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Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada RESUMO CAP. 10 - EQUILÍBRIO HÍDRICO E IÔNICO (PRINCÍPIOS DE FISIOLOGIA ANIMAL, 2° EDIÇÃO) Cada grupo de animais utiliza diferentes combinações de tecidos epiteliais para controlar o equilíbrio de íons e de água. Para a maioria dos animais, o rim é fundamental para o equilíbrio hídrico e iônico. Entretanto, muitos animais também dependem de tecidos extrarrenais, como as brânquias, a pele e a mucosa digestória. Regulação osmótica é o controle da pressão osmótica dos tecidos, que determina as forças que direcionam o movimento de água através das membranas biológicas. A regulação iônica é o controle da composição iônica dos líquidos corporais. Excreção de nitrogênio é a maneira pela qual os animais excretam a amônia. O processo para a excreção de amônia ou metabólitos alternativos como a ureia e o ácido úrico está ligado ao controle osmótico e à homeostase iônica. Os animais possuem diversos sistemas fisiológicos que trabalham em conjunto para garantir que as propriedades osmóticas e iônicas dos animais sejam man tidas dentro de limites aceitáveis. Nos invertebrados simples, a responsabilidade sobre a regulação iônica e osmótica é principalmente de células individuais. Em animais mais complexos, tecidos especializados são os responsáveis pela manutenção de uma composição química e de um volume de líquidos corporais adequados. A função celular pode ser afetada por estes tipos de distúrbios na função macromolecular, mas talvez mais importante, as células expostas a gradientes osmóticos podem murchar ou inchar. As alterações no volume celular podem danificar diretamente as células, algumas vezes causando a morte celular. Mesmo se as células sobreviverem ao estresse, alterações no volume celular danificam os tecidos multicelulares. Alguns animais aquáticos minimizam os altos custos do equilíbrio hídrico e iônico através da manutenção de uma igualdade iônica e osmótica com a água externa, mas a maioria dos animais mantém algum grau de controle sobre a composição iônica e osmótica. Ambientes marinhos possuem altos níveis de íons, principalmente Na+ e Cl-. Assim, para muitos animais marinhos, o desafio é expelir os íons contra gradientes eletroquímicos e obter água contra gradientes osmóticos. Animais de água doce possuem o problema inverso: obter íons da água pobre em íons e eliminar o excesso de água. Animais terrestres vivem sob condições desidratantes, onde a perda de água é o principal desafio e a maioria dos íons é fornecida na dieta. Os animais que transitam entre múltiplos ambientes devem possuir mecanismos homeostáticos mais flexíveis para conseguirem lidar com níveis hídricos e iônicos variáveis. Quando consideramos como os animais controlam o equilíbrio iônico e hídrico, é importante considerar tanto o comportamento individual das células lutando para manter seus volumes quanto o comportamento dos tecidos que trabalham para garantir a homeostase do animal. Os animais diferem (1) no local das trocas de íons e de água e (2) na natureza dos gradientes iônicos e osmóticos entre os líquidos extracelulares e o ambiente. Os principais locais de troca de íons e de água são aqueles em contato direto com o ambiente. A maioria dos animais também possui alguns sistemas excretores especializados para regular a excreção de Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada íons e de água para auxiliar sua estratégia osmótica. Os gradientes iônicos e osmóticos diferem entre os animais aquáticos e terrestres. Por exemplo, um vertebrado de água doce tende a ganhar água e perder íons, e um vertebrado marinho tende a ganhar íons e perder água. A maioria dos animais terrestres vive em um ambiente desidratante, perdendo água através da superfície corporal, mas poucos íons. As estratégias ionorreguladoras e osmorreguladoras dos animais aquáticos podem ser (1) conformadores, possuem as condições internas similares às condições externas, mesmo quando as condições externas se alteram e (2) reguladores, que mantêm um estado interno praticamente constante e diferente das condições externas. Um ionoconformador exerce pouco controle sobre o perfil de solutos dentro de seu espaço extracelular. Estes animais normalmente vivem em água salgada. Os ionoconformadores incluem a maioria dos invertebrados simples (como os cnidários), os deuterostomos simples (como as ascídias) e os vertebrados mais ancestrais (peixe-bruxa). Em contraste aos ionoconformadores, um ionorregula- dor controla os níveis da maioria dos íons nos líquidos extracelulares, empregando uma combinação de estratégias de absorção e excreção de íons. A osmolaridade interna de um osmoconformador se aproxima da osmolaridade do