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NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS 1 Conceito..............................................................................................................................................................................................................................01 2 Evolução. ............................................................................................................................................................................................................................03 3 Abrangência. .....................................................................................................................................................................................................................08 4 Sistema de Proteção. .....................................................................................................................................................................................................08 5 Convenção americana sobre direitos humanos (Pacto de São José e Decreto nº 678/1992). .....................................................20 1 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS Prof. Ma. Bruna Pinotti Garcia Oliveira Advogada e pesquisadora. Doutoranda em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília – UNB. Mestre em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípides de Marília (UNIVEM) – bolsista CAPES. Professora de curso preparatório para concursos e universitária (Universidade Federal de Goiás – UFG e Faculdade do Noroeste de Minas – FINOM). Autora de diversos trabalhos científicos publicados em revistas qualificadas, anais de eventos e livros, notadamente na área do direito eletrônico, dos direitos humanos e do direito constitucional. 1 CONCEITO. Teoria geral dos direitos humanos é o estudo dos direitos humanos, desde os seus elementos básicos como conceito, características, fundamentação e finalidade, passando pela análise histórica e chegando à compreensão de sua estrutura normativa. Na atualidade, a primeira noção que vem à mente quando se fala em direitos humanos é a dos documentos internacionais que os consagram, aliada ao processo de transposição para as Constituições Federais dos países democráticos. Contudo, é possível aprofundar esta noção se tomadas as raízes históricas e filosóficas dos direitos humanos, as quais serão abordadas em detalhes adiante, acrescentando-se que existem direitos inatos ao homem independentemente de previsão expressa por serem elementos essenciais na construção de sua dignidade. Logo, um conceito preliminar de direitos humanos pode ser estabelecido: direitos humanos são aqueles inerentes ao homem enquanto condição para sua dignidade que usualmente são descritos em documentos internacionais para que sejam mais seguramente garantidos. A conquista de direitos da pessoa humana é, na verdade, uma busca da dignidade da pessoa humana. O direito natural se contrapõe ao direito positivo, localizado no tempo e no espaço: tem como pressuposto a ideia de imutabilidade de certos princípios, que escapam à história, e a universalidade destes princípios transcendem a geografia. A estes princípios, que são dados e não postos por convenção, os homens têm acesso através da razão comum a todos (todo homem é racional), e são estes princípios que permitem qualificar as condutas humanas como boas ou más, qualificação esta que promove uma contínua vinculação entre norma e valor e, portanto, entre Direito e Moral.1 As premissas dos direitos humanos se encontram no conceito de lei natural. Lei natural é aquela inerente à humanidade, independentemente da norma imposta, e que deve ser respeitada acima de tudo. O conceito de lei 1 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia. das Letras, 2009. natural foi fundamental para a estruturação dos direitos dos homens, ficando reconhecido que a pessoa humana possui direitos inalienáveis e imprescritíveis, válidos em qualquer tempo e lugar, que devem ser respeitados por todos os Estados e membros da sociedade. O direito natural é, então, comum a todos e, ligado à própria origem da humanidade, representa um padrão geral, funcionando como instrumento de validação das ordens positivas2. O direito natural, na sua formulação clássica, não é um conjunto de normas paralelas e semelhantes às do direito positivo, e sim o fundamento deste direito positivo, sendo formado por normas que servem