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A PSICANÁLISE E O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI UM DIÁLOGO POSSÍVEL

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A Psicanálise e o adolescente em conflito com a lei: um 
diálogo possível?1 
 
 
Milene Mabilde Petracco2 
 
 
 
Ei irmão nunca se esqueça 
Na guarda, guerreiro levanta a cabeça, truta 
Onde estiver, seja lá como for 
Tenha fé, porque até no lixão nasce flor. 
Racionais Mcs – Vida Loka (parte 1) 
 
 
 
Introdução 
 
Reafirmando a importância das palavras, quando tratamos de Psicanálise, não 
poderia escolher outra, que não desejo, para explicitar a escolha pelo tema do presente 
texto. Desejo este de criar pontes e possibilitar diálogos entre a problemática do adolescente 
em conflito com a lei, entendida como sintoma social, e alguns pressupostos da teoria 
psicanalítica. 
 Embora se tratando de um trabalho eminentemente teórico, minha escrita terá como 
pano de fundo a experiência de atendimento a adolescentes em cumprimento de medidas 
sócio-educativas em meio-aberto no Programa de Prestação de Serviços à Comunidade da 
 
1 Monografia teórica desenvolvida a partir do Trabalho de Conclusão do terceiro ano de Formação pelo 
Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre - CEP de PA, sob a orientação de Denise Costa Hausen. 
Este trabalho foi apresentado em novembro de 2007. Agradeço ao CEP, pelo acolhimento, trocas e 
aprendizagem. À Denise Costa Hausen pela leitura cuidadosa e pelos apontamentos sempre tão ricos, que, 
para além da construção desta monografia, contribuem em meu processo de formação como psicanalista. À 
Carmem Maria Craidy, por possibilitar novas leituras sobre as questões que venho me dedicando a estudar. À 
Viviane de Freitas Souto por compartilhar com leveza e profundidade a teoria lacaniana. Aos adolescentes de 
quem trata o presente trabalho, por me oportunizarem a com eles aprender através da escuta psicanalítica do 
social. 
 
2 Mestranda pela Faculdade de Educação da UFRGS, psicanalista em formação pelo Centro de Estudos 
Psicanalíticos de Porto Alegre. 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPSC/UFRGS, especificamente às medidas 
de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade.3 
 A escuta destes adolescentes, aliada ao embasamento teórico que o processo de 
formação proporciona, tem suscitado uma série de inquietações. Estas, incluem questões 
como o quanto pode a Psicanálise contribuir na compreensão da trajetória que culmina no 
envolvimento de adolescentes em atos infracionais e na construção de intervenções mais 
eficazes para o enfrentamento do fenômeno da violência juvenil, entendendo que os 
postulados desta teoria dizem respeito àquilo que é do humano e, conseqüentemente, do 
social. 
 Para a construção desta reflexão, trarei além de sucintos recortes da prática, dados 
relativos ao universo do adolescente infrator e conceitos psicanalíticos, como por exemplo, 
dos processos primário e secundário do funcionamento psíquico, pulsões de vida e de 
morte, e outros especificamente sobre adolescência. 
 
Breve contextualização sobre o adolescente em cumprimento de medida sócio-
educativa em meio aberto 
 
De acordo com pesquisa realizada por Craidy & Gonçalves (2005), os adolescentes 
que passam pelo PPSC são predominantemente do sexo masculino, com idades entre 
dezesseis e dezessete anos, de classe socioeconômica baixa, brancos, ainda que 
proporcionalmente ao número de negros na população, os negros sejam mais numerosos. 
 
