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ZILLES, Urbano - Teoria do Conhecimento e Teoria da Ciência.pdf

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Ur
ba
no
 Z
ill
es
TEORIA
DO CONHECIMENTO 
E TEORIA 
DA CIÊNCIA
A idéia de uma teoria do conhecimento remonta a Descartes e Espinosa, 
mas foi principalmente a contribuição crítica de Kant que fez com que se 
tornasse, no século XIX, uma disciplina autônoma. Todos nós buscamos 
conhecimento. A teoria do conhecimento deveria ajudar-nos a compreender 
nossos processos de conhecer; e desenvolvê-los. Todos nós aplicamos teorias 
da ciência. Estas deveríam capacitar-nos a julgar criticamente a fidedignidade 
de conhecimentos científicos. Mas os teóricos do conhecimento e da ciência 
preocupam-se mais em salientar suas próprias posições.
Neste livro, buscou-se conciliar aspectos históricos com sistemáticos e 
conceituais. Foram selecionados alguns pensadores paradigmáticos, de 
Platão a Wittgenstein, atendendo às diferentes posturas filosóficas, como 
empirismo e racionalismo. Desta maneira, tencionamos oferecer uma obra 
que seja útil, tanto como introdução à teoria do conhecimento como à 
teoria da ciência.
Coleção
FILO SO FIA
ISBN ?78-9fr343.-2448-
9 78853411924481
Urbano Z illes, nascido em 1937 em Nova Petrópolis, RS, 
doutorou-se em Teologia em 1969 em Münster, Alema­
nha. Professor de Teologia e Filosofia na PUC-RS des­
de 1969, foi pró-reitor de pesquisa e pós-graduação de 
1988 a 2004. Recebeu o prêmio de Pesquisa Destaque 
2002 do Governo do Estado do Rio Grande do Sul na 
área de Ciências Humanas e Sociais. É membro da Aca­
demia Brasileira de Filosofia.
TEORIA D O CO NH ECIM ENTO E TEORIA DA CIÊNCIA
U R B A N O Z IL L E S
TEORIA DO CONHECIMENTO 
E TEORIA DA CIÊNCIA
RMJLUS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Zilles, Urbano
Teoria do conhecimento c teoria da ciência / Urbano Zilles.
— São Paulo: Paulus, 2005 — (Coleção Filosofia)
ISBN 978-85-349-2448-1
1. Ciência - Aspectos morais c éticos 2. Ciência - Teoria 
3. Conhecimento - Teoria. II. Série.
05-7770 CDD-121
índices para catálogo sistemático:
1. Conhecimento: Teoria: Filosofia 121
2. Epistemologia: Filosofia: 121
3. Teoria do conhecimento: Filosofia 121
Editoração
PAULUS
Impressão e acabamento 
PAULUS
2a edição, 2008
© PA U LU S-2 0 0 5
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil) 
Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5087-3700 
www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br
ISBN 978-85-349-2448-1
PREFÁCIO
Este livro nasceu das anotações de aula da disciplina de teoria do 
conhecimento do curso ministrado aos alunos da Pós-Graduação em 
Letras, da PUC-RS, durante o primeiro semestre de 2004.
Com o objetivo de introduzir os alunos na reflexão filosófica, 
são abordadas questões fundamentais do conhecimento em geral e, de 
modo especial, do conhecimento científico, na perspectiva atual, sem 
negligenciar a evolução histórica de conceitos e problemas no contexto 
mais abrangente. Trata-se, pois, de uma introdução sem pretensões de 
originalidade.
Julgamos tratar-se de uma obra. que também poderá ser útil a es­
tudantes universitários de outras áreas do conhecimento, numa época 
em que eles sentem falta deste tipo de elaborações sistemáticas para a 
orientação dos estudos acadêmicos. Esperamos que contribua para uma 
melhor avaliação do conhecimento científico adquirido pela humanida­
de, no decurso do tempo, e abra portas para seu futuro.
Urbano Zilles
IN TRO D U Ç Ã O
A disciplina filosófica de teoria do conhecimento, tradicionalmente 
também chamada gnosiologia ou crítica, entrou em crise, perdendo a 
posição de destaque que adquirira nos tempos modernos. A idéia de 
uma teoria do conhecimento remonta a R. Descartes e Espinosa. Foi, 
sobretudo, a contribuição crítica de Kant que fez com que se tornasse, 
no século X IX , uma disciplina autônoma.
Todos nós buscamos conhecimento. A teoria do conhecimento 
deveria ajudar-nos a compreender nossos processos de conhecer e de­
senvolvê-los. Todos nós aplicamos teorias da ciência. Estas deveríam 
capacitar-nos a julgar criticamente a fidedignidade de conhecimentos 
científicos. Mas os teóricos do conhecimento e da ciência preocupam-se 
mais em salientar suas próprias posições.
A teoria do conhecimento estuda problemas clássicos, ou seja, 
problemas que são relevantes para além de fronteiras culturais e his­
tóricas. A questão dos obstáculos no caminho do saber é uma questão 
que transcende o tempo e o espaço, embora alguns obstáculos mudem 
no decurso do tempo. Eliminando ou explicitando obstáculos de acesso 
ao conhecimento, a teoria do conhecimento também formula e cultiva 
virtudes epistêmicas e éticas, como a neutralidade, a coragem, a humil­
dade e a prudência.
Estariam superados os problemas colocados por Descartes e 
Kant?
Tradicionalmente, a teoria do conhecimento colocava-se um du­
plo problema: a) explicar e defender a possibilidade do conhecimento;
b) explicar a natureza, a origem e a extensão do conhecimento humano.
Historicamente, a primeira tarefa é resposta ao ceticismo. O ceticis­
mo moderno parte da premissa de que temos certeza somente dos estados
Teoria do conhecimento e teoria da ciência
de nosso consciente. Pergunta: como podemos saber se nossos estados 
conscientes representam o mundo corretamente? Não pode a realidade 
ser totalmente diferente de como a representamos? Qual a certeza de 
que não é assim? Grande parte da teoria do conhecimento tradicional 
concentrou-se nesse problema como resposta ao ceticismo.
Nas últimas décadas, essa autocompreensão da teoria do conhe­
cimento começou a vacilar. Foi posta em dúvida a imagem do conheci­
mento como uma representação da realidade. Com isso a pergunta cética 
perdeu muito de sua importância e a teoria do conhecimento muito de 
sua atualidade. Além disso, na teoria do conhecimento e na teoria da 
ciência é muito raro o saber indiscutível.
Perduram, entretanto, questões fundamentais para as próprias 
ciências, referentes à segunda tarefa. É o conhecimento, não uma repre­
sentação da realidade, mas conhecimento tão-somente da formação de 
opiniões que nos ajudam a conviver de maneira prática com a realidade? 
Qual a relação entre sentidos e entendimento, impressões sensíveis e 
conceitos? Existe uma distinção absoluta correspondente entre verda­
des que se podem conhecer independentemente de toda a experiência e 
outras que se podem conhecer através da experiência? O que faz com 
que uma opinião seja verdadeira ou falsa?...
Cada vez mais também tomamos consciência do caráter ético do 
conhecimento científico. Questões como motivação, seleção, aquisição e 
aplicação do saber são eticamente relevantes. Por que produzimos tal tipo 
de saber? Com o? Por isso a comunidade deveria examinar criticamente 
qual o conhecimento que todos os seus membros deveríam compartilhar: 
livros, manuais de escola, textos clássicos a serem estudados por todos 
na escola. N a aquisição do conhecimento e na investigação não se pode 
prescindir de valores. A quem não valoriza a verdade, pouco lhe ajudarão 
os meios de nossa ciência.
O célebre processo da Inquisição contra Galilei mostrou que, na 
sua formulação, se tratava de uma scienza nuova e não apenas de mais 
uma tentativa de explicar a natureza. Mostrou, também, que concluira 
mais do que o contido em suas premissas, extrapolando os limites do 
conhecimento científico.
O século XVI foi de profundas transformações econômicas. Nesse 
contexto Johann Kepler, Galileu Galilei e Francis Bacon tentam encon­
trar uma nova base para o conhecimento da natureza. Tentam esclarecer
■ 8
Introdução 9
a realidade com conceitos que parecem permitir verificação, uma vez que 
aquilo que designam é observável e, através do experimento, torna-se 
demonstrável. Lê-se o livro da natureza como se estivesse escrito em 
letras e números matemáticos. Por isso a geometriatorna-se o modelo 
de todas as ciências. Tudo o que acontece na natureza tenta reduzir-se ao 
movimento mecânico. A própria natureza passa a ser interpretada como 
conjunto de partículas de matéria com diversas combinações entre si.
Leonardo da Vinci fundara o conhecimento da natureza na empi- 
ria. Dizia que somente os sentidos oferecem um fundamento confiável 
para o acesso aos processos misteriosos na natureza. É o começo da 
nova ciência.
Essa nova ciência, que queria esclarecer a natureza, curiosamen­
te afastou-se da natureza, tematizando as condições da consciência 
subjetiva. Nesse sentido, a epistemologia moderna torna-se teoria e 
análise da consciência e de seus potenciais categoriais. A nova teoria do 
conhecimento centrou-se no sujeito. A dúvida metódica de Descartes 
funda o conhecimento radicalmente na subjetividade, colocando o pro­
blema do mundo exterior. Pressupõe um paralelismo entre a estrutura 
da consciência e a estrutura do mundo, entre o mundo dos sentidos e 
o mundo das idéias.
À medida que a nova teoria do conhecimento transfere o acento 
para o sujeito, surge o problema da transcendência, ou seja, como sair 
da casa fechada do ego ou da consciência que substitui esse ego. Surge 
o problema da identidade entre o mundo exterior e o mundo interior. 
A isolação do ego trouxe, pois, novos problemas, como o da dúvida da 
existência do mundo exterior.
Até os tempos modernos, o problema principal da teoria do 
conhecimento era a questão e a busca da verdade. Não se tratava de 
demonstrar a existência das coisas, mas que aquilo que os sentidos e o 
intelecto percebem nas coisas corresponde à realidade, que os juízos da 
razão são adequados. Pressupunha-se uma harmonia entre a estrutura 
da consciência e a estrutura do mundo exterior. Esse era, por exemplo, 
o pressuposto da filosofia escolástica com sua teoria da *adaequatio rei 
et intellectus” .
N a língua inglesa usa-se a palavra epistemology; muitas vezes, 
como sinônimo de gnosiologia ou teoria do conhecimento. O uso mais 
difundido do termo epistemologia, entretanto, restringe-lhe o sentido
10 Teoria do conhecim ento e teoria da ciência
à filosofia ou teoria da ciência. Neste estudo manteremos a diferença, 
dando ao nome teoria do conhecimento uma abrangência muito maior 
que à filosofia ou teoria da ciência, pois a primeira também abrange 
o conhecimento comum, não só o científico. Este, aliás, não é a única 
forma de verdadeiro conhecimento humano.
Já na Antiguidade, encontramos tentativas de enfocar a globalidade 
do problema do conhecimento, sob determinada perspectiva.
A doutrina platônica das idéias, baseada na confiança ilimitada da 
razão (homj), constitui o fundamento de todas as concepções da teoria 
do conhecimento desenvolvidas nos tempos modernos, que costumamos 
resumir sob o conceito de racionalismo. O principal representante dessa 
concepção é Descartes. D a dubitatio conclui a cogitatio. Segundo ele, 
só o pensamento é capaz de oferecer saber certo. Deve ser adquirido e 
basear-se em exame crítico próprio e conduzir a resultados tão evidentes 
que cada pessoa possa aceitá-lo. Mas a razão só se pode desenvolver 
autonomamente, quando se baseia em princípios últimos irredutíveis. 
E estes, para ele, são os princípios da matemática. Por isso postula o 
método geométrico como procedimento da argumentação filosófica. 
Tais princípios são inatos na consciência humana na forma de idéias. As 
idéias inatas preenchem o ideal de perfeição da clareza e da distinção.
N o extremo oposto do racionalismo da Escola cartesiana, está o 
empirismo desenvolvido nas Ilhas Britânicas. U m dos fundadores é 
Francis Bacon, que considera a observação das forças da natureza em 
vista da utilidade para o homem como um dos objetivos principais da 
pesquisa filosófica. John Locke questiona radicalmente a doutrina racio- 
nalista das idéias inatas. Afirma que as idéias se originam da experiência, 
a qual se baseia, em parte, na sensação de coisas externas e, em parte, na 
percepção da vida espiritual em nosso interior. Locke limitou o raio de 
nosso conhecimento ao raio de nossa experiência externa. Reduzindo 
o conhecimento à experiência subjetiva, individual, toda concepção 
metafísica, também a de Deus, pode ser considerada infundada. Igual­
mente David Hume chega à conclusão de que não se pode conhecer o 
mundo exterior.
Entre o racionalismo e o empirismo, Kant buscou uma posição 
intermediária com seu criticismo. Objeta que ambas as correntes argu­
mentam de maneira dogmática, não questionando as próprias fontes: a 
razão e a experiência.
Introdução 11
Desde Descartes até Kant, a questão do conhecimento foi abordada 
de maneira crítica, ocupando o centro da preocupação filosófica. Entre­
tanto, Hegel simplesmente desprezou ou ignorou essa questão. Depois, 
os neokantianos retomaram Kant, e Husserl, inspirado em Descartes, 
desenvolveu a fenomenologia. A exemplo de Hegel, pensadores mais 
recentes, como M. Heidegger e Karl Jaspers, deixaram a questão do 
conhecimento um pouco de lado. J. Habermas, nesse ponto, assumiu 
acriticamente a postura de Hegel, esquecendo a crítica implícita de Kant 
a Hegel. Por outro lado, E. Bloch constata que o ponto fraco na filosofia 
de Hegel é a falta de uma crítica do conhecimento.
Embora os adeptos da filosofia analítica, seguindo Wittgenstein, 
não considerem Hegel e Heidegger como seus modelos, concordam 
com eles, quando julgam que, na modernidade, de Descartes a Kant, a 
discussão da gnosiologia girou em torno de problemas apenas aparentes. 
Nesse sentido, não se deve estranhar que se tenha desenvolvido, mais 
recentemente, uma teoria da ciência empirista-materialista, com a pre­
tensão de liquidar de modo definitivo a teoria do conhecimento.
O s métodos analíticos conquistaram terreno nos domínios das 
chamadas ciências do espírito. Esses métodos decompõem seu objeto 
de estudo - geralmente a linguagem - em partes, considerando as re­
lações entre as mesmas. É analítico o procedimento dos matemáticos, 
dos lógicos formais, dos cientistas da natureza e dos analíticos da lin­
guagem. Por outro lado, consideram-se procedimentos não-analíticos 
aqueles que abrangem e interpretam seu objeto como globalidade; tal é 
o caso dos fenomenólogos, dos hermeneutas e dos dialéticos hegelianos 
e marxistas.
O s dois métodos relacionam-se de diferentes maneiras com a vida. 
A compreensão analítica da ciência parte da convicção de que nem tudo 
o que o homem encontra em sua existência deva ser objeto da investi­
gação científica. O campo desta, em princípio, é limitado ao que pode 
ser submetido aos instrumentos analíticos. Portanto, de acordo com a 
concepção analítica, há problemas e realidades que não são objeto da 
ciência analítica. Por exemplo a angústia e a morte, problemas existen­
ciais, que logram ser objeto da fenomenologia, da hermenêutica, da 
filosofia da existência etc.
O método analítico tem o mérito da elaboração rigorosa dos 
conceitos, coisa que muitas vezes falta às ciências não-analíticas. Por
12 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
isso o discurso das últimas é ambíguo e, não raro, incompreensível. 
Nesse sentido, o fundamento da analítica da linguagem trouxe uma 
contribuição importante para as próprias ciências humanas. Nem por 
isso deve reduzir-se a teoria da ciência à teoria analítica das ciências, 
pois a fenomenologia, a hermenêutica e a dialética também podem ser 
designadas como ciência, tornando-se a própria reflexão sobre elas 
teorias da ciência.
A questão do conhecimento permanece, indiscutivelmente, um 
problema a ser considerado, também, pela antropologia filosófica. Nesse 
contexto, Sigmund Freud, o pai da psicanálise, concluiu que o ser humano 
sofreu três grandes humilhações nos tempos modernos. A primeira teria 
sido a cosmológica, quando Nicolau Copérnico (1473-1543) aniquiloua cosmovisão geocêntrica, substituindo-a pela heliocêntrica. Com isso 
jogou o homem do centro à periferia, um deslocamento completado por 
Galileu Galilei (1564-1642). A segunda humilhação teria sido a biológi­
ca, decorrente da descoberta de Charles Darwin (1809-1882) de que as 
espécies têm sua origem num longo processo evolutivo. O ser humano 
seria o produto de uma evolução natural, e não de um ato criador de 
Deus. A terceira humilhação teria vindo da psicanálise, mostrando que 
o eu sequer é senhor em sua própria casa, pois age impulsionado por 
instintos e desejos que escapam de seu controle. Esta última humilhação, 
segundo Freud, atinge o centro da personalidade humana. Entretanto, 
se acrescentou uma quarta, a genética. A decifração do genoma humano 
manifesta o material de construção das pessoas, reduzindo sua existência 
à trivialidade. Enfim, a pesquisa científica destruiu os mitos que garan­
tiam ao homem um lugar privilegiado no universo.
O homem aparece, por um lado, em sua insignificância, na imensi­
dão do espaço. É como um grãozinho de areia no conjunto das miríades 
de galáxias. Diante da grandeza do universo, desapareceu o tamanho do 
homem. Por outro, as conquistas da ciência renderam-lhe facilidades 
imensas. Elevaram a expectativa de vida. Mas o conhecimento, infeliz­
mente, pode ser usado tanto em favor quanto contra a própria humani­
dade. A culpa do abuso não é da ciência, mas do próprio homem. Daí 
advém ao cientista uma responsabilidade ética da qual só recentemente 
se começou a tomar consciência.
Em nosso estudo, mantemos como pergunta de fundo: como fun­
damentar a dignidade da pessoa humana no horizonte do novo saber?
Introdução 13
Dentro do novo contexto, o ser humano deverá definir o valor e o sentido 
de sua existência. Talvez seja necessário reinventar o ser humano para 
torná-lo mais humano. Tudo isso faz com que hoje se torne impossível 
uma teoria do conhecimento e uma epistemologia, sem mencionar a 
questão ética.
N ossa abordagem tenta conciliar aspectos históricos com sistemá­
ticos e conceituais. N o aspecto histórico, selecionamos alguns pensado­
res paradigmáticos, de Platão a Wittgenstein, atendendo às diferentes 
posturas filosóficas, como empirismo e racionalismo. Dessa maneira, 
tencionamos oferecer uma obra que seja útil, tanto como introdução à 
teoria do conhecimento como à teoria da ciência.
A pesquisa científica hoje faz parte do dia-a-dia do cidadão, em­
bora muitas vezes não o saiba. Bastaria lembrar as áreas da saúde e da 
alimentação. O trabalho científico exige dedicação, tempo e tranqüili- 
dade. Com o já dizia Aristóteles, na Metafísica, no “Egito progrediam 
as ciências matemáticas, porque os monges dispunham do ócio” . Sem as 
condições, com projetos a longo prazo, não se educará um povo para o 
exercício da sabedoria e da ciência. Mas, sem esse exercício, nenhum povo 
gozará, por períodos mais longos, de bem-estar material e espiritual.
I
A O R IG E M D O C O N H E C IM E N T O H U M A N O
O homem é um ser que pensa e pergunta. É um eterno peregrino. 
Contesta o mundo existente em busca de um mundo melhor, pois a uto­
pia é constitutiva do ser humano. Não só quer entender a natureza, mas 
transformá-la. Procura o caminho para isso. Esse caminho chamamos, 
desde os antigos gregos, de método.