de justificativa a este, por exemplo: “deve se fazer o bem”, “dar a cada um o que lhe é devido”, “a vida social deve ser conservada”, “os contratos devem ser observados” etc.3 Em literatura, destaca-se a obra do filósofo Sófocles4 intitulada Antígona, na qual a personagem se vê em conflito entre seguir o que é justo pela lei dos homens em detrimento do que é justo por natureza quando o rei Creonte impõe que o corpo de seu irmão não seja enterrado porque havia lutado contra o país. Neste sentido, a personagem Antígona defende, ao ser questionada sobre o descumprimento da ordem do rei: “sim, pois não foi decisão de Zeus; e a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; tampouco acredito que tua proclamação tenha legitimidade para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, nunca escritas, porém irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém pode dizer desde quando vigoram! Decretos como o que proclamaste, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem merecer a punição dos deuses! [...]”. O desrespeito às normas de direito natural - e porque não dizer de direitos humanos - leva à invalidade da norma que assim o preveja (Ex: autorizar a tortura para fins de investigação penal e processual penal não é simplesmente inconstitucional, é mais que isso, por ser inválida perante a ordem internacional de garantia de direitos naturais/ humanos uma norma que contrarie a dignidade inerente ao homem sob o aspecto da preservação de sua vida e integridade física e moral). Enfim, quando questões inerentes ao direito natural passam a ser colocadas em textos expressos tem-se a formação de um conceito contemporâneo de direitos humanos. Entre outros documentos a partir dos quais tal concepção começou a ganhar forma, destacam-se: Magna Carta de 1215, Bill of Rights ao final do século XVII e Constituições da Revolução Francesa de 1789 e Americana de 1787. No entanto, o documento que constitui o marco mais significativo para a formação de uma concepção contemporânea de direitos humanos é a 2 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia. das Letras, 2009. 3 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direi- to. 26. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 4 SÓFOCLES. Édipo rei / Antígona. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2003. 2 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Após ela, muitos outros documentos relevantes surgiram, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional de Direitos Humanos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, além da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, entre outros. Os direitos humanos possuem as seguintes características principais: 1) Historicidade: os direitos humanos possuem antecedentes históricos relevantes e, através dos tempos, adquirem novas perspectivas. Nesta característica se enquadra a noção de dimensões de direitos. 2) Universalidade: os direitos humanos pertencem a todos e por isso se encontram ligados a um sistema global (ONU), o que impede o retrocesso. 3) Inalienabilidade: os direitos humanosnão possuem conteúdo econômico-patrimonial, logo, são intransferíveis, inegociáveis e indisponíveis, estando fora do comércio, o que evidencia uma limitação do princípio da autonomia privada. 4) Irrenunciabilidade: direitos humanos não podem ser renunciados pelo seu titular devido à fundamentalidade material destes direitos para a dignidade da pessoa humana. 5) Inviolabilidade: direitos humanos não podem deixar de ser observados por disposições infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, sob pena de nulidades. 6) Indivisibilidade: os direitos humanos compõem um único conjunto de direitos porque não podem ser analisados de maneira isolada, separada. 7) Imprescritibilidade: os direitos humanos não se perdem com o tempo, não prescrevem, uma vez que são sempre exercíveis e exercidos, não deixando de existir pela falta de uso (prescrição). 8) Complementaridade: os sistemas regionais descentralizam a ONU para respeitar a complementaridade, ou seja, os diferentes elementos de base cultural, religiosa e social das diversas regiões. 9) Interdependência: as dimensões de direitos humanos apresentam uma relação orgânica entre si, logo, a dignidade da pessoa humana deve ser buscada por meio da implementação mais eficaz e uniforme das liberdades clássicas, dos direitos sociais, econômicos e de solidariedade como um todo único e indissolúvel. 