3 De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90 , Artigo 117, a Prestação de Serviços 
à Comunidade (PSC) consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente 
a seis meses. As tarefas devem levar em conta as aptidões do adolescente devendo ser cumpridas em jornada 
máxima de oito horas semanais, sem prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho. O 
Artigo 118, por sua vez, trata da medida de Liberdade Assistida (LA). Esta deve ser adotada sempre que se 
afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, por pessoa 
capacitada designada pela autoridade judicial. A LA será fixada pelo prazo de seis meses, podendo ser 
prorrogada, revogada ou substituída por outra medida. 
Adolescentes que habitam as periferias da cidade e vivem em situação de vulnerabilidade 
social. 
Em sua grande maioria, estes adolescentes cometem infrações contra o patrimônio e 
não contra a pessoa, o que revela que, embora em muitos casos a infração esteja 
acompanhada de atos de violência, isto não diz respeito ao universo dos adolescentes em 
conflito com a lei. O fato de poderem cumprir medidas determinadas judicialmente em 
liberdade aponta para a não gravidade e/ou não reincidência das infrações por eles 
cometidas. Importante lembrarmos que grande parte destes adolescentes vive em um caldo 
de cultura violenta que nega a muitos a proteção de seus direitos fundamentais, inclusive o 
de sentirem-se socialmente integrados e humanamente reconhecidos. 
O rap, música que traduz em versos esta realidade, pode então se configurar como 
uma forma de expressão possível. Um dos refrões cantados por eles é entoado pelo rapper 
Mv Bill que denuncia: “já vou ficar no lucro se passar de dezoito, depois que escurece o 
bagulho é doido. O mesmo dinheiro que salva também mata, jovem com ódio na cara, 
terror que fica na esquina esperando você chegar”. 
Desta forma enfatizo que, embora a infração, em muitos casos, tenha ligação com 
um ato violento os termos ato infracional e violência não são sinônimos. Assim, o uso do 
termo violência no decorrer do texto, não será necessariamente usado como o ato infringido 
pelo adolescente, mas também em referência às situações que convergem para que este fora 
da lei aconteça. 
Para Rosa (2005), abordar a questão da violência significa estar em contato com a 
complexidade e obscuridade que envolve o conceito. A violência pode configurar-se 
através de uma gama de possibilidades, as quais adotam formas singulares dependendo das 
nuanças simbólicas de cada contexto. O autor aponta ainda que existe uma tendência a 
tratarmos deste tema através de discursos queixosos e vitimizados, sendo esta uma das 
maneiras encontradas para escaparmos de nos haver com o “potencial destrutivo existente 
em cada um de nós.” (p. 117) 
Desde Freud (1915) podemos pensar no conceito de violência a partir do caráter 
traumático da pulsão, posto que, embora seja intrínseca à constituição e dinâmica psíquica 
do sujeito, a pulsão agride o aparelho psíquico desde dentro. Diferentemente dos estímulos 
advindos do mundo externo, dos quais se pode fugir a partir da ação motora, o pulsional 
exerce uma pressão constante e “irremovível” (p. 147) sobre o psiquismo. 
Aulagnier (1979) por sua vez, fala-nos dos conceitos de violência primária, 
compreendida como a ação da mãe que, ao atender as necessidades de seu bebê o erotiza e 
o “invade” psiquicamente. 
A partir destas duas colocações torna-se possível compreendermos que, 
diferentemente da violência social, existe um tipo de violência que é constitutiva do sujeito, 
sendo inclusive necessária para a existência da vida psíquica. 
Ao tratar sobre o tema da violência psíquica, Hausen (2003) aponta que atualmente, 
diferentemente do que acontecia no século passado, quando Freud tratava das histéricas 
daquela época e quando a repressão sexual era a ordem do dia, a violência se faz pelo não-
reprimido. A partir deste fato, assistimos às mais diversas conseqüências da “violência do 
permitido que toma lugar da violência do proibido” (p. 42), ou seja, o uso de forma 
predadora do corpo do outro e do próprio corpo. 
 
 
 
 
 
A infração enquanto sintoma social 
 
Enquanto ação que aconteceem meio a um cenário, vale questionarmos o quanto a 
sociedade gera a violação da lei, já que há todo um incremento, e isto nos meios de 
comunicação é bastante notável, no sentido de vender a imagem desta adolescência violenta 
como a causa do mal-estar atual. 
Ao tratar do tema da criminalidade, Lacan (1966) aponta que, por vezes, a 
sociedade está de tal forma alterada em sua estrutura que lança mão de mecanismos de 
exclusão do mal, elegendo bodes expiatórios. 
 Rassial (1997) corrobora com esta idéia, ao propor-nos a delinqüência enquanto 
patologia específica da adolescência, e esta, enquanto uma patologia da sociedade. Tal 
afirmativa justifica a necessidade de, ao tratarmos da violência juvenil, nos remetermos aos 
fenômenos do social, como pontua Endo (2005). 
 
“ Neste sentido, as violências não podem, como células 
mortas, ser simplesmente extirpadas do tecido sadio, sendo assim 
restabelecidas a ordem e o equilíbrio. Ao contrário, em torno delas 
gira uma rede imensa que se complexifica com muita rapidez. Isto 
ocorre na mesma medida em que absorve para o seu entorno e para 
sua estrutura de funcionamento, pessoas, grupos e instituições 
inteiras que trabalham em prol da perpetuação de uma sociedade 
cada vez mais homogênea e cada vez menor, na qual poucos obtêm 
o máximo em privilégios” (Endo, 2005. p. 24) 
 
 
 A partir destas colocações cabe refletirmos sobre o que refere Oliveira (2005) ao 
enunciar que, as notícias de delitos praticados por jovens circuladas através dos meios de 
comunicação são significativamente desproporcionais às que revelam violências das quais 
os jovens são vítimas. Estas, por sua vez, viram pequenas e secundárias notas, quase 
invisíveis nas páginas dos jornais. 
 
