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Ur ba no Z ill es TEORIA DO CONHECIMENTO E TEORIA DA CIÊNCIA A idéia de uma teoria do conhecimento remonta a Descartes e Espinosa, mas foi principalmente a contribuição crítica de Kant que fez com que se tornasse, no século XIX, uma disciplina autônoma. Todos nós buscamos conhecimento. A teoria do conhecimento deveria ajudar-nos a compreender nossos processos de conhecer; e desenvolvê-los. Todos nós aplicamos teorias da ciência. Estas deveríam capacitar-nos a julgar criticamente a fidedignidade de conhecimentos científicos. Mas os teóricos do conhecimento e da ciência preocupam-se mais em salientar suas próprias posições. Neste livro, buscou-se conciliar aspectos históricos com sistemáticos e conceituais. Foram selecionados alguns pensadores paradigmáticos, de Platão a Wittgenstein, atendendo às diferentes posturas filosóficas, como empirismo e racionalismo. Desta maneira, tencionamos oferecer uma obra que seja útil, tanto como introdução à teoria do conhecimento como à teoria da ciência. Coleção FILO SO FIA ISBN ?78-9fr343.-2448- 9 78853411924481 Urbano Z illes, nascido em 1937 em Nova Petrópolis, RS, doutorou-se em Teologia em 1969 em Münster, Alema nha. Professor de Teologia e Filosofia na PUC-RS des de 1969, foi pró-reitor de pesquisa e pós-graduação de 1988 a 2004. Recebeu o prêmio de Pesquisa Destaque 2002 do Governo do Estado do Rio Grande do Sul na área de Ciências Humanas e Sociais. É membro da Aca demia Brasileira de Filosofia. TEORIA D O CO NH ECIM ENTO E TEORIA DA CIÊNCIA U R B A N O Z IL L E S TEORIA DO CONHECIMENTO E TEORIA DA CIÊNCIA RMJLUS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Zilles, Urbano Teoria do conhecimento c teoria da ciência / Urbano Zilles. — São Paulo: Paulus, 2005 — (Coleção Filosofia) ISBN 978-85-349-2448-1 1. Ciência - Aspectos morais c éticos 2. Ciência - Teoria 3. Conhecimento - Teoria. II. Série. 05-7770 CDD-121 índices para catálogo sistemático: 1. Conhecimento: Teoria: Filosofia 121 2. Epistemologia: Filosofia: 121 3. Teoria do conhecimento: Filosofia 121 Editoração PAULUS Impressão e acabamento PAULUS 2a edição, 2008 © PA U LU S-2 0 0 5 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil) Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br ISBN 978-85-349-2448-1 PREFÁCIO Este livro nasceu das anotações de aula da disciplina de teoria do conhecimento do curso ministrado aos alunos da Pós-Graduação em Letras, da PUC-RS, durante o primeiro semestre de 2004. Com o objetivo de introduzir os alunos na reflexão filosófica, são abordadas questões fundamentais do conhecimento em geral e, de modo especial, do conhecimento científico, na perspectiva atual, sem negligenciar a evolução histórica de conceitos e problemas no contexto mais abrangente. Trata-se, pois, de uma introdução sem pretensões de originalidade. Julgamos tratar-se de uma obra. que também poderá ser útil a es tudantes universitários de outras áreas do conhecimento, numa época em que eles sentem falta deste tipo de elaborações sistemáticas para a orientação dos estudos acadêmicos. Esperamos que contribua para uma melhor avaliação do conhecimento científico adquirido pela humanida de, no decurso do tempo, e abra portas para seu futuro. Urbano Zilles IN TRO D U Ç Ã O A disciplina filosófica de teoria do conhecimento, tradicionalmente também chamada gnosiologia ou crítica, entrou em crise, perdendo a posição de destaque que adquirira nos tempos modernos. A idéia de uma teoria do conhecimento remonta a R. Descartes e Espinosa. Foi, sobretudo, a contribuição crítica de Kant que fez com que se tornasse, no século X IX , uma disciplina autônoma. Todos nós buscamos conhecimento. A teoria do conhecimento deveria ajudar-nos a compreender nossos processos de conhecer e de senvolvê-los. Todos nós aplicamos teorias da ciência. Estas deveríam capacitar-nos a julgar criticamente a fidedignidade de conhecimentos científicos. Mas os teóricos do conhecimento e da ciência preocupam-se mais em salientar suas próprias posições. A teoria do conhecimento estuda problemas clássicos, ou seja, problemas que são relevantes para além de fronteiras culturais e his tóricas. A questão dos obstáculos no caminho do saber é uma questão que transcende o tempo e o espaço, embora alguns obstáculos mudem no decurso do tempo. Eliminando ou explicitando obstáculos de acesso ao conhecimento, a teoria do conhecimento também formula e cultiva virtudes epistêmicas e éticas, como a neutralidade, a coragem, a humil dade e a prudência. Estariam superados os problemas colocados por Descartes e Kant? Tradicionalmente, a teoria do conhecimento colocava-se um du plo problema: a) explicar e defender a possibilidade do conhecimento; b) explicar a natureza, a origem e a extensão do conhecimento humano. Historicamente, a primeira tarefa é resposta ao ceticismo. O ceticis mo moderno parte da premissa de que temos certeza somente dos estados Teoria do conhecimento e teoria da ciência de nosso consciente. Pergunta: como podemos saber se nossos estados conscientes representam o mundo corretamente? Não pode a realidade ser totalmente diferente de como a representamos? Qual a certeza de que não é assim? Grande parte da teoria do conhecimento tradicional concentrou-se nesse problema como resposta ao ceticismo. Nas últimas décadas, essa autocompreensão da teoria do conhe cimento começou a vacilar. Foi posta em dúvida a imagem do conheci mento como uma representação da realidade. Com isso a pergunta cética perdeu muito de sua importância e a teoria do conhecimento muito de sua atualidade. Além disso, na teoria do conhecimento e na teoria da ciência é muito raro o saber indiscutível. Perduram, entretanto, questões fundamentais para as próprias ciências, referentes à segunda tarefa. É o conhecimento, não uma repre sentação da realidade, mas conhecimento tão-somente da formação de opiniões que nos ajudam a conviver de maneira prática com a realidade? Qual a relação entre sentidos e entendimento, impressões sensíveis e conceitos? Existe uma distinção absoluta correspondente entre verda des que se podem conhecer independentemente de toda a experiência e outras que se podem conhecer através da experiência? O que faz com que uma opinião seja verdadeira ou falsa?... Cada vez mais também tomamos consciência do caráter ético do conhecimento científico. Questões como motivação, seleção, aquisição e aplicação do saber são eticamente relevantes. Por que produzimos tal tipo de saber? Com o? Por isso a comunidade deveria examinar criticamente qual o conhecimento que todos os seus membros deveríam compartilhar: livros, manuais de escola, textos clássicos a serem estudados por todos na escola. N a aquisição do conhecimento e na investigação não se pode prescindir de valores. A quem não valoriza a verdade, pouco lhe ajudarão os meios de nossa ciência. O célebre processo da Inquisição contra Galilei mostrou que, na sua formulação, se tratava de uma scienza nuova e não apenas de mais uma tentativa de explicar a natureza. Mostrou, também, que concluira mais do que o contido em suas premissas, extrapolando os limites do conhecimento científico. O século XVI foi de profundas transformações econômicas. Nesse contexto Johann Kepler, Galileu Galilei e Francis Bacon tentam encon trar uma nova base para o conhecimento da natureza. Tentam esclarecer ■ 8 Introdução 9 a realidade com conceitos que parecem permitir verificação, uma vez que aquilo que designam é observável e, através do experimento, torna-se demonstrável. Lê-se o livro da natureza como se estivesse escrito em letras e números matemáticos. Por isso a geometriatorna-se o modelo de todas as ciências. Tudo o que acontece na natureza tenta reduzir-se ao movimento mecânico. A própria natureza passa a ser interpretada como conjunto de partículas de matéria com diversas combinações entre si. Leonardo da Vinci fundara o conhecimento da natureza na empi- ria. Dizia que somente os sentidos oferecem um fundamento confiável para o acesso aos processos misteriosos na natureza. É o começo da nova ciência. Essa nova ciência, que queria esclarecer a natureza, curiosamen te afastou-se da natureza, tematizando as condições da consciência subjetiva. Nesse sentido, a epistemologia moderna torna-se teoria e análise da consciência e de seus potenciais categoriais. A nova teoria do conhecimento centrou-se no sujeito. A dúvida metódica de Descartes funda o conhecimento radicalmente na subjetividade, colocando o pro blema do mundo exterior. Pressupõe um paralelismo entre a estrutura da consciência e a estrutura do mundo, entre o mundo dos sentidos e o mundo das idéias. À medida que a nova teoria do conhecimento transfere o acento para o sujeito, surge o problema da transcendência, ou seja, como sair da casa fechada do ego ou da consciência que substitui esse ego. Surge o problema da identidade entre o mundo exterior e o mundo interior. A isolação do ego trouxe, pois, novos problemas, como o da dúvida da existência do mundo exterior. Até os tempos modernos, o problema principal da teoria do conhecimento era a questão e a busca da verdade. Não se tratava de demonstrar a existência das coisas, mas que aquilo que os sentidos e o intelecto percebem nas coisas corresponde à realidade, que os juízos da razão são adequados. Pressupunha-se uma harmonia entre a estrutura da consciência e a estrutura do mundo exterior. Esse era, por exemplo, o pressuposto da filosofia escolástica com sua teoria da *adaequatio rei et intellectus” . N a língua inglesa usa-se a palavra epistemology; muitas vezes, como sinônimo de gnosiologia ou teoria do conhecimento. O uso mais difundido do termo epistemologia, entretanto, restringe-lhe o sentido 10 Teoria do conhecim ento e teoria da ciência à filosofia ou teoria da ciência. Neste estudo manteremos a diferença, dando ao nome teoria do conhecimento uma abrangência muito maior que à filosofia ou teoria da ciência, pois a primeira também abrange o conhecimento comum, não só o científico. Este, aliás, não é a única forma de verdadeiro conhecimento humano. Já na Antiguidade, encontramos tentativas de enfocar a globalidade do problema do conhecimento, sob determinada perspectiva. A doutrina platônica das idéias, baseada na confiança ilimitada da razão (homj), constitui o fundamento de todas as concepções da teoria do conhecimento desenvolvidas nos tempos modernos, que costumamos resumir sob o conceito de racionalismo. O principal representante dessa concepção é Descartes. D a dubitatio conclui a cogitatio. Segundo ele, só o pensamento é capaz de oferecer saber certo. Deve ser adquirido e basear-se em exame crítico próprio e conduzir a resultados tão evidentes que cada pessoa possa aceitá-lo. Mas a razão só se pode desenvolver autonomamente, quando se baseia em princípios últimos irredutíveis. E estes, para ele, são os princípios da matemática. Por isso postula o método geométrico como procedimento da argumentação filosófica. Tais princípios são inatos na consciência humana na forma de idéias. As idéias inatas preenchem o ideal de perfeição da clareza e da distinção. N o extremo oposto do racionalismo da Escola cartesiana, está o empirismo desenvolvido nas Ilhas Britânicas. U m dos fundadores é Francis Bacon, que considera a observação das forças da natureza em vista da utilidade para o homem como um dos objetivos principais da pesquisa filosófica. John Locke questiona radicalmente a doutrina racio- nalista das idéias inatas. Afirma que as idéias se originam da experiência, a qual se baseia, em parte, na sensação de coisas externas e, em parte, na percepção da vida espiritual em nosso interior. Locke limitou o raio de nosso conhecimento ao raio de nossa experiência externa. Reduzindo o conhecimento à experiência subjetiva, individual, toda concepção metafísica, também a de Deus, pode ser considerada infundada. Igual mente David Hume chega à conclusão de que não se pode conhecer o mundo exterior. Entre o racionalismo e o empirismo, Kant buscou uma posição intermediária com seu criticismo. Objeta que ambas as correntes argu mentam de maneira dogmática, não questionando as próprias fontes: a razão e a experiência. Introdução 11 Desde Descartes até Kant, a questão do conhecimento foi abordada de maneira crítica, ocupando o centro da preocupação filosófica. Entre tanto, Hegel simplesmente desprezou ou ignorou essa questão. Depois, os neokantianos retomaram Kant, e Husserl, inspirado em Descartes, desenvolveu a fenomenologia. A exemplo de Hegel, pensadores mais recentes, como M. Heidegger e Karl Jaspers, deixaram a questão do conhecimento um pouco de lado. J. Habermas, nesse ponto, assumiu acriticamente a postura de Hegel, esquecendo a crítica implícita de Kant a Hegel. Por outro lado, E. Bloch constata que o ponto fraco na filosofia de Hegel é a falta de uma crítica do conhecimento. Embora os adeptos da filosofia analítica, seguindo Wittgenstein, não considerem Hegel e Heidegger como seus modelos, concordam com eles, quando julgam que, na modernidade, de Descartes a Kant, a discussão da gnosiologia girou em torno de problemas apenas aparentes. Nesse sentido, não se deve estranhar que se tenha desenvolvido, mais recentemente, uma teoria da ciência empirista-materialista, com a pre tensão de liquidar de modo definitivo a teoria do conhecimento. O s métodos analíticos conquistaram terreno nos domínios das chamadas ciências do espírito. Esses métodos decompõem seu objeto de estudo - geralmente a linguagem - em partes, considerando as re lações entre as mesmas. É analítico o procedimento dos matemáticos, dos lógicos formais, dos cientistas da natureza e dos analíticos da lin guagem. Por outro lado, consideram-se procedimentos não-analíticos aqueles que abrangem e interpretam seu objeto como globalidade; tal é o caso dos fenomenólogos, dos hermeneutas e dos dialéticos hegelianos e marxistas. O s dois métodos relacionam-se de diferentes maneiras com a vida. A compreensão analítica da ciência parte da convicção de que nem tudo o que o homem encontra em sua existência deva ser objeto da investi gação científica. O campo desta, em princípio, é limitado ao que pode ser submetido aos instrumentos analíticos. Portanto, de acordo com a concepção analítica, há problemas e realidades que não são objeto da ciência analítica. Por exemplo a angústia e a morte, problemas existen ciais, que logram ser objeto da fenomenologia, da hermenêutica, da filosofia da existência etc. O método analítico tem o mérito da elaboração rigorosa dos conceitos, coisa que muitas vezes falta às ciências não-analíticas. Por 12 Teoria do conhecimento e teoria da ciência isso o discurso das últimas é ambíguo e, não raro, incompreensível. Nesse sentido, o fundamento da analítica da linguagem trouxe uma contribuição importante para as próprias ciências humanas. Nem por isso deve reduzir-se a teoria da ciência à teoria analítica das ciências, pois a fenomenologia, a hermenêutica e a dialética também podem ser designadas como ciência, tornando-se a própria reflexão sobre elas teorias da ciência. A questão do conhecimento permanece, indiscutivelmente, um problema a ser considerado, também, pela antropologia filosófica. Nesse contexto, Sigmund Freud, o pai da psicanálise, concluiu que o ser humano sofreu três grandes humilhações nos tempos modernos. A primeira teria sido a cosmológica, quando Nicolau Copérnico (1473-1543) aniquiloua cosmovisão geocêntrica, substituindo-a pela heliocêntrica. Com isso jogou o homem do centro à periferia, um deslocamento completado por Galileu Galilei (1564-1642). A segunda humilhação teria sido a biológi ca, decorrente da descoberta de Charles Darwin (1809-1882) de que as espécies têm sua origem num longo processo evolutivo. O ser humano seria o produto de uma evolução natural, e não de um ato criador de Deus. A terceira humilhação teria vindo da psicanálise, mostrando que o eu sequer é senhor em sua própria casa, pois age impulsionado por instintos e desejos que escapam de seu controle. Esta última humilhação, segundo Freud, atinge o centro da personalidade humana. Entretanto, se acrescentou uma quarta, a genética. A decifração do genoma humano manifesta o material de construção das pessoas, reduzindo sua existência à trivialidade. Enfim, a pesquisa científica destruiu os mitos que garan tiam ao homem um lugar privilegiado no universo. O homem aparece, por um lado, em sua insignificância, na imensi dão do espaço. É como um grãozinho de areia no conjunto das miríades de galáxias. Diante da grandeza do universo, desapareceu o tamanho do homem. Por outro, as conquistas da ciência renderam-lhe facilidades imensas. Elevaram a expectativa de vida. Mas o conhecimento, infeliz mente, pode ser usado tanto em favor quanto contra a própria humani dade. A culpa do abuso não é da ciência, mas do próprio homem. Daí advém ao cientista uma responsabilidade ética da qual só recentemente se começou a tomar consciência. Em nosso estudo, mantemos como pergunta de fundo: como fun damentar a dignidade da pessoa humana no horizonte do novo saber? Introdução 13 Dentro do novo contexto, o ser humano deverá definir o valor e o sentido de sua existência. Talvez seja necessário reinventar o ser humano para torná-lo mais humano. Tudo isso faz com que hoje se torne impossível uma teoria do conhecimento e uma epistemologia, sem mencionar a questão ética. N ossa abordagem tenta conciliar aspectos históricos com sistemá ticos e conceituais. N o aspecto histórico, selecionamos alguns pensado res paradigmáticos, de Platão a Wittgenstein, atendendo às diferentes posturas filosóficas, como empirismo e racionalismo. Dessa maneira, tencionamos oferecer uma obra que seja útil, tanto como introdução à teoria do conhecimento como à teoria da ciência. A pesquisa científica hoje faz parte do dia-a-dia do cidadão, em bora muitas vezes não o saiba. Bastaria lembrar as áreas da saúde e da alimentação. O trabalho científico exige dedicação, tempo e tranqüili- dade. Com o já dizia Aristóteles, na Metafísica, no “Egito progrediam as ciências matemáticas, porque os monges dispunham do ócio” . Sem as condições, com projetos a longo prazo, não se educará um povo para o exercício da sabedoria e da ciência. Mas, sem esse exercício, nenhum povo gozará, por períodos mais longos, de bem-estar material e espiritual. I A O R IG E M D O C O N H E C IM E N T O H U M A N O O homem é um ser que pensa e pergunta. É um eterno peregrino. Contesta o mundo existente em busca de um mundo melhor, pois a uto pia é constitutiva do ser humano. Não só quer entender a natureza, mas transformá-la. Procura o caminho para isso. Esse caminho chamamos, desde os antigos gregos, de método. O mundo que nos cerca provoca diversas atitudes em nós e emo ções, como admiração e dúvida. Abrange desde as gigantescas galáxias até os pequenos seres que povoam nosso planeta. Neste mundo, o ho mem pode sentir-se ameaçado pelo desconhecido. Por isso sente medo de doença, da fúria dos elementos. Por outro lado, já dizia o pensador espanhol José Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias... O homem não se contenta com o simples viver, mas busca o bem-viver” . Quer desfrutar a vida e seus prazeres. Neste mundo o homem se inquieta com grandes perguntas: para onde vamos? De onde viemos? Quem somos? Não sabemos exatamente onde e quando, em nosso planeta, surgiu o primeiro homo sapiens, nossa espécie. Cercado por animais mais fortes, pela fome e pela doença, não tendo as armas e a força do leão, o homem nasceu com uma capacidade mais poderosa, a da inteligência e do espírito. Conhecer coisas é a capacidade que distingue os humanos de outros animais. Isso faz do homem o mais bem-sucedido, pois alguns animais andam mais rapidamente que o homem, mas este construiu automóveis que lhe permitem andar com velocidade maior que a dos animais. Alguns animais enxergam melhor que o homem, mas este construiu telescópios e microscópios que superam a visão de qualquer outro animal. Ao contrário do homem, o pássaro voa. Mas o homem construiu aviões que voam com maior velocidade e mais longe que 16 Teoria do conhecimento e teoria da ciência qualquer pássaro. A diferença em tudo isso é o saber que possibilita ao homem construir automóveis, telescópios, microscópios e aviões. Nesse sentido, saber é poder. O saber faz do homem o animal mais poderoso de todas as criaturas. Por um lado, o homem observa e interpreta a natureza, por meio do sobrenatural. Dessa maneira, entre os humanos, surgem os sacerdotes, que tudo relacionam com os deuses. Fenômenos da natureza, como raio e trovão, são interpretados como manifestações de deuses. O homem nasce para dentro de um sistema de crenças. Habitua-se a elas. Conta com as coisas e vive a interpretação que herda dos pais, mestres e antepassados. Mas também há momentos em que as crenças se tornam problemáticas. Interpretações de tipo religioso entram em conflito. Surgem incertezas. E, por outro lado, entre o povo também apareceram, paralelamente aos sacerdotes, os que são chamados artesãos. Esses, através da experiência, percebem que existem algumas pedras mais duras que outras. Passam a usá-las como instrumentos, criando objetos e ferramentas. O homem mantém as tentativas sucedidas, multiplicando-as, deixando de lado as erradas ou falsas. O conhecimento adquirido é transmitido de uns a outros, socializando-se e acumulando-se. Sendo o homem um ser pensante, desenvolve idéias e as testa na prática da vida. Busca coisas úteis, que tornem a vida melhor e mais confortável. Inventa armas para a caça e a pesca; faz cestas, para carregar coisas consigo; o arado, para cultivar a terra e semear; a cerâmica e os tijolos, para construir casas, aldeias e cidades. Enquanto não encontra explicação para o mundo, preocupa-se com o desenvolvimento de téc nicas que funcionem. Para poupar suas próprias energias, locomove-se a cavalo ou de camelo. Assim, na antiga Mesopotâmia, já foram construídas cidades, que à noite eram iluminadas com lâmpadas a óleo. A invenção de técnicas, para cultivar a terra, permite ao homem abandonar o nomadismo e fixar-se à terra. Assim surgiram povoados e aldeias, e a convivência humana trouxe novos problemas a resolver, como a divisão de terras, a troca de produtos agrícolas ou animais. O homem foi desafiado a criar uma linguagem própria para o cálculo. A medição e divisão de terras e o comércio produziram a matemática. Se, por exemplo, no Ocidente medieval, predominava a ortodoxia religiosa, no final do século X X é a ciência e a técnica, ou a tecnociência. A linguagem universal passa a ser a matemática. N o topo da hierarquia A origem do conhecimento humano 17 estão os cientistas. Esses assessoram políticos. Se as cruzadas medievais foram substituídas pela conquista do espaço, os sacrificados são vítimas da ciência: a morte em acidentes automobilísticos, os desempregados marginalizados pela máquina. Mas a ciência também ajuda o homem a ganhar mais conhecimentos e maior compreensão do mundo. Desse modo, o conhecimento nasce na experiência cotidiana do homem, no mundo que o cerca. Esse conhecimento é fortalecido na diversidade das circunstâncias, através do tempo.Primeiro é transmi tido oralmente e depois por escrito. A transformação da natureza pela inteligência e pelas mãos do homem é chamada, de modo genérico, de cultura. O conhecimento tem, pois, sua origem na capacidade reflexiva do próprio homem, a qual lhe garante um lugar único entre os seres que habitam nosso planeta. O prestígio da ciência hoje é incontestável. Entretanto, pode ser que no futuro o homem conclua que o mundo só se interpreta pelo amor, que a religião e a filosofia são pelo menos tão importantes como a ciência. 1. Fundam entos do conhecimento científico Os fundamentos da evolução científica e tecnológica encontram-se na antiga Grécia. Cerca do ano 600 a.C. aí surgem os filósofos que tentam interpretar a natureza, através da observação e do uso da lógica. Antes de Sócrates, alguns postulavam o átomo como elemento indivisível, hipótese que só no século X IX se tornou teoria científica. Enquanto Platão (427-347 a.C.), nos tempos áureos, desenvolve um pensamento dialógico, tendo como referencial a matemática, Aristóteles (384-322 a.C.) parte das ciências naturais. Aristóteles, observando atentamente o desaparecimento gradual das embarcações no horizonte do mar e a sombra da terra na lua, du rante um eclipse, levantou a hipótese de que nosso planeta é redondo. Por seus estudos minuciosos da anatomia animal, registrados nas pá ginas de sua obra Das partes dos animais, tornou-se o pai da anatomia comparada. Deixou descrição de mais de 400 espécies de animais. Foi o primeiro a classificar os animais em dois grandes grupos: os vertebra dos, e os invertebrados. Constatou, por primeiro, que o golfinho é um mamífero, quando encontrou a placenta de uma fêmea. Por outro lado, 18 Teoria do conhecimento e teoria da ciência a observação e a lógica, por vezes, também conduziram a conclusões errôneas. Assim, por exemplo, Praxágoras (século IV a.C.), ao dissecar um cadáver, encontrando vasos vazios, concluiu erroneamente que eram condutores de ar (artérias, nome usado até hoje). N a Metafísica, Aristóteles formula a tese de que os sintomas são efeitos de uma causa eficiente, princípio básico da medicina até hoje. Curar, então, é eliminar as causas de uma doença. Ao contrário do curandeiro, o médico parte de um bom diagnóstico, pois dele depende a cura. Conhecendo a causa, sabe por que cura. Aristóteles elaborou um instrumental útil, não só para as ciências naturais, mas também para as do espírito. Fala não só da causa eficiente, mas também da final, material e formal. As obras de lógica de Aristóteles estão reunidas no Organon e fundam a lógica formal, a teoria dos juízos e dos raciocínios. Esboça uma teoria do conhecimento: o primeiro momento é a percepção. Pela memória, segundo ele, passamos da percepção à experiência, a partir de lembranças repetidas. Ciência, diz Aristóteles, só se faz do universal e necessário. A passagem do particular, pois os sentidos só registram o singular, para o universal realiza-se através de um processo de indução fundado em leis da razão. A lógica estuda as regras do raciocínio correto, exato, ou seja, as formas dos padrões do pensamento válido. Revela as conexões inteligí veis entre conceitos e entre conceitos e realidade. Segundo Aristóteles, a lógica tem por fundamento o silogismo e estuda as regras e os processos pelos quais os termos que se relacionam (Sfujeito] e Pfredicado]) e levam a conclusões necessárias. É um instrumento indispensável para o racio cínio correto, para se chegar a qualquer tipo de conhecimento. Platão, o mestre de Aristóteles, percebia o divino como um fato prévio da experiência poética e mística. Esforçava-se por racionalizá-la, recorrendo ao prestígio do mito para persuadir as inteligências, puri ficar e animar a piedade, considerando-a base da nova sociedade que sonhava construir. O enfoque de Aristóteles, destituído das tendências místicas, é mais especulativo e rigoroso. Sua teologia é o resultado de suas investigações no campo da física e da metafísica. Conclui a existência de um ser transcendental, primeiro motor que move todas as coisas sem ser movido, substância espiritual, ato puro, pensamento do pensamento. A origem do conhecim ento humano 19 Aristóteles, como Platão, considerava a contemplação das reali dades primeiras como a atividade mais perfeita. Imortaliza o homem, tornando-o semelhante aos deuses. Refere-se, entretanto, a uma contem plação puramente intelectual. Admite ser possível uma felicidade como conseqüência de uma vida moral e política de acordo com a razão. Dessa maneira, os filósofos gregos iniciam o caminho que leva ao conceito moderno de ciência, através do uso da observação e da lógica. 2. Conhecimento e opinião O conhecimento científico é um saber fundamentado. A opinião é uma preferência pessoal. Além do saber há a ignorância. Pode haver diferentes formas de saber. Verdadeiro conhecimento é uma crença verdadeira e fundamentada. Se afirmo, por exemplo, que aA sabe que P”, sendo A uma pessoa, e P um enunciado, A deve crer de fato que P. Mas a fé sozinha é insuficiente. Se creio que alguém se encontra diante da porta e lá não houver realmente al guém, não o sei. Dessa maneira, crer é uma condição necessária, mas não suficiente, para saber. Além disso, o enunciado deve ser verdadeiro. A deve saber justificar sua crença, aduzindo razões para mostrar que é verdade. Todavia, existem diferentes espécies de conhecimento: conheci mento de coisas ou objetos, conhecimento sobre o como fazer algo, conhecimento de que ou saber proposicional. O esquema tradicional brevemente mencionado, em princípio, somente se aplica à última es pécie. É esse saber que os gregos chamavam epistéme e o opunham à opinião ou dóxa. Por que precisamos saber? Onde acontece algo, há razões para tanto. Quando essas razões não são de natureza eventual, há por detrás uma lógica sistemática. Eventos ocasionais também têm razões e, por isso, podem ser reconstituídos logicamente, mas não são acontecimentos calculáveis. Diferentes são os eventos ordenados. Estes são parte de um programa global, que têm por base uma ordem lógica perceptível. Ela comanda os acontecimentos reais. N o mundo inanimado, percebemos causas que, em determinadas circunstâncias, entram em ação. Água evapora, ao atingir determinada temperatura, em determinada altitude, sempre e em toda a parte. A 2 0 Teoria do conhecimento e teoria da ciência energia necessária para isso é a mesma sempre e em toda parte. O pro cesso da evaporação repete-se sempre nas mesmas condições. Portanto, é previsível. A situação muda, quando aparecem alternativas e espaços para o desenvolvimento. Quando os acontecimentos podem ocorrer de uma ou de outra maneira, surge o problema da decisão de qual possibilidade se realiza e qual não. Onde ocorrem decisões, há razões. As razões não se identificam com as decisões. Se chove ou não, depende da combina ção de temperatura, umidade do ar, pressão atmosférica, vento etc. A ocorrência do fato funciona independentemente de todas as particula ridades da lógica. O cálculo não permite espaço para arbitrariedades ou desvios, pois não chove moedas, mas água, e as nuvens não têm escolha de chover ou não chover. A situação muda completamente quando participam atores no acontecimento. A existência de atores capazes de agir amplia a pro blemática para a possibilidade e a necessidade de conhecer. Seres vivos colocam um novo problema e uma nova possibilidade: devem cuidar de preservar a própria vida. Podem agir com objetivo intencional. Tal atividade só funciona quando os seres vivos estão munidos da capacidade de dar rumo às suas ações, propor metas e critérios de decisão, por que realizar esta e não aquela ação. Portanto, a capacidade de agir deve ser alimentada pela própria ação voltada para a realidade.Atores capazes de agir só conseguem resolver seus problemas de rumo quando têm suficiente capacidade de decidir e dispõem do necessário saber sobre o mundo. Sem idéias sobre ser e devir, a vida não funciona. Seres vivos devem saber conduzir-se a si mesmos. Para isso necessitam de conhecimento. Objeto da teoria filosófica do conhecimento é o fenômeno do conhecimento humano como todo. Por isso deve colocar questões fundamentais, como a essência e a possibilidade do conhecimento. Para responder a essas questões, desde os antigos gregos, a primeira tarefa é distinguir conhecimento e opinião. Costumamos atribuir ao conhecimento duas características: ver dade e certeza. Essas distinguem conhecimento de opinião, à qual falta uma ou outra, ou ambas. A distinção entre ciência e opinião não é fácil. Com esse problema já se ocuparam os grandes filósofos gregos: Platão e Aristóteles. Platão A origem do conhecim ento humano 21 coloca essa questão no centro de suas considerações teóricas sobre o conhecimento. Em A República, Platão parte do princípio segundo o qual o co nhecimento é proporcional ao ser. O que é ser em grau máximo pode ser conhecido perfeitamente, pois o não-ser é absolutamente incognoscível. Como existe uma realidade intermediária entre o ser e o não-ser, isto é, o sensível, que é uma mescla de ser e não-ser enquanto sujeito ao devir, conclui que do intermediário existe um conhecimento intermediário entre a ciência e a ignorância. Este não se identifica com o conhecimento verdadeiro. Seu nome é opinião (dóxa). Para Platão, a opinião quase sempre é enganadora. Pode até ser verdadeira e reta, mas não possui em si mesma a garantia da retidão. É mutável como o mundo do sensível ao qual se refere. Segundo Platão, ciência e opinião realizam-se em dois graus dife rentes: a opinião pode ser simples imaginação (eikasía) e crença (pístis), enquanto a ciência pode ser ciência intermediária (diãnoia) ou pura inte- lecção (nóesis). A eikasía e a.pístis correspondem aos órgãos do sensível. A primeira refere-se às sombras e às imagens sensíveis das coisas, e a segunda refere-se às coisas e aos próprios objetos sensíveis. A diãnoia, por sua vez, consiste no conhecimento matemático- geométrico, ao passo que a nóesis se identifica com o conhecimento dialético das idéias. Platão distingue entre ciência e opinião, dizendo que a ciência con siste na opinião verdadeira a qual se justifica (Menon 97e-98a). O s dois elementos fundamentais são, pois, verdade e justificação. A verdade é uma condição necessária, mas não suficiente, para o conhecimento científico. De maneira análoga, a certeza é condição necessária, mas não su ficiente, do conhecimento científico. N ão raro fazemos a experiência de que aquilo que julgávamos certo se mostra errado. A certeza, que reconhecemos a uma proposição, refere-se ao fato de termos razões suficientes para considerar a proposição verdadeira. Por isso, devemos estar em condição de justificar a nossa consideração como verdadeira. Do critério da certeza decorre que toda a reivindicação de conhecimento está vinculada à justificabilidade universal. N o diálogo Menon (97e-98a), Platão salientava esse aspecto. Com a opinião é diferente. O momento da certeza é limitado, ou até falta, pois só justificamos parcialmente, ou nada, o que consideramos 22 Teoria do conhecimento e teoria da ciência verdadeiro. Para o conhecimento, verdade e justificabilidade (certeza) são condições necessárias, embora, talvez, nem sempre suficientes para todo o conhecimento científico. N a teoria do conhecimento mais recente, costuma dizer-se que o saber é um conhecimento verdadeiro e justificado (justified true belief). Tornou-se clássica a formulação seguinte: A person S knows p if and only if (1) p is true (2) S believes p (3) S is justified in believing p. Para distinguir a epistéme da dóxa, essa formulação pode ser considerada válida, se admitirmos a teoria de K. Popper de que o co nhecimento científico tem caráter hipotético, ou seja, não sabemos se atingimos a verdade. Enfim, a opinião representa um ponto de vista provisório, que abre uma perspectiva, mas essa provavelmente necessitará de revisão. 3. Ceticismo e dúvida Perguntamos: pode o homem conhecer algo com certeza? Pode demonstrar a verdade de qualquer de suas convicções de crença? Aos que responderam não a essas perguntas, os gregos chamam de céticos. Há, na filosofia, uma tradição cética que rejeita a possibilidade de discernirmos entre ciência e opinião, porque rejeita haver algo como ciência. O s céticos fundamentam sua postura na dúvida, em relação à nossa capacidade de conhecer. Essa dúvida origina-se na experiência do erro. As conseqüências que o cético tira dessa experiência expressam-se na palavra ceticismo (do verbo sképtein) que significa literalmente inves tigação, reflexão ou dúvida. Pressupõe-se a indagação como ato nunca terminado. Põe em questão a razão de ser das verdades estabelecidas, sejam elas de ordem metafísica, religiosa ou científica. Como corrente de pensamento, define-se o ceticismo sobretudo em função da verdade e da certeza. Podemos distinguir formas mais ou menos radicais. N a antiga Grécia, os representantes do ceticismo encontram-se na chamada Academia intermédia'. Arquesilau (315-214 a.C.), Carnéades A origem do conhecimento humano 23 (214-129 a.C.), Pirro de Elis (350-270 a.C.) e em seu aluno Tincon de Phlius. Desafiam os homens a abster-se (epoqué) do juízo a respeito de algo, sempre que não puderem superar o próprio ponto de vista indi vidual. Exigem prudência nos juízos sobre opiniões e valores. Segundo Pirro, não há motivos para aderir a uma ou outra teoria, uma vez que tudo é relativo ao próprio sujeito. Por isso a suspensão do juízo, que corresponda a uma total indiferença em relação às coisas, é a única ati tude sábia e conseqüente. Diferente era o ceticismo ensinado pelos sofistas, no tempo de Só crates, que partiam da afirmação de Protágoras (480-421 a.C.) de que “ o homem é a medida de todas as coisas” . Ensinavam que a experiência do singular é o único critério importante. Rejeitavam a validade de normas e verdades universais. Sócrates percebia nisso o perigo da relativizaçâo de todos os conhecimentos e valores humanos. Por isso combatia os sofistas, como o testemunham muitos diálogos de Platão. Sexto Empírico (século II-III d.C.), médico e filósofo grego, tor nou-se mais célebre como filósofo pela sua proposta do ideal de vida céti co, considerando ilegítima qualquer forma de afirmação, seja de natureza metafísica, científica ou moral. Deve-se suspender, segundo ele, o juízo sobre a questão de saber se o conhecimento existe ou não, se é possível ou impossível. Deve-se evitar tanto a crença como a descrença, pois tanto uma como a outra só serve para provocar perturbação emocional e mental, ao passo que a meta da vida deve ser a ataraxia, a serenidade da mente. Mantém-se fiel à tradição pirroniana, justapondo a epistemologia e a ética, para propor uma pedagogia pela experiência de vida e do senso comum. Exerceu grande influência, a partir do Renascimento, pois, em 1562, Henri Estienne traduziu sua obra filosófica. Podem distinguir-se formas fundamentais de ceticismo: a) N ão existe verdade nem conhecimento. Essa é uma forma radical, mas con traditória, porque se nega a si mesma, b) Se houver verdade, somos incapazes de conhecê-la. A questão da existência da Verdade permanece em aberto. O que essa forma rejeita, em princípio, é a capacidade do homem de adquirir verdadeiro conhecimento. É uma forma menos radical que a anterior, c) Mesmo que possamos conhecer a verdade, não a conhecemos. Essa forma nada afirma sobre a possibilidade ou impossibilidade do conhecimento, mas duvida que de fato chegamos a proposições verdadeiras.. 24 Teoria do conhecimento e teoria da ciência O ceticismo socrático é diferente. Resume-se na frase conhecida: "Tudo o que sei é que nada sei” . Trata-se de uma suspensão provisória de toda pretensão à certeza, quanto ao conhecimento, para a ele chegar por meio da maiêutica. Este é semelhante ao de Platão, segundo o qual é impossível qualquer conhecimento por meio da percepção sensível. Para Platão, o conhecimento só pode ser fruto da razão que relembra o mundo das idéias, das formas. A justificação ou demonstração do saber também tem limites, pois, se tivéssemos de justificar as razões das razões, num regresso ao infini to, jamais obteríamos conhecimento seguro. Por isso, alguns filósofos distinguem dois tipos de conhecimento: a) conhecimento imediato de primeiros ou últimos princípios ou axiomas que, sendo evidentes por si mesmos, dispensam ulterior justificação; b) conhecimento mediado ou derivado de enunciados, que exige uma justificação, através dos primeiros princípios ou axiomas. Esses filósofos procedem de maneira análoga na questão do regresso ao infinito de definições. Quando os céticos objetam que só conhecemos o significado de uma palavra, se a definimos com o auxílio de outras palavras, esses filósofos respondem que certas palavras não necessitam de explicação com a ajuda de outras palavras, porque se lhes pode captar o significado direta e imediatamente. Destarte introduzem uma distinção: a) conceitos fundamentais, cujo significado está claro imediatamente e, por isso, não precisam de explicação; b) conceitos definidos, cuja signi ficação deve ser definida com o auxílio dos primeiros. Tal teoria pressupõe uma teoria do conhecimento imediato. Pergun ta-se: qual é a fonte de nosso saber imediato da verdade de determinados enunciados e do significado de determinadas expressões? N a história da teoria do conhecimento, encontramos duas respostas diferentes a essa pergunta. Há aqueles que afirmam que a fonte é a experiência (empirismo) e outros que é a razão (racionalismo). O erro e a dúvida exercem um papel importante na evolução do conhecimento, pois este nunca é acabado. Mas, na história da filosofia, também houve quem trilhasse o caminho da dúvida para a certeza, como o fizeram S. Agostinho e o filósofo francês René Descartes. Aqui examinaremos alguns aspectos do pensamento de Descartes. Descartes pergunta como o homem pode chegar a um conheci mento seguro. Para encontrar uma resposta, assume a postura de um A origem do conhecimento humano 25 ceticismo relativo. Serve-se da reserva cética como método de investi gação filosófica: “Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo são falsas; persuado-me de que jamais existiu de tudo quanto minha memória cheia de mentiras me representa; penso não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são apenas ficções de meu espírito. O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a não ser que nada há no mundo de certo.” (Meditações, 2.a) Essa postura cética conduz Descartes a concluir: “Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio . da filosofia que procurava.” (Discurso do Método, 4.a parte) Assim, pelo menos, uma assertiva é indubitável: aquele que duvida, ao mesmo tempo, existe. “Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns: não me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não; eu existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou apenas, pensei alguma coisa. (...) De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito." (Meditações, 2.a) A convicção de Descartes funda-se em que, pelo menos, uma pro posição “ eu penso, logo sou” é conhecimento seguro. Pode duvidar-se de toda proposição oriunda da experiência sensível. Enquanto se fizer isso, de maneira consciente e metódica, não se pode duvidar de que a gente mesmo submete tudo à dúvida universal. Disso segue que, pelo menos, a proposição “eu duvido” não pode ser posta em dúvida. Diz Descartes que, sendo o duvidar apenas um modo especial do pensar, também as proposições “eu penso” e “eu sou” estão garantidas como conhecimento contra toda possibilidade de dúvida. Descartes mostra que a dúvida é positiva na aquisição de conheci mento. Certeza e dúvida encontram-se numa correlação. O cético radical, se existe realmente, afirma que nada se pode conhecer com certeza, que nenhuma crença pode ser demonstrada real- 26 Teoria do conhecimento e teoria da ciência mente. Entretanto, afirma não saber que nada se pode saber, pois tenta demonstrar que nada pode ser demonstrado. Desse modo, incorre em contradição consigo mesmo quando postula saber que nada se pode saber ou quando afirma demonstrar o que não pode ser demonstrado. Os céticos rejeitam o apelo à razão da mesma maneira como rejei tam o apelo à experiência sensível. 4. Ciência e fé A atitude epistêmica distingue não só ciência e opinião, mas igualmente ciência e fé. Trata-se de outra questão que cedo ocupou os filósofos. Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a crença consiste em considerar uma idéia verdadeira ou em aceitá-la, baseando-se num grau de evidência não decisiva. É mais forte que a opinião, mas mais fraca que o conhecimento. Por outro lado, fala-se de fé para designar um estado de espírito em que a confiança é depositada numa pessoa, idéia ou coisa sem evidência objetiva. Segundo o filósofo alemão I. Kant, é a aceitação de idéias ou de princípios regulatórios, os quais não podem ser demonstrados teórica ou empiricamente. No entanto, são necessários e úteis para a elaboração de teorias científicas, práticas e morais. Na origem da filosofia grega está a insegurança quanto à confia bilidade dos conhecimentos recebidos pela tradição, sobretudo os da mitologia. Por isso a relação entre ciência e fé, desde o começo, está no centro da filosofia. Depois essa relação ocupará aqueles que tentam vincular sua visão filosófica com a revelação cristã, como Agostinho de Hipona (354-430), Anselmo de Cantuária (1033-1109) e Tomás de Aquino (1225-1274). Na sua obra Proslogion, Anselmo de Cantuária quer demonstrar a existência de Deus, por meio de uma prova que inclua todos os argu mentos. Consciente da problemática, expõe sua motivação no primeiro capítulo: “Senhor, não tento penetrar tua profundidade, pois de modo algum com ela comparo minha inteligência; tento ver de alguma maneira tua verdade, que meu coração crê e ama. Também não procuro entender para crer, mas creio para entender. Também isso eu creio: se não creio, não entendo” . A origem do conhecimento humano 27 N os tempos modernos, a questão do relacionamento entre fé e ciência permaneceu objeto da reflexão filosófica e permanece até nossos dias. N o século XX, um pensador do porte de Karl Jaspers (1883-1969) refletiu sobre o tema. Karl Jaspers, em sua obra Derphi- losopbische Glaube, diz que a essência da fé surge da análise da relação existência-transcendência. A fé é a expressão máxima da liberdade humana. É certeza de ser e do ser, é certeza existencial e ato instituidor da existência que numa ação interior descobre a presença da transcen dência. Jaspers, é claro, fala da fé filosófica.Recentemente, o filósofo australiano Tony Coady salientou, sobretudo, dois aspectos em seu trabalho intitulado Testimony (Testemunho), que formam a relação entre fé e ciência: a) a dificuldade de discernir e definir com clareza fé e ciência; b) a significação da atitude epistêmica no dia-a-dia no qual dependemos, antes de mais nada, da fé (confiança) no testemunho e na informação de outros. A definição da palavra fé é difícil, por ser ambígua. Usamos a pala vra fé (crença) de diferentes maneiras. Em primeiro lugar, pode significar "achar”, “julgar”, “ser de opinião”: “Eu creio que amanhã haverá tempo bom”. Em segundo lugar, usamos crer em contexto religioso. No Novo Testamento, Jesus diz a Tomé: “Tu creste, porque viste; bem-aventu rados os que creem sem ver” (Jo 20,29). Nesse uso, fé e ciência não se distinguem pela reivindicação da verdade e da certeza, mas pela maneira de obter a informação. A fé (crença) também apresenta uma reivindicação universal de verdade e certeza como a ciência. O que cremos também deve ser examinado por sua verdade e certeza, pois também a fé exige alguma justificação. S. Pedro, em sua primeira epístola, afirma: “Estai sempre prontos a dar as razões da vossa esperança (fé) a todo aquele que vo-la pede” (lPd 3,15). Não basta convicção pessoal. Dizer que alguém crê uma proposição, que não sabe, significa que recorre a estratégias de justificação diferentes da ciência. A dificuldade está em encontrar a linha divisória das estratégias de justificação que separam fé e ciência, de maneira adequada. Como alguém chega ao conhecimento de uma proposição da fé? Para as proposições da fé, dependemos mais do testemunho de outras pes soas e menos de nossas percepções sensíveis do que do conhecimento científico. 28 Teoria do conhecimento e teoria da ciência Gramaticalmente usamos a palavra “ crer que” ou “ crer em” . “ Creio que hoje vai chover” ou “ creio na palavra de meus am igos” . Sempre se pressupõe alguém em quem se acredita. C rem os na veracidade de alguém. O mesm o não acontece, quando afirmo: “ Creio em D eus” . Poderia transform ar essa proposição em “ creio que existe D eu s” , mas o significa do seria diminuído. C rer em Deus inclui uma certeza existencial muito forte. E ssa diferença entre fé e ciência pode ser expressa da seguinte maneira: a) x sabe que existe um Deus, mas não crê nele; b) x não sabe que existe um Deus, mas crê nele. N o s exemplos aduzidos evidencia-se que a fé, com o certeza exis tencial, não se deixa traduzir totalmente numa certeza de conhecimento. A adequação da fé depende fundamentalmente da informação por meio do testemunho. Proposições de fé expressam certeza existencial que, por um lado, buscam justificação, mas, por outro, nunca podem ser reduzidas total mente a proposições científicas. O filósofo francês Gabriel Marcei dizia que a estrutura da fé é diádica e a da demonstração científica é triddica. Q uando creio, creio em alguém. O ato de crer envolve toda a minha pessoa, razão e senti mento. Por isso a fé se testemunha. Testemunhar algo significa estarmos com todo o nosso ser por aquilo que afirmamos. O s primeiros mártires cristãos são exemplos de testemunho da fé, pois deram sua própria vida por aquilo que criam. A prova científica é apenas um ato racional: eu provo algo a alguém. O processo da demonstração científica consiste em fazer com que alguém possa ver algo da mesma maneira como eu. Envolve apenas minha razão e a do outro. 5. Conhecimento e origem da escrita N o s primórdios da história humana, era difícil a transmissão e con servação dos conhecimentos adquiridos. A transmissão oral facilmente introduzia erros, e a memória falhava. Entretanto, na Mesopotâmia, surgiu um novo caminho, quando se começou a desenvolver um sistema de escrita. Parece que o primeiro uso da escrita data entre 4000 a 3000 a.C., quando os sumérios, cuja avançada civilização tinha um comércio A origem do conhecimento humano 29 bastante desenvolvido, criaram registros precisos e extensos. Inicial mente, trabalharam com cunhas para imprimir marcas em placas de barro mole que, depois, endureciam ao sol ou no fogo. Essa escrita chama-se cuneiforme, nome derivado do instrumento empregado. Graças à resistência do material, muitas informações daquela época conservaram-se, através de séculos e milênios, até hoje. O mesmo já não aconteceu com os egípcios, que registraram seu conhecimento em material menos resistente, como o papiro vegetal, que, no decurso do tempo, tende a decompor-se. A escrita cuneiforme substituiu a pictórica. Quando, cerca de 2.400 a.C., os sumérios foram submetidos pelos semitas acádios, estes passaram a utilizar o mesmo sistema de escrita cuneiforme, com certas modificações para sua língua, o acádio. Esse sistema, com novas adaptações, foi transmitido a outros povos. Nesse processo parece que um dos aspectos mais importantes foi a crescente simplificação, reduzindo o número de sinais de cerca de 900 para cerca de 30. Originam-se, assim, os alfabetos. Surgiram dois grandes tipos de alfabetos, cada qual com forma e valores arbitrários e convencionais dos caracteres: os silábicos e os fonemáticos. O primeiro foi o dos fenícios, no século X III a.C., baseado em escritas anteriores. A constituição do alfabeto é o resultado de longa história da escrita. Por escrita pictográfica entende-se a representação de objetos e acontecimentos, com maior ou menor interesse ornamental e valor estético. Essa escrita serve de base da evolução histórica para a escrita na qual os sinais representam elementos lingüísticos. O desenvolvimen to obedece à ordem de sucessão: pictografia, ideografia e fonografia. Dessa maneira o estabelecimento de um alfabeto representa o auge na organização da grafia. Num alfabeto, em princípio, há um sinal (letra) para cada consoante e cada vogal, como num silabário há um sinal para cada tipo de sílaba. O alfabeto dos fenícios teve modelos mais antigos, como o ugarí- tico, que supõe um sistema de escrita no qual só eram representadas as consoantes da língua semítica. Os hebreus, primeiro, só escreviam as consoantes. Por isso, discutir, por exemplo, se o certo, originariamente, é Javé ou Jeová é simples perda de tempo. Quando os gregos adaptaram o alfabeto fenício, representaram as vogais por sinais do alfabeto fenício, cujos valores não tinham uso no grego. Do alfabeto grego originaram- 30 Teoria do conhecimento e teoria da ciência se o alfabeto itálico, pai do alfabeto latino, o alfabeto cirílico (Cirilo e Metódio, no século IX), copta e armênio. O alfabeto gótico é uma variante do latino. A escrita alfabética desenvolvida pelos gregos, no primeiro milênio a.C., espalhou-se rapidamente pela Europa e outras partes do mundo. Entre as escritas mais difundidas hoje, figuram o alfabeto latino, o alfa beto cirílico, a escrita árabe e a ideografia chinesa. A descoberta do alfabeto foi fundamental para a escrita que, por sua vez, facilitou ao homem a transmissão e a conservação de conhe cimentos adquiridos. O material usado para a escrita evoluiu, desde a tabuleta de barro, do pergaminho ao papel e à escrita virtual dos computadores. 6. Essência do conhecimento N o início da filosofia ocidental, está a insegurança sobre o co nhecimento recebido e transmitido. Dessa dúvida surgiram perguntas pelo fundamento de todas as coisas e de todos os fenômenos e como os homens poderiam garantir a veracidade de seus conhecimentos sobre o mundo. A teoria filosófica do conhecimento ocupa-se, pois, com o fenôme no do conhecer humano, sobretudo com seu resultado, o conhecimento. Outras ciências também fazem isso. O que caracteriza o fazer filosófico em relação a outras ciências? O homem realiza sua vida de diferentes maneiras, por exemplo, na ação, na experiência,na fé, no conhecimento. N a teoria do conhecimen to, trata-se daquela realização que chamamos conhecer, cujo resultado é o conhecimento. Como a própria filosofia, a teoria do conhecimento volta-se para o conhecimento como um todo. Em outras palavras, na teoria do conhecimento trata-se do fenômeno do conhecimento humano como um todo. As ciências também se interessam pelo conhecimento humano. Mas sua maneira de abordá-lo é diferente da filosofia. As ciências pressupõem que o conhecimento exista e que se trata de um fenôme no distinto do sonho ou da fé. As ciências não formulam perguntas, como: existe o conhecimento? Pode-se distingui-lo do sonho ou da fé? A origem do conhecimento humano 31 ■ ■ As ciências, como a psicologia, de antemão, excluem questões funda mentais. Pressupõem que a questão da possibilidade e da essência do conhecimento tenha sido respondida. A psicologia, por exemplo, pode tornar o conhecimento, do con h ecim en to objeto de sua in vestigação . Entretanto, não esclarecerá o que torna os resultados de sua investigação conhecimento. Em outras palavras, a psicologia, como outras ciências, silenciará certas questões, ao ocupar-se do fenômeno do conhecimento humano>/r^ A teoria do conhecimento, como disciplina filosófica, orienta-se para o todo. Por isso nada pode excluir. Coloca justamente aquelas questões, cuja resposta as outras ciências pressupõem. O sucesso das ciências consiste em evitar a colocação de certas questões. Nem por isso a teoria do conhecimento deve ignorar o resultado das outras ciências. Mas, diferentemente dessas, torna objeto de sua investigação questões que precedem as perguntas das ciências singulares. A teoria do conhecimento formula questões fundamentais do co nhecimento humano. Pergunta pela possibilidade e essência do conhecer humano e seu resultado, o conhecimento: o que é conhecimento e como é possível? Examinando a possibilidade do conhecimento, conclui que se deve determinar em que consiste o conhecer. Assim a possibilidade e a essência do conhecimento são duas questões fundamentais inse paráveis. A ocupação filosófica com o fenômeno do conhecimento humano tem estrutura reflexiva, isto é, reflete sobre o conhecimento do próprio conhecer humano, ou seja, como chegamos à produção do conheci mento. Se a teoria do conhecimento compartilha com outras ciências o objeto material, difere quanto ao objeto formal. Reflete seus próprios pressupostos. A indagação sobre a essência do conhecimento já a encontramos na antiga Grécia, pelo menos a partir de Platão (427-347 a.C.). Platão trata dela de maneira explícita, no diálogo Teeteto, quando a coloca na boca de Sócrates (145E-146A). A segunda questão sobre as condições de possibilidade e os limites do conhecimento foi formulada de maneira explícita por I. Kant (1724-1804), a partir de sua obra Crítica da razão pura. Para ele, é questão transcendental. Mas a questão sobre as condições de possibilidade do conhecimento só tem sentido quando se pressupõe saber o que é conhecer. 32 Teoria do conhecim ento e teoria da ciência O inverso também é verdadeiro, pois só tem sentido indagar da essência do conhecimento, quando se pressupõe que tal seja possível. Ambas as questões são, pois, igualmente fundamentais. II T E O R IA D O C O N H E C IM E N T O E EPISTEM O LO G IA Cada pessoa está convicta de poder adquirir e ter conhecimentos. Aristóteles inicia a Metafísica: “Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer” . Mas há uma diferença entre a teoria e a prática do conhecimento. Se o teórico no esporte se assemelha ao contemplador, e o prático é o jogador, é certo que só existe contemplador onde há ação. Cer tamente não se pode falar de teoria do conhecimento sem conhecimento. Teorias servem para expressar conhecimento em linguagem. Atual mente, o conhecimento é objeto, não só da filosofia, mas sobretudo das ciências. A linguagem cotidiana torna-se tanto mais inexata quanto mais se distanciar dos objetos da vida diária. As palavras usadas para uma compra na padaria podem variar de região para região. Mas, se nos faltam ou falham as palavras, podemos indicar ou mostrar para aquilo que queremos comprar. A linguagem complica, quando passamos de objetos concretos para objetos abstratos. N a prática perdemos o controle. Recorremos a usos lingüísticos oriundos de tradições e da história, de origem desconheci da na religião, arte, ciência e formas de vida que já não são as atuais. A palavra “ conhecimento” pertence a essa categoria de palavras. Quando distinguimos teoria do conhecimento de teoria das ciências (epistemologia), pressupom os a convicção de que na teoria do conheci mento trataremos de algo que não se trata na epistemologia. Q uais são os argumentos para tal distinção? A teoria da ciência sempre mais se entende a si mesma como lógica aplicada. Teoria da ciência consiste em, com ajuda de estruturas formais, desenvolvidas por ciências formais como matemática e lógica, esclarecer sempre mais as estruturas das ciências empíricas. 