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A CULINÁRIA MINEIRA COMO SIGNO E PATRIMÔNIO CULTURAL

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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades 
Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013 
A CULINÁRIA MINEIRA COMO SIGNO E PATRIMÔNIO CULTURAL 
IMATERIAL 
BONOMO, JULIANA R. 
 
1. UNIRIO. PPGMS 
Av. Pasteur 296, Urca, RJ. 
jbonomo@superig.com.br 
 
 
RESUMO 
O presente trabalho tem como principal objetivo investigar como a culinária mineira pode ser 
considerada um símbolo do estado de Minas Gerais, assim como um patrimônio cultural imaterial. Para 
tanto, iremos refletir acerca do alimento como um signo, para, depois, analisarmos a participação das 
políticas públicas no reconhecimento da culinária regional como um bem cultural. Em seguida, 
contextualizaremos a nossa discussão com o estudo do ofício das quitandeiras de Minas Gerais, dado 
que se trata de uma atividade tradicional, cujo conhecimento é passado de geração em geração. 
Palavras-chave: culinária mineira, identidade regional, patrimônio cultural imaterial, quitandeiras. 
 
I. INTRODUÇÃO 
 
Há, atualmente, uma tendência crescente no Brasil e no mundo à patrimonialização de 
saberes e práticas culinárias. Até o ano de 2013, a UNESCO reconheceu como Patrimônio 
Imaterial da Humanidade a culinária mexicana, a refeição gastronômica à moda francesa, a 
dieta mediterrânea e o pão de mel croata. 
 
No Brasil, até esse mesmo ano, entre os bens culturais relacionados à gastronomia 
registrados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) estão o ofício 
das paneleiras de Goiabeiras, o ofício das baianas de acarajé, a feira de Caruaru e o modo 
artesanal de fazer queijo Minas, nas regiões do Serro e nas serras da Canastra e do Salitre. 
No estado de Minas Gerais, também foram registrados como patrimônio cultural imaterial, no 
âmbito municipal, o modo de fazer pastel de angu em Itabirito e os doces de São Bartolomeu 
em Ouro Preto. 
 
Recentemente, percebemos um esforço crescente do poder público, principalmente no estado 
de Minas Gerais, para promover a culinária regional como um bem cultural associado à 
identidade de seus habitantes. A patrimonialização dos bens culturais relacionados à culinária 
típica, seriam, então, ao nosso ver, uma forma do poder público dar concretude a esse 
discurso. 
 
Contudo, apesar da classe política fazer uso desse imaginário da cozinha típica para dar 
legitimidade às suas ações e se afirmar no cenário nacional, enfatizamos que essa é uma das 
razões possíveis para o crescimento dessa visão da culinária regional como um bem cultural, 
pois, ao mesmo tempo, acreditamos que as culturas ligadas à culinária fornecem raízes (ainda 
que imaginárias) aos habitantes de uma região, inserindo-os numa dinâmica em que se 
percebem parte de um grupo definido. Em outras palavras, pensamos que o investimento 
governamental em políticas públicas que associam cultura e culinária típica, por si só, não é 
suficiente para manter o sentimento de pertencimento dos habitantes de Minas Gerais. 
 
Desse modo, a busca dos habitantes do estado pelas suas raízes e o medo de perdê-las 
seriam fatores que ajudariam a sustentar esse status adquirido pela culinária mineira. E é 
nesse sentido que, nesse artigo, com o foco no estado de Minas Gerais, é que vamos refletir 
acerca do alimento como signo e patrimônio cultural, enquanto uma linguagem que traduz a 
história e os costumes de uma sociedade. Na seção seguinte, será discutido o papel do poder 
público no reconhecimento dos elementos da culinária típica como bens culturais e patrimônio 
imaterial, onde traçamos uma trajetória histórica das ações do governo a partir dos anos 70 
até os dias de hoje. Finalmente, contextualizaremos a discussão analisando o ofício das 
quitandeiras do interior de Minas Gerais que, embora, não tenha sido patrimonializado, vem 
sendo declarado como tal pela classe política do estado. 
 
II. A CULINÁRIA COMO SIGNO E PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL 
 
 
Enquanto um fenômeno social, o ato de comer ultrapassa a necessidade biológica e, como 
um fenômeno cultural produz sistemas alimentares onde intervêm fatores de ordem ecológica, 
histórica, cultural, social e econômica que implicam representações e imaginários sociais 
envolvendo escolhas e classificações. (MACIEL, 2005, p. 53) Desse modo, é possível pensar 
nos sistemas alimentares como sistemas simbólicos em que códigos sociais estão presentes 
atuando na construção de identidades. 
 