 “Em nome da rigidez discute-se a maioridade penal, justiça 
terapêutica, entre outros temas. Novamente é sobre os jovens que 
recai o lado da dureza da justiça, justamente porque a sociedade se 
vê despreparada para dar conta do que a criminalidade desvela da 
fragilidade do nosso laço social” (Conte, 2005 p. 86) 
 
 As contribuições de Soares (2003), enquanto antropólogo e cientista político estão 
em sintonia com as proposições de Lacan (1966) e Rassial (1997), especificamente no que 
diz respeito ao fato de que a violência da qual a sociedade reclama e se queixa é por ela 
mesma produzida. Soares (2003) nos convoca a pensar no binômio violência/juventude a 
partir do conceito de invisibilidade social, a saber, o fenômeno sofrido pela grande parcela 
excluída e estigmatizada de nossa sociedade. “Um jovem pobre e negro caminhando pelas 
ruas de uma grande cidade é um ser socialmente invisível” (p. 132) 
 O autor aponta que, muito embora existam fatores sociais, políticos e econômicos 
atravessando a problemática da violência e juventude, o estigma, mecanismo de controle 
social por nós produzido e perpetuado (mesmo que de maneira inconsciente) nos torna 
incapazes de enxergar cada um dos atores deste trágico cenário em suas historicidades, 
singularidades. Em outras palavras, enxergamos a arma e não o sujeito que a aponta contra 
nós. 
 Se, de acordo com a teoria lacaniana o sujeito só passa a existir enquanto tal a partir 
do olhar de reconhecimento do outro, como se dá a existência dos sujeitos socialmente 
invisíveis? 
 Cabe aqui atentarmos para as contribuições de Hannah Arendt (1994), sobre o tema 
da violência. Em Sobre a Violência esta autora nos convoca a refletir sobre as contradições 
existentes entre os termos poder, vigor, violência e autoridade. Para Arendt, poder e 
violência são termos opostos, já que a existência de um significa a ausência do outro, sendo 
específica da violência a capacidade de aniquilação e destruição do poder. Nesta 
perspectiva, o que surge do cano de uma arma a nós apontada não é poder, e sim sua 
negação. 
 A partir das afirmativas de Lacan e Arendt, vale questionarmos se não é justamente 
através do ato infracional que estes sujeitos considerados invisíveis do ponto de vista social 
conseguem capturar este olhar que os reconhece, ou em outras palavras, que lhes confere 
existência psíquica. 
 
 
Frente a este cenário, o que mais nos diz a psicanálise? 
 
Entendendo que a violência, como os demais sintomas psíquicos, é produzida por 
uma trama complexa de fatores e que demanda diferentes olhares e saberes, a proposta de 
trazer a psicanálise como forma de entendimento da adolescência infratora dá-se no intuito 
de complementar outras leituras possíveis para este fenômeno. 
Desta forma, longe de almejar respostas para a problemática do adolescente em 
conflito com a lei, o presente texto configura-se como tentativa de travar diálogos entre esta 
temática à luz da psicanálise, objetivando reflexões a este respeito. 
No livro Mal estar na atualidade Birman (1998) alerta-nos para o fato de que, ao 
usarmos o conhecimento psicanalítico de maneira linear e aplicada corremos o risco de 
criarmos obstáculos a nossa própria escuta, o que nos deixa de mãos amarradas frente ao 
contexto histórico contemporâneo. 
 Entendendo que a psicanálise não faria sentido senão nas sociedades modernas, 
democráticas e urbanas, espaços onde não mais vigoram as modalidades tradicionais de 
organização familiar e social, ou seja, nas quais o pai já não ocupa o mesmo lugar de poder 
e autoridade, Kehl (2002) refere que a psicanálise não parte do ser, mas do falta-a-ser, na 
medida em que concebe o sujeito não como ser de natureza, mas como ser de linguagem, 
criador de significações e valores. 
 
“Diante da queda do saber e do poder incontestáveis do pai, 
a psicanálise não se propõe, como pensam alguns de seus críticos, a 
ocupar o lugar deixado vazio pelo pai onisciente e onipotente 
(embora muitas vezes os psicanalistas e suas instituições cedam à 
tentação desse poder), mas fazer falar “os filhos”, nós mesmos, 
órfãos de uma verdade estabelecida, para fazer emergir as pequenas 
verdades singulares, recalcadas” (Kehl, 2002. p.35.) 
 
Por este motivo Oliveira (2001) pensa ser inquestionável a importância de uma 
escuta clínica da infração, visto que essa engloba uma série de motivações conscientes e 
inconscientes. 
Na medida em que tratamos de infrações cometidas por adolescentes, é válido 
trazermos algumas questões relativas à adolescência propriamente dita. Em psicanálise, 
clássicas produções teóricas sobre este tema (Aberastury, Knobel, Blos) caracterizam-na 
como processo de mudanças biopsicossociais que tem como características gerais 
modificações nas relações objetais, lutos e escolhas de diversas ordens, ou seja, toda uma 
reordenação da vida psíquica. 
Para Rassial (1997) autor que concebe a adolescência não como processo 
determinado cronologicamente e sim como trabalho psíquico, operação subjetiva, existe 
uma certa resistência dos analistas para tratar da temática. Isto porque os textos sobre 
adolescência costumam reduzi-la ao último período da infância e porque, na prática existe 
certa reticência em receber adolescentes para análise, já que este período de crise 
dificultaria o trabalho de retorno, do a posteriori. 
 
“Uma teoria da adolescência somente é possível se o analista 
aceita expor-se às bordas do discurso analítico, no sentido que sua 
posição, com o adolescente, leva-o sem cessar ao risco do discurso 
filosófico” (Rassial, 1997. p. 13) 
 
 
A escuta do adolescente depara-nos com as questões de nosso próprio processo de 
adolescer, o que significa dizer, com aspectos de nossa própria psicossexualidade infantil, o 
que não é tarefa tão simples quanto possa parecer à primeira vista. E, especialmente no caso 
de adolescentes em conflito com a lei, confrontamo-nos com toda a trama de questões 
sociais, econômicas e políticas das quais,longe de sermos vítimas queixosas ou meros 
espectadores, somos protagonistas ativos. 
Em O Mal Estar na Civilização, Freud (1929) aponta que nenhum elemento de 
nossa vida mental primitiva é descartado, já que os elementos infantis ou até mesmo os 
conteúdos não passíveis de tradução através de representações convivem lado a lado com a 
vida mental mais madura. 
Esta proposição freudiana encontra-se em sintonia com a afirmativa tecida por 
Lacan, a qual refere que: 
“A história não é o passado. A história é o passado na 
medida em que é historiado no presente – historiado no presente 
que foi vivido no passado.” (Lacan, 1953-1954, p. 21) 
 
Neste sentido passado e presente não podem ser separados cronologicamente como 
muitas vezes tentamos fazer, na medida em que se integram por outra lógica, aquela que 
rege os processos inconscientes. 
No caso da adolescência, por ser considerado processo crucial para a constituição do 
sujeito, a intensidade com que os conflitos ligados a psicossexualidade infantil são 
revividos tem inúmeras facetas. 
Como uma das marcas importantes deste reviver cito a ambivalência nas relações 
objetais, elemento marcante neste momento da vida. A linguagem utilizada pelos 
adolescentes de quem se trata o presente texto ilustra esta luta entre opostos vivida de 
forma intensa. “Tri xarope”, por exemplo, expressão comumente utilizada por estes 
adolescentes, pode ser entendida, por um lado, como algo de extraordinário, revelando o 
sentimento positivo em relação a algum acontecimento ou, de outro, referir-se a alguma 
coisa ruim, negativa. 
Além da ambivalência, a questão do luto. Este pode ter relação à criança que se foi e 
não se é mais (será?), aos pais da infância que já não são mais os mesmos, ao corpo que se 
modifica intensamente e denuncia algo novo. No que se refere à relação do adolescente 
com os pais, Rassial (1997) aponta que na adolescência o sujeito descobre que o pai, ao 
assemelhar-se com ele, torna-se mortal. Assim, está à mercê não mais da morte simbólica, 
mas da morte real. 
 
“Sendo absolutamente Outro, diferença radical da qual o 
inverso é a identificação, o pai, pelo golpe de força de uma 
semelhança que nenhuma identificação transcende, mascara ou 
reduz, cessa de ser o representante único da ordem simbólica. 
Quando o filho se mede ao pai, o corpo do pai entra em cena, não 
mais mítico, mas tomado em uma cadeia na língua, e da qual o 
nascimento e a morte são as pontuações reais. O pai (destituído) é 
designado, ao mesmo título que o filho, como elo na cadeia das 
gerações, garantidor provisório e parcial da permanência do Nome 
na cadeia dos significantes” (Rassial, 1997. p, 15) 
 
 Mas, apesar da existência de aspectos comuns, a adolescência apresenta 
particularidades em suas manifestações, dependendo do contexto onde acontece. Levinski 
(1998) refere que tais manifestações dependem da cultura e da sociedade onde o processo 
adolescente se dá. 
 Rassial, (1999) ao caracterizar o adolescente como um não-totalmente, refere que 
durante a adolescência o sujeito não encontra amparo no estatuto de criança e nem 
tampouco no estatuto de adulto. Nesta perspectiva, o adolescente assemelha-se a um 
imigrante, quem ainda não encontrou seu próprio lugar. 
Em seus escritos sobre a violência juvenil, Oliveira (2001) oferece-nos o conceito 
de violência exacerbada, este enquanto processo caracterizado pela incessante busca de 
reconhecimento e autonomia, apontando o ato infracional como um dos possíveis 
movimentos desta busca. Para tal conceitualização a autora inclui elementos sociais da 
atualidade, como o fenômeno da globalização, do capitalismo e a cultura do narcisismo. 
Na medida em que, como todos nós, estes adolescentes sofrem o apelo midiático 
que convoca a um consumo irresponsável, mas não possuem meios legais de acesso aos 
objetos de valor social, utilizam as formas possíveis para obtê-los. 
No ensaio intitulado A complexidade das relações entre violência, drogas e laço 
social, Conte (2005) refere que a cultura narcísica “impossibilita o sujeito de se confrontar 
com seus conflitos, silenciando qualquer sofrimento ou frustração através da medicalização, 
do consumo ou dos dogmas” (p. 82) Assim, as roupas de marcas podem proporcionar uma 
diminuição da distância entre os mais e os menos economicamente favorecidos, 
oportunizando ao sujeito ter aquilo que é valorizado no imaginário da sociedade onde vive. 
“Quantas molas tem teu Nike Shok?”(modelo de tênis bastante valorizado atualmente, que 
contém molas de amortecimento na sola) é fala que expressa esta busca por ter o que é 
valorizado socialmente. 
As richas entre bondes ou bocas de tráfico, como são nomeados os grupos de jovens 
que se juntam para a ida a bailes funks e pichações e os pontos de venda de drogas, 
respectivamente, são também marcas importantes deste processo adolescente de definir-se 
enquanto sujeito. Uma batalha intensa por reconhecimento, que por vezes tem seu fim 
trágico na morte de um ou de muitos jovens. Novamente a composição de Mv Bill nos 
auxilia a pensar, trazendo o depoimento de um menino que desabafa: “Se eu morrer nasce 
outro que nem eu, ou pior, ou melhor.” 
Oliveira (2001) pontua que, para os adolescentes de periferia a busca por 
reconhecimento e autonomia encontra grandes obstáculos, na medida em que enfrentam 
para além das questões da adolescência em si, faltas de diferentes ordens. Com isso, não 
devemos fazer uma associação direta entre pobreza e violência, mas sim informar-nos de 
que nas sociedades onde há maior desigualdade social há maiores índices de violência e 
criminalidade. Nesta perspectiva, cabe pontuarmos o que refere Zaluar (1994) ao afirmar 
que os objetos de consumo alvos do desejo adolescente são os mesmos para um menino que 
habita uma favela carioca e para um norte-americano de classe média. Quais serão as 
possíveis repercussões deste abismo social? 
Em Privação e Delinqüência Winicott (1987) aponta o ato anti-social como um 
indicador de esperança, no sentido de que, ao furtar um determinado objeto o sujeito está 
inconscientemente indo em busca de algo que está para além do objeto material subtraído. 
Em muitos casos, a infração funciona como pedido de ajuda, um grito por socorro. 
Na medida em que as necessidades e fragilidades não puderam contar com o acolhimento 
familiar e social, apela-se a autoridade judiciária. Não é por acaso que muitos adolescentes 
que se envolvem com o tráfico de drogas acabam tendo no patrão da boca, como é por eles 
chamado o chefe desta rede, uma referência do mundo adulto. 
Este fato permite-nos desmistificar aquilo que acaba sendo parte do discurso comum 
quando nos remetemos a sujeitos em situação de vulnerabilidade social, em particular 
àqueles que têm como sintoma manifesto a transgressão da lei, a saber, a falta ou falha da 
figura do pai e/ou da mãe. 
Lacan (1957-1958) auxilia-nos a refletir sobre a questão ao nos oferecer o conceito 
de função paterna. Isto porque ao nomeá-la enquanto função possibilita-nos incluí-la 
naquilo que é da ordem do registro simbólico, ou seja, enquanto metáfora, o que nos 
permite falar de determinado objeto mesmo em sua falta. Para o autor, a metáfora consiste 
na possibilidade de um significante surgir em lugar de outro significante. 
Seguindo esta linha de pensamento, podemos pensar que muitas pessoas e até 
mesmo instituições podem ocupar este lugar. Cabe aqui questionarmos o quanto o 
adolescente, ao cometer uma infração, não está justamente legitimando a existência e 
importância desta função: a interdição, a Lei. Esta, por sua vez, pode estar encarnada no 
professor, na escola, no técnico que acompanha o cumprimento da medida judicial, no Juiz,e porque não no patrão da boca (chefe da rede do tráfico), já que neste caso, apesar da 
ilegalidade, há uma série de regras e leis e o não cumprimento das mesmas acarreta em 
punições severas, sendo que por vezes o sujeito as tem de pagar com a própria vida. 
Façamos uma retomada a partir do Projeto para uma Psicologia Científica, artigo 
em que Freud (1895) traz-nos importantes questões relativas à constituição do aparelho 
psíquico, como o conceito de experiência de satisfação, dos trilhamentos neuronais e o fato 
de ser o desamparo inicial a fonte primordial de todos os motivos morais. 
Sendo a adolescência momento de reedição das vivências infantis como podemos 
pensar sobre a questão do desamparo? E, ainda, por tratarmos de adolescentes em situação 
de vulnerabilidade social, ou seja, sujeitos que não tem os direitos fundamentais garantidos, 
como o ato infracional pode ser entendido? 
 