3 4 Teoria do conhecimento e teoria da ciência 1. Epistem ologia ou teoria da ciência A palavra epistemologia significa, etimologicamente, “ discurso sobre a ciência” ou “ teoria da ciência” . Estuda, não o conteúdo, mas a forma da ciência. Galileu definiu com clareza a autonomia da ciência em relação à filosofia, como Tomás de Aquino definira a autonomia da filosofia em relação à teologia. Para Galileu, o método científico é o método experi mental, cujos momentos essenciais são: observação, hipótese, verificação. A ciência restringe-se ao campo do fenômeno, buscando suas leis. N os séculos XVII e XVIII, o conceito de ciência oscila entre experiência e razão. Leibniz reconhece o equilíbrio da ciência entre experiência e razão. Kant vê, na ciência, a síntese de experiência e ra zão, a racionalização da experiência. Essa racionalização da experiência torna-se universalização e subjetivação desta. N o século XIX , o positivismo de A. Comte, na guerra contra as construções metafísicas, reclama o caráter experimental e indutivo da ciência, atribuindo-lhe uma índole descritiva e legal: “Toda ciência con siste na coordenação dos fatos e em nada mais do que isto” . Em 1874, em A contingência das leis da natureza, Boutroux contesta o caráter determinista das leis científicas. Ernst Mach e o empiriocriticismo des mascararam a estrutura metafísica da ciência positivista. Assevera Mach: “A ciência forma-se por contínuo processo de adaptação do pensamento a um determinado campo de experiência” . N o século X X, desenvolveram-se discussões fecundas no campo epistemológico. N o mundo anglo-americano, forma-se uma concepção pragmática da ciência, sobretudo no instrumentalismo de J. Dewey. Para ele, os conceitos científicos apenas são “meios, instrumentos, aplicáveis aos acontecimentos históricos para reger o curso destes” . Por teoria da ciência entendemos o estudo dos princípios, dos con ceitos, dos pressupostos e da metodologia das ciências. Analisa-os em termos conceituais e lingüísticos, da sua extensão e reconstrução. Visa, de modo especial, à sua aplicação consistente e precisa, a fim de obter novos conhecimentos; o estudo e a justificação de processos do raciocínio utilizados nas ciências como também na sua estrutura simbólica. Gaston Bachelard formou escola com seu “racionalismo aberto”. À luz da matemática e sob influência da logística, surgem as teorias do Teoria do conhecim ento e epistemologia 35 neopositivismo e positivismo lógico. Nessa linha, Wittgenstein reduz a matemática e a lógica a tautologias, excluindo a necessidade do a priori. P. W. Bridgman defende o caráter operativo de todo o conceito científico. Ch. Morris defende a concepção behaviorista da linguagem, privilegian do o estudodo seu aspecto semântico. N a Inglaterra, a Escola analítica entende a própria filosofia como análise da linguagem. Para Einstein, “ sem a convicção de que, com as nossas construções teoréticas, é possível alcançar a realidade, não poderá haver ciência” . Em síntese, podemos dizer que as epistemologias contemporâneas convergem em alguns pontos: a) a iniciativa do sujeito na construção da ciência; b) o discernimento cuidadoso da diferença da natureza dos vá rios elementos de qualquer sistematização científica: método, símbolos, sistema, ontologia etc.; c) a diferença entre conhecimento científico e conhecimento filosófico; d) a busca de maior cientificidade das próprias ciências dentro de seus próprios limites. 2. Teoria do conhecim ento e teoria da ciência Partimos do pressuposto de que hoje existe conhecimento claro e evidente nas ciências, de modo especial nas ciências da natureza. O que distingue uma teoria da ciência de uma teoria do conhecimento? Hoje a teoria da ciência entende-se sempre mais a si mesma como lógica aplicada. Tanto as ciências empíricas como as não-empíricas são de tal estrutura que sempre pressupõem o próprio conhecimento e a formulação de que este é verdadeiro ou falso. Conhecimento e seu res pectivo objeto já existem para a matemática e para a lógica, como para as chamadas ciências da natureza e, com isso, para a teoria da ciência como lógica aplicada. Portanto, a epistemologia não se ocupa com a questão: como se origina conhecimento enquanto formulação verdadeira ou falsa? A teoria da ciência ou epistemologia trata de questões como estas: pode uma proposição ser fundamentada? Como? É verificável? Depende logicamente de outras proposições? Está em contradição com outras proposições? Mas, tal proposição já deve existir. Alguém a deve ter formulado e submetido à discussão lógica. N a epistemologia, funda menta-se conhecimento em conhecimento ou algo que já tem caráter de conhecimento, em algo que já tem estrutura, que é verdadeiro ou falso, 36 Teoria do conhecim ento e teoria da ciência da mesma maneira que a linguagem científica (metalinguagem) pressu põe a linguagem comum ou ordinária. A questão da própria origem do conhecimento como tal não é questão epistemológica. A epistemologia aplica pressupostos conhecimentos de lógica. Mas esse conhecimento pressuposto da lógica é tarefa da teoria do conhecimento. A tarefa da teoria do conhecimento não consiste em derivar verda deiros ou falsos conhecimentos de algo que já é verdadeiro ou falso, mas de algo que como tal ainda não é verdadeiro ou falso. Diferentemente da epistemologia e da lógica, a teoria do conhecimento não se ocupa de como inferir estruturas ou sistemas de conhecimento de outros, como fundá-los e justificá-los, mas de como originariamente chegamos a es truturas e sistemas de conhecimento. À teoria do conhecimento cabe um lugar singular. Em relação à lógica e à teoria da ciência, exerce papel decisivo. A origem do conhe cimento, que lhe cabe esclarecer, realiza-se permanentemente em nossa experiência cotidiana, enquanto percebemos coisas e acontecimentos do mundo exterior. Nela toda a ciência da natureza tem sua “base empírica”, pois tal ciência é apenas um desenvolvimento e uma expansão de nosso conhecimento cotidiano. A teoria do conhecimento, por sua vez, não é uma ciência empíri ca, mas uma disciplina filosófica. Se, por um lado, falamos em ciências empíricas, como é o caso da biologia, da física e fisiologia, por outro lado, encontramos as ciências formais, como lógica, matemática e epis temologia como lógica aplicada. A teoria do conhecimento não pertence a nenhum desses conhecimentos. N ão é ciência empírica, nem ciência formal, como lógica e matemática puras. Em que sentido a teoria do conhecimento então é ciência? A teoria do conhecimento também não é metafísica. Por suspeitar que seja metafísica, a epistemologia muitas vezes pretende substituí-la. Essa suspeita faz a epistemologia atribuir às ciências a tarefa impossível de responder à questão da origem de nosso conhecimento. Atrás dessa tentativa esconde-se a convicção empírico-materialista de que a única alternativa seja ou ciências formais ou ciências empíricas. Ora, não se enquadrando a teoria do conhecimento em nenhuma dessas áreas, resta apenas concluir que é metafísica. A idéia tradicional é que a teoria do conhecimento, como dis ciplina filosófica própria, opõe-se à idéia de metafísica. Para isso não Teoria do conhecim ento e eplstemologla 37 faltam exemplos da história da filosofia, que no fim degeneram em metafísica. N o século X X , desenvolveu-se a "filosofia da ciência” , com o objetivo de esclarecer questões como: que é ciência? De que e como se constrói a ciência? Que valor têm os resultados científicos para a descoberta da realidade e em função da utilidade humana? Recorre-se à filosofia, para compreender a própria natureza das ciências em geral. A ciência pressupõe que a realidade, que se conhece, apresenta certa ordem. O cientista trata de descobrir e formular tal ordem em princípios, definições ou leis. É verdade que, até os tempos modernos, se olhava o mundo na perspectiva filosófica e/ou teológica. É, sobretudo, a partir de Galileu Galilei que se passa a entender o mundo com o que hoje chamamos de método científico. A visão elaborada pelos cientistas muitas vezes entrou em conflito com a de teólogos. 3. Caráter próprio da teoria do conhecimento Com o reflexão rigorosa, a teoria filosófica do conhecimento é ciência não-empírica do empírico. Para esclarecer essa afirmação, cabe indagar o que se quer dizer, quando se fala de ciências não-empíricas e de ciências empíricas. O que se quer dizer, quando se qualifica uma ciência como empírica ou não-empírica? Todo o conhecimento, seja ele simples ou teoria complexa, con siste em dizer "algo sobre algo” ou "algo de algo”. Pode perguntar-se se o “ empírico” e o “ não-empírico” se referem só ao primeiro algo ou a ambos. Diz-se que a ciência da natureza se caracteriza como teoria empírica, por dizer algo empírico sobre algo empírico. Expressando-se e desenvolvendo-se em estruturas formais, com recursos à lógica e à matemática, seu conteúdo permanece fundamentalmente empírico. Esse conteúdo empírico, em princípio, afirma-se sobre algo empírico. Quando nos referimos às ciências não-empíricas ou às ciências formais, como lógica e matemática, essas afirmam “ algo” não-empírico sobre ou de “ algo” não-empírico. Assim, as ciências caracterizam-se como “ciências empíricas do ou sobre o empírico”, e “as ciências formais são ciências não-empíricas do não-empírico.” 