10) Efetividade: para dar efetividade aos direitos humanos a ONU se subdivide, isto é, o tratamento é global mas certas áreas irão cuidar de determinados direitos de suas regiões. Além disso, há uma descentralização para os sistemas regionais para preservar a complementaridade, sem a qual não há efetividade. Reflete tal característica a aplicabilidade imediata dos direitos humanos prevista no art. 5°, §1° da Constituição Federal. 11) Relatividade: o princípio da relatividade dos direitos humanos possui dois sentidos: por um, o multiculturalismo existente no globo impede que a universalidade se consolide plenamente, de forma que é preciso levar em consideração as culturas locais para compreender adequadamente os direitos humanos; por outro, os direitos humanos não podem ser utilizados como um escudo para práticas ilícitas ou como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade por atos ilícitos, assim os direitos humanos não são ilimitados e encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados como humanos. A finalidade primordial dos direitos humanos é garantir que a dignidade do homem não seja violada, estabelecendo um rol de bens jurídicos fundamentais que merecem proteção inerentes, basicamente, aos direitos civis (vida, segurança, propriedade e liberdade), políticos (participação direta e indireta nas decisões políticas), econômicos (trabalho), sociais (igualdade material, educação, saúde e bem-estar), culturais (participação na vida cultural) e ambientais (meio ambiente saudável, sustentabilidade para as futuras gerações). Percebe-se uma proximidade entre os direitos humanos e os direitos fundamentais do homem, o que ocorre porque o valor da pessoa humana na qualidade de valor-fonte da ordem de vida em sociedade fica expresso juridicamente nestes direitos fundamentais do homem. Finalizando o tópico, estuda-se a estrutura normativa dos direitos humanos. Na verdade, ela se assemelha com a estrutura normativa do próprio direito internacional, já que os direitos humanos designam notadamente os direitos afirmados universalmente em documentos internacionais, registrados perante organizações internacionais diversas. A formação de uma estrutura normativa de direitos humanos pode ser remontada ao processo de internacionalização destes direitos, que é relativamente recente, remetendo-se ao pós-guerra enquanto resposta às atrocidades e aos terrores cometidos durante o nazismo, notadamente diante da lógica de destruição de Hitler e da descartabilidade da pessoa humana por ele pregada que gerou o extermínio de 11 milhões de pessoas, tudo com embasamento legal. Logo, se a Segunda Guerra Mundial foi uma ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra foi o marco para o reencontro com estes5, consolidando- se o processo de formação dos sistemas internacionais de proteção pouco a pouco. Os sistemas internacionais de proteção de direitos humanos se estabelecem no âmbito de organizações internacionais, conforme as regras e princípios de direito internacional. Globalmente, coexistem sistemas geral e especial de proteção de direitos humanos, que funcionam complementarmente. Nesta linha, o sistema especial realça o processo de especificação do sujeito de Direito, passando ele a ser visto em sua especificidade e concreticidade (ex: criança, grupos vulneráveis, mulher). Já o sistema geral é endereçado a toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Não obstante, junto ao sistema normativo global existem os sistemas normativos regionais de proteção, internacionalizando direitos humanos no 5 PIOVESAN, Flávia. Introdução ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: a convenção americana de direitos humanos. In: GOMES, Luís Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coord.). O siste- ma interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 3 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS plano regional, notadamente Europa, América e África, cada qual com aparato jurídico próprio6. Tais sistemas coexistem de forma complementar, junto com o próprio sistema nacional de proteção (caráter interno). 1) Sistema global de proteção: estabelece-se notadamente no âmbito da Organização das Nações Unidas, primeira e mais importante organização internacional no processo de internacionalização dos direitos humanos. Ela foi criada em 1945 para manter a paz e a segurança internacionais, bem como promover relações de amizade entre as nações, cooperação internacional e respeito aos direitos humanos7. Ao lado da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Carta das Nações Unidas de 1945 é considerada um dos principais marcos à concepção contemporânea de direitos humanos. No entanto, muitos outros documentos compõem a estrutura normativa de proteção dos direitos humanos no âmbito global. Em destaque: Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966; Estatuto de Roma de 1998; Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher de 1979; Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1975; Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1984; Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989; Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006; Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos de 1955; etc. São inúmeros os documentos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos, algum de caráter genérico, outros de caráter específico. 2) Sistema regional de proteção: os sistemas de proteção regionais mais consistentes são o interamericano e o europeu. O africano também, aos poucos, toma novos rumos, enquanto que o islamo-arábico permanece na total inefetividade. O Brasil faz parte do sistema interamericano de proteção de direitos humanos. A Carta da Organização dos Estados Americanos, que criou a Organização dos Estados Americanos, foi celebrada na IX Conferência Internacional Americana de 30 de abril de 1948, em Bogotá e entrou em vigência no dia 13 de dezembro de 1951, sendo reformada pelos protocolos de Buenos Aires (27 de fevereiro de 1967), de Cartagena das Índias (5 de dezembro de 1985), de Washington (14de dezembro de 1992) e de Manágua (10 de junho de 1993). Após a criação da OEA, foi elaborado o mais importante documento de proteção de direitos humanos no âmbito interamericano, o Pacto de San José da Costa Rica, também chamado de Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969. 6 PIOVESAN, Flávia. Introdução ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: a convenção americana de direitos humanos. In: GOMES, Luís Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coord.). O siste- ma interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 7 NEVES, Gustavo Bregalda. Direito Internacional Público & Direito Internacional Privado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. “O processo preparatório do chamado Pacto de San José teve presente a questão da coexistência e coordenação da nova Convenção regional com os instrumentos internacionais de direitos humanos das Nações Unidas. Com a entrada em vigor da Convenção, prevendo o estabelecimento de uma Comissão e uma Corte Interamericanas de Direitos Humanos, surgiram questões como a ‘transição’ entre o regime pré-existente e o da Convenção no tocante ao labor da Comissão”8. Destacam-se, ainda, documentos regionais interamericanos voltados à proteção de determinados direitos humanos: Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher de 1994, Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência de 1999, Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 1985, etc. 3) Sistema nacional de proteção: o sistema interno de proteção dos direitos humanos se forma com a institucionalização destes direitos no texto das Constituições democráticas, bem como com a incorporação no âmbito interno dos tratados internacionais dos quais o país seja signatário, mediante o devido processo legal. 2 EVOLUÇÃO. O surgimento dos direitos humanos está envolvido num histórico complexo no qual pesaram vários fatores: tradição humanista, recepção do direito romano, senso comum da sociedade da Europa na Idade Média, tradição cristã, entre outros9. Com efeito, são muitos os elementos relevantes para a formação do conceito de direitos humanos tal qual perceptível na atualidade de forma que é difícil estabelecer um histórico linear do processo de formação destes direitos. Entretanto, é possível apontar alguns fatores históricos e filosóficos diretamente ligados à construção de uma concepção contemporânea de direitos humanos. É a partir do período axial (800 a.C. a 200 a.C.), ou seja, mesmo antes da existência de Cristo, que o ser humano passou a ser considerado, em sua igualdade essencial, como um ser dotado de liberdade e razão. Surgiam assim os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para a afirmação da existência de direitos universais, porque a ela inerentes. Durante este período que despontou a ideia de uma igualdade essencial entre todos os homens. Contudo, foram necessários vinte e 8 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O sistema interame- ricano de direitos humanos no limiar do novo século: recomendações para o fortalecimento de seu mecanismo de proteção. In: GOMES, Luís Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coord.). O sistema interamericano de pro- teção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 9 COSTA, Paulo Sérgio Weyl A. Direitos Humanos e Crítica Moderna. Revista Jurídica Consulex. São Paulo, ano XIII, n. 300, p. 27-29, jul. 2009. 4 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS cinco séculos para que a Organização das Nações Unidas - ONU, que pode ser considerada a primeira organização internacional a englobar a quase-totalidade dos povos da Terra, proclamasse, na abertura de uma Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”10. No berço da civilização grega continuou a discussão a respeito da existência de uma lei natural inerente a todos os homens. As premissas da concepção de lei natural estão justamente na discussão promovida na Grécia antiga, no espaço da polis. Neste sentido, destaca Assis11 que, originalmente, a concepção de lei natural está ligada não só à de natureza, mas também à de diké: a noção de justiça simbolizada a partir da deusa diké é muito ampla e abstrata, mas com a legislação passou a ter um conteúdo palpável, de modo que a justiça deveria corresponder às leis da cidade; entretanto, é preciso considerar que os costumes primitivos trazem o justo por natureza, que pode se contrapor ao justo por convenção ou legislação, devendo prevalecer o primeiro, que se refere ao naturalmente justo, sendo esta a origem da ideia de lei natural. De início, a literatura grega trouxe na obra Antígona uma discussão a respeito da prevalência da lei natural sobre a lei posta. Na obra, a protagonista discorda da proibição do rei Creonte de que seu irmão fosse enterrado, uma vez que ele teria traído a pátria. Assim, enterra seu irmão e argumenta com o rei que nada do que seu irmão tivesse feito em vida poderia dar o direito ao rei de violar a regra imposta pelos deuses de que todo homem deveria ser enterrado para que pudesse partir desta vida: a lei natural prevaleceria então sobre a ordem do rei.12 Os sofistas, seguidores de Sócrates (470 a.C. - 399 a.C.), o primeiro grande filósofo grego, questionaram essa concepção de lei natural, pois a lei estabelecida na polis, fruto da vontade dos cidadãos, seria variável no tempo e no espaço, não havendo que se falar num direito imutável; ao passo que Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), que o sucedeu, estabeleceu uma divisão entre a justiça positiva e a natural, reconhecendo que a lei posta poderia não ser justa13. Aristóteles14 argumenta: “lei particular é aquela que cada comunidade determina e aplica a seus próprios membros; ela é em parte escrita e em parte não escrita. A lei universal é a lei da natureza. Pois, de fato, há em cada um alguma medida do divino, uma justiça natural e uma injustiça que está associada a todos os homens, mesmo naqueles que não têm associação ou pacto com outro”. Nesta linha, destaca-se o surgimento do estoicismo, doutrina que se desenvolveu durante seis séculos, desde os últimos três séculos anteriores à era cristã até os primeiros três séculos desta era, mas que trouxe ideias 10 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 11 ASSIS, Olney Queiroz. O estoicismo e o Direito: justiça, liberdade e poder. São Paulo: Lúmen, 2002. 12 SÓFOCLES. Édipo rei / Antígona. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2003. 13 ASSIS, Olney Queiroz. O estoicismo e o Direito: justiça, liberdade e poder. São Paulo: Lúmen, 2002. 14 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007. que prevaleceram durante toda a Idade Média e mesmo além dela. O estoicismo organizou-se em torno de algumas ideias centrais, como a unidade moral do ser humano e a dignidade do homem, considerado filho de Zeus e possuidor, como consequência, de direitos inatos e iguais em todas as partes do mundo, não obstante as inúmeras diferenças individuais e grupais15. Influenciado pelos estóicos, Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), um dos principais pensadores do período da jovem república romana, também defendeu a existência de uma lei natural. Neste sentido é a assertiva de Cícero16: “a razão reta, conforme à natureza, gravada em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus mandados, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte,nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo senado; não há que procurar para ela outro comentador nem intérprete; não é uma lei em Roma e outra em Atenas, - uma antes e outra depois, mas uma, sempiterna e imutável, entre todos os povos e em todos os tempos”. Com a queda do Império Romano, iniciou-se o período medieval, predominantemente cristianista. Um dos grandes pensadores do período, Santo Tomás de Aquino (1225 d.C. -1274 d.C.)17, supondo que o mundo e toda a comunidade do universo são regidos pela razão divina e que a própria razão do governo das coisas em Deus fundamenta-se em lei, entendeu que existe uma lei eterna ou divina, pois a razão divina nada concebe no tempo e é sempre eterna. Com base nisso, Aquino18 chamou de lei natural “a participação da lei eterna na lei racional”. Sobre o conteúdo da lei natural, definiu Aquino (2005, p. 562) que “todas aquelas coisas que devem ser feitas ou evitadas pertencem aos preceitos da lei de natureza, que a razão prática naturalmente apreende ser bens humanos”. Logo, a lei natural determina o agir virtuoso, o que se espera do homem em sociedade, independentemente da lei humana. Com a concepção medieval de pessoa humana é que se iniciou um processo de elaboração em relação ao princípio da igualdade de todos, independentemente das diferenças existentes, seja de ordem biológica, seja de ordem cultural. Foi assim, então, que surgiu o conceito universal de direitos humanos, com base na igualdade essencial da pessoa19. 15 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 16 CÍCERO, Marco Túlio. Da República. Tradução Amador Cis- neiros. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995. 17 AQUINO, Santo Tomás de. Suma teológica. Tradução Aldo Vannucchi e Outros. Direção Gabriel C. Galache e Fidel García Rodrí- guez. Coordenação Geral Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira. Edição Joaquim Pereira. São Paulo: Loyola, 2005b. v. VI, parte II, seção II, ques- tões 57 a 122. 18 AQUINO, Santo Tomás de. Suma teológica. Tradução Aldo Vannucchi e Outros. Direção Gabriel C. Galache e Fidel García Rodrí- guez. Coordenação Geral Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira. Edição Joaquim Pereira. São Paulo: Loyola, 2005b. v. VI, parte II, seção II, ques- tões 57 a 122. 19 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 5 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS No processo de ascensão do absolutismo europeu, a monarquia da Inglaterra encontrou obstáculos para se estabelecer no início do século XIII, sofrendo um revés. Ao se tratar da formação da monarquia inglesa, em 1215 os barões feudais ingleses, em uma reação às pesadas taxas impostas pelo Rei João Sem-Terra, impuseram-lhe a Magna Carta. Referido documento, em sua abertura, expõe a noção de concessão do rei aos súditos, estabelece a existência de uma hierarquia social sem conceder poder absoluto ao soberano, prevê limites à imposição de tributos e ao confisco, constitui privilégios à burguesia e traz procedimentos de julgamento ao prever conceitos como o de devido processo legal, habeas corpus e júri. Não que a carta se assemelhe a uma declaração de direitos humanos, principalmente ao se considerar que poucos homens naquele período eram de fato livres, mas ela foi fundamental naquele contexto histórico de falta de limites ao soberano20. A Magna Carta de 1215 instituiu ainda um Grande Conselho que foi o embrião para o Parlamento inglês, embora isto não signifique que o poder do rei não tenha sido absoluto em certos momentos, como na dinastia Tudor. Havia um absolutismo de fato, mas não de Direito. Em geral, o absolutismo europeu foi marcado profundamente pelo antropocentrismo, colocando o homem no centro do universo, ocupando o espaço de Deus. Naturalmente, as premissas da lei natural passaram a ser questionadas, já que geralmente se associavam à dimensão do divino. A negação plena da existência de direitos inatos ao homem implicava em conferir um poder irrestrito ao soberano, o que gerou consequências que desagradavam a burguesia. O príncipe, obra de Maquiavel (1469 d.C. - 1527 d.C.) considerada um marco para o pensamento absolutista, relata com precisão este contexto no qual o poder do soberano poderia se sobrepor a qualquer direito alegadamente inato ao ser humano desde que sua atitude garantisse a manutenção do poder. Maquiavel21 considera “na conduta dos homens, especialmente dos príncipes, contra a qual não há recurso, os fins justificam os meios. Portanto, se um príncipe pretende conquistar e manter o poder, os meios que empregue serão sempre tidos como honrosos, e elogiados por todos, pois o vulgo atenta sempre para as aparências e os resultados”. Os monarcas dos séculos XVI, XVII e XVIII agiam de forma autocrática, baseados na teoria política desenvolvida até então que negava a exigência do respeito à Ética, logo, ao direito natural, no espaço público. Somente num momento histórico posterior se permitiu algum resgate da aproximação entre a Moral e o Direito, qual seja o da Revolução Intelectual dos séculos XVII e XVIII, com o movimento do Iluminismo, que conferiu alicerce para as Revoluções Francesa e Industrial - ainda assim a visão antropocentrista permaneceu, mas começou a se consolidar a ideia de que não era possível que o soberano impusesse tudo incondicionalmente aos seus súditos. 20 AMARAL, Sérgio Tibiriçá. Magna Carta: Algumas Contribui- ções Jurídicas. Revista Intertemas: revista da Toledo. Presidente Pru- dente, ano 09, v. 11, p. 201-227, nov. 2006. 21 MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007. Com efeito, quando passou a se questionar o conceito de Soberano, ao qual todos deveriam obediência mas que não deveria obedecer a ninguém. Indagou-se se os indivíduos que colocaram o Soberano naquela posição (pois sem povo não há Soberano) teriam direitos no regime social e, em caso afirmativo, quais seriam eles. As respostas a estas questões iniciam uma visão moderna do direito natural, reconhecendo-o como um direito que acompanha o cidadão e não pode ser suprimido em nenhuma circunstância.22 Antes que despontassem as grandes revoluções que interromperam o contexto do absolutismo europeu, na Inglaterra houve uma árdua discussão sobre a garantia das liberdades pessoais, ainda que o foco fosse a proteção do clero e da nobreza. Quando a dinastia Stuart tentou transformar o absolutismo de fato em absolutismo de direito, ignorando o Parlamento, este impôs ao rei a Petição de Direitos de 1948, que exigia o cumprimento da Magna Carta de 1215. Contudo, o rei se recusou a fazê- lo, fechando por duas vezes o Parlamento, sendo que a segunda vez gerou uma violenta reação que desencadeou uma guerra civil. Após diversas transições no trono inglês, despontou a Revolução Gloriosa que durou de 1688 até 1689, conferindo-se o trono inglês a Guilherme de Orange, que aceitou a Declaração de Direitos - Bill of Rights. Todo este movimento resultou, assim, nas garantias expressas do habeas corpus e do Bill of Rights de 1698. Por sua vez, a instituição-chave para a limitação do poder monárquico e para garantia das liberdades na sociedade civil foi o Parlamento e foi a partir do Bill of Rights britânico que surgiu a ideia de governo representativo, ainda que não do povo, mas pelo menos de suas camadas superiores23. Tais ideias liberais foram importantes como base para o Iluminismo, que se desencadeou por toda a Europa. Destaca-se que quando isso ocorreu, em meados do século XVIII, se dava o advento do capitalismo em sua fase industrial. O processo de formação do capitalismo e a ascensão da burguesia trouxeram implicações profundas no campo teórico, gerando o Iluminismo. O Iluminismo lançou basepara os principais eventos que ocorreram no início da Idade Contemporânea, quais sejam as Revoluções Francesa, Americana e Industrial. Tiveram origem nestes movimentos todos os principais fatos do século XIX e do início do século XX, por exemplo, a disseminação do liberalismo burguês, o declínio das aristocracias fundiárias e o desenvolvimento da consciência de classe entre os trabalhadores24. Jonh Locke (1632 d.C. - 1704 d.C.) foi um dos pensadores da época, transportando o racionalismo para a política, refutando o Estado Absolutista, idealizando o direito de rebelião da sociedade civil e afirmando que o contrato 22 COSTA, Paulo Sérgio Weyl A. Direitos Humanos e Crítica Moderna. Revista Jurídica Consulex. São Paulo, ano XIII, n. 300, p. 27-29, jul. 2009. 23 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 24 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. 43. ed. Atualização Robert E. Lerner e Standisch Meacham. São Paulo: Globo, 2005. v. 2. 6 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS entre os homens não retiraria o seu estado de liberdade. Ao lado dele, pode ser colocado Montesquieu (1689 d.C. - 1755 d.C.), que avançou nos estudos de Locke e na obra O Espírito das Leis estabeleceu em definitