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XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 1 OS DESAFIOS DO ENSINO DE FÍSICA PARA UM ALUNO SURDO EM UMA CLASSE COMUM. Jucivagno Francisco Cambuhy Silva1, Roseli C. Rocha de C. Baumel2 1 Universidade de São Paulo/ Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências IQ/IF/IB/FE/ jucivagno.silva@usp.br 2 Universidade de São Paulo / Faculdade de Educação/ rbaumel@usp.br Resumo Relatamos aqui resultados parciais de um estudo de caso de um aluno surdo inserido em uma classe comum e as barreiras a serem enfrentadas com a Inclusão dele nas classes regulares, haja vista as políticas públicas do país apontam esta como uma das principais formas de educação das pessoas com Necessidades Educativas Especiais (NEE). O lócus da pesquisa foi uma escola regular de Ensino Médio em Cajamar, na grande São Paulo, realizada entre março e agosto de 2010. As principais dificuldades são ligadas principalmente à falta de um intérprete em Libras em sala de aula, materiais específicos para trabalhar com alunos surdos e a falta de um banco de sinais específicos para a Física. As hipóteses iniciais foram de que as experiências em sala de aula poderiam minimizar as barreiras de comunicação entre o professor e o aluno Vygotsky (1993). Entretanto, as sequências de ensino de Física que envolveram algum experimento em sala de aula não aguçaram a curiosidade do discente surdo, e não vem mostrando resultados de aprendizagem significativa, embora diferentes metodologias de trabalho estejam sendo utilizadas, como aulas com vídeo, aulas na sala de informática, experiências na sala de aula com materiais de baixo custo e visita ao Show de Física da USP. Em relação a este aspecto a participação do mesmo em algumas aulas não melhorou. Como resultado parcial, destacamos a falta de materiais e de professores de ciências exatas voltados para a área de educação de surdos. Todos esses fatores ocasionaram a falta de interesse em exatas pelo aluno e um sentimento de angústia por parte dos professores. Culminando com uma grande falta de preparo dos professores da área de ciências exatas para trabalhar com alunos que não podem ouvir, provocando desinteresse e a desmotivação dos mesmos. Palavras-chave: Física, Políticas públicas, Inclusão, Surdos. I – Física + Inclusão = Políticas Públicas As políticas públicas atuais do país apontam para a inclusão como uma das formas de educação dos alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE). As mesmas são favoráveis à integração destes em uma sociedade que aprenda a conviver com o diferente. Como garantia de um direito constitucional adquirido desde a constituição de 1988 e defendido por diferentes grupos sociais ao longo da história, o gráfico abaixo mostra essa evolução ao longo dos anos: ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 2 Figura 1: O aumento na educação especial no Brasil Fonte: HTTP://mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/brasil.pdf. acesso em 05/04/2010 Notamos que o número de matrículas que eram de 43.923 em 1998, foi para 325.136 alunos, em 2006, justamente devido às políticas públicas voltadas para a área de educação especial e distribuídos da seguinte forma: dos 293.403 alunos; 58% com problemas mentais; 13,8%, com deficiências múltiplas; 12%, com problemas de audição; 3,1% de visão; 4,5%, com problemas físicos; 2,4%, de conduta. Apenas 0,3% com altas habilidades ou eram superdotados e 5,9% recebiam "outro tipo de atendimento” (Sinopse Estatística da Educação Básica/Censo Escolar 1998, do MEC/INEP). Além disso, segundo cálculos da Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que 2,5% da população seja surda em diferentes graus, de leve a profundo. Dentro dos grupos de surdos, os pesquisadores apontam que existem os surdos oralizados e os não oralizados, os primeiros se utilizam da Língua de Sinais (LS) e um pouco de leitura labial, associado ou não a um Aparelho de Amplificação Sonora (AAS) para se comunicarem com os ouvintes, o segundo grupo só se utiliza da LS para se comunicar. Outro grupo, mais recente, é o dos Implantados, sujeitos que sofreram uma cirurgia de implante coclear, ou seja, um implante de um dispositivo eletrônico de processamento sonoro na cóclea do sujeito surdo, feito de forma cirúrgica. Dado este quadro da realidade brasileira no que se refere à inclusão de pessoas com (NEE), os professores e a sociedade civil têm caminhado cada vez mais no sentido de incluir os alunos na rede pública de ensino. Esses fatores reforçam a necessidade de o professor estar preparado para trabalhar com classes heterogêneas, e, o sentimento de falta de preparo se acentua, uma vez que durante a graduação dos mesmos não havia uma preocupação específica para essa realidade educacional. Sobretudo quando pensamos nas áreas de Física, química e ciências biológicas. Isto traz à tona a questão da educação das pessoas surdas que, embora possuam as mesmas capacidades cognitivas dos alunos ditos “normais”, não ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 3 conseguem obter os mesmos resultados de aprendizagem dos alunos ouvintes. É o que indica a maioria das pesquisas em educação de pessoas surdas no Brasil e no mundo, Lacerda (2007). No Brasil, este fenômeno ainda é recente e vêm interferindo fortemente no contexto do ensino e da aprendizagem dos alunos. O que temos atualmente, na área de ensino de Física, é um processo precoce, visto que professores e pesquisadores na área de ensino estão adaptando as escolas, elaborando materiais e formando os professores para ensinarem esses alunos. As barreiras ainda são muitas como destacam Lacerda e Goes (2000), que apontam as dificuldades encontradas por um grupo de alunos surdos matriculados em uma escola de ensino regular, destacando a falta de capacitação dos professores. Mesmo os esforços do governo para a capacitação dos professores ainda são muito tímidos. Isto pode ser notado na educação das pessoas surdas, já que, a maioria dos artigos e pesquisas está centrada na alfabetização dos discentes surdos, por exemplo, nas diretrizes do MEC para surdez. Em seu volume II atualidades pedagógicas publicado em 19971, Vale ressaltar que, atualmente, todo o fazer educacional com o aluno surdo ou parcialmente surdo deve ter como objetivo específico o desenvolvimento de sua linguagem, se possível num enfoque bilíngue. (MEC/SEESP. 1997. V. II pag.288) O esforço é justamente para a comunicação dos alunos e de lá até agora os professores ainda não possuem formação para trabalhar com os mesmos. A maioria dos docentes que está atuando nas salas de aula do país e que lecionam Física, não possui formação acadêmica voltada para a área de educação especial e, ao se depararem com esses alunos, muitas vezes, se sentem desamparados e, quando tentam encontrar materiais didáticos para esses estudantes, não os encontram, sejam em sites do governo ou em outras fontes, haja vista, que os mesmos em sua maioria são produzidos para alunos ouvintes. Os dados do senso de 2006 da Secretaria de Educação Especial (SEE) mostram que, na educação especial, em 2003, havia 665 alunos Surdos2 matriculados no ensino superior e, em 2003, esse número passou a ser 2428, ou seja, um aumento de 365%. Embora esses dados ainda sejam muito tímidos, já é um avanço no que se refere à educação dos surdos, pois irá garantir um número maior de profissionais para melhorar a educação dos mesmos. Todavia, se não tivermos mais políticas públicas direcionadas para a área de educação dos surdoscom produção de material adaptado, intérpretes em salas de aula e melhoria na formação docente nas áreas de ciências exatas não teremos uma inclusão educacional efetiva e eficaz. 1 Brasil, Secretaria de Educação Especial. A educação dos surdos / organizado por Giuseppe Rinaldi et al. Brasília:MEC/SEESP. 1997. V. II. - (série Atualidades Pedagógicas; n. 4) I. Deficiência Auditiva I. Rinaldi. Giuseppe. II Título 2 O MEC utiliza a visão médico organicista, que encara a surdes como deficiência, Aqui tratamos de surdos todos aqueles que utilizam a língua de sinais para se comunicar, mesmo que seja surdo leve, moderado ou profundo. ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 4 II - Física e Libras3 = Alfabetização Científica A relação entre a Física (que é rica em uma gama de conceitos) e a Libras é algo extremamente difícil de ser estabelecida pelo senso comum. É necessário uma forma de fazer uma ponte entre os conceitos científicos e os conceitos apresentados pelas Libras, o que se dá justamente pela relação espacial, visual e concreta: por exemplo, com o experimento é que o aluno pode fazer tal relação. Mas, um outro problema encontrado por professores é a falta de símbolos de Física que possam exemplificar os conceitos, como destacaram Botan e Cesar (2009), estes propõem a criação de um banco de dados com símbolos em Libras para o conteúdo de cinemática. Surge, então, o papel do laboratório e da experimentação no ensino de Física, o que acreditamos ser algo extremamente vantajoso para o aluno surdo, uma vez que interagindo e observando os fenômenos, os alunos poderão aproximar-se ainda mais dos conceitos científicos e, minimizando a barreira da linguagem, uma vez que o aluno moco precisa de algum tipo de pensamento concreto, de acordo com Vygotsky (1993) é por meio da relação dialógica professor, aluno e conhecimento e da aquisição conceitual de signos e de significados que conseguimos internalizar conceitos abstratos. Neste caso, a Língua Brasileira de Sinais (Libras)4 é a ponte entre o aluno surdo e a linguagem científica. O papel da alfabetização científica e suas relações com o mundo atual é algo extremamente forte. Menezes (2000) afirma que é necessário proporcionar ao cidadão acesso ao conhecimento científico no sentido da Física como visão de mundo, como cultura e para Cavalcanti e Osterman (2001), outra razão era a satisfação da curiosidade e o entusiasmo que os estudantes têm ao aprender, seja na própria escola ou em casa, assuntos que lêem em livros ou revistas, em jornais ou na Internet. Mas, sem conhecer os conceitos científicos e sem uma linguagem adequada, que faça a ponte entre a Física e o mundo dos surdos, toda esta discussão perde sentido e todo debate sobre inclusão torna-se sem função, uma vez que os alunos surdos estão nos bancos escolares, sem acesso a esse conhecimento científico, excluídos do conhecimento do mundo e da natureza que os cerca. Ao longo da história existiram diversos métodos para alfabetizar e ensinar os surdos a se comunicarem. Os principais deles foram: os métodos oralistas, da comunicação total, da Língua de Sinais e Bilinguismo. O método oralista, inibia a utilização de sinais pelos surdos, utilizava sessões constantes com fonoaudiólogos para que os surdos aprendessem a falar. Já a metodologia da comunicação total 3 Nas bibliografias tanto encontramos LIBRAS como Libras, utilizaremos aqui “Libras” haja vista ser o termo mais utilizado pelos pesquisadores na área como Sassaki, Capovila e o texto atual da Lei 10.436/02 que regulariza a inserção desta importante língua no ensino do país. 4 No Brasil existem duas Línguas de Sinais: a LIBRAS, Língua Brasileira de Sinais − utilizada nos centros urbanos − e a LSKB − Língua de Sinais Kaapor Brasileira, da tribo indígena Urubus Kaapor da Amazônia. ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 5 associa os métodos da oralização, sinais e mímicas além de utilizar todas as possibilidades de comunicação para os surdos se comunicarem com os ouvintes. A linguagem de sinais que é outra modalidade de língua visuo-espacial, se utiliza de um grande conjunto símbolos feitos com as mãos e expressões faciais, possibilitando a comunicação de todos aqueles que a conhecem. Já o bilingüismo adota a metodologia de escolas que ensinam dois idiomas. No caso para surdos, ensina primeiramente Língua de Sinais e depois a língua materna da criança. Existem outras metodologias complementares para as crianças como o Cued Speech (Som com pistas), que é um método que complementa o som com um sinal para cada palavra ou som. Todos possuem benefícios e limitações e um método que é efetivo para uma criança surda filho de pais surdos não surtirá os mesmos efeitos caso os pais sejam ouvintes como apontam Reamy e Brackett (1999). As pesquisas atuais com alunos surdos mostram que em um ambiente bilíngue os mesmos podem adquirir esses conceitos sem nenhum problema, como destaca Mecca (2001) que estudou o desenvolvimento das funções da linguagem em crianças surdas de três a sete anos. Contudo, as pesquisas em alfabetização de surdos mostram que não podemos encarar o ensino dos surdos da mesma forma que encaramos as crianças ouvintes, principalmente, em relação aos conceitos científicos Lorenzini (2004)5 buscou entender como os alunos surdos compreendem esses conceitos e as dificuldades enfrentadas pelos mesmos para a alfabetização científica. III - Física + Inclusão - formação= Angústia A inserção de alunos Surdos em salas de aulas regulares é uma das políticas públicas adotadas pelo Ministério da Educação (MEC) o que está de acordo com a Lei n.º 10436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como um componente curricular obrigatório nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério nos níveis médio e superior. Contudo, qual é o impacto destas políticas públicas na dinâmica das salas de aula, na vida dos alunos surdos e para os professores de ciências exatas? A pesquisa foi realizada em uma escola da rede pública: Escola Estadual Tenente Joaquim Marques da Silva Sobrinho na cidade de Cajamar, na grande São Paulo. A mesma tem aproximadamente 1000 alunos, em três períodos: matutino, vespertino e noturno, divididos da seguinte forma: sete turmas de ensino médio durante o período matutino, sete no vespertino e dez turmas no período noturno. O IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo) desta escola é 1,17 em uma escala de zero a cinco. Apesar de ser considerada uma escola organizada, possui grandes problemas de aprendizagem. A escola tem um ótimo estado de conservação, as paredes foram pintadas recentemente, há cortinas e ventiladores em todas as salas de aula, um laboratório 5 LORENZINI, Nydia Mara Pinheiro. Aquisição de Um Conceito Científico por Alunos Surdos de Classes Regulares do Ensino Fundamental. Dissertação de Mestrado. Florianópolis, SC. Programa de Pós- graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, 2004. ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 6 de informática que faz parte do programa acessaescola e uma sala de jogos matemáticos (Matemateca), uma sala de multimídia com cortinas pretas simulando um auditório com data show, som, TV e carteiras estofadas. A mesma tinha um laboratório de Química e Física onde é atualmente a sala de multimídia. A integração do aluno surdo O início das aulas foi marcado por brincadeiras pejorativas por parte de alguns alunos em relação ao mesmo, iniciando um processo de Bulling escolar. Isso levou outro grupo de estudantes a reclamar na coordenação destes que zombavam do aluno surdo. O que desencadeou uma ação pedagógica por parte dos professores e coordenação no sentido de coibir esse tipo de prática dentro da escola através da conscientização e da mobilização do corpo docente. Isso mostra a importância do papel pedagógico e do corpo docente nas práticas inclusivas. Quando os alunos se referiam ao aluno surdo, por um apelido, os professores pediam para chamarem-no pelo nome e explicavam que ele falava em outro idioma, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e os docentes que possuíam alguma noção desta língua ensinava o que significava alguns símbolos em Libras para a sala. Haja vista eles nunca terem contato com aluno surdo nos anos anteriores. Por exemplo, quando foi feito o símbolo de estudar em uma das aulas de Física, eles deram risadas e após a explicação do professor eles compreenderam o que significava este símbolo que acabou se tornado comum na escola, pois, embora alguns alunos o fizessem para fazer alusão à outra coisa, os mesmos ensinavam até para os professores, pois o sujeito perguntava no inicio de cada aula em Libras: (“o que estudar agora?”) Ele mesmo ensinava alguns símbolos para os professores. A Pesquisa A direção da escola não apresentou nenhuma resistência quanto à realização da pesquisa, ajudando em todos os sentidos disponibilizando materiais e informações. A sala que foi realizada a pesquisa era do período matutino, conta com trinta e cinco alunos ouvintes e um aluno surdo, dentre os ouvintes, um aluno com problema de locomoção e um aluno com um sério problema fonoaudiológico, a faixa etária dos alunos é de 15 a 22 anos, sendo vinte meninas e dezesseis meninos. O aluno surdo em questão será o foco principal de nossa pesquisa. O mesmo foi acompanhado durante duas sequências didáticas de Física dede o inicio do ano letivo de 2010. Primeiro foi feita uma entrevista com o aluno antes da aplicação da sequência didática de ensino de Física e uma outra entrevista após a sequência. As entrevistas foram gravadas em vídeo com o auxilio e presença de um intérprete de Libras e um professor de Física. Na primeira entrevista foi perguntado em libras pelo intérprete (I); (I): Você gosta de estudar em escola de ouvintes? Aluno Surdo (AS): Eu gostar muito, amigos eu tenho, eu gosto ensinar Libras. (I): Você gosta de Física? (AS): sinal de dúvida. [Não entendeu o símbolo de Física]: (I): F-Í-S-I-C-A [repetiu física letra por letra em Libras]; ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 7 (AS): muito difícil, não entendo. (I): O que não entende? (AS): tudo, professor de matemática bravo comigo; [expressão triste]. (AS): Gosto dos professores, precisa calma. Isso mostra que o aluno gosta da escola, porém tem dificuldades com relação às disciplinas de exatas e pede mais calma dos professores. Durante a aplicação da sequência didática não tínhamos intérprete em Libras. Com a organização do professor a sala foi dividida em vários grupos e o aluno foi direcionado para o grupo onde estavam as colegas dele. O Mesmo não quis participar, enquanto os alunos ouvintes observavam os espelhos e tentavam determinar o número de imagens formadas em função do ângulo, a mesma recusava-se a participar. No final ele copiou os resultados experimentais e entregou ao professor. Foi feito uma entrevista em Libras para avaliar por que aluno faltava tanto nas aulas de química e matemática e foi constatado que caso a mãe perdesse a hora o filho não vinha a escola,. Ou seja, a mãe era a principal responsável por enviá-lo a escola. Ela ouvia o despertador e o acordava. Constatamos após uma sequência de ensino de termodinâmica e ao longo das aulas que o aluno não gostava de participar de atividades em grupo. Então aplicamos uma atividade de interpretação de Texto sobre a natureza da luz transpondo o texto para Libras e gravamos em vídeo e passamos para o aluno assistir. O Resultado foi surpreendente, pois o aluno conseguiu responder as questões propostas de forma clara e satisfatória. Com respostas mais coerentes do que de alguns alunos ouvintes. Ou seja, o intérprete é o fator mais significativo para o aluno até mais significativo do que a curiosidade despertada pelos experimentos. Depois dessa atividade entrevistamos o aluno e constatamos que o mesmo incorporou os símbolos que Química, Física e Biologia, mas ao perguntar o que ele aprendeu nas aulas ou nas sequências de ensino de óptica? Ele falava sobre os amigos, de ser muito difícil, ou de outro assunto. Ou seja, este ano, a aprendizagem do mesmo foi pouquíssima. Embora o aluno tenha um rendimento escolar abaixo dos demais, o mesmo apresenta uma interação muito boa com os professores, colegas e funcionários da escola. A forma de ensino para a mesma é um dos principais motivos de discussões e debates entre os professores, sendo este, o cerne das reuniões pedagógicas e nos conselhos de classe quando os professores discutiam as formas de avaliação do mesmo. Podemos notar isso em uma das gravações de voz do Conselho de Classe/série referentes à avaliação do mesmo no segundo bimestre deste ano. Destacamos abaixo as frases mais recorrentes dos docentes quando chegava ao referido aluno. Professora de História: Coordenadora X, o que faço com a nota deste aluno? Ele não desenvolveu nenhuma das atividades propostas. Professor de Química: Como eu faço para dar nota para esse aluno? Professora de Inglês: Como avalio o aluno surdo?Eu não vou dar nota para ele... Professor de Matemática: Como ensino o aluno surdo?... Eu não tive formação para isso, isso não é inclusão é exclusão. Vou dar nota para ele. ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 8 Professor de Física: O que vamos fazer com este aluno, e o intérprete vem? Coordenadora: até chegar o intérprete dê nota para ele, ele não deve ser penalizado pela falta de estrutura do estado. Desta forma, cada docente trabalha de uma forma diferente, uns com imagens, fotos, livros e experimentos em sala de aula. Alguns aplicam a Proposta Curricular de Ensino do Estado de São Paulo (PCESP) o que tem mostrado pouco resultado. Mas a maioria não sabe como avaliá-lo e outros nem como ensiná-lo. Nas aulas de Física, o professor leva alguns experimentos para serem realizados em sala de aula, nestas aulas, o aluno presta atenção inicialmente, mas depois, se distrai fazendo outra coisa. Ao utilizar o material da proposta curricular associando explicações em Libras com experimentos de Física em sala de aula, o aluno não demonstrou interesse e, nem se quer, buscou realizar junto com os colegas. Nas experiências de Física o docente supôs que o mesmo ficaria mais motivado. Isso mostra que as práticas docentes ainda constituem uma das barreiras a serem enfrentadas na educação dos mocos. As práticas pedagógicas constituem o maior problema na escolarização das pessoas com surdez. Torna-se urgente, repensar essas práticas para que os alunos com surdez,não acreditem que suas dificuldades para o domínio da leitura e da escrita são advindas dos limites que a surdez lhes impõe, mas principalmente pelas metodologias adotadas para ensiná-los. (DAMAZIO, 2007, pg. 21) Ao buscar outros materiais didáticos de ensino os docentes de ciências exatas, não encontram e mesmo que encontrem, são em sua maioria direcionados para alunos ouvintes, é o que destaca Nogueira, Reis e Ricardo (2009), onde analisaram os conteúdos de Acústica em livros de ensino médio. Destacando o enfoque oralista no ensino de Física, algo que dificulta a aquisição de conceitos Físicos pelos alunos surdos, uma vez que o pensamento e a aquisição dos conceitos deles são diferentes. Essas perspectivas das políticas educacionais, da falta de materiais e de formação dos profissionais de Física são evidenciadas em realidades concretas, Mudam a dinâmica das salas de aulas de ciências exatas, exigem novas competências dos docentes sem o intérprete em Libras, tornam a Física uma matéria sem sentido para os alunos o que pode levar a falsa sensação para os discentes de que eles não estão aprendendo devido ao problema auditivo. Isso causa nos docentes, uma sensação de angústia e desalento ao se deparar com a educação dos surdos. IV –Inclusão-Física-Libras = Desafio Concluímos que embora a surdez tenha sido estudada por diversos pesquisadores, é imprescindível que haja mais pesquisas neste campo haja vista que ao observar o atual sistema de ensino no Brasil constatamos que boa parte dos docentes apresenta grandes dificuldades para lidar com estes alunos e muitas vezes ao se deparar com os mesmos, sentem pena ou incompreensão. Seja pela falta de formação, de apoio ou comodidade, fatores estes que intensificam as defasagens educacionais dos surdos e dificultam a aprendizagem. No Brasil, a inclusão ainda é precoce, ou seja, embora esteja acontecendo precisa amadurecer, ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 9 necessita de políticas públicas e de formação de professores uma vez que o MEC determina a inclusão como forma de ensino, além de promover uma maior quantidade de recursos humanos para atender as escolas, e capacitar os docentes para avaliar e ensinar os surdos. A