O mundo que nos cerca provoca diversas atitudes em nós e emo­
ções, como admiração e dúvida. Abrange desde as gigantescas galáxias 
até os pequenos seres que povoam nosso planeta. Neste mundo, o ho­
mem pode sentir-se ameaçado pelo desconhecido. Por isso sente medo 
de doença, da fúria dos elementos. Por outro lado, já dizia o pensador 
espanhol José Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minhas circunstâncias... O 
homem não se contenta com o simples viver, mas busca o bem-viver” . 
Quer desfrutar a vida e seus prazeres.
Neste mundo o homem se inquieta com grandes perguntas: para 
onde vamos? De onde viemos? Quem somos? Não sabemos exatamente 
onde e quando, em nosso planeta, surgiu o primeiro homo sapiens, nossa 
espécie. Cercado por animais mais fortes, pela fome e pela doença, não 
tendo as armas e a força do leão, o homem nasceu com uma capacidade 
mais poderosa, a da inteligência e do espírito.
Conhecer coisas é a capacidade que distingue os humanos de 
outros animais. Isso faz do homem o mais bem-sucedido, pois alguns 
animais andam mais rapidamente que o homem, mas este construiu 
automóveis que lhe permitem andar com velocidade maior que a dos 
animais. Alguns animais enxergam melhor que o homem, mas este 
construiu telescópios e microscópios que superam a visão de qualquer 
outro animal. Ao contrário do homem, o pássaro voa. Mas o homem 
construiu aviões que voam com maior velocidade e mais longe que
16 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
qualquer pássaro. A diferença em tudo isso é o saber que possibilita ao 
homem construir automóveis, telescópios, microscópios e aviões. Nesse 
sentido, saber é poder. O saber faz do homem o animal mais poderoso 
de todas as criaturas.
Por um lado, o homem observa e interpreta a natureza, por meio do 
sobrenatural. Dessa maneira, entre os humanos, surgem os sacerdotes, 
que tudo relacionam com os deuses. Fenômenos da natureza, como raio e 
trovão, são interpretados como manifestações de deuses. O homem nasce 
para dentro de um sistema de crenças. Habitua-se a elas. Conta com as 
coisas e vive a interpretação que herda dos pais, mestres e antepassados. 
Mas também há momentos em que as crenças se tornam problemáticas. 
Interpretações de tipo religioso entram em conflito. Surgem incertezas. 
E, por outro lado, entre o povo também apareceram, paralelamente aos 
sacerdotes, os que são chamados artesãos. Esses, através da experiência, 
percebem que existem algumas pedras mais duras que outras. Passam a 
usá-las como instrumentos, criando objetos e ferramentas. O homem 
mantém as tentativas sucedidas, multiplicando-as, deixando de lado as 
erradas ou falsas. O conhecimento adquirido é transmitido de uns a 
outros, socializando-se e acumulando-se.
Sendo o homem um ser pensante, desenvolve idéias e as testa na 
prática da vida. Busca coisas úteis, que tornem a vida melhor e mais 
confortável. Inventa armas para a caça e a pesca; faz cestas, para carregar 
coisas consigo; o arado, para cultivar a terra e semear; a cerâmica e os 
tijolos, para construir casas, aldeias e cidades. Enquanto não encontra 
explicação para o mundo, preocupa-se com o desenvolvimento de téc­
nicas que funcionem. Para poupar suas próprias energias, locomove-se a 
cavalo ou de camelo. Assim, na antiga Mesopotâmia, já foram construídas 
cidades, que à noite eram iluminadas com lâmpadas a óleo.
A invenção de técnicas, para cultivar a terra, permite ao homem 
abandonar o nomadismo e fixar-se à terra. Assim surgiram povoados e 
aldeias, e a convivência humana trouxe novos problemas a resolver, como 
a divisão de terras, a troca de produtos agrícolas ou animais. O homem 
foi desafiado a criar uma linguagem própria para o cálculo. A medição 
e divisão de terras e o comércio produziram a matemática.
Se, por exemplo, no Ocidente medieval, predominava a ortodoxia 
religiosa, no final do século X X é a ciência e a técnica, ou a tecnociência. 
A linguagem universal passa a ser a matemática. N o topo da hierarquia
A origem do conhecimento humano 17
estão os cientistas. Esses assessoram políticos. Se as cruzadas medievais 
foram substituídas pela conquista do espaço, os sacrificados são vítimas 
da ciência: a morte em acidentes automobilísticos, os desempregados 
marginalizados pela máquina. Mas a ciência também ajuda o homem a 
ganhar mais conhecimentos e maior compreensão do mundo.
Desse modo, o conhecimento nasce na experiência cotidiana do 
homem, no mundo que o cerca. Esse conhecimento é fortalecido na 
diversidade das circunstâncias, através do tempo.Primeiro é transmi­
tido oralmente e depois por escrito. A transformação da natureza pela 
inteligência e pelas mãos do homem é chamada, de modo genérico, de 
cultura. O conhecimento tem, pois, sua origem na capacidade reflexiva 
do próprio homem, a qual lhe garante um lugar único entre os seres 
que habitam nosso planeta. O prestígio da ciência hoje é incontestável. 
Entretanto, pode ser que no futuro o homem conclua que o mundo só 
se interpreta pelo amor, que a religião e a filosofia são pelo menos tão 
importantes como a ciência.
1. Fundam entos do conhecimento científico
Os fundamentos da evolução científica e tecnológica encontram-se 
na antiga Grécia. Cerca do ano 600 a.C. aí surgem os filósofos que tentam 
interpretar a natureza, através da observação e do uso da lógica. Antes 
de Sócrates, alguns postulavam o átomo como elemento indivisível, 
hipótese que só no século X IX se tornou teoria científica. Enquanto 
Platão (427-347 a.C.), nos tempos áureos, desenvolve um pensamento 
dialógico, tendo como referencial a matemática, Aristóteles (384-322 
a.C.) parte das ciências naturais.
Aristóteles, observando atentamente o desaparecimento gradual 
das embarcações no horizonte do mar e a sombra da terra na lua, du­
rante um eclipse, levantou a hipótese de que nosso planeta é redondo. 
Por seus estudos minuciosos da anatomia animal, registrados nas pá­
ginas de sua obra Das partes dos animais, tornou-se o pai da anatomia 
comparada. Deixou descrição de mais de 400 espécies de animais. Foi o 
primeiro a classificar os animais em dois grandes grupos: os vertebra­
dos, e os invertebrados. Constatou, por primeiro, que o golfinho é um 
mamífero, quando encontrou a placenta de uma fêmea. Por outro lado,
18 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
a observação e a lógica, por vezes, também conduziram a conclusões 
errôneas. Assim, por exemplo, Praxágoras (século IV a.C.), ao dissecar 
um cadáver, encontrando vasos vazios, concluiu erroneamente que eram 
condutores de ar (artérias, nome usado até hoje).
N a Metafísica, Aristóteles formula a tese de que os sintomas são 
efeitos de uma causa eficiente, princípio básico da medicina até hoje. 
Curar, então, é eliminar as causas de uma doença. Ao contrário do 
curandeiro, o médico parte de um bom diagnóstico, pois dele depende 
a cura. Conhecendo a causa, sabe por que cura. Aristóteles elaborou 
um instrumental útil, não só para as ciências naturais, mas também 
para as do espírito. Fala não só da causa eficiente, mas também da final, 
material e formal.
As obras de lógica de Aristóteles estão reunidas no Organon e 
fundam a lógica formal, a teoria dos juízos e dos raciocínios. Esboça 
uma teoria do conhecimento: o primeiro momento é a percepção. Pela 
memória, segundo ele, passamos da percepção à experiência, a partir de 
lembranças repetidas. Ciência, diz Aristóteles, só se faz do universal e 
necessário. A passagem do particular, pois os sentidos só registram o 
singular, para o universal realiza-se através de um processo de indução 
fundado em leis da razão.
A lógica estuda as regras do raciocínio correto, exato, ou seja, as 
formas dos padrões do pensamento válido. Revela as conexões inteligí­
veis entre conceitos e entre conceitos e realidade. Segundo Aristóteles, a 
lógica tem por fundamento o silogismo e estuda as regras e os processos 
pelos quais os termos que se relacionam (Sfujeito] e Pfredicado]) e levam 
a conclusões necessárias. É um instrumento indispensável para o racio­
cínio correto, para se chegar a qualquer tipo de conhecimento.
Platão, o mestre de Aristóteles, percebia o divino como um fato 
prévio da experiência poética e mística. Esforçava-se por racionalizá-la, 
recorrendo ao prestígio do mito para persuadir as inteligências, puri­
ficar e animar a piedade, considerando-a base da nova sociedade que 
sonhava construir. O enfoque de Aristóteles, destituído das tendências 
místicas, é mais especulativo e rigoroso. Sua teologia é o resultado 
de suas investigações no campo da física e da metafísica. Conclui a 
existência de um ser transcendental, primeiro motor que move todas 
as coisas sem ser movido, substância espiritual, ato puro, pensamento 
do pensamento.
A origem do conhecim ento humano 19
Aristóteles, como Platão, considerava a contemplação das reali­
dades primeiras como a atividade mais perfeita. Imortaliza o homem, 
tornando-o semelhante aos deuses. Refere-se, entretanto, a uma contem­
plação puramente intelectual. Admite ser possível uma felicidade como 
conseqüência de uma vida moral e política de acordo com a razão. Dessa 
maneira, os filósofos gregos iniciam o caminho que leva ao conceito 
moderno de ciência, através do uso da observação e da lógica.
2. Conhecimento e opinião
O conhecimento científico é um saber fundamentado. A opinião 
é uma preferência pessoal. Além do saber há a ignorância. Pode haver 
diferentes formas de saber.
Verdadeiro conhecimento é uma crença verdadeira e fundamentada. 
Se afirmo, por exemplo, que aA sabe que P”, sendo A uma pessoa, e P um 
enunciado, A deve crer de fato que P. Mas a fé sozinha é insuficiente. Se 
creio que alguém se encontra diante da porta e lá não houver realmente al­
guém, não o sei. Dessa maneira, crer é uma condição necessária, mas não 
suficiente, para saber. Além disso, o enunciado deve ser verdadeiro. A deve 
saber justificar sua crença, aduzindo razões para mostrar que é verdade.