O ato infracional no lugar da palavra 
 
 
 Como instigador da presente reflexão, pontuo uma característica evidente dos 
adolescentes que passam pelo PPSC/UFRGS o fato de, em sua maioria, reagirem com ar de 
intenso estranhamento quando lhes é perguntado quais são suas preferências. É dado 
comum quando questionados sobre o que gostam de fazer na vida, responderem: “Eu? Do 
que eu gosto? Não sei...” Quando solicitados a debates, durante atividades em grupo, a 
dificuldade de expressão através da fala é também evidente. 
Tendo como hipótese o que coloca Dolto (1999) ao entender a violência quando 
“não se diz ou não se diz mais”, podemos traçar um paralelo entre o atendimento a 
adolescentes em conflito com a lei, e o processo analítico propriamente dito, na medida em 
que ambos consistem em dar espaço para fazer surgir as palavras. E, ao concebermos o ato 
de transgressão da lei como falha ou inexistência das palavras, podemos traçar pontos de 
convergência entre a infração e os modos de funcionamento do aparelho psíquico, descritos 
por Freud (1911) em Formulações sobre os dois princípios do acontecer psíquico. 
O autor descreve o processo primário como aquele que rege os mais primitivos 
processos mentais e que tem como meta a busca incessante pelo prazer, sendo o processo 
secundário compreendido como aquele que permite-nos postergar este prazer, regido pelo 
princípio de realidade e tendo como funções características o pensamento, a atenção e a 
avaliação do juízo. 
Desde o nascimento, a medida em que nossas necessidades são confrontadas com o 
mundo externo, frustrações acontecem e dão início ao processo de substituição do processo 
primário pelo secundário. Este não acontece repentinamente e não encobre todo o 
psiquismo, visto que as fantasias seguem desempenhando um importante papel pela vida 
afora. No entanto, é esperado que no decorrer das experiências que vivenciamos possamos 
ir construindo novas formas de interação com o mundo, sabendo postergar satisfações, 
tolerando o desprazer. 
Nesta perspectiva, em consonância com os processos mais primitivos do aparelho 
psíquico, o ato infracional pode ser concebido como manifestação que aparece ocupando o 
lugar do adiamento de satisfação, do pensar antes de agir, sendo entendido enquanto busca 
de descarga de um quantum de libido, enquanto a possibilidade de traduzir em palavras e 
refletir sobre o ocorrido como ações apoiadas no princípio de realidade, característico do 
processo secundário de funcionamento deste aparelho. Novamente, em O Mal Estar na 
Civilização (1929) Freud coloca que a introdução do princípio de realidade nos processos 
psíquicos dá-se no intuito de nos capacitarmos para o enfrentamento das sensações de 
desprazer com as quais nos deparamos durante a vida. No entanto, as tentativas de 
desviarmos de certas excitações desagradáveis não nos tornam imunes ao sofrimento e isto 
é ponto de partida de importantes distúrbios patológicos. 
 