ambiente externo; se as condições osmóticas externas se alteram, a osmolaridade interna se altera paralelamente. Os invertebrados marinhos e os vertebrados primitivos são osmoconformadores. Um osmoconformador pode controlar o perfil dos solutos extracelulares, mas o ambiente impõe a osmolaridade. Um osmorregulador mantém a osmolaridade interna dentro de um determinado limite independente do ambiente externo. Dependendo das condições, o animal pode ter uma osmolaridade maior ou menor que a da água ao seu redor. A maioria dos vertebrados marinhos é osmorreguladora, mantendo uma osmolaridade interna muito mais baixa que a da água do mar que os rodeia. Os vertebrados e os invertebrados de água doce são osmorreguladores, mantendo a pressão osmótica interna bem acima da pressão osmótica da água. Também classificamos os animais de acordo com suas habilidades de tolerar alterações na osmolaridade externa. Animais estenoalinos toleram apenas uma pequena variação nas concentrações de sais, ao passo que animais eurialinos toleram grandes variações nas osmolaridades. As estratégias osmóticas integram os diferentes sistemas fisiológicos para garantir que a composição iônica e hídrica interna fique adequada para a função das macromoléculas, das células e dos tecidos. Todos os animais necessitam de uma fonte de água, embora alguns enfrentem maiores dificuldades para encontrá-la do que outros. Os osmorreguladores de água doce não possuem problemas para obter a água que necessitam, e de fato devem enfrentar uma entrada excessiva de água. Os osmorreguladores marinhos devem lidar com o excesso de íons que acompanha a água que eles consomem. Os animais terrestres obtêm grande parte de sua água na dieta e geralmente devem encontrar formas de minimizar a perda de água. Alguns poucos animais possuem adaptações fisiológicas incomuns que permitem que sobrevivam a vários graus de escassez de água, e até mesmo desidratados. Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada A dieta por si só é uma mistura de água e solutos em diversas formas químicas. Os animais aquáticos ingerem um pouco de água líquida enquantose alimentam, podendo controlar as consequências osmóticas e iônicas resultantes. Muitos animais aquáticos expelem os líquidos antes que eles entrem no trato gastrintestinal. As baleias que se alimentam por filtração, como as baleias de barbatana, engolem grandes volumes de água do mar carregados com krill, e depois usam sua língua para comprimir o alimento contra a barbatana, expelindo o excesso de água. Muitos animais marinhos possuem mecanismos que os permitem expelir o excesso de sais, o que os possibilita ingerir água do mar para obter água. Sem uma capacidade de eliminar os sais do corpo, um animal que bebe água do mar se tornará progressivamente mais desidratado. Os tecidos das plantas e dos animais são importantes fontes de água da dieta para os animais. Um animal não consegue absorver toda a água da dieta, pois deve reter um pouco de água para a formação das fezes em uma consistência adequada para o trânsito através do trato gastrintestinal. Uma vez ingerida, muitas macromoléculas sofrem hidrólise como parte do processo digestivo. A hidrólise consome uma molécula de água para quebrar uma ligação química. Após este pequeno investimento de água no início da digestão, processos metabólicos subsequentes geram água como resultado da fosforilação oxidativa; esta água é chamada de água metabólica. Muitos animais do deserto não ingerem líquidos e, portanto, obtêm toda sua água a partir dos alimentos sólidos e da água metabólica. A concentração total de solutos corresponde à osmolaridade e determina o gradiente osmótico através das membranas biológicas, assim como a direção e a magnitude do movimento de água. A Figura 10.4 resume a composição de solutos em certos animais para ilustrar a importância relativa de diversos solutos em diferentes espécies e compartimentos celulares. O espaço extracelular da maioria dos animais é formado predominantemente por Na+ e Cl-. As células controlam seus volumes transportando solutos através da membrana plasmática, gerando alterações na pressão osmótica que induzem o movimento de água. Embora algumas células fiquem diretamente expostas ao ambiente externo, a maioria das células do corpo é rodeada pelo líquido extracelular dentro dos compartimentos do animal. Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada Os animais regulam a composição do líquido extracelular para proporcionar às células uma solução externa que permita a elas manter um volume celular adequado. As células dos animais alteram o volume em resposta ao gradiente osmótico através da membrana plasmática. Alterações no volume celular são problemáticas por diversas razões. Os animais alteram o perfil dos seus líquidos extracelulares importando e exportando íons e água através dos tecidos epiteliais que ficam expostos ao ambiente externo. Estes tecidos incluem as superfícies externas, como a pele e as brânquias, assim como as superfícies internalizadas “externas”, como o lúmen dos sistemas respiratório e digestório. Estes tecidos epiteliais formam a barreira entre o animal e o meio, normalmente possuindo outras responsa- bilidades fisiológicas, como respiração e digestão. Contudo, as propriedades que fazem deste tecido um local adequado para trocas gasosas ou para absorção de nutrientes – grandes áreas de superfície e alta permeabilidade – o tornam mais vulnerável para o movimento de íons e água. Além destes tecidos epiteliais onde pode ocorrer o fluxo de água e de íons, muitos animais possuem outros tecidos epiteliais com um papel principal na regulação iônica e hídrica: os rins e seus equivalentes nos invertebrados. Alguns animais reduzem a perda de água cobrindo as superfícies externas com uma grossa camada de moléculas hidrofóbicas. O muco é um exemplo de uma barreira hidrofóbica. Vários animais semiaquáticos, como os sapos, usam o muco para prevenir a perda de água e manter a pele hidratada. O muco superficial também reduz os custos osmorreguladores, pois aprisiona uma camada de água entre o animal e o ambiente. Esta camada de água é um microcompartimento que age como uma zona-tampão osmótica e iônica. As escamas dos répteis e das aves são compostas por placas interconectadas de estrato córneo (amplamente queratinizadas). A pele dos mamíferos também é queratinizada, embora apenas alguns mamíferos mantenham estas “escamas” ancestrais, como no revestimento da cauda de um roedor ou no casco de um tatu. Os artrópodes possuem diferentes tipos de tegumentos à prova d’água. A cutícula dos insetos é uma complexa malha de moléculas hidrofóbicas que cobre as superfícies externas destes animais, incluindo as superfícies das traqueias e do intestino. O principal componente estrutural da cutícula é o polissacarídeo quitina. O tegumento tanto dos tetrápodes como dos insetos terrestres possui uma camada adicional de lipídeos que reduz a perda evaporativa de água. As células da epiderme secretam estes lipídeos, que então formam uma capa contínua que age como um selante. As aves e os mamíferos possuem uma fina camada de glicolipídeos que recobre o estrato córneo e preenche espaços entre as células. O exoesqueleto dos insetos possui uma cobertura superficial de ácidos graxos de cadeia longa e ésteres de cera. Esta fina camada de lipídeos fornece ao exoesqueleto dos insetos sua resistência ao movimento de água. Coletivamente, as propriedades do tegumento, estabelecidas pelas células da epiderme, controlam a magnitude da perda de água. A magnitude da perda de água pela respiração depende das características es- truturais, descritas para outros tegumentos, assim como de outros fatores. Por exemplo, um animal que respira ar com uma alta taxa metabólica irá apresentar altas taxas ventilatórias e consequentemente terá uma maior perda de água pela respiração do que um animal com uma taxa metabólica mais baixa. Vários animais, especialmente os animais do deserto discu- tidos Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada em outro tópico, possuem adaptações anatômi- cas que reduzem a perda de água pela respiração. Como a maioria dos epitélios de transporte, as brânquias dos peixes possuem diversos tipos de células envolvidas no controle do equilíbrio hídrico e iônico. A direção do transporte de íons e de água depen- de da salinidade da água. As brânquias de um peixe de água doce devem captar Na+, Ca2+ e outros íons da água, geralmente contra fortes gradientes eletroquímicos. Ao contrário dos peixes de água doce, os peixes marinhos devem evitar a captação excessiva de íons e limitar a perda de água. Cada vez que um animal consome alimento ou água, o trato digestório, com sua grande área de superfície, torna-se um local de troca de solutos e de água. A dieta pode ser uma fonte vital de água, mas também pode gerar um problema osmótico. Como a água doce possui uma con centração muito baixa de solutos, ela cria umapressão osmótica de entrada que auxilia a direcionar a captação de água. Entretanto, os animais que bebem água do mar enfrentam dois desafios. Primeiro, as moléculas de água devem ser seletivamente transportadas através do intestino contra o gradiente osmótico. Segundo, os animais devem estar aptos a expelir o sal que acompanha a água consumida na dieta. Vários répteis e aves possuem uma glândula de sal que auxilia no equilíbrio iônico e hídrico através da excreção de soluções hiperosmóticas de Na+ e Cl-. Independentemente de viverem no oceano ou no deserto, as