Segundo Roberto Da Matta (1997, p. 37), existe uma diferença entre comida e alimento. Para 
ele, o alimento é tudo o que é ingerido para manter uma pessoa viva. Já a comida carrega 
significados sociais e refere-se a alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, 
definindo um grupo, uma classe ou uma pessoa. “A comida não é apenas uma substância 
alimentar mas é também um modo, um estilo e um jeito de alimentar-se. E o jeito de comer 
define não só aquilo que é ingerido, como também aquele que o ingere”. 
 
Seguindo esse argumento, para Lody (2008, p. 12) “alimentar-se é um ato nutricional, comer é 
um ato social, pois se constitui de atitudes, ligadas aos usos, costumes, protocolos, condutas 
e situações.” Portanto, a escolha daquilo que se vai comer é cultural, “voltada à história, ao 
sentimento telúrico e faz com que ingredientes e processos culinários ocupem sentidos e 
significados próprios.” Enquanto um fator de identificação, o autor coloca a comida e a língua 
no mesmo patamar, ambos funcionando como um canal de comunicação. “Comida e idioma 
têm valores reconhecidos pelo que comunicam sobre as pessoas, seus cotidianos, suas 
festas, suas características individuais, suas identidades e principalmente suas diferenças.” 
(p. 32) 
 
De acordo com Woortmann (2008, p. 24), em qualquer sociedade, os alimentos não são 
apenas comidos, mas também pensados, ou seja, elas carregam um significado simbólico. 
Para o autor, o ato de comer confere identidade a um grupo na medida em que diferencia o 
que é comido por nós e o que é comido pelos outros. 
“Na medida em que diferentes grupos ou categorias nacionais, étnicas ou regionais elegem 
diferencialmente o que se pode ou não comer, ou discriminam entre o que é comido por nós e o 
que é comido pelos outros, os hábitos alimentares alimentam identidades e etnocentrismos.” 
 
Sendo assim, as maneiras culturalmente estabelecidas, codificadas e reconhecidas de se 
alimentar vão criando cozinhas diferenciadas, das quais os pratos típicos são elementos 
constitutivos. Podemos falar, portanto, de uma “cozinha emblemática” ou de “pratos 
emblemáticos” como figuras simbólicas que representam um grupo e expressam uma 
identidade. No entanto, a cozinha de um grupo é muito mais do que o simples somatório de 
pratos emblemáticos, ela é “um conjunto de elementos referenciados na tradição e articulados 
no sentido de constituí-la como algo particular, singular, reconhecível ante outras cozinhas.” 
(MACIEL, 2005, p. 50) 
 
No Brasil, temos alguns exemplos de pratos emblemáticos cujo forte valor simbólico 
relaciona-se a identidades regionais do país, tais como o churrasco gaúcho, o pato no tucupi 
dos paraenses, o acarajé dos baianos, o arroz com pequi dos goianos, a carne seca e o baião 
de dois dos nordestinos, o tutu de feijão, o leitão à pururuca, as quitandas e o pão-de-queijo 
dos mineiros. 
 
Segundo Maciel (2005, p. 52), a construção dessas cozinhas regionais segue caminhos 
diferentes, dadas as suas condições históricas. Portanto, deve-se entender a sua formação de 
acordo com o seu processo histórico cultural, contextualizando e particularizando a sua 
existência. No entanto, a autora ressalta o fato de que a cozinha regional. 
 
“não pode ser reduzida a um inventário, convertida em fórmulas oucombinações de elementos 
cristalizados no tempo e no espaço. Entendendo-se a identidade social como um processo 
dinâmico relacionado a um projeto coletivo que inclui uma constante reconstrução, e não como 
algo dado e imutável, pode-se afirmar que essas cozinhas agem como referenciais identitários, 
estando sujeitas a constantes transformações” (p. 53). 
No nosso ponto de vista, a patrimonialização de saberes culinários seria uma forma de 
conferir uma concretude ao discurso da identidade regional relacionado à cozinha típica. 
Como mostraremos a seguir, a partir de meados dos anos 70, o poder público passou a olhar 
para a culinária típica como manifestação cultural, o que, durante muito tempo, foi excluído 
das reflexões sobre cultura e patrimônio. Enquanto um bem cultural associado aos saberes, 
fundado na tradição e transmitido oralmente de geração em geração, a cozinha típica mineira 
estaria, assim, associada à categoria de patrimônio cultural imaterial. 
No Brasil, a instituição de referência para a atuação relativa ao patrimônio cultural imaterial é o 
IPHAN. De acordo com Castro (2008, p. 12) a conceituação de patrimônio cultural imaterial no 
país, está afinada com a formulação da UNESCO para essa categoria de patrimônio: 
"as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, 
objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos 
e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. 
Este patrimônio cultural imaterial que se transmite de geração em geração, é constantemente 
recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a 
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo 
assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana." (Artigo 2º da 
Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, UNESCO, 2003) 
 
Ainda na visão do IPHAN, o patrimônio cultural imaterial é transmitido de geração a geração, 
sendo constantemente recriado pelos grupos em função de seu ambiente, de sua interação 
com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade. 
 