“Assim, nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas 
por nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos 
difícil de experimentar. O sofrimento nos ameaça de três direções: 
de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e 
que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como 
sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra 
nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, 
finalmente, de nossos relacionamentos com outros homens.” 
(Freud, 1929, p 84-85) 
 
Podemos ainda, partindo de Freud (1911) pensar sobre o papel que as instituições 
escolares desempenham na trajetória de infração dos adolescentes, já que grande parte 
desses apresenta baixa escolaridade. Conforme coloca o autor, a educação é, sem dúvida, 
um significativo estímulo para a superação do princípio de prazer pelo princípio de 
realidade. Esta questão merece ser pensada, já que: 
“De um modo geral, a precária situação do setor educacional no 
Brasil pode ser apontada como um dos fatores que levam o 
adolescente de periferia a se sentir pouco mobilizado com a escola, 
um lugar de onde evade muito cedo, ou que serve apenas para 
preencher o tempo ou cumprir os ritos sociais previstos nesta faixa 
etária. Uma recusa à escola que é feita, em primeiro lugar, pelos 
governos, quando esses são os primeiros a desprestigiar a escola 
pública, com os salários achatados dos professores e os escassos 
investimentos na infra-estrutura para o trabalho em sala de aula.” 
(Oliveira, 2001. p. 49) 
 
 Freud (1929) também aponta para a importância do trabalho na vida do homem, 
muito embora não seja valorizado por esse tanto quanto poderia. Para o autor, a atividade 
profissional desempenha papel significativo na economia libidinal e constitui uma fonte de 
satisfação especial, particularmente quando é feito por livre escolha. O trabalho torna 
possível o deslocamento de uma gama de componentes libidinais, narcísicos, agressivos ou 
até mesmo eróticos. 
 Como podemos incluir esta questão na situação dos adolescentes a que nos 
referimos, sendo eles socialmente vulneráveis e estigmatizados, se vivemos uma época em 
que o desemprego é fato comum para um grande número de pessoas e, mais intensamente 
para a parcela jovem da população? E ainda, sendo a vida escolar parte importante na 
inserção no mercado de trabalho e a escola um lugar de onde evadem ou são excluídos? 
 Não é incomum escutarmos destes adolescentes que a procura de emprego não tem 
retorno positivo. A partir da escuta que o atendimento proporciona, algumas falas 
evidenciam esta realidade: “tudo o que eu queria era ter um serviço” ou “tentei, falei que 
mesmo tendo bronca na justiça eu quero mudar, que eu preciso trabalhar para ajudar minha 
família, mas não teve jeito”. 
 
O ato infracional a partir da dualidade pulsional 
 
Freud (1923), em seu artigo O Ego e o id, traz-nos importantes contribuições no 
que diz respeito à dualidade pulsional que habita o aparelho psíquico. Embora trace 
diferenças pontuais entre pulsão de vida e pulsão de morte, refere que ambas têm em 
comum o fato de serem conservadoras, ou seja, apresentam-se como um esforço do 
aparelho para restabelecer a certa organização que fora abalada pelo surgimento da vida. 
Acrescenta ainda que a vida em si é ao mesmo tempo um conflito e uma reconciliação entre 
estas duas tendências. 
Em O problema econômico do masoquismo (1924), texto no qual Freud trata da 
questão do sadismo e do masoquismo e retoma alguns aspectos das duas classes de 
instintos, a saber, das pulsões de vida e de morte é afirmado que: 
“No que concerne ao campo psicanalítico de idéias, só 
podemos presumir que se realiza uma fusão e amalgamação muito 
ampla, em proporções variáveis das duas classes de instintos, de 
modo que jamais temos de lidar com instintos de vida purosou 
instintos de morte puros, mas apenas com misturas deles, em 
quantidades diferentes” (Freud, 1924. p. 181-182). 
 
Levando em conta o contexto onde se encontram a grande maioria dos adolescentes 
em conflito com a lei, ou seja, num ponto de esgarçamento das diferenças sócio-
econômicas, onde a falta antes mesmo de se constituir como construção simbólica, é falta 
real, o que a infração pode denunciar? Talvez melhor formulando a questão, do ponto de 
vista da dualidade das pulsões, a que(m) o ato infracional está a serviço? 
Muito embora não exista em realidade a separação entre as pulsões de vida e de 
morte, a partir da colocação de Freud (1923) em relação ao fato de ser através de Eros que 
as pulsões de destrutividade são direcionadas ao mundo externo e, ainda, que a pulsão de 
morte é silenciosa, talvez possamos conceber o ato de infringir a lei como um movimento 
em prol da vida. 
A intenção a partir destas hipóteses, longe de buscar uma versão romanceada para o 
momento que vivemos, de medo e sofrimento, é buscar, de acordo com o compromisso de 
todo o ato analítico, o que está por trás, ou seja, rastrear as motivações inconscientes destas 
atitudes. 
 