espécies com glândulas de sal sobrevivem sem acesso à água doce, obtendo água da ingestão de água do mar hipertônica ou exclusivamente do alimento. Como as aves marinhas, os elasmobrânquios pos- suem um órgão excretor acessório que auxilia na excreção de sal. As glândulas retais dos elasmobrânquios excretam Na+ e Cl- enquanto retêm ureia. A secreção de sal pela glândula retal ocorre em pulsos após um tubarão ter enfrentado uma sobrecarga de sais através da ingestão de água ou de alimento rico em sais. Excreção de nitrogênio A amônia produzida durante a quebra dos aminoácidos é um soluto tóxico que deve ser excretado como amônia, ureia ou ácido úrico. Os animais utilizam uma variedade de estratégias para excretar estes resíduos nitrogenados, e essas estratégias possuem importantes implicações no equilíbrio hídrico e iônico. Um animal que excreta grande parte de seu nitrogênio na forma de amônia é chamado de amoniotélico. Como a amônia é muito tóxica, ela não pode ser armazenada no corpo e deve ser excretada como uma solução diluída, resultando na perda de água. Estratégias alternativas envolvem a produção dependente de energia de resíduos nitrogenados que podem ser armazenados em altos níveis e excretados com uma menor perda de água. As duas alternativas mais comuns ao amoniotelismo são o ureotelismo e o uricotelismo. Um ureotélico excreta ureia, e um uricotélico excreta ácido úrico. Embora os animais excretem grande parte de seus resíduos nitrogenados em uma forma, quase todas as espécies possuem a capacidade de produzir qual- quer uma destas moléculas. Cada grupo de animais se utiliza predominante- mente de uma estratégia específica. Entre os vertebrados, existem ureotélicos (mamíferos), uricotélicos (aves e répteis) e amoniotélicos (anfíbios e peixes). Contudo, existem muitas exceções a estas generalizações. Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada Existem espécies que são exceção; por exemplo, algumas espécies de peixes são ureotélicas. Também existem transições durante o desenvolvimento; por exemplo, a maioria dos anfíbios excreta amônia durante a fase larval e ureia quando adultos. Outras transições nas estratégias de excreção de nitrogênio são desencadeadas por condições ambientais; a desidratação faz com que alguns peixes pulmonados se convertam de amoniotélicos para ureotélicos. A amônia é o centro do metabolismo dos aminoá- cidos. Ela é utilizada na síntese dos aminoácidos através de reações que adicionam amônia a um esqueleto de carbono para criar um aminoácido que pode ser utilizado na biossíntese de proteínas. Quando as proteínas são degradadas, os aminoácidos são quebrados para produzir esqueletos de carbono que podem ser usados para o metabolismo energético. A amônia que é liberada é tóxica e deve ser excretada ou metabolizada em uma forma menos tóxica. A invasão terrestre pelos animais necessitou de uma estratégia excretora que permitisse a eliminação de nitrogênio com uma pequena quantidade de água. A primeira solução evolutiva para este problema foi o uricotelismo. Diferente da amônia, o ácido úrico pode ser acumulado nos líquidos corporais com poucos efeitos tóxicos. O uricotelismo economiza água, mas a síntese de ácido úrico requer energia metabólica. Mesmo aqueles animais que utilizam outras vias para eliminar os resíduos nitrogenados também produzem um pouco de ácido úrico como um produto final normal do metabolismo nos nucleotídeos. Muito tempo depois que os primeiros invertebrados e vertebrados uricotélicos apareceram no cenário terrestre, outra forma de excreção de nitrogênio – o ureotelismo – surgiu nas linhagens terrestres. A ureia é o principal produto de excreção dos mamíferos, bem como de algumas espécies de outros grupos. A ureia é produzida no fígado e liberada no sangue, onde seu destino depende da espécie. Nos mamíferos, a ureia é coletada pelos rins e excretada na urina. Em outros animais, a ureia pode ser excretada através de outras vias, como nas brânquias dos peixes. A taxa de produção de ureia é equilibrada com a taxa do metabolismo proteico, a qual é maior em mamíferos que (1) ingerem uma dieta rica em proteínas ou (2) degradam a proteína corporal durante o jejum prolongado. Cada estratégia excretora tem implicações no equilíbrio hídrico, mas nem todos os animais dentro de um grupo taxonômico possuem as mesmas necessidades de conservação de água. Um dos custos da estratégia excretora é o custo metabólico para a produção do produto que será ex- cretado. O resíduo nitrogenado com menor custo é a amônia, já que não precisa ser metabolizada adicionalmente após o metabolismo das proteínas. Tanto a ureia como o ácido úrico possuem custos metabólicos associados com suas sínteses. Muitas espécies que produzem ureia em grande quantidade fazem isto principalmente para excretar os resíduos nitrogenados. Entretanto, algumas espécies produzem ureia e a retém como um osmólito. A ureia é um importante osmólito nos peixes car- tilaginosos, onde ela pode ser responsável por quase a metade da osmolaridade do tecido. A ureia poderia prejudicar as estruturas macromoleculares nas altas concentrações encontradas no sangue dos tubarões. Entretanto, seus efeitos são contrarregulados pelas metilaminas, como o TMAO. Como contam com os solutos contrarreguladores, os tubarões podem manter a concentração de íons inorgânicos (solutos perturbadores) em níveis baixos. Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada A maioria dos animais mantém o equilíbrio de íons e de água utilizando algum tipo de órgão interno. Em alguns animais, alguns túbulos simples são suficientes para produzir as substâncias que se- rão excretadas. Em animais mais complexos, como os vertebrados, uma combinação de túbulos forma o rim, que possui seis papéis na homeostase. 1- Equilíbrio iônico. 2- Equilíbrio osmótico.Os rins determinam o volume de urina produzido e, portanto, controlam o equilíbrio hídrico. 3- Pressão sanguínea. Pelo controle do volume de sangue, o rim regula a pressão sanguínea em longo prazo. 4- Equilíbrio do pH. O rim auxilia o sistema respiratório no controle do pH dos líquidos corporais. O rim regula o pH do líquido extracelular retendo ou eliminando H+ ou HCO-. 5- Excreção. O rim possui um importante papel na excreção de resíduos nitrogenados, assim comode outras toxinas solúveis em água. 6- Produção de hormônios. A unidade funcional do rim é o néfron. Cada néfron é composto por dois elementos: o túbulo renal e os vasos associados. Um túbulo renal é um tubo formado por uma camada única de células epiteliais. O principal elemento do conjunto de vasos do néfron é o glomérulo, um enovelado de capilares que libera os líquidos para o túbulo. Em um rim característico, alguns néfrons estão dispostos no córtex (néfrons corticais), e outros estão distribuídos parte no córtex e parte na medula (néfrons justamedulares). O túbulo é composto por células epiteliais com propriedades características de transporte que permitem que elas recuperem alguns solutos específicos e eliminem outros. A cápsula de Bowman é a boca do túbulo, uma expansão em forma de taça ao redor do glomérulo. Os líquidos que deixam o glomérulo entram na cápsula de Bowman e se movem em frente pelo lúmen do túbulo através de sucessivas regiões especializadas: o túbulo proximal, a alça de Henle e o túbulo distal. Os líquidos de vários túbulos então drenam para dentro de um ducto coletor. O funcionamento do néfron depende do processa- mento do filtrado de sangue à medida que este passa através do túbulo renal. A urina primária produzida pela filtração é transformada através da reabsorção e da secreção até se tornar a urina final, processos que dependem de especializações celulares. A parede de um capilar glomerular é um complexo filtro biológico que retém as células sanguíneas e as macromoléculas grandes, mas permite a passagem dos componentes líquidos do sangue para dentro do lúmen da cápsula de Bowman. Quando o líquido passa para dentro do lúmen do túbulo, o filtrado é formado. O filtrado, ou urina primária, é essencialmente isosmótico ao sangue. À medida que ele passa através do túbulo, cerca de 99% do volume são recuperados. A transformação da urina primária ocorre à medida que ela passa ao longo de sucessivas regiões do túbulo, cada uma com capacidades de transporte especializadas. O túbulo proximal pode ser um tubo simples e reto ou formar muitas curvas; por esta razão, algumas vezes ele é chamado de túbulo contorcido proximal. As células desta porção executam processos de transporte de solutos dependentes de energia. O túbulo proximal então se transforma e dá origem à alça de Henle. Geralmente, a alça de Henle é dividida em um Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada ramo descendente, uma alça e um ramo ascendente. A primeira parte do ramo descendente da alça de Henle é composta por células muito parecidas com as do túbulo proximal. Estas células são gradualmente substituídas por células epiteliais achatadas. Estas regiões do túbulo geralmente são distinguidas como ramo descendente grosso e ramo descendente fino. Mais adiante no túbulo, o ramo ascendente da alça de Henle se torna espessado. O ramo ascendente pode ser subdividido em ramo ascendente fino e ramo ascendente grosso. Estas distinções são feitas porque as diferenças na forma das células coincidem com as diferenças nas propriedades de transporte. Após a alça de Henle está o túbulo distal, que pode ser simples e reto ou longo e contorcido. Ao contrário do túbulo proximal, a maior