De acordo com Castro (2008, p. 12), esse conceito de patrimônio cultural imaterial tem um 
viés antropológico e engloba potencialmente as expressões de todos os grupos e camadas 
sociais. Essa noção vem, portanto, dar uma visibilidade ao problema da incorporação de um 
amplo e diverso conjunto de processos culturais nas políticas públicas associadas à cultura, à 
memória e à identidade do país. Desse modo, o patrimônio cultural imaterial torna-se um 
instrumento de reconhecimento da diversidade cultural do Brasil e que traz consigo o tema da 
inclusão cultural e dos efeitos sociais dessa inclusão. Castro (2008, p. 13) destaca ainda que 
a noção de patrimônio imaterial permitiu destacar um conjunto de bens culturais que, até 
então, não era oficialmente incluído nas políticas públicas de patrimônio, orientadas pelo 
critério de valor artístico e histórico do bem protegido. 
 
Trazendo toda essa discussão para o nosso tema, podemos dizer que esse olhar do poder 
público para os chamados novos patrimônios, direcionou-se para a cozinha regional mineira, 
primeiramente, no registro do modo artesanal de fazer queijo Minas como patrimônio cultural 
imaterial em 2002 pelo IEPHA ( Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas 
Gerais) e, mais tarde, em 2008 pelo IPHAN. Ainda dentro no estado de Minas Gerais, os 
doces de São Bartolomeu foram registrados como patrimônio imaterial do município de Ouro 
Preto em 2008 e o modo de fazer pastel de angu foi registrado em 2010 como patrimônio 
cultural imaterial do município de Itabirito. 
 
Quanto aos motivos que levariam à patrimonialização de elementos da culinária regional, 
como propõe Canclini (1999, p. 33), pensamos que esse registro deveria visar os seus usos 
sociais, não com uma mera atitude de resgate e sim com uma visão mais completa de como a 
sociedade se apropria da sua história, envolvendo diretamente as pessoas que exercem o 
ofício. Estamos cientes, também, de que essa proteção não deve ser cristalizada e deve 
contemplar as transformações do ofício na contemporaneidade, uma vez que os bens de 
natureza cultural são 
“originários de modos de construção de sociabilidades e de formas de sobrevivência (...) esses 
bens não podem ser submetidos às formas usuais de proteção, preservação ou conservação. 
(...) Como já estava expresso na Recomendação de 1989, preservar e conservar esses bens não 
significa mantê-los cristalizados numa forma, mas conhecê-los, documentá-los, registrá-los, 
acompanhar suas transformações, divulgá-los e apoiá-los. Preservação aqui entendida como 
documentação, registro e acompanhamento e não como intervenção 
conservadora/restauradora.” (SANT´ANNA, 2001, p. 157) 
Por fim, concordamos com Lody (2008, p. 152) que a melhor forma de se conservar e 
transmitir memórias é no exercício, na transmissão do conhecimento, na conquista da 
experiência e, no caso da culinária, na realização das receitas. Para isso, é preciso que haja 
vontade dos detentores do conhecimento e da sociedade, tendo como suporte o apoio do 
poder público no sentido da elaboração de ações que valorizem e garantam a prática das 
atividades ligadas ao saber culinário. 
 
III. O PAPEL DO PODER PÚBLICO NO RECONHECIMENTO DA CULINÁRIA 
TÍPICA MINEIRA COMO UM BEM CULTURAL 
 
A tentativa de caracterizar e diferenciar os habitantes de Minas Gerais através da sua 
culinária, segundo Dias (1985), Abdala (2007) e Arruda (1999), iniciou-se com os viajantes 
estrangeiros do século XIX. Estes relataram, com uma certa recorrência, o hábito de servir 
comida como marca da hospitalidade dos mineiros. No decorrer do século XX, uma série de 
crônicas, poemas, músicas, livros de receitas e ensaios sobre a comida mineira continuaram a 
reproduzir essa imagem. 
A apropriação da culinária típica enquanto um bem cultural nos discursos da classe política 
iniciou-se nos anos 70. Naquela época, o governo do estado decidiu patrocinar uma 
publicação sobre os 300 Anos de Cozinha Mineira e a criação de um grupo nomeado 
formalmente para elaborar um projeto de difusão e preservação da culinária típica mineira. O 
resultado foi a publicação, em 1977, do livro de Maria Stella Libanio Christo: “Fogão de lenha: 
quitandas e quitutes de Minas Gerais.” 
A organização do livro teve o apoio do então governador, Aureliano Chaves. Através de uma 
extensa pesquisa histórica, autora foi buscar nos séculos passados uma tradição que ela 
pretendeu recuperar para o tempo presente. O livro em si, assim como a sua apresentação, 
feita por um ex-secretário do governo, Abílio Machado Filho, nos possibilita perceber a 
elaboração de uma política cultural que investe na cozinha típica como expressão de uma 
identidade regional que se quer divulgar para o Brasil e para o mundo. 
Mais tarde, em 1985, foi institucionalizado o grupo responsável pelo Projeto Culinária Típica 
Mineira, ainda sob o governo de Aureliano Chaves. Entre os objetivos do projeto, estavam a 
valorização, a preservação e a difusão da cozinha mineira nos seus múltiplos aspectos, 
ressaltando a culinária enquanto arte e manifestação cultural que compõe a identidade local. 
Ressaltavam-se ainda os ganhos econômicos em termos de novos empreendimentos 
comerciais, industriais e turísticos. 
O Projeto, no entanto, foi extinto em 1986 quando Newton Cardoso assumiu o governo de 
Minas e deixou de fornecer o apoio necessário à continuação das atividades que o grupo 
vinha exercendo, tais como a estruturação e participação em cursos de culinária mineirae 
festivais de comidas típicas promovidas nas cidades de Minas Gerais e em outros estados do 
Brasil. 
No plano nacional, outros dois fatos vieram contribuir para o reconhecimento de uma fala que 
associa a imagem do mineiro à cozinha. O primeiro deles ocorreu em 1985, no episódio 
conhecido como “Broa de Milho”. Ziraldo Alves Pinto, na época presidente da Funarte, 
apresentou um projeto que propunha a criação de centros de estudo de culinária brasileira, 
justificados pela importância cultural do tempero e da broa de milho. Ziraldo foi nomeado pelo 
ministro José Aparecido de Oliveira, que foi substituído pelo também mineiro Aluísio Pimenta, 
que acabou sendo chamado pela imprensa de Ministro da Broa de Milho. (ABDALA, 2007, p. 
55) 
O segundo fato, mais recente, aconteceu na posse da Presidência do país por Itamar Franco, 
mineiro de Juiz de Fora, onde foram servidos cafezinho, pão-de-queijo e biscoitos, rendendo 
comentários na imprensa. A Folha de São Paulo, no dia seguinte à sua posse, criou a alcunha 
República do Pão de Queijo. (FOLHA DE SÃO PAULO, 3 out. 1992 apud ABDALA, 2007, p. 
56) 
Trazendo o tema da cozinha regional para a idéia da construção de uma identidade regional, 
percebemos que essa fala regionalista tende a caracterizar o mineiro como um ser 
hospitaleiro, amante da mesa farta de alimentos, amigo dos doces, das quitandas e dos 
queijos. Esse discurso, por sua vez, que se iniciou com os viajantes do século XIX, é agora 
reforçado pela classe política e pela mídia. 
 
Vejamos, por exemplo, o discurso do governador Antonio Anastasia no último Festival 
Gastronômico de Tiradentes, no dia 01/09/12, cujo lema era: “Cozinha Mineira: patrimônio do 
mundo”. No seu discurso, o governador destacou a cozinha mineira como um elemento 
cultural do estado e um instrumento de desenvolvimento socioeconômico: 
“Minhas senhoras e meus senhores, eu queria dizer tão somente o papel do governo. O governo 
do estado não tem responsabilidade em realizar gastronomia. Isso é a sociedade que faz, são as 
atividades privadas, os chefs, as pessoas, que fazem esse evento ao mesmo tempo cultural e 
econômico. Mas cabe ao poder público e aí sim, com grande e força e com grande 
responsabilidade, o fomento e o estímulo para que de fato isso ocorra e mais ainda, que nós 
consigamos articular todos os atores envolvidos, de tal modo que esse grande valor, essa grande 
riqueza que é imaterial e subjetiva possa se converter de modo real e concreto em resultados 
para todos. (...) 
 