Todavia, existem diferentes espécies de conhecimento: conheci­
mento de coisas ou objetos, conhecimento sobre o como fazer algo, 
conhecimento de que ou saber proposicional. O esquema tradicional 
brevemente mencionado, em princípio, somente se aplica à última es­
pécie. É esse saber que os gregos chamavam epistéme e o opunham à 
opinião ou dóxa.
Por que precisamos saber?
Onde acontece algo, há razões para tanto. Quando essas razões não 
são de natureza eventual, há por detrás uma lógica sistemática. Eventos 
ocasionais também têm razões e, por isso, podem ser reconstituídos 
logicamente, mas não são acontecimentos calculáveis. Diferentes são os 
eventos ordenados. Estes são parte de um programa global, que têm por 
base uma ordem lógica perceptível. Ela comanda os acontecimentos reais.
N o mundo inanimado, percebemos causas que, em determinadas 
circunstâncias, entram em ação. Água evapora, ao atingir determinada 
temperatura, em determinada altitude, sempre e em toda a parte. A
2 0 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
energia necessária para isso é a mesma sempre e em toda parte. O pro­
cesso da evaporação repete-se sempre nas mesmas condições. Portanto, 
é previsível.
A situação muda, quando aparecem alternativas e espaços para o 
desenvolvimento. Quando os acontecimentos podem ocorrer de uma 
ou de outra maneira, surge o problema da decisão de qual possibilidade 
se realiza e qual não. Onde ocorrem decisões, há razões. As razões não 
se identificam com as decisões. Se chove ou não, depende da combina­
ção de temperatura, umidade do ar, pressão atmosférica, vento etc. A 
ocorrência do fato funciona independentemente de todas as particula­
ridades da lógica. O cálculo não permite espaço para arbitrariedades ou 
desvios, pois não chove moedas, mas água, e as nuvens não têm escolha 
de chover ou não chover.
A situação muda completamente quando participam atores no 
acontecimento. A existência de atores capazes de agir amplia a pro­
blemática para a possibilidade e a necessidade de conhecer. Seres vivos 
colocam um novo problema e uma nova possibilidade: devem cuidar 
de preservar a própria vida. Podem agir com objetivo intencional. Tal 
atividade só funciona quando os seres vivos estão munidos da capacidade 
de dar rumo às suas ações, propor metas e critérios de decisão, por que 
realizar esta e não aquela ação.
Portanto, a capacidade de agir deve ser alimentada pela própria 
ação voltada para a realidade.Atores capazes de agir só conseguem 
resolver seus problemas de rumo quando têm suficiente capacidade de 
decidir e dispõem do necessário saber sobre o mundo. Sem idéias sobre 
ser e devir, a vida não funciona. Seres vivos devem saber conduzir-se a 
si mesmos. Para isso necessitam de conhecimento.
Objeto da teoria filosófica do conhecimento é o fenômeno do 
conhecimento humano como todo. Por isso deve colocar questões 
fundamentais, como a essência e a possibilidade do conhecimento. Para 
responder a essas questões, desde os antigos gregos, a primeira tarefa é 
distinguir conhecimento e opinião.
Costumamos atribuir ao conhecimento duas características: ver­
dade e certeza. Essas distinguem conhecimento de opinião, à qual falta 
uma ou outra, ou ambas.
A distinção entre ciência e opinião não é fácil. Com esse problema 
já se ocuparam os grandes filósofos gregos: Platão e Aristóteles. Platão
A origem do conhecim ento humano 21
coloca essa questão no centro de suas considerações teóricas sobre o 
conhecimento.
Em A República, Platão parte do princípio segundo o qual o co­
nhecimento é proporcional ao ser. O que é ser em grau máximo pode ser 
conhecido perfeitamente, pois o não-ser é absolutamente incognoscível. 
Como existe uma realidade intermediária entre o ser e o não-ser, isto é, 
o sensível, que é uma mescla de ser e não-ser enquanto sujeito ao devir, 
conclui que do intermediário existe um conhecimento intermediário 
entre a ciência e a ignorância. Este não se identifica com o conhecimento 
verdadeiro. Seu nome é opinião (dóxa).
Para Platão, a opinião quase sempre é enganadora. Pode até ser 
verdadeira e reta, mas não possui em si mesma a garantia da retidão. É 
mutável como o mundo do sensível ao qual se refere.
Segundo Platão, ciência e opinião realizam-se em dois graus dife­
rentes: a opinião pode ser simples imaginação (eikasía) e crença (pístis), 
enquanto a ciência pode ser ciência intermediária (diãnoia) ou pura inte- 
lecção (nóesis). A eikasía e a.pístis correspondem aos órgãos do sensível. 
A primeira refere-se às sombras e às imagens sensíveis das coisas, e a 
segunda refere-se às coisas e aos próprios objetos sensíveis.
A diãnoia, por sua vez, consiste no conhecimento matemático- 
geométrico, ao passo que a nóesis se identifica com o conhecimento 
dialético das idéias.
Platão distingue entre ciência e opinião, dizendo que a ciência con­
siste na opinião verdadeira a qual se justifica (Menon 97e-98a). O s dois 
elementos fundamentais são, pois, verdade e justificação. A verdade é uma 
condição necessária, mas não suficiente, para o conhecimento científico.
De maneira análoga, a certeza é condição necessária, mas não su­
ficiente, do conhecimento científico. N ão raro fazemos a experiência 
de que aquilo que julgávamos certo se mostra errado. A certeza, que 
reconhecemos a uma proposição, refere-se ao fato de termos razões 
suficientes para considerar a proposição verdadeira. Por isso, devemos 
estar em condição de justificar a nossa consideração como verdadeira. 
Do critério da certeza decorre que toda a reivindicação de conhecimento 
está vinculada à justificabilidade universal. N o diálogo Menon (97e-98a), 
Platão salientava esse aspecto.
Com a opinião é diferente. O momento da certeza é limitado, ou 
até falta, pois só justificamos parcialmente, ou nada, o que consideramos
22 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
verdadeiro. Para o conhecimento, verdade e justificabilidade (certeza) 
são condições necessárias, embora, talvez, nem sempre suficientes para 
todo o conhecimento científico.
N a teoria do conhecimento mais recente, costuma dizer-se que o 
saber é um conhecimento verdadeiro e justificado (justified true belief). 
Tornou-se clássica a formulação seguinte:
A person S knows p if and only if
(1) p is true
(2) S believes p
(3) S is justified in believing p.
Para distinguir a epistéme da dóxa, essa formulação pode ser 
considerada válida, se admitirmos a teoria de K. Popper de que o co­
nhecimento científico tem caráter hipotético, ou seja, não sabemos se 
atingimos a verdade.
Enfim, a opinião representa um ponto de vista provisório, que abre 
uma perspectiva, mas essa provavelmente necessitará de revisão.
3. Ceticismo e dúvida
Perguntamos: pode o homem conhecer algo com certeza? Pode 
demonstrar a verdade de qualquer de suas convicções de crença? Aos 
que responderam não a essas perguntas, os gregos chamam de céticos.
Há, na filosofia, uma tradição cética que rejeita a possibilidade de 
discernirmos entre ciência e opinião, porque rejeita haver algo como 
ciência.
O s céticos fundamentam sua postura na dúvida, em relação à nossa 
capacidade de conhecer. Essa dúvida origina-se na experiência do erro. 
As conseqüências que o cético tira dessa experiência expressam-se na 
palavra ceticismo (do verbo sképtein) que significa literalmente inves­
tigação, reflexão ou dúvida. Pressupõe-se a indagação como ato nunca 
terminado. Põe em questão a razão de ser das verdades estabelecidas, 
sejam elas de ordem metafísica, religiosa ou científica. Como corrente 
de pensamento, define-se o ceticismo sobretudo em função da verdade 
e da certeza. Podemos distinguir formas mais ou menos radicais.
N a antiga Grécia, os representantes do ceticismo encontram-se na 
chamada Academia intermédia'. Arquesilau (315-214 a.C.), Carnéades
A origem do conhecimento humano 23
(214-129 a.C.), Pirro de Elis (350-270 a.C.) e em seu aluno Tincon de 
Phlius. Desafiam os homens a abster-se (epoqué) do juízo a respeito de 
algo, sempre que não puderem superar o próprio ponto de vista indi­
vidual. Exigem prudência nos juízos sobre opiniões e valores. Segundo 
Pirro, não há motivos para aderir a uma ou outra teoria, uma vez que 
tudo é relativo ao próprio sujeito. Por isso a suspensão do juízo, que 
corresponda a uma total indiferença em relação às coisas, é a única ati­
tude sábia e conseqüente.
Diferente era o ceticismo ensinado pelos sofistas, no tempo de Só­
crates, que partiam da afirmação de Protágoras (480-421 a.C.) de que “ o 
homem é a medida de todas as coisas” . Ensinavam que a experiência do 
singular é o único critério importante. Rejeitavam a validade de normas 
e verdades universais. Sócrates percebia nisso o perigo da relativizaçâo 
de todos os conhecimentos e valores humanos. Por isso combatia os 
sofistas, como o testemunham muitos diálogos de Platão.
Sexto Empírico (século II-III d.C.), médico e filósofo grego, tor­
nou-se mais célebre como filósofo pela sua proposta do ideal de vida céti­
co, considerando ilegítima qualquer forma de afirmação, seja de natureza 
metafísica, científica ou moral. Deve-se suspender, segundo ele, o juízo 
sobre a questão de saber se o conhecimento existe ou não, se é possível 
ou impossível. Deve-se evitar tanto a crença como a descrença, pois 
tanto uma como a outra só serve para provocar perturbação emocional 
e mental, ao passo que a meta da vida deve ser a ataraxia, a serenidade da 
mente. Mantém-se fiel à tradição pirroniana, justapondo a epistemologia 
e a ética, para propor uma pedagogia pela experiência de vida e do senso 
comum. Exerceu grande influência, a partir do Renascimento, pois, em 
1562, Henri Estienne traduziu sua obra filosófica.
Podem distinguir-se formas fundamentais de ceticismo: a) N ão 
existe verdade nem conhecimento. Essa é uma forma radical, mas con­
traditória, porque se nega a si mesma, b) Se houver verdade, somos 
incapazes de conhecê-la. A questão da existência da Verdade permanece 
em aberto. O que essa forma rejeita, em princípio, é a capacidade do 
homem de adquirir verdadeiro conhecimento. É uma forma menos 
radical que a anterior, c) Mesmo que possamos conhecer a verdade, 
não a conhecemos. Essa forma nada afirma sobre a possibilidade ou 
impossibilidade do conhecimento, mas duvida que de fato chegamos a 
proposições verdadeiras.. 24 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
O ceticismo socrático é diferente. Resume-se na frase conhecida: 
"Tudo o que sei é que nada sei” . Trata-se de uma suspensão provisória 
de toda pretensão à certeza, quanto ao conhecimento, para a ele chegar 
por meio da maiêutica. Este é semelhante ao de Platão, segundo o qual 
é impossível qualquer conhecimento por meio da percepção sensível. 
Para Platão, o conhecimento só pode ser fruto da razão que relembra o 
mundo das idéias, das formas.
A justificação ou demonstração do saber também tem limites, pois, 
se tivéssemos de justificar as razões das razões, num regresso ao infini­
to, jamais obteríamos conhecimento seguro. Por isso, alguns filósofos 
distinguem dois tipos de conhecimento: a) conhecimento imediato de 
primeiros ou últimos princípios ou axiomas que, sendo evidentes por 
si mesmos, dispensam ulterior justificação; b) conhecimento mediado 
ou derivado de enunciados, que exige uma justificação, através dos 
primeiros princípios ou axiomas.
Esses filósofos procedem de maneira análoga na questão do regresso 
ao infinito de definições. Quando os céticos objetam que só conhecemos 
o significado de uma palavra, se a definimos com o auxílio de outras 
palavras, esses filósofos respondem que certas palavras não necessitam de 
explicação com a ajuda de outras palavras, porque se lhes pode captar o 
significado direta e imediatamente. Destarte introduzem uma distinção:
a) conceitos fundamentais, cujo significado está claro imediatamente e, 
por isso, não precisam de explicação; b) conceitos definidos, cuja signi­
ficação deve ser definida com o auxílio dos primeiros.
Tal teoria pressupõe uma teoria do conhecimento imediato. Pergun­
ta-se: qual é a fonte de nosso saber imediato da verdade de determinados 
enunciados e do significado de determinadas expressões? N a história da 
teoria do conhecimento, encontramos duas respostas diferentes a essa 
pergunta. Há aqueles que afirmam que a fonte é a experiência (empirismo) 
e outros que é a razão (racionalismo).
O erro e a dúvida exercem um papel importante na evolução do 
conhecimento, pois este nunca é acabado. Mas, na história da filosofia, 
também houve quem trilhasse o caminho da dúvida para a certeza, 
como o fizeram S. Agostinho e o filósofo francês René Descartes. Aqui 
examinaremos alguns aspectos do pensamento de Descartes.
Descartes pergunta como o homem pode chegar a um conheci­
mento seguro. Para encontrar uma resposta, assume a postura de um
A origem do conhecimento humano 25
ceticismo relativo. Serve-se da reserva cética como método de investi­
gação filosófica:
“Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo são falsas; persuado-me 
de que jamais existiu de tudo quanto minha memória cheia de mentiras me 
representa; penso não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a 
extensão, o movimento e o lugar são apenas ficções de meu espírito. O que 
poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez nenhuma outra coisa a não 
ser que nada há no mundo de certo.” (Meditações, 2.a)
Essa postura cética conduz Descartes a concluir:
“Mas, logo em seguida, adverti que, enquanto eu queria assim pensar que tudo 
era falso, cumpria necessariamente que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, 
notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão certa que 
todas as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a 
abalar, julguei que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio 
. da filosofia que procurava.” (Discurso do Método, 4.a parte)
Assim, pelo menos, uma assertiva é indubitável: aquele que duvida, 
ao mesmo tempo, existe.
“Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum 
céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns: não me persuadi 
também, portanto, de que eu não existia? Certamente não; eu existia sem 
dúvida, se é que eu me persuadi, ou apenas, pensei alguma coisa. (...) De sorte 
que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas 
as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu 
sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou 
que a concebo em meu espírito." (Meditações, 2.a)
A convicção de Descartes funda-se em que, pelo menos, uma pro­
posição “ eu penso, logo sou” é conhecimento seguro. Pode duvidar-se 
de toda proposição oriunda da experiência sensível. Enquanto se fizer 
isso, de maneira consciente e metódica, não se pode duvidar de que a 
gente mesmo submete tudo à dúvida universal. Disso segue que, pelo 
menos, a proposição “eu duvido” não pode ser posta em dúvida. Diz 
Descartes que, sendo o duvidar apenas um modo especial do pensar, 
também as proposições “eu penso” e “eu sou” estão garantidas como 
conhecimento contra toda possibilidade de dúvida.
Descartes mostra que a dúvida é positiva na aquisição de conheci­
mento. Certeza e dúvida encontram-se numa correlação.
O cético radical, se existe realmente, afirma que nada se pode 
conhecer com certeza, que nenhuma crença pode ser demonstrada real-
26 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
mente. Entretanto, afirma não saber que nada se pode saber, pois tenta 
demonstrar que nada pode ser demonstrado. Desse modo, incorre em 
contradição consigo mesmo quando postula saber que nada se pode saber 
ou quando afirma demonstrar o que não pode ser demonstrado.
Os céticos rejeitam o apelo à razão da mesma maneira como rejei­
tam o apelo à experiência sensível.
4. Ciência e fé
A atitude epistêmica distingue não só ciência e opinião, mas 
igualmente ciência e fé. Trata-se de outra questão que cedo ocupou os 
filósofos.
Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a crença consiste 
em considerar uma idéia verdadeira ou em aceitá-la, baseando-se num 
grau de evidência não decisiva. É mais forte que a opinião, mas mais 
fraca que o conhecimento.
Por outro lado, fala-se de fé para designar um estado de espírito em 
que a confiança é depositada numa pessoa, idéia ou coisa sem evidência 
objetiva. Segundo o filósofo alemão I. Kant, é a aceitação de idéias ou 
de princípios regulatórios, os quais não podem ser demonstrados teórica 
ou empiricamente. No entanto, são necessários e úteis para a elaboração 
de teorias científicas, práticas e morais.
Na origem da filosofia grega está a insegurança quanto à confia­
bilidade dos conhecimentos recebidos pela tradição, sobretudo os da 
mitologia. Por isso a relação entre ciência e fé, desde o começo, está 
no centro da filosofia. Depois essa relação ocupará aqueles que tentam 
vincular sua visão filosófica com a revelação cristã, como Agostinho 
de Hipona (354-430), Anselmo de Cantuária (1033-1109) e Tomás de 
Aquino (1225-1274).
Na sua obra Proslogion, Anselmo de Cantuária quer demonstrar 
a existência de Deus, por meio de uma prova que inclua todos os argu­
mentos. Consciente da problemática, expõe sua motivação no primeiro 
capítulo:
“Senhor, não tento penetrar tua profundidade, pois de modo algum com ela 
comparo minha inteligência; tento ver de alguma maneira tua verdade, que 
meu coração crê e ama. Também não procuro entender para crer, mas creio 
para entender. Também isso eu creio: se não creio, não entendo” .
A origem do conhecimento humano 27
N os tempos modernos, a questão do relacionamento entre fé 
e ciência permaneceu objeto da reflexão filosófica e permanece até 
nossos dias. N o século XX, um pensador do porte de Karl Jaspers 
(1883-1969) refletiu sobre o tema. Karl Jaspers, em sua obra Derphi- 
losopbische Glaube, diz que a essência da fé surge da análise da relação 
existência-transcendência. A fé é a expressão máxima da liberdade 
humana. É certeza de ser e do ser, é certeza existencial e ato instituidor 
da existência que numa ação interior descobre a presença da transcen­
dência. Jaspers, é claro, fala da fé filosófica.Recentemente, o filósofo 
australiano Tony Coady salientou, sobretudo, dois aspectos em seu 
trabalho intitulado Testimony (Testemunho), que formam a relação 
entre fé e ciência: a) a dificuldade de discernir e definir com clareza fé 
e ciência; b) a significação da atitude epistêmica no dia-a-dia no qual 
dependemos, antes de mais nada, da fé (confiança) no testemunho e 
na informação de outros.
A definição da palavra fé é difícil, por ser ambígua. Usamos a pala­
vra fé (crença) de diferentes maneiras. Em primeiro lugar, pode significar 
"achar”, “julgar”, “ser de opinião”: “Eu creio que amanhã haverá tempo 
bom”. Em segundo lugar, usamos crer em contexto religioso. No Novo 
Testamento, Jesus diz a Tomé: “Tu creste, porque viste; bem-aventu­
rados os que creem sem ver” (Jo 20,29). Nesse uso, fé e ciência não se 
distinguem pela reivindicação da verdade e da certeza, mas pela maneira 
de obter a informação.
A fé (crença) também apresenta uma reivindicação universal de 
verdade e certeza como a ciência. O que cremos também deve ser 
examinado por sua verdade e certeza, pois também a fé exige alguma 
justificação. S. Pedro, em sua primeira epístola, afirma: “Estai sempre 
prontos a dar as razões da vossa esperança (fé) a todo aquele que vo-la 
pede” (lPd 3,15). Não basta convicção pessoal. Dizer que alguém crê 
uma proposição, que não sabe, significa que recorre a estratégias de 
justificação diferentes da ciência.
A dificuldade está em encontrar a linha divisória das estratégias 
de justificação que separam fé e ciência, de maneira adequada. Como 
alguém chega ao conhecimento de uma proposição da fé? Para as 
proposições da fé, dependemos mais do testemunho de outras pes­
soas e menos de nossas percepções sensíveis do que do conhecimento 
científico.
28 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
Gramaticalmente usamos a palavra “ crer que” ou “ crer em” . “ Creio 
que hoje vai chover” ou “ creio na palavra de meus am igos” . Sempre 
se pressupõe alguém em quem se acredita. C rem os na veracidade de 
alguém.
O mesm o não acontece, quando afirmo: “ Creio em D eus” . Poderia 
transform ar essa proposição em “ creio que existe D eu s” , mas o significa­
do seria diminuído. C rer em Deus inclui uma certeza existencial muito 
forte. E ssa diferença entre fé e ciência pode ser expressa da seguinte 
maneira: a) x sabe que existe um Deus, mas não crê nele; b) x não sabe 
que existe um Deus, mas crê nele.
N o s exemplos aduzidos evidencia-se que a fé, com o certeza exis­
tencial, não se deixa traduzir totalmente numa certeza de conhecimento. 
A adequação da fé depende fundamentalmente da informação por meio 
do testemunho.
Proposições de fé expressam certeza existencial que, por um lado, 
buscam justificação, mas, por outro, nunca podem ser reduzidas total­
mente a proposições científicas.
O filósofo francês Gabriel Marcei dizia que a estrutura da fé é 
diádica e a da demonstração científica é triddica. Q uando creio, creio 
em alguém. O ato de crer envolve toda a minha pessoa, razão e senti­
mento. Por isso a fé se testemunha. Testemunhar algo significa estarmos 
com todo o nosso ser por aquilo que afirmamos. O s primeiros mártires 
cristãos são exemplos de testemunho da fé, pois deram sua própria vida 
por aquilo que criam. A prova científica é apenas um ato racional: eu 
provo algo a alguém. O processo da demonstração científica consiste 
em fazer com que alguém possa ver algo da mesma maneira como eu. 
Envolve apenas minha razão e a do outro.
5. Conhecimento e origem da escrita
N o s primórdios da história humana, era difícil a transmissão e con­
servação dos conhecimentos adquiridos. A transmissão oral facilmente 
introduzia erros, e a memória falhava. Entretanto, na Mesopotâmia, surgiu 
um novo caminho, quando se começou a desenvolver um sistema de escrita.
Parece que o primeiro uso da escrita data entre 4000 a 3000 a.C., 
quando os sumérios, cuja avançada civilização tinha um comércio
A origem do conhecimento humano 29
bastante desenvolvido, criaram registros precisos e extensos. Inicial­
mente, trabalharam com cunhas para imprimir marcas em placas de 
barro mole que, depois, endureciam ao sol ou no fogo. Essa escrita 
chama-se cuneiforme, nome derivado do instrumento empregado. 
Graças à resistência do material, muitas informações daquela época 
conservaram-se, através de séculos e milênios, até hoje. O mesmo já 
não aconteceu com os egípcios, que registraram seu conhecimento 
em material menos resistente, como o papiro vegetal, que, no decurso 
do tempo, tende a decompor-se. A escrita cuneiforme substituiu a 
pictórica.
Quando, cerca de 2.400 a.C., os sumérios foram submetidos pelos 
semitas acádios, estes passaram a utilizar o mesmo sistema de escrita 
cuneiforme, com certas modificações para sua língua, o acádio. Esse 
sistema, com novas adaptações, foi transmitido a outros povos. Nesse 
processo parece que um dos aspectos mais importantes foi a crescente 
simplificação, reduzindo o número de sinais de cerca de 900 para cerca 
de 30. Originam-se, assim, os alfabetos. Surgiram dois grandes tipos de 
alfabetos, cada qual com forma e valores arbitrários e convencionais dos 
caracteres: os silábicos e os fonemáticos. O primeiro foi o dos fenícios, 
no século X III a.C., baseado em escritas anteriores. A constituição do 
alfabeto é o resultado de longa história da escrita.
Por escrita pictográfica entende-se a representação de objetos e 
acontecimentos, com maior ou menor interesse ornamental e valor 
estético. Essa escrita serve de base da evolução histórica para a escrita 
na qual os sinais representam elementos lingüísticos. O desenvolvimen­
to obedece à ordem de sucessão: pictografia, ideografia e fonografia. 
Dessa maneira o estabelecimento de um alfabeto representa o auge na 
organização da grafia. Num alfabeto, em princípio, há um sinal (letra) 
para cada consoante e cada vogal, como num silabário há um sinal para 
cada tipo de sílaba.
O alfabeto dos fenícios teve modelos mais antigos, como o ugarí- 
tico, que supõe um sistema de escrita no qual só eram representadas as 
consoantes da língua semítica. Os hebreus, primeiro, só escreviam as 
consoantes. Por isso, discutir, por exemplo, se o certo, originariamente, 
é Javé ou Jeová é simples perda de tempo. Quando os gregos adaptaram 
o alfabeto fenício, representaram as vogais por sinais do alfabeto fenício, 
cujos valores não tinham uso no grego. Do alfabeto grego originaram-
30 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
se o alfabeto itálico, pai do alfabeto latino, o alfabeto cirílico (Cirilo 
e Metódio, no século IX), copta e armênio. O alfabeto gótico é uma 
variante do latino.
A escrita alfabética desenvolvida pelos gregos, no primeiro milênio 
a.C., espalhou-se rapidamente pela Europa e outras partes do mundo. 
Entre as escritas mais difundidas hoje, figuram o alfabeto latino, o alfa­
beto cirílico, a escrita árabe e a ideografia chinesa.
A descoberta do alfabeto foi fundamental para a escrita que, por 
sua vez, facilitou ao homem a transmissão e a conservação de conhe­
cimentos adquiridos. O material usado para a escrita evoluiu, desde 
a tabuleta de barro, do pergaminho ao papel e à escrita virtual dos 
computadores.
6. Essência do conhecimento
N o início da filosofia ocidental, está a insegurança sobre o co­
nhecimento recebido e transmitido. Dessa dúvida surgiram perguntas 
pelo fundamento de todas as coisas e de todos os fenômenos e como os 
homens poderiam garantir a veracidade de seus conhecimentos sobre 
o mundo.
A teoria filosófica do conhecimento ocupa-se, pois, com o fenôme­
no do conhecer humano, sobretudo com seu resultado, o conhecimento. 
Outras ciências também fazem isso. O que caracteriza o fazer filosófico 
em relação a outras ciências?
O homem realiza sua vida de diferentes maneiras, por exemplo, na 
ação, na experiência,na fé, no conhecimento. N a teoria do conhecimen­
to, trata-se daquela realização que chamamos conhecer, cujo resultado 
é o conhecimento. Como a própria filosofia, a teoria do conhecimento 
volta-se para o conhecimento como um todo. Em outras palavras, na 
teoria do conhecimento trata-se do fenômeno do conhecimento humano 
como um todo.
As ciências também se interessam pelo conhecimento humano. 
Mas sua maneira de abordá-lo é diferente da filosofia. As ciências 
pressupõem que o conhecimento exista e que se trata de um fenôme­
no distinto do sonho ou da fé. As ciências não formulam perguntas, 
como: existe o conhecimento? Pode-se distingui-lo do sonho ou da fé?
A origem do conhecimento humano 31 ■ ■
As ciências, como a psicologia, de antemão, excluem questões funda­
mentais. Pressupõem que a questão da possibilidade e da essência do 
conhecimento tenha sido respondida. A psicologia, por exemplo, pode 
tornar o conhecimento, do con h ecim en to objeto de sua in vestigação . 
Entretanto, não esclarecerá o que torna os resultados de sua investigação 
conhecimento. Em outras palavras, a psicologia, como outras ciências, 
silenciará certas questões, ao ocupar-se do fenômeno do conhecimento 
humano>/r^
A teoria do conhecimento, como disciplina filosófica, orienta-se 
para o todo. Por isso nada pode excluir. Coloca justamente aquelas 
questões, cuja resposta as outras ciências pressupõem. O sucesso das 
ciências consiste em evitar a colocação de certas questões. Nem por isso 
a teoria do conhecimento deve ignorar o resultado das outras ciências. 
Mas, diferentemente dessas, torna objeto de sua investigação questões 
que precedem as perguntas das ciências singulares.
A teoria do conhecimento formula questões fundamentais do co­
nhecimento humano. Pergunta pela possibilidade e essência do conhecer 
humano e seu resultado, o conhecimento: o que é conhecimento e como 
é possível? Examinando a possibilidade do conhecimento, conclui que 
se deve determinar em que consiste o conhecer. Assim a possibilidade 
e a essência do conhecimento são duas questões fundamentais inse­
paráveis.
A ocupação filosófica com o fenômeno do conhecimento humano 
tem estrutura reflexiva, isto é, reflete sobre o conhecimento do próprio 
conhecer humano, ou seja, como chegamos à produção do conheci­
mento. Se a teoria do conhecimento compartilha com outras ciências o 
objeto material, difere quanto ao objeto formal. Reflete seus próprios 
pressupostos.
A indagação sobre a essência do conhecimento já a encontramos 
na antiga Grécia, pelo menos a partir de Platão (427-347 a.C.). Platão 
trata dela de maneira explícita, no diálogo Teeteto, quando a coloca na 
boca de Sócrates (145E-146A). A segunda questão sobre as condições 
de possibilidade e os limites do conhecimento foi formulada de maneira 
explícita por I. Kant (1724-1804), a partir de sua obra Crítica da razão 
pura. Para ele, é questão transcendental. Mas a questão sobre as condições 
de possibilidade do conhecimento só tem sentido quando se pressupõe 
saber o que é conhecer.
32 Teoria do conhecim ento e teoria da ciência
O inverso também é verdadeiro, pois só tem sentido indagar da 
essência do conhecimento, quando se pressupõe que tal seja possível. 
Ambas as questões são, pois, igualmente fundamentais.
II
T E O R IA D O C O N H E C IM E N T O E EPISTEM O LO G IA
Cada pessoa está convicta de poder adquirir e ter conhecimentos. 
Aristóteles inicia a Metafísica: “Todos os homens têm, por natureza, 
desejo de conhecer” . Mas há uma diferença entre a teoria e a prática do 
conhecimento. Se o teórico no esporte se assemelha ao contemplador, e o 
prático é o jogador, é certo que só existe contemplador onde há ação. Cer­
tamente não se pode falar de teoria do conhecimento sem conhecimento.
Teorias servem para expressar conhecimento em linguagem. Atual­
mente, o conhecimento é objeto, não só da filosofia, mas sobretudo das 
ciências.
A linguagem cotidiana torna-se tanto mais inexata quanto mais 
se distanciar dos objetos da vida diária. As palavras usadas para uma 
compra na padaria podem variar de região para região. Mas, se nos 
faltam ou falham as palavras, podemos indicar ou mostrar para aquilo 
que queremos comprar.
A linguagem complica, quando passamos de objetos concretos para 
objetos abstratos. N a prática perdemos o controle. Recorremos a usos 
lingüísticos oriundos de tradições e da história, de origem desconheci­
da na religião, arte, ciência e formas de vida que já não são as atuais. A 
palavra “ conhecimento” pertence a essa categoria de palavras.
Quando distinguimos teoria do conhecimento de teoria das ciências 
(epistemologia), pressupom os a convicção de que na teoria do conheci­
mento trataremos de algo que não se trata na epistemologia.
Q uais são os argumentos para tal distinção?
A teoria da ciência sempre mais se entende a si mesma como lógica 
aplicada. Teoria da ciência consiste em, com ajuda de estruturas formais, 
desenvolvidas por ciências formais como matemática e lógica, esclarecer 
sempre mais as estruturas das ciências empíricas.
3 4 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
1. Epistem ologia ou teoria da ciência
A palavra epistemologia significa, etimologicamente, “ discurso 
sobre a ciência” ou “ teoria da ciência” . Estuda, não o conteúdo, mas a 
forma da ciência.
Galileu definiu com clareza a autonomia da ciência em relação à 
filosofia, como Tomás de Aquino definira a autonomia da filosofia em 
relação à teologia. Para Galileu, o método científico é o método experi­
mental, cujos momentos essenciais são: observação, hipótese, verificação. 
A ciência restringe-se ao campo do fenômeno, buscando suas leis.
N os séculos XVII e XVIII, o conceito de ciência oscila entre 
experiência e razão. Leibniz reconhece o equilíbrio da ciência entre 
experiência e razão. Kant vê, na ciência, a síntese de experiência e ra­
zão, a racionalização da experiência. Essa racionalização da experiência 
torna-se universalização e subjetivação desta.
N o século XIX , o positivismo de A. Comte, na guerra contra as 
construções metafísicas, reclama o caráter experimental e indutivo da 
ciência, atribuindo-lhe uma índole descritiva e legal: “Toda ciência con­
siste na coordenação dos fatos e em nada mais do que isto” . Em 1874, 
em A contingência das leis da natureza, Boutroux contesta o caráter 
determinista das leis científicas. Ernst Mach e o empiriocriticismo des­
mascararam a estrutura metafísica da ciência positivista. Assevera Mach: 
“A ciência forma-se por contínuo processo de adaptação do pensamento 
a um determinado campo de experiência” .
N o século X X, desenvolveram-se discussões fecundas no campo 
epistemológico. N o mundo anglo-americano, forma-se uma concepção 
pragmática da ciência, sobretudo no instrumentalismo de J. Dewey. Para 
ele, os conceitos científicos apenas são “meios, instrumentos, aplicáveis 
aos acontecimentos históricos para reger o curso destes” .
Por teoria da ciência entendemos o estudo dos princípios, dos con­
ceitos, dos pressupostos e da metodologia das ciências. Analisa-os em 
termos conceituais e lingüísticos, da sua extensão e reconstrução. Visa, 
de modo especial, à sua aplicação consistente e precisa, a fim de obter 
novos conhecimentos; o estudo e a justificação de processos do raciocínio 
utilizados nas ciências como também na sua estrutura simbólica.
Gaston Bachelard formou escola com seu “racionalismo aberto”. 
À luz da matemática e sob influência da logística, surgem as teorias do
Teoria do conhecim ento e epistemologia 35
neopositivismo e positivismo lógico. Nessa linha, Wittgenstein reduz a 
matemática e a lógica a tautologias, excluindo a necessidade do a priori. 
P. W. Bridgman defende o caráter operativo de todo o conceito científico. 
Ch. Morris defende a concepção behaviorista da linguagem, privilegian­
do o estudodo seu aspecto semântico. N a Inglaterra, a Escola analítica 
entende a própria filosofia como análise da linguagem.
Para Einstein, “ sem a convicção de que, com as nossas construções 
teoréticas, é possível alcançar a realidade, não poderá haver ciência” .
Em síntese, podemos dizer que as epistemologias contemporâneas 
convergem em alguns pontos: a) a iniciativa do sujeito na construção da 
ciência; b) o discernimento cuidadoso da diferença da natureza dos vá­
rios elementos de qualquer sistematização científica: método, símbolos, 
sistema, ontologia etc.; c) a diferença entre conhecimento científico e 
conhecimento filosófico; d) a busca de maior cientificidade das próprias 
ciências dentro de seus próprios limites.
2. Teoria do conhecim ento e teoria da ciência
Partimos do pressuposto de que hoje existe conhecimento claro e 
evidente nas ciências, de modo especial nas ciências da natureza. O que 
distingue uma teoria da ciência de uma teoria do conhecimento?
Hoje a teoria da ciência entende-se sempre mais a si mesma como 
lógica aplicada. Tanto as ciências empíricas como as não-empíricas são 
de tal estrutura que sempre pressupõem o próprio conhecimento e a 
formulação de que este é verdadeiro ou falso. Conhecimento e seu res­
pectivo objeto já existem para a matemática e para a lógica, como para as 
chamadas ciências da natureza e, com isso, para a teoria da ciência como 
lógica aplicada. Portanto, a epistemologia não se ocupa com a questão: 
como se origina conhecimento enquanto formulação verdadeira ou falsa?
A teoria da ciência ou epistemologia trata de questões como estas: 
pode uma proposição ser fundamentada? Como? É verificável? Depende 
logicamente de outras proposições? Está em contradição com outras 
proposições? Mas, tal proposição já deve existir. Alguém a deve ter 
formulado e submetido à discussão lógica. N a epistemologia, funda­
menta-se conhecimento em conhecimento ou algo que já tem caráter de 
conhecimento, em algo que já tem estrutura, que é verdadeiro ou falso,
36 Teoria do conhecim ento e teoria da ciência
da mesma maneira que a linguagem científica (metalinguagem) pressu­
põe a linguagem comum ou ordinária. A questão da própria origem do 
conhecimento como tal não é questão epistemológica. A epistemologia 
aplica pressupostos conhecimentos de lógica. Mas esse conhecimento 
pressuposto da lógica é tarefa da teoria do conhecimento.
A tarefa da teoria do conhecimento não consiste em derivar verda­
deiros ou falsos conhecimentos de algo que já é verdadeiro ou falso, mas 
de algo que como tal ainda não é verdadeiro ou falso. Diferentemente 
da epistemologia e da lógica, a teoria do conhecimento não se ocupa de 
como inferir estruturas ou sistemas de conhecimento de outros, como 
fundá-los e justificá-los, mas de como originariamente chegamos a es­
truturas e sistemas de conhecimento.
À teoria do conhecimento cabe um lugar singular. Em relação à 
lógica e à teoria da ciência, exerce papel decisivo. A origem do conhe­
cimento, que lhe cabe esclarecer, realiza-se permanentemente em nossa 
experiência cotidiana, enquanto percebemos coisas e acontecimentos do 
mundo exterior. Nela toda a ciência da natureza tem sua “base empírica”, 
pois tal ciência é apenas um desenvolvimento e uma expansão de nosso 
conhecimento cotidiano.
A teoria do conhecimento, por sua vez, não é uma ciência empíri­
ca, mas uma disciplina filosófica. Se, por um lado, falamos em ciências 
empíricas, como é o caso da biologia, da física e fisiologia, por outro 
lado, encontramos as ciências formais, como lógica, matemática e epis­
temologia como lógica aplicada. A teoria do conhecimento não pertence 
a nenhum desses conhecimentos. N ão é ciência empírica, nem ciência 
formal, como lógica e matemática puras.
Em que sentido a teoria do conhecimento então é ciência?
A teoria do conhecimento também não é metafísica. Por suspeitar 
que seja metafísica, a epistemologia muitas vezes pretende substituí-la. 
Essa suspeita faz a epistemologia atribuir às ciências a tarefa impossível 
de responder à questão da origem de nosso conhecimento. Atrás dessa 
tentativa esconde-se a convicção empírico-materialista de que a única 
alternativa seja ou ciências formais ou ciências empíricas. Ora, não se 
enquadrando a teoria do conhecimento em nenhuma dessas áreas, resta 
apenas concluir que é metafísica.
A idéia tradicional é que a teoria do conhecimento, como dis­
ciplina filosófica própria, opõe-se à idéia de metafísica. Para isso não
Teoria do conhecim ento e eplstemologla 37
faltam exemplos da história da filosofia, que no fim degeneram em 
metafísica.
N o século X X , desenvolveu-se a "filosofia da ciência” , com o 
objetivo de esclarecer questões como: que é ciência? De que e como 
se constrói a ciência? Que valor têm os resultados científicos para a 
descoberta da realidade e em função da utilidade humana?
Recorre-se à filosofia, para compreender a própria natureza das 
ciências em geral. A ciência pressupõe que a realidade, que se conhece, 
apresenta certa ordem. O cientista trata de descobrir e formular tal 
ordem em princípios, definições ou leis.
É verdade que, até os tempos modernos, se olhava o mundo na 
perspectiva filosófica e/ou teológica. É, sobretudo, a partir de Galileu 
Galilei que se passa a entender o mundo com o que hoje chamamos de 
método científico. A visão elaborada pelos cientistas muitas vezes entrou 
em conflito com a de teólogos.
3. Caráter próprio da teoria do conhecimento
Com o reflexão rigorosa, a teoria filosófica do conhecimento é 
ciência não-empírica do empírico. Para esclarecer essa afirmação, cabe 
indagar o que se quer dizer, quando se fala de ciências não-empíricas 
e de ciências empíricas. O que se quer dizer, quando se qualifica uma 
ciência como empírica ou não-empírica?
Todo o conhecimento, seja ele simples ou teoria complexa, con­
siste em dizer "algo sobre algo” ou "algo de algo”. Pode perguntar-se 
se o “ empírico” e o “ não-empírico” se referem só ao primeiro algo ou 
a ambos. Diz-se que a ciência da natureza se caracteriza como teoria 
empírica, por dizer algo empírico sobre algo empírico. Expressando-se 
e desenvolvendo-se em estruturas formais, com recursos à lógica e à 
matemática, seu conteúdo permanece fundamentalmente empírico. Esse 
conteúdo empírico, em princípio, afirma-se sobre algo empírico.
Quando nos referimos às ciências não-empíricas ou às ciências 
formais, como lógica e matemática, essas afirmam “ algo” não-empírico 
sobre ou de “ algo” não-empírico. Assim, as ciências caracterizam-se 
como “ciências empíricas do ou sobre o empírico”, e “as ciências formais 
são ciências não-empíricas do não-empírico.”
38 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
Se considerarmos que a estrutura fundamental do conhecimento 
consiste em dizer “algo sobre algo” ou “algo de algo”, não é evidente que 
ambos os “ algo” sejam iguais. Existe a possibilidade de um ser empírico 
e outro não-empírico. Do ponto de vista formal, há, pois, duas outras 
possibilidades de conhecimento.
Existe a possibilidade de dizer algo empírico sobre algo não- 
empírico. Um exemplo disso é a teoria platônica das idéias. Propõe que 
as idéias existem como algo além do empírico, sendo imperceptíveis, 
mas acessíveis por meio de uma percepção espiritual. Claro, com isso é 
difícil libertar-se da suspeita de que tal não-empírico inexiste.
Outra possibilidade é afirmar algo não-empírico sobre algo empíri­
co. Apresenta-se como ciência não-empírica sobre algo empírico. Nesse 
caso, não seria ciência formal, nem ciência da natureza.
Enfim, constatamos que o discurso sobre ciências empíricas e 
ciências formais é ambíguo, pois, na verdade, são ciências empíricas do 
empírico ou ciências não-empíricas do não-empírico. Se Platão afirma 
que “esta árvore participa na idéia de árvore”, ou um teólogo diz que 
“esta árvore foicriada por Deus”, trata-se de afirmações sobre o empí­
rico, por referir-se a “esta árvore” determinada. Apesar disso, ninguém 
ousaria dizer que são teorias empíricas. Admitindo a participação 
“desta árvore” na idéia de árvore ou que foi criada por Deus, isso não 
se verifica da mesma maneira como no caso de afirmar que suas folhas 
são verdes ou seu tronco grosso. Portanto, o critério de proposições ou 
ciências não é sobre o que afirmam, mas daquilo que afirmam. Assim, as 
ciências empíricas não são empíricas porque falam do empírico, mas por 
causa daquilo que dizem sobre o empírico. Do contrário, até a teologia, 
enquanto fala do empírico, seria ciência empírica.
Nossa distinção é relevante para uma teoria filosófica do conheci­
mento como uma ciência não-empírica do empírico. Se o critério, para 
isso, dependesse daquilo do que trata, apenas seria uma ciência empírica, 
e não filosofia. Mas, como o critério é aquilo que diz sobre algo, garante 
a possibilidade de tal ciência, mesmo tratando de algo empírico, ser 
ciência não-empírica ou filosofia.
Erroneamente, por vezes, a teoria da ciência ou epistemologia 
confunde filosofia simplesmente com metafísica dogmática. É falsa a 
tentativa de reduzir o conhecimento à alternativa: ou ciência empírica 
da natureza ou ciência formal não-empírica, pois tal afirmação exclui,
Teoria do conhecimento e epistemologla 39
de antemão, a possibilidade da filosofia como ciência do não-empírico. 
Certamente não é por acaso que a filosofia transcendental de Kant, até 
hoje, permanece a fonte mais fecunda de uma teoria crítica do conheci­
mento como ciência filosófica. A filosofia transcendental não se reduz 
à metafísica.
4. O conhecimento do empírico como verdadeiro ou falso
Dar um sentido não-empírico ao conhecimento do fato empírico é 
possível, à medida que o empírico permite a construção de estruturas ver­
dadeiras ou falsas que, em princípio, escapam tanto às ciências empíricas 
do empírico quanto às ciências formais, como ciências não-empíricas do 
não-empírico. Esse é o campo da teoria filosófica do conhecimento.
Segundo Gottlob Frege (1848-1925), Popper e Stegmüller, a ori­
gem de sistemas ou estruturas de conhecimento, que são verdadeiras ou 
falsas, é um problema que transcende a psicologia empírica. Baseiam-se 
na convicção empírico-materialista de que as ciências empíricas cons­
tituem a única alternativa para as ciências formais, uma convicção que 
não passa de dogmatismo metafísico.
Segundo Frege, estruturas que consideramos verdadeiras ou fal­
sas, ou seja, proposições são verdadeiras ou falsas enquanto formulam 
conhecimento e juízos em cuja base está o pensamento como percepção 
de pensamentos. E o que é verdadeiro ou falso, em sentido próprio, são 
apenas esses pensamentos. Situam-se entre o mundo físico do exterior 
e o mundo psíquico do interior. Para ele, pensamentos estão num “ ter­
ceiro reino” como algo verdadeiro ou falso; dependendo da idéia que 
percebemos, obtemos uma verdade ou uma falsidade. A percepção de 
tais idéias, todavia, não é sensível, pois não se trata de realidades físicas. 
Nisso a posição de Frege se assemelha à de Platão.
N o ensaio O pensamento, Frege conclui que tal idéia só pode ser 
algo não-empírico, porque não-sensível. Por isso não pode ser tratada 
por uma ciência empírica. Os argumentos usados aproximam Frege do 
sujeito transcendental de Kant.
Frege é um dos fundadores da lógica matemática moderna e da 
epistemologia. Libertou-se da dogmática empirista-materialista, superan­
do-a. Proposições verdadeiras ou falsas, embora surjam em nosso mundo
4 0 Teoria do conhecimento e teoria da ciência
como algo empírico, não podem ser algo psíquico e muito menos algo 
físico. Se partimos, com Frege, de formas de conhecimento, enquanto 
aparecem numa formulação lingüística, que se encarna, por escrito ou 
oralmente, na veste sensível da proposição, o verdadeiro ou falso não 
está no sensível-físico da escrita ou do som. Mesmo quando formulado 
lingüisticamente e aparecendo como mediação sensível-física como algo 
empírico, a forma de conhecimento verdadeira ou falsa como tal não é 
simplesmente sensível-física entre outros sensíveis físicos. É antes algo 
psíquico que necessita de uma veste sensível para poder surgir como 
algo empírico.
Tais formas de conhecimento constituem um problema, não só pelo 
fato de serem algo empírico ou físico ou psíquico, mas pelo fato de não 
poderem surgir ou ser gerados de algo físico ou psíquico. Em vista do 
dogmatismo empírico-materialista, na epistemologia contemporânea, 
são importantes os argumentos que Frege já desenvolveu.
5. Conhecim ento e linguagem
O homo sapiens é o ápice da evolução do universo até o momento. 
Orienta-se pouco pelos instintos na sua conduta, em relação ao mundo 
que o cerca. Substituiu, em boa parte, os instintos pela capacidade de ela­
boração cognitiva do mundo e pelo contato emocional com a realidade. A 
cognição e a emoção, no homem, estão geneticamente pré-programadas, 
exigindo desenvolvimento. O desenvolvimento individual insere-se nas 
condições sociais. O ser humano, por assim dizer, assume as condições 
sociais e culturais com o leite materno. Dessa maneira, o homo sapiens 
se diferenciou a tal ponto, que se abriu para o contexto mais amplo, que 
forma a vida. Para isso contribui a maneira humana de comunicação, 
por meio da linguagem.
Por linguagem entendem-se os meios usados para expressar o 
conteúdo da consciência (sentimentos, emoções, desejos, pensamentos), 
conforme moldes de significado consistentes. Exige símbolos: palavras, 
sons, gestos, sinais, organizados e relacionados num sistema com a fi­
nalidade de expressar e comunicar significados. Um sistema governado 
por regras que especificam como as combinações podem ocorrer e como 
lhes atribuir significados padronizados é a língua.
Teoria do conhecim ento e eplstemologia 41
A língua é uma instituição social que permite a integração dos mem­
bros de uma comunidade, possibilitando-lhes partilhar e perseguir fins 
comuns. Permite coordenar os próprios interesses com os dos outros.
A comunicação não-lingüística, semanticamente, é unívoca com 
gramática fixada. Sua vantagem é a exatidão, a compreensão imediata. 
Mas também tem desvantagens: falta de flexibilidade, limitação da temá­
tica. A linguagem viva supera tais limitações. Não consiste em elementos 
vinculados à matéria, como, por exemplo, a comunicação através de 
matéria química cheirosa, mas de sons que podem ser definidos con­
vencionalmente. Ao mesmo tempo, a língua tem uma gramática aberta 
proporcionando construir diferentes enunciados. Pode falar-se de tudo 
o que é possível e impossível.
A língua faculta que todos os falantes participem no conhecimento 
da sociedade. Ninguém precisa começar num ponto de partida zero. A 
língua permite conservar experiências do passado e transmiti-las para 
o futuro. O indivíduo, na sociedade, necessita integrar-se num sistema 
de comunicação, que é a língua. Ela conserva e comunica conquistas do 
conhecimento e da mesma maneira carrega e formula emoções. Emo­
ções e cognições são dois aspectos de um mesmo processo psíquico. O 
uso da língua depende desse processo psíquico. Por isso a língua pode 
ser usada, tanto para fins emocionais como para fins cognitivos; pode 
ser objetiva, mas não necessariamente está vinculada à objetividade ou 
à verdade. Também pode expressar vivências e sentimentos e a conexa 
visão subjetiva do mundo.
A língua também estabelece limites que podem ser os próprios 
limites do vocabulário. Percebemos tais limites tão logo tentemos ex­
pressar-nos numa língua que ainda não dominamos bem. L. Wittgenstein 
diz que “os limites de minha linguagem denotam os limites de meu 
mundo” (TLPh 5, 6).
Desde sua origem, a filosofia estuda a linguagem. Mas, nos tempos 
contemporâneos, o estudo da linguagem

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