38 Teoria do conhecimento e teoria da ciência Se considerarmos que a estrutura fundamental do conhecimento consiste em dizer “algo sobre algo” ou “algo de algo”, não é evidente que ambos os “ algo” sejam iguais. Existe a possibilidade de um ser empírico e outro não-empírico. Do ponto de vista formal, há, pois, duas outras possibilidades de conhecimento. Existe a possibilidade de dizer algo empírico sobre algo não- empírico. Um exemplo disso é a teoria platônica das idéias. Propõe que as idéias existem como algo além do empírico, sendo imperceptíveis, mas acessíveis por meio de uma percepção espiritual. Claro, com isso é difícil libertar-se da suspeita de que tal não-empírico inexiste. Outra possibilidade é afirmar algo não-empírico sobre algo empíri co. Apresenta-se como ciência não-empírica sobre algo empírico. Nesse caso, não seria ciência formal, nem ciência da natureza. Enfim, constatamos que o discurso sobre ciências empíricas e ciências formais é ambíguo, pois, na verdade, são ciências empíricas do empírico ou ciências não-empíricas do não-empírico. Se Platão afirma que “esta árvore participa na idéia de árvore”, ou um teólogo diz que “esta árvore foicriada por Deus”, trata-se de afirmações sobre o empí rico, por referir-se a “esta árvore” determinada. Apesar disso, ninguém ousaria dizer que são teorias empíricas. Admitindo a participação “desta árvore” na idéia de árvore ou que foi criada por Deus, isso não se verifica da mesma maneira como no caso de afirmar que suas folhas são verdes ou seu tronco grosso. Portanto, o critério de proposições ou ciências não é sobre o que afirmam, mas daquilo que afirmam. Assim, as ciências empíricas não são empíricas porque falam do empírico, mas por causa daquilo que dizem sobre o empírico. Do contrário, até a teologia, enquanto fala do empírico, seria ciência empírica. Nossa distinção é relevante para uma teoria filosófica do conheci mento como uma ciência não-empírica do empírico. Se o critério, para isso, dependesse daquilo do que trata, apenas seria uma ciência empírica, e não filosofia. Mas, como o critério é aquilo que diz sobre algo, garante a possibilidade de tal ciência, mesmo tratando de algo empírico, ser ciência não-empírica ou filosofia. Erroneamente, por vezes, a teoria da ciência ou epistemologia confunde filosofia simplesmente com metafísica dogmática. É falsa a tentativa de reduzir o conhecimento à alternativa: ou ciência empírica da natureza ou ciência formal não-empírica, pois tal afirmação exclui, Teoria do conhecimento e epistemologla 39 de antemão, a possibilidade da filosofia como ciência do não-empírico. Certamente não é por acaso que a filosofia transcendental de Kant, até hoje, permanece a fonte mais fecunda de uma teoria crítica do conheci mento como ciência filosófica. A filosofia transcendental não se reduz à metafísica. 4. O conhecimento do empírico como verdadeiro ou falso Dar um sentido não-empírico ao conhecimento do fato empírico é possível, à medida que o empírico permite a construção de estruturas ver dadeiras ou falsas que, em princípio, escapam tanto às ciências empíricas do empírico quanto às ciências formais, como ciências não-empíricas do não-empírico. Esse é o campo da teoria filosófica do conhecimento. Segundo Gottlob Frege (1848-1925), Popper e Stegmüller, a ori gem de sistemas ou estruturas de conhecimento, que são verdadeiras ou falsas, é um problema que transcende a psicologia empírica. Baseiam-se na convicção empírico-materialista de que as ciências empíricas cons tituem a única alternativa para as ciências formais, uma convicção que não passa de dogmatismo metafísico. Segundo Frege, estruturas que consideramos verdadeiras ou fal sas, ou seja, proposições são verdadeiras ou falsas enquanto formulam conhecimento e juízos em cuja base está o pensamento como percepção de pensamentos. E o que é verdadeiro ou falso, em sentido próprio, são apenas esses pensamentos. Situam-se entre o mundo físico do exterior e o mundo psíquico do interior. Para ele, pensamentos estão num “ ter ceiro reino” como algo verdadeiro ou falso; dependendo da idéia que percebemos, obtemos uma verdade ou uma falsidade. A percepção de tais idéias, todavia, não é sensível, pois não se trata de realidades físicas. Nisso a posição de Frege se assemelha à de Platão. N o ensaio O pensamento, Frege conclui que tal idéia só pode ser algo não-empírico, porque não-sensível. Por isso não pode ser tratada por uma ciência empírica. Os argumentos usados aproximam Frege do sujeito transcendental de Kant. Frege é um dos fundadores da lógica matemática moderna e da epistemologia. Libertou-se da dogmática empirista-materialista, superan do-a. Proposições verdadeiras ou falsas, embora surjam em nosso mundo 4 0 Teoria do conhecimento e teoria da ciência como algo empírico, não podem ser algo psíquico e muito menos algo físico. Se partimos, com Frege, de formas de conhecimento, enquanto aparecem numa formulação lingüística, que se encarna, por escrito ou oralmente, na veste sensível da proposição, o verdadeiro ou falso não está no sensível-físico da escrita ou do som. Mesmo quando formulado lingüisticamente e aparecendo como mediação sensível-física como algo empírico, a forma de conhecimento verdadeira ou falsa como tal não é simplesmente sensível-física entre outros sensíveis físicos. É antes algo psíquico que necessita de uma veste sensível para poder surgir como algo empírico. Tais formas de conhecimento constituem um problema, não só pelo fato de serem algo empírico ou físico ou psíquico, mas pelo fato de não poderem surgir ou ser gerados de algo físico ou psíquico. Em vista do dogmatismo empírico-materialista, na epistemologia contemporânea, são importantes os argumentos que Frege já desenvolveu. 5. Conhecim ento e linguagem O homo sapiens é o ápice da evolução do universo até o momento. Orienta-se pouco pelos instintos na sua conduta, em relação ao mundo que o cerca. Substituiu, em boa parte, os instintos pela capacidade de ela boração cognitiva do mundo e pelo contato emocional com a realidade. A cognição e a emoção, no homem, estão geneticamente pré-programadas, exigindo desenvolvimento. O desenvolvimento individual insere-se nas condições sociais. O ser humano, por assim dizer, assume as condições sociais e culturais com o leite materno. Dessa maneira, o homo sapiens se diferenciou a tal ponto, que se abriu para o contexto mais amplo, que forma a vida. Para isso contribui a maneira humana de comunicação, por meio da linguagem. Por linguagem entendem-se os meios usados para expressar o conteúdo da consciência (sentimentos, emoções, desejos, pensamentos), conforme moldes de significado consistentes. Exige símbolos: palavras, sons, gestos, sinais, organizados e relacionados num sistema com a fi nalidade de expressar e comunicar significados. Um sistema governado por regras que especificam como as combinações podem ocorrer e como lhes atribuir significados padronizados é a língua. Teoria do conhecim ento e eplstemologia 41 A língua é uma instituição social que permite a integração dos mem bros de uma comunidade, possibilitando-lhes partilhar e perseguir fins comuns. Permite coordenar os próprios interesses com os dos outros. A comunicação não-lingüística, semanticamente, é unívoca com gramática fixada. Sua vantagem é a exatidão, a compreensão imediata. Mas também tem desvantagens: falta de flexibilidade, limitação da temá tica. A linguagem viva supera tais limitações. Não consiste em elementos vinculados à matéria, como, por exemplo, a comunicação através de matéria química cheirosa, mas de sons que podem ser definidos con vencionalmente. Ao mesmo tempo, a língua tem uma gramática aberta proporcionando construir diferentes enunciados. Pode falar-se de tudo o que é possível e impossível. A língua faculta que todos os falantes participem no conhecimento da sociedade. Ninguém precisa começar num ponto de partida zero. A língua permite conservar experiências do passado e transmiti-las para o futuro. O indivíduo, na sociedade, necessita integrar-se num sistema de comunicação, que é a língua. Ela conserva e comunica conquistas do conhecimento e da mesma maneira carrega e formula emoções. Emo ções e cognições são dois aspectos de um mesmo processo psíquico. O uso da língua depende desse processo psíquico. Por isso a língua pode ser usada, tanto para fins emocionais como para fins cognitivos; pode ser objetiva, mas não necessariamente está vinculada à objetividade ou à verdade. Também pode expressar vivências e sentimentos e a conexa visão subjetiva do mundo. A língua também estabelece limites que podem ser os próprios limites do vocabulário. Percebemos tais limites tão logo tentemos ex pressar-nos numa língua que ainda não dominamos bem. L. Wittgenstein diz que “os limites de minha linguagem denotam os limites de meu mundo” (TLPh 5, 6). Desde sua origem, a filosofia estuda a linguagem. Mas, nos tempos contemporâneos, o estudo da linguagem
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