parte das células epiteliais do túbulo distal possui membranas simples. O túbulo proximal é especializado em transporte, sendo a região onde ocorre a maior parte da reabsorção de solutos e de água - é capaz de reabsorver quase todos os solutos orgânicos, grande parte do fosfato e 60 a 75% do Na+, do Cl- e da água que estão presentes na urina primária. O gradiente eletroquímico transepitelial também direciona o transporte paracelular de Cl- do lúmen para o líquido intersticial. Como resultado final do movimento de íons e solutos do lúmen para o líquido intersticial peritubular, um aumento na osmolaridade do líquido intersticial gera um gradiente osmótico favorável para o movimento de água. Quando a urina primária passou pelo túbulo proximal, o volume já diminuiu e grande parte dos solutos valiosos já foi recuperada. O restante do túbulo é responsável por recuperar o equilíbrio de solutos e de água, dependendo do estado fisiológico do animal. A próxima região por onde a urina primária irá passar é o ramo descendente da alça de Henle. Esta região do túbulo é especializada no transporte de água, mas não é o principal local de transporte para os solutos. Assim como no túbulo proximal, a água se move através das células epiteliais em resposta à diferença osmótica entre o lúmen e o líquido intersticial. O gradiente osmótico que existe na medula é muito importante para a estratégia de recuperação de água. No limite entre o túbulo proximal e o ramo descendente da alça de Henle, a osmolaridade do líquido intersticial é semelhante à do sangue. À medida que o ramo descendente fica mais profundo na medula, a osmolaridade do líquido intersticial aumenta, retirando a água da urina primária através das células epiteliais. Com a perda de água, mas não de solutos, a osmolaridade da urina primária aumenta, atingindo o máximo na região da curva da alça de Henle. Após a curva do túbulo e quando o retorno em direção ao córtex inicia, a capacidade de transporte das células epiteliais se modifica. Ao invés eliminar água, as células epiteliais têm transportadores de solutos. À medida que o túbulo passa através da medula, a osmolaridade intersticial diminui. Como as células epiteliais podem transportar somente os solutos, o gradiente direciona o movimento dos solutos da urina primária para o líquido intersticial. Após os líquidos saírem da alça de Henle, eles entram no túbulo distal. Esta região do túbulo é um importante local de regulação da captação de solutos e de água sensível a hormônios. Apesar de o túbulo proximal reabsorver a maioria do Na+ e do Cl- presentes na urina primária, o túbulo distal reabsorve grande parte do que permanece de Na+ e Cl-. Assim como para o Na+ e para o Cl-, o túbulo proximal é o principal local de reabsorção de Ca2+ e de Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada Mg2+, mas o túbulo distal é o segmento onde os hormônios exercem seus efeitos na absorção do restante. O túbulo distal é um importante local para reabsorção de água, sob condições onde a recuperação de água é necessária. Em circunstâncias nor mais, as células do túbulo distal fazem pouco transporte de água, mas quando um animal está desidratado, hormônios levam a um aumento no transporte de aguá do lúmen para o líquido intersticial, permitindo a recuperação de água do lúmen tubular. O túbulo distal também é o principal local de secreção de K+ para dentro do túbulo. À medida que a urina primária se move através do túbulo proximal e da alça de Henle, cerca de 90% do K+ são reabsorvidos. No túbulo distal, as célulasepiteliais são capazes de secretar K+. Os ductos coletores atravessam as camadas do rim, conectando os túbulos distais dos néfrons corticais e justamedulares. Suas células secretam K+ e reabsorvem Na+, semelhante àquelas encontradas no túbulo distal. Também há secreção de H+ ou HCO-. Assim como no túbulo distal, os ductos coletores são importantes alvos de alterações reguladoras no movimento de água e de íons, incluindo vias que respondem a hormônios. O rim também possui um importante papel na regulação do equilíbrio ácido-básico. A principal forma pela qual o néfron regula o pH da urina é através do transporte e do metabolismo do H+, do HCO- e da amônia. O equilíbrio ácido-básico, assim como outros importantes papéis dos rins, é regulado diretamente por condições existentes no lúmen tubular e no líquido intersticial, assim como por hormônios que respondem às alterações sistêmicas e controlam res- postas compensatórias. Existe um gradiente osmótico ao longo da medula: baixa osmolaridade próxima ao córtex e alta osmolaridade nas regiões mais profundas da medula. Este gradiente osmótico é produzido e mantido pela disposição da alça de Henle, do ducto coletor e dos vasos retos e por