falta de pesquisas na área de ciências seja a Física, a Química ou a Biologia nos mostra que ainda não sabemos ensinar Ciências para os surdos. Eles são muitas vezes colocados em salas de aula no país e saem das escolas sem adquirir os conceitos necessários para se tornarem cidadãos que enxergam o mundo através dos lindos modelos científicos. Com base nas entrevistas e nas práticas docentes foi feito um comparativo entre o que manda as Leis de Diretrizes e Bases da educação (LDB), Lei 10.436/02 e o decreto 5.626/05 e o que realmente acontece nas salas de aula. O que manda a Lei O que de fato ocorre Inclusão: Os sistemas de ensino devem incluir os alunos com alguma Necessidade Educativa Especial em seus sistemas de ensino. As escolas buscam dentro de suas possibilidades incluir os alunos. Pela falta de estrutura acabam os excluído. Libras: O aluno tem direito aos conhecimentos tanto em português como em Libras. Não existem materiais voltados para ciências exatas e os professores não sabem Libras Intérprete: O aluno tem direito por lei a um intérprete em sala Não tem intérpretes. É o que alega as diretorias de ensino. Sem o intérprete, os alunos saem da mesma forma que entram na escola. Formação de Professores: Deve ser proporcionado aos professores acesso à literatura e informações sobre a especificidade lingüística do aluno surdo. Os professores atuais da rede de ensino não tiveram acesso ao decreto 5626/05 que dispõe DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINA CURRICULAR, ou seja, muitos nem sabem a importância da Libras para os surdos. Avaliação: Ainda não existem parâmetros criados pelos MEC para a avaliação dos surdos em ciências exatas Cada professor atribui nota pelo critério que lhe achar mais conveniente: Frequência, disciplina, participação. Tabela 1: Comparação do que a Lei manda fazer o que de fato ocorre nas escolas Portanto, o Ensino de Física para alunos surdos é algo extremamente desafiador e precisa de políticas públicas, assim como a preparação de professores em todos os âmbitos educacionais. Quando o docente se depara com esses sujeitos dentro das salas regulares de ensino, tem a falsa sensação de que o aluno surdo não consegue aprender devido à situação de não ouvinte. No entanto, isso se deve às deficiências dos sistemas de ensino, em atender adequadamente esses alunos, da falta de formação docente, falta de intérpretes e dos métodos tradicionais de alfabetização dos surdos no país. Neste sentido, as políticas públicas para a educação científica dos surdos apresentam um papel extremamente relevante, pois pode proporcionar a formação de professores, estrutura física e a produção de materiais didáticos para a educação científica dos surdos. ____________________________________________________________________________________________________ 30 de janeiro a 04 de fevereiro de 2011 XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – SNEF 2011 – Manaus, AM 10 V -Referências BRASIL. Constituição Federal de 1988. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Resultados do Censo Escolar. http://www.mec.gov.br/seesp/dados.shtm, 2001a. Acesso em 16 de julho de 2008. ___________. DAMAZIO, M. F. M, Formação Continuada a Distância de professores para o atendimento educacional Especializado, Brazilia, SEESP/SEED/MEC – 2007 pg. 21, disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_da.pdf, acesso em 30 de ago. 2010 FERNANDES, Patrícia Martins de Oliveira. Deficiente, não! Diferente. A luta dos surdos pelo reconhecimento de sua identidade lingüística e cultural. LACERDA, Cristina Broglia Feitosa de. O que dizem/sentem alunos participantes de uma experiência de inclusão escolar com aluno surdo. Rev. bras. educ. espec. [online]. 2007, vol.13, n.2, pp. 257-280. ISSN 1413-6538. LORENZINI, Nydia Mara Pinheiro. Aquisição de Um Conceito Científico por Alunos Surdos de Classes Regulares do Ensino Fundamental. Dissertação de Mestrado. MENEZES, L. C. Uma física para o novo ensino médio. 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