancário e o PIB, no Brasil encontrava-se entre as piores, considerando os Estados Unidos (160%), Japão (143%), Europa (130%), países asiáticos emergentes (73%), Europa emergente (51%), América Latina (39%), Chile (60%). A do Brasil, no “fundo do poço”, era de 23,8%. Mas, em decorrência da política de crédito adotada no governo Lula, o estoque total de empréstimos passou a representar 37% do PIB, em julho de 2008. O financiamento ao setor habitacional estava estagnado, desde 1992, quando se detectou a sobre aplicação em relação aos 65% exigidos do saldo da poupança pela Caixa Econômica Federal. O crédito ao setor rural através do Banco do Brasil tinha um desempenho sofrível. O BNDES era o único a apresentar um forte crescimento em suas operações de crédito, destacando-se seu papel no financiamento às exportações face à escassez das linhas de crédito dos bancos múltiplos. A participação média do Banco do Brasil e da Caixa, no mercado de crédito, entre 1993 e 1999, foi de 40,4%. Em junho de 2002, um ano após a reestruturação patrimonial, passaram a deter apenas 21,4% do total de operações de crédito. Em compensação, trocaram os “ativos podres” por títulos da dívida pública, passando a carregar em suas carteiras próprias 34,2% do total em posse do setor bancário. Em conseqüência, os quatro maiores bancos privados nacionais igualaram à parcela de operações de crédito que os quatro maiores públicos detinham: cerca de 30%. A relação entre a carteira de títulos e a carteira de empréstimos dos maiores bancos públicos (exceto BNDES) era muito superior do que a da média do sistema bancário. O único privado que tinha a mesma característica era o Banespa, desde a renegociação da sua dívida junto ao Estado de São Paulo. Os bancos “carregadores” de títulos de dívida pública estavam obtendo uma receita com títulos muito superior do que a com operações de crédito. Estavam também conseguindo obter maior eficiência, rentabilidade patrimonial e cobertura de despesas de pessoal com receitas de serviços. Devido à reestruturação patrimonial, os bancos públicos federais passaram a ter bom desempenho micro-financeiro, mas mantinham um mau desempenho macro-social, antes de 2003. Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 302 A disponibilidade de grande rede de agências e de “clientela cativa” por parte do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal lhes permitia captar 38% do total de depósitos do sistema. O Banco do Brasil captava 31% dos depósitos à vista, a Caixa, 32% dos depósitos de poupança, ambos somavam 30% dos depósitos a prazo. Essas participações no mercado de depósitos propiciavam-lhes desfrutar do aumento da captação via esses haveres financeiros, quando havia fuga dos fundos, devido à perda de competitividade deles, seja pela “marcação a mercado”, seja pela queda da taxa de juros e elevada taxa de administração cobrada pelos administradores de recursos de terceiros. Nessa circunstância, haveria a possibilidade de geração do funding necessário para embasar a concessão de crédito agrícola e imobiliário. Essa seria a chave da retomada do crescimento. No debate sobre o crédito no Brasil, contra o argumento de que a situação, após o segundo semestre de 2003, passou a ser muito melhor do que antes, lançava-se mão da “denúncia” que a relação entre o saldo do crédito total e o PIB aqui ainda era muito inferior do que a de em outros países. Em outros termos, em vez de se comparar evolução no tempo, contrapunha-se comparação entre espaços econômicos distintos. As comparações internacionais têm de ser muito cuidadosas. Não se pode diferenciar “espaços” ignorando as diferenças no “tempo”, isto é, não é correto simplesmente fazer um corte temporal no ano presente, para denunciar que “ocupamos uma posição inferior no ranking internacional”. Não há diferenças estruturais entre os países, então, como ignorá-las nessas comparações? Por que desconhecer os distintos pontos-de-partida ou esquecer as heranças de problemas históricos, na análise do dinamismo de uma variável econômica? Basta consultar as séries temporais sobre o crédito no Brasil. O saldo total de crédito concedido pelo sistema financeiro brasileiro, comparado com o PIB da época, depois do confisco de parte do estoque de títulos de dívida pública pelo governo Collor, subiu de uma relação de 20,2%, em 1990, para o patamar de 28,6%, no início de 1994. Ao final deste ano, em que ocorreu uma “bolha de consumo”, provocada pelo Plano Real, a proporção atingiu seu “pico histórico”, isto é, 37%. Durante os dois mandatos do governo FHC, a tendência de queda predominante levou ao “piso” de 23,8%, em maio de 2003. Com uma série de incentivos ao crédito, desde então, somada ao início da queda da taxa de juros básica de referência (SELIC), a relação crédito / PIB voltou a atingir 37% do PIB, em julho de 2008, considerando inclusive a revisão do PIB a maior. Era a melhor relação, desde novembro de 1995, mais de 13 pontos percentuais em relação à de maio de 2003, ou seja, uma elevação de 55%! A relação crédito sobre PIB mostrava um crescimento consistente, desde meados de 2004, em função tanto de mudanças institucionais quanto de fatores econômicos. No que se refere às alterações institucionais, destacava-se a Lei 10.820 de 17/12/2003 que regulamentou os empréstimos consignados em folha de pagamento, ampliando o acesso dos trabalhadores a uma modalidade de crédito mais atrativa ao tomador e de menor risco para o credor. Referente aos fatores econômicos, o destaque era a consolidação de um cenário favorável, com maior estabilidade de preços e perspectiva de crescimento. Este quadro elevou a confiança dos agentes econômicos, fator fundamental para a expansão do Fernando Nogueira da Costa. Brasil dos Bancos. Capítulo 7 – Brasil dos Bancos. 303
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