suas ações relacionadas. Os fluxos descendente e ascendente ao longo da alça de Henle criam um multiplicador contracorrente que, em combinação com diferenças na permeabilidade tubular, permite que a urina seja remodelada em relação à concentração de solutos e ao volume. À medida que o líquido flui ao longo do ramo descendente, o interstício ao redor possui uma osmolaridade levemente mais alta. Como somente a água pode atravessar o ramo descendente, o gradiente osmóti- co direciona o movimento de água do lúmen para o líquido intersticial. Este movimento de água tenderia a diminuir a osmolaridade nesta região, desfazendo a força que direciona a recuperação de água. Para contrarregular esta diluição, a região do ramo ascendente adjacente ao ramo descendente bombeia ativamente solutos do lúmen para o líquido intersti- cial, aumentando a osmolaridade do líquido. O ramo ascendente bombeia mais sal do que é necessário para neutralizar os movimentos osmóticos de água do ramo descendente. Este efeito simples – bombeamento excessivo de sais pelo ramo ascendente – é aumentado pelo arranjo contracorrente da alça de Henle. Esta combinação entre os movimentos de água e de sais nas regiões adjacentes da alça de Henle cria o gradiente osmótico da medula. Outro fator que contribui para a formação do gradiente osmótico dentro da medula é a permeabili- dade do ducto coletor à ureia. A ureia entra no túbulo através do glomérulo, mas viaja por ele com pouca reabsorção devido à baixa permeabilidade do túbulo à ureia. Como Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada grande parte da água é removida do filtrado original, a concentração de ureia aumenta drasticamente. A solução concentrada de ureia deixa o túbulo e entra nos ductos coletores. As regiões corticais do ducto coletor possuem baixa permeabilidade à ureia, mas à medida que o ducto coletor passa para as regiões mais profundas da medula, a permeabilidade à ureia aumenta devido à presença de transportadores específicos para ureia. O movimento de ureia para o interstício aumenta a osmolaridade local, contribuin- do para o gradiente osmótico dentro da medula. O gradiente osmótico pode surgir no interior da medula pelo movimento de sais de água entre o túbulo e o líquido intersticial, mas ele é mantido porque o vaso reto trabalha como um trocador contracorrente. Os invertebrados possuem rins primitivos chamados de nefrídios. As esponjas agem de forma semelhante aos protistas no que se refere à excreção de água - elas utilizam vacúolos contráteis simples para expelir os resíduos celulares, incluindo a água, diretamente para o ambiente. Os verdadeiros metazoários possuem células e tecidos específicos dedicados à excreção. Vários animais simples, incluindo a maioria dos diversos grupos de vermes, possuem protonefrídio, um análogo funcional primitivo do túbulo renal dos vertebrados. O protonefrídio nos vermes achatados consiste em um túbulo ramificado com um poro (nefridióporo) em uma extremidade e uma célula encapsulada na outra. Os líquidos são pro- pelidos através do ducto do protonefrídio por flagelos ou cílios que se estendem de células especializadas.O papel dos protonefrídios varia entre as espécies e em relação ao ambiente. Geralmente, os protonefrídios são importantes na osmorregulação. Eles provavelmente não possuem papel na excreção de amônia na maioria das espécies que possuem protonefrídios; estes animais excretam amônia diretamente através da superfície do corpo. O número de protonefrídios difere amplamente entre as espécies. Nefrídios mais complexos, chamados de metanefrídios, ocorrem nos moluscos e nos anelídeos. A maioria dos moluscos possui um único metanefrídio. Os solutos e a água são coletados e expelidos através de um tubo curto chamado de ureter. Os anelídeos possuem um metanefrídio em cada segmento corporal. Em alguns casos, o nefrídio se expande em uma bexiga semelhante a uma bolsa que pode estocar os líquidos. As estruturas celulares destes rins primitivos variam amplamente nos invertebrados, mas a principal diferença entre um protonefrídio e um metanefrídio é a relação com os líquidos corporais. Os protonefrídios utilizam seus flagelos e cílios para impulsionar o líquido intersticial para dentro do lúmen do túbulo. Por outro lado, o ducto de um metanefrídio possui uma abertura interna que coleta os líquidos corporais, tanto do sangue quanto do líquido celômico. O equilíbrio hídrico e iônico nos insetos é regulado pelas ações conjuntas do túbulo de Malpighi e do intestino posterior. O túbulo de Malpighi é uma estrutura tubular com um fundo cego em uma das extremidades e um longo tubo que esvazia no intestino posterior. Espécies que consomem uma grande quantidade de água, como as que se alimentam de gordura, sangue ou de carcaças em decomposição, podem ter estruturas mais complexas que melhoram a filtração. Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada O intestino posterior recebe o fluxo do túbulo de Malpighi. O líquido em geral é levemente hiposmótico em relação à hemolinfa. À medida que passa pelo intestino posterior, o líquido vai sendo modificado por reabsorção e secreção. Os rins dos condrictes produzem urina hiposmótica e retêm ureia. Lembre-se de que os tubarões possuem uma estraté- gia osmótica incomum entre os vertebrados, mantendo seus líquidos corporais levemente hiperosmóticos à água do mar e acumulando ureia em altas concentrações. A urina produzida pelo tubarão é levemente hiposmótica (relativa aos seus tecidos) e próxima da osmolaridade da água do mar. O papel do rim dos peixes difere na água doce e na água do mar. A função do rim depende da osmolaridadeda água. O glomérulo, o qual produz a urina primária, é muito maior nas espécies de água doce do que nas de água do mar. O túbulo distal, o qual funciona na recupe- ração dos sais e na excreção de água, também pode ser muito maior. Os rins dos peixes de água doce produzem grandes volumes de urina hiposmótica. Os rins dos peixes marinhos possuem um papel muito reduzido no equilíbrio hídrico e iônico. Eles produzem pouca urina, que é isosmótica com os líquidos corporais. Os néfrons dos peixes marinhos possuem glomérulos menos complexos, túbulos pro- ximais mais curtos e túbulos distais reduzidos ou ausentes. Alguns peixes marinhos podem não apresentar glomérulos - rins aglomerulares. O rim dos anfíbios se modifica na metamorfose. Como os peixes de água doce, a maioria dos anfíbios que habitam a água deve se livrar do excesso de água que é absorvida do ambiente através de sua pele altamente permeável. Na vida aquática, eles possuem uma pequena necessidade de mecanismos de retenção de líquido. Entretanto, quando os anfíbios estão na terra, eles devem conservar a água. Como os peixes de água doce, os anfíbios possuem rins sem alça de Henle, estrutura que permite que o rim dos mamíferos produza urina hiperosmótica. Enquanto a maioria dos animais terrestres utiliza a bexiga urinária somente como um reservatório de urina antes da micção, os anfíbios utilizam a bexiga como um local de armazenamento de água. A estrutura do rim dos anfíbios se modifica du- rante o desenvolvimento. As fases larvais, assim como as fases larvais dos peixes, possuem um néfron simples chamado de pronéfron. À medida que ocorre a metamorfose para o estágio adulto, o pronéfron é substituído por um rim muito mais semelhante ao dos mamíferos. As variações na morfologia renal entre os répteis, as aves e os mamíferos refletem diferentes soluções para o desafio de evitar a desidratação. O desafio de reduzir a perda de água é maior nos animais de deserto, mas todos os animais terrestres têm diversas formas de adequar a função renal à disponibilidade de água no ambiente. Os répteis modernos reduzem a necessidade de água produzindo ácido úrico como resíduo nitrogenado. Como o ácido úrico é insolúvel, a água não é desperdiçada como um solvente, embora um pouco de água seja utilizado para conduzir o ácido úrico ao longo do lúmen tubular. Esta água pode ser reabsorvida na cloaca. O rim dos répteis possui glomérulos muito reduzidos, e em algumas espécies eles não estão presentes. Assim como nos anfíbios, os néfrons dos répteis não possuem alça de Henle e portanto não são capazes de produzir urina hiperosmótica. Beatriz Garcez ECZ7036 (2018.2) - Fisiologia Animal Comparada Uma das principais inovações na evolução dos vertebrados terrestres foi a alça de Henle. Este segmento estendido entre os túbulos proximal e distal ocorre somente nas aves e nos mamíferos, embora as aves possuam alguns néfrons sem alça de Henle. Devido à alça de Henle, a maioria dos mamíferos é capaz de produzir urina com uma osmolaridade que pode ser até cerca de cinco vezes maior do que a osmolaridade plasmática. O melhor indicador da capacidade do néfron de produzir urina concentrada leva em consideração o tamanho do rim. Como a alça de Henle invade a me- dula, o potencial para produzir urina concentrada é melhor expresso como a espessura medular relativa: a largura da medula relativa à largura total do rim. Os mamíferos que vivem em locais com grande quantidade de água possuem a medula com uma pequena espessura relativa e néfrons com alças de Henle curtas. Por outro lado, os mamíferos que vivem em ambientes muito secos possuem a medula com uma grande espessura relativa e néfrons com alças de Henle longas que produzem urina altamente concentrada, normalmente quatro a cinco vezes mais concentrada que a maioria dos mamíferos.
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