Quando Minas Gerais é convidado a se apresentar no ano que vem no evento em Madrid
1
, nós 
temos aí um bilhete premiado, resultado de um trabalho conjunto do governo com o 
FECOMÉRCIO, os chefs, os produtores, todos, enfim. Temos em mãos uma oportunidade que é 
 
1
 Aqui o governador refere-se ao Madrid Fusión, o evento gastronômico internacional mais importante do mundo. 
Na edição de 2013, o estado de Minas Gerais participou do evento expondo sua culinária reinventada por três 
chefs mineiros. 
raríssima e singular de apresentar uma grande riqueza do nosso estado que de fato, mostra ao 
Brasil e ao mundo que nós temos grandes atrativos. Nós teremos a partir de 2013, grandes 
eventos internacionais em Minas Gerais. Não há dúvida que a gastronomia é uma âncora como 
aquilo que se prende. 
 
(...) Fizemos um levantamento, o Secretário Agostinho me relata, uma pesquisa que foi feita no 
Brasil pela EMBRATUR, o que o turista brasileiro associa primeiro ao ouvir o nome do estado de 
Minas Gerais: culinária, gastronomia, a boa mesa, as delícias. Quando vamos ao Rio de Janeiro, 
por exemplo, as pessoas falam, isso é muito bom, que delícia, é de Minas, essa frase é muito 
conhecida. Então significa produto de qualidade. Portanto essa bandeira que estamos 
levantando em irmandade com todos é algo que nos alegra muito.” 
O discurso do governador Anastasia nos chamou a atenção, em particular, pela tentativa 
incisiva de colocar a cozinha mineira como um elemento identitário da região. O governador 
cita a pesquisa da EMBRATUR que mostra que dentre todos os atrativos de Minas Gerais, a 
cozinha típica é a primeira coisa que vem à cabeça dos brasileiros quando escutam o nome do 
estado. Sabemos que essa associação de Minas Gerais e seus habitantes com a comida 
regional é antiga, fruto de uma construção histórica, mas que, ao mesmo tempo, contou com a 
participação da classe política e da mídia nesse processo. 
Ao longo do seu discurso, o governador nos confirma que se isso ainda se dá no momento 
presente. Quando ele fala da importância da participação de Minas Gerais no Madrid Fusión, 
em 2013, o evento de gastronomia mais importante do mundo, ele nos deixa claro o seu 
desejo de exibir o estado de Minas Gerais através da sua gastronomia. Anastasia enfatiza que 
a participação do estado no evento teve um incentivo do seu governo e trata essa 
oportunidade como um “bilhete premiado”, uma oportunidade rara de mostrar ao mundo as 
suas riquezas. 
Ao citar a participação de Minas Gerais no Madrid Fusión e a forma como os cariocas veem a 
cozinha mineira, isso nos faz pensar que a forma pela qual espera-se que o estado seja visto, 
dentro ou fora do país, passa pela cozinha regional enquanto uma riqueza imaterial e um 
atrativo turístico. Com isso, quando o governador diz que vem “levantando essa bandeira”, 
isso reforça a nossa hipótese de que o poder público continua a ter uma participação ativa na 
formação do discurso que associa os mineiros à sua cozinha típica. 
Mais recentemente, outras duas ações do governo de Anastasia também vieram a destacar a 
culinária regional. A primeira delas foi a aprovação da Lei nº 20.577, de 21/12/2012 que institui 
o dia 5 de julho como o “dia da gastronomia mineira”. A escolha da data presta uma 
homenagem ao nascimento do escritor Eduardo Frieiro, professor da Universidade Federal de 
Minas Gerais e autor de “Feijão, Angu e Couve – ensaio sobre a comida dos mineiros”. 
Publicado em 1966, o livro foi a primeira obra a abordar a culinária mineira sob os aspectos 
histórico, antropológico e sociológico. A segunda ação do governador foi a promulgação da lei 
nº 20.694 de 23 de maio de 2013 que, no art. 8º reconhece a gastronomia como cultura, 
passando a ser item para projetos culturais no Estado, por meio de Lei de Incentivo. 
 
IV. O OFÍCIO DAS QUITANDEIRAS DE MINAS GERAIS COMO PATRIMÔNIO 
CULTURAL IMATERIAL 
 
 
Em Minas Gerais, as cozinheiras que fazem e vendem quitandas são conhecidas como 
quitandeiras ou biscoiteiras. No estado, diferentemente do restante do país, a palavra 
quitanda refere-se à pastelaria caseira, ou seja, os bolos, as rosquinhas, as broinhas, as 
broas, os biscoitos e os sequilhos. Nesse tipo de comércio, que só acontece nas cidades 
pequenas, a venda das quitandas se dá por encomendas, de forma que não é necessário 
pagamento adiantado e é o cliente quem vai até a casa da quitandeira para buscá-las. Mesmo 
com o crescimento do número de padarias, esse tipo de venda ainda persiste nas cidades 
pequenas de Minas Gerais. 
 
Muitas tradições que envolvem o preparo e o consumo das quitandas persistem até hoje no 
interior de Minas. A partir dessas evidências é que pensamos, nesse trabalho, em promover 
uma reflexão acerca do ofício das quitandeiras enquanto um patrimônio cultural imaterial. O 
oficio das quitandeiras ainda não foi registrado como patrimônio, embora ele venha sendo 
declarado como tal nos discursos dos representantes do poder público, em particular, no 
município de Congonhas, onde acontece, há 13 anos, o Festival da Quitanda. 
 
Na pesquisa de campo realizada entre os anos de 2012 e 2013, nos municípios de 
Congonhas, EntreRios de Minas, São Brás do Suaçuí e Ouro Preto, pudemos observar que 
algumas tradições que envolvem o preparo, a venda e o consumo das quitandas persistem 
até hoje no interior de Minas. Baseando-nos na metodologia da entrevista semiestruturada, 
entrevistamos, ao todo, quatorze quitandeiras da região. A seguir, apresentaremos algumas 
conclusões baseadas nessas entrevistas. 
O fato que nos chamou a atenção, primeiramente, é que as quitandeiras, como no passado, 
ainda vendem as suas quitandas por encomendas. Ressaltamos que esse tipo de venda é 
bem típico das cidades pequenas e, por isso, não a encontramos na capital, onde só é 
possível comprar as quitandas nas padarias. Dessa forma, as quitandas são feitas na casa da 
própria quitandeira e o cliente passa na sua casa para buscar a encomenda. Normalmente, o 
preço cobrado é pela “receita”2 e as quitandas são entregues ao cliente em grandes latas de 
plástico ou de alumínio (antigamente, latas de margarina), onde são estocadas. 
 
2
 A quantidade de quitandas de cada receita é incerta, pois cada quitandeira tem a sua própria receita. Por 
exemplo, a receita de biscoito de polvilho da quitandeira A pode render uma lata de alumínio cheia enquanto que a 
receita da quitandeira B, pode render duas latas. Portanto, a referência de quantidade é o volume de quitandas e 
não o peso ou unidades. 
 
Outra tradição que se mantém é a utilização do fogão a lenha e o forno de barro, que podem 
ser encontrados com frequência nas casas do interior. Por causa desses fornos que emitem 
uma grande quantidade de calor, observamos que, nessas casas, a cozinha é o último 
cômodo, estando próxima ao quintal ou a um espaço aberto onde fica o forno de barro. 
 
Num contraste entre o tradicional e o moderno, vimos nas casas das quitandeiras que, sem 
perder a prioridade, o fogão a lenha e o forno de barro dividem o espaço da cozinha com os 
fornos elétricos e industriais. Outro traço de modernidade é a incorporação de novos 
instrumentos de cozinha, que antes não eram utilizados pelas suas mães ou avós, como as 
batedeiras e os liquidificadores. Temos aí, então, uma reconfiguração do “modo de fazer” que, 
pautado na tradição, não ignora as facilidades advindas da tecnologia. 
 
No entanto, conforme o depoimento das nossas entrevistadas, as receitas são feitas da 
mesma forma nos dias hoje, com a mesma técnica e os mesmos ingredientes. Ao contrário 
dos estabelecimentos comerciais, as pessoas que fazem as quitandas de forma artesanal 
continuam a usar a banha de porco no lugar da margarina, a nata no lugar do creme de leite e 
nenhuma delas abre mão dos ovos caipiras, normalmente vindos do galinheiro que mantêm 
no quintal das suas casas. 
 
No que diz respeito ao aprendizado do ofício, tradicionalmente, ele se dá pela oralidade, 
normalmente entre pessoas da mesma família. Esse “modo de fazer”, passado de geração em 
geração está registrado nos cadernos de receita que, devido a sua importância na memória da 
família, são muitas vezes vistos como uma herança. 
 
Quanto aos motivos para trabalharem com as quitandas, embora nos relatos das quitandeiras 
que entrevistamos eles variem entre uma forma de passar o tempo e o prazer de realizar uma 
atividade que gostam, notamos que o motivo principal é o econômico, constituindo-se a venda 
das quitandas uma renda complementar à da família. Com isso, saberes e práticas que vêm 
de seus antepassados vão sendo reapropriados, tornando-se um trabalho, um meio de 
ganhar a vida. 
 
A maior parte das quitandeiras que entrevistamos são donas de casa. Muitas delas, com baixa 
escolaridade, sem qualificação ou porque os maridos ou os pais não permitiram que 
trabalhassem fora, escolheram vender as quitandas como uma forma de ganhar dinheiro sem 
sair de casa. Essa atividade artesanal, então, que não exige muita qualificação e que pode ser 
feita na sua própria casa, tornou-se uma solução para gerar uma renda a mais para a família. 
 
Contudo, essa solução, de transformar um saber fazer que vem dos antepassados em 
atividade econômica, parece ter funcionado bem no passado, pois, hoje em dia, a geração 
mais jovem não se interessa em trabalhar com as quitandas, conforme o relato das 
entrevistadas. Outra questão que surgiu constantemente nas entrevistas, principalmente 
entre as quitandeiras idosas, é que suas famílias querem que elas parem de trabalhar, 
embora elas queiram continuar, mesmo que seja diminuindo o ritmo do trabalho. Esses fatos 
nos fizeram refletir acerca da continuidade do ofício, dado que esse aprendizado, passado de 
geração em geração, está se perdendo. 
 
Enfim, as nossas entrevistas confirmam a forma como as quitandeiras aparecem no 
imaginário dos habitantes do estado, enquanto as avós, mães, tias, cozinheiras da família e 
guardiãs de um conhecimento que vem dos antepassados. O papel histórico que a mulher 
teve na formação da culinária brasileira ajuda a reforçar essa imagem da quitandeira como a 
dona de casa, a cozinheira da família. 
“Olhando para a formação da cozinha brasileira (...) aponta-se com destaque o trabalho, o saber 
e o espaço da memória do que se come, pela mão da mulher. Memória ativa de experiências, 
receitas, rituais do fazer e servir à mesa. (...) É a cozinha importante espaço de poder, marcando 
papéis sociais, determinando relações sociais e determinando ainda hierarquias da casa que na 
tradição brasileira estão no gênero feminino. Assim, estar na casa é projetar a mulher e seu lugar 
na casa. Não apenas um lugar de trabalho ou status sob o comando masculino. É também a 
representação da ‘mãe provedora’, a mãe que alimenta.” (LODY, 2006, p. 149) 
 
 
Algranti (1997, p. 120) ressalta que esse papel que a mulher ocupa na casa iniciou-se nos 
tempos coloniais, cujas primeiras cozinheiras foram as índias. 
“Se a mulher desempenhou em todas as civilizações o papel de provedora de alimentos da 
família e de responsável pela organização doméstica, nos primeiros tempos da colonização, em 
virtude da falta de mulheres brancas, as índias assumiram seu lugar, ensinando a socar o milho, 
a preparar a mandioca, a trançar fibras, a fazer redes e a moldar o barro. [...] No espaço de 
domicílio, e no que toca aos costumes domésticos, a figura feminina ganhou destaque, embora 
seja inegável que sua importância e influência na colonização não ficaram restritas à esfera 
doméstica [...] toda a sua educação era voltada para o casamento, para as atividades que 
deveriam desempenhar enquanto mães e esposas”. (ALGRANTI, 1997, p. 120) 
 
Reforçado pelo papel histórico da mulher no espaço da casa, em volta das quitandeiras, 
formou-se, então, um amplo imaginário em que elas aparecem como as verdadeiras guardiãs 
da memória familiar, detentoras de um saber que, ao mesmo tempo, traz memórias mais 
amplas, regionais. Dessa forma, o produto de seu trabalho, a quitanda, transforma-se em um 
bem simbólico, repleto de significados da família e da região. 
 
Assim, enquanto um símbolo do estado de Minas Gerais, as quitandas e o ofício das 
quitandeiras estão diretamente associadas à identidade regional, tornando-as um 
“monumento” da memória coletiva da região. Em outras palavras, a culinária é um dos modos 
pelos quais essa identidade toma materialidade e que dá concretude ao discurso acerca da 
cultura mineira. Ao representar o passado e torná-lo presente nas pessoas que o vivenciam, o 
ambiente que cerca a cozinha regional, também cerca de monumentos essa memória. 
 
O ambiente da cozinha e o os objetos semióforos3 que são utilizados na feitura das quitandas 
transcendem a figura da quitandeira e auxiliam na reprodução do imaginário acerca de Minas 
Gerais. A casa daroça, o fogão a lenha, o forno de barro, os tachos de cobre, as gamelas, 
cuias e os instrumentos empretecidos pela fuligem do fogão remetem a aspectos que 
caracterizam, identificam e especificam o mineiro, tornando-se símbolo de sua identidade. 
Contudo, destacamos que esses símbolos não são naturalmente dados, uma vez que são 
resultado de um processo de construção histórica. Todos esses objetos, portanto, constam no 
discurso acerca da identidade mineira como pertencentes aos antepassados, que são 
ressignificados no presente. 
 
Nesse sentido, sustentamos que as quitandeiras também são semióforos4, na medida em que 
trazem consigo um passado representado e transmitido na forma de receitas. Recorrer ao 
conhecimento dessas pessoas, então, insere os habitantes de Minas num continuum. As 
quitandeiras mais velhas tornam-se uma referência desse conhecimento que remete a uma 
memória coletiva do estado de Minas Gerais. É esse passado, por sua vez, que se associa à 
identidade regional, podendo ser considerado um patrimônio cultural do estado. 
 
V. Conclusão 
 
Nesse artigo, procuramos investigar de que forma a culinária regional pode ser considerada 
um bem cultural e um patrimônio imaterial. Pensando no ato de comer como um ato social, 
concluímos que a culinária típica confere um sentimento de pertencimento para uma 
determinada sociedade, uma vez que ela reflete sua história, usos, condutas e costumes. 
 
Com o foco no estado de Minas Gerais, vimos que o poder público vem elaborando políticas a 
fim de promover a culinária regional como um bem cultural e que a patrimonialização dos seus 
elementos seriam uma forma de dar concretude ao discurso que associa a identidade dos 
mineiros com sua cozinha típica. Notamos, no entanto, que as ações do governo por si só não 
são capazes de promover um sentimento de pertencimento nos habitantes do estado. 
 
3
 Tomamos, aqui, o conceito de Marilena Chauí, que denomina de semióforos os objetos carregados de força 
simbólica, caracterizado por um traço fundamental que o faz precioso – a sua singularidade. Um semióforo é 
fecundo porque dele não param de brotar efeitos de significação. CHAUÍ, M. A nação como semióforo. Brasil: mito 
fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Perseu Abramo, 2000. p. 11 a 29. 
4
 Pensamos aqui no conceito de homens semióforos de Krysztof Pomiam (1994) que nos atenta para o fato de que, 
da mesma forma que existem objetos semióforos, existem homens semióforos que carregam um significado que os 
ultrapassa enquanto mediadores entre o mundo daqueles que os observam e o mundo que representam. 
Pensando no alimento como um signo, um emblema de um povo ou de uma região, 
concordamos com Nora (1993) e Anderson (1993) que uma sociedade tem necessidades de 
criar raízes, símbolos. Sendo assim, podemos pensar no estado de Minas Gerais como uma 
“comunidade imaginada” no sentido proposto por Benedict Anderson (1993) ao evidenciar o 
caráter imaginário das nações, sendo a imagem da comunhão viva na mente de cada um. 
Então, a existência de um imaginário de Minas é essencial para que se possa falar no mineiro. 
Minas e os mineiros existirão enquanto existir a memória sobre eles. (ARRUDA, 1999) 
 
Dessa forma, patrimonializar seria uma tentativa de não deixar com que os bens culturais 
ligados à culinária se percam. Aqui, cabe pensarmos na “retórica da perda” que, de acordo 
com Gonçalves (1996), tende a inserir os bens culturais num processo histórico de 
transformação que levaria, inexoravelmente, à sua destruição. Assim, o papel das políticas de 
patrimônio deveria ser controlar esse processo de transformação e tentar recuperar o que 
estava sob ameaça de perda. 
 
Trazendo essa discussão para o ofício das quitandeiras de Minas Gerais, vimos que ele tende 
a se perder, caso não haja um incentivo para a sua continuidade. É nesse sentido que 
devemos pensar nos benefícios da sua patrimonialização, além é claro, da valorização e do 
reconhecimento do trabalho das mulheres que exercem esse ofício. 
 
Portanto, o plano de salvaguarda que envolve os patrimônios, como propõe o IPHAN, poderia 
atuar na melhoria das condições sociais e materiais de reprodução do conhecimento que 
possibilitaria a continuidade do ofício. Acreditamos, com isso, que o plano de salvaguarda 
poderia se inserir num projeto que promovesse a inclusão social para as pessoas, com ações 
como a da EMATER-MG, que investe na profissionalização das quitandeiras, na formação de 
novas profissionais e na sua inserção no mercado de trabalho. Esse investimento na culinária 
típica, por sua vez, aumentaria o potencial turístico da região, trazendo, com isso, benefícios 
econômicos para as pessoas. 
 
VI. Referências bibliográficas 
 
 
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