Possíveis destinos... 
 
 A escrita desta monografia marca um momento importante do processo de 
formação: a interiorização de conceitos psicanalíticos desconhecidos até então e a releitura 
de outros tantos, os quais embora tenham sido estudados previamente demandam um 
entendimento novo, a partir da prática. 
 Metaforicamente, a possibilidade de utilizar a teoria psicanalítica para a 
compreensão das situações que envolvem adolescentes em conflito com a lei significa uma 
ponte, uma ligação de dois espaços que, apesar de se mostrarem distantes à primeira vista, 
no que tange aos fatores sócio-econômicos, culturais e até mesmo dos espaços geográficos 
que ocupam, apresentam ligações importantes entre si. Refiro-me, pontualmente ao 
atendimento clínico individual, enquanto prática que institui a formação psicanalítica 
enquanto tal e a experiência em trabalho sócio-educativo junto a adolescentes em conflito 
com a lei. 
 Possivelmente, as mudanças, no que dizem respeito ao enquadre e ao 
atravessamento de fatores sócio-econômicos e culturais já citados, que no caso do trabalho 
com adolescentes infratores talvez sejam mais evidentes, fizeram-me viver durante algum 
tempo um sentimento de dissociação entre estes espaços. 
Desta maneira, a tentativa de travar diálogos entre a Psicanálise e a problemática 
social da violência na juventude é significativa oportunidade de integração e reflexão. 
Acreditando no papel social que a psicanálise tem, enquanto instigadora de 
questionamentos sobre os fenômenos vividos pelo homem e enquanto valorizadora da 
palavra, penso que esta oportunidade é de suma importância. 
 Enfatizo que o presente texto versa muito mais a respeito da violência na juventude 
do que da violência da juventude. Isto por ficar claro, a partir das contribuições teóricas de 
Freud, Lacan, Rassial, Endo, entre outros autores citados no transcorrer do texto, o quanto 
somos todos, em algum aspecto, agentes desta violência da qual somos reclamantes. Na 
medida em que fizemos parte do cenário social, histórico, econômico e cultural onde os 
adolescentes em conflito com a lei se constituem como tal e onde os atos infracionais se 
desenrolam, contribuímos com nossa parcela para esta realidade. 
 De outra perspectiva, o conceito de violência primária apontado por Piera 
Aulagnier, talvez nos possibilite conceber que o sujeito, independentemente das diferenças 
entre os contextos externos, é submetido ao desejo do outro desde sua chegada ao mundo, 
já que é, mesmo antes de nascer, inundado pelo psiquismo deste outro, seja pela mãe ou 
quem ocupar o lugar de cuidador. Este entendimento está em sintonia com o postulado 
lacaniano que entende a constituição do sujeito a partir do desejo do desejo. 
 Retomando as contribuições de Freud, lembremos que a parte primitiva de nossa 
vida psíquica convive lado a lado com as representações que tiveram outros destinos. 
Provavelmente todo o aparato sócio-cultural, e aqui a vida escolar e profissional, em 
consonância com o pensamento deste autor, têm lugar de destaque, seja o que nos permite 
historicizar e dar destinos possíveis para aquilo que, enquanto sujeitos desejantes, 
carregamos como marca, bem como enquanto forma de lapidar esta parte primitiva de 
nosso psiquismo de que Freud se refere, tornando a vida social menos sofrida. 
 Ainda, articulando as contribuições de Rassial, autor que concebe o adolescente 
como um imigrante que ainda não encontrou seu próprio lugar e de Oliveira, ao colocar que 
a infração pode ser entendida como busca exacerbada de autonomia e reconhecimento, 
podemos pensar na importância que tem para os adolescentes em conflito com a lei espaços 
sociais de reconhecimento e de escuta. 
 Desta forma, considerando o contexto em que está mergulhada esta adolescência e, 
ainda, entendendo a importância da criação de formas de expressão possíveis para a 
mesma, acredito que a psicanálise muito tem a dizer sobre esta realidade. Aliás, na medida 
em que infração pode ser pensada como o ato no lugar das palavras, mais do que dizer, a 
psicanálise tem o dever ético de fazer falar. 
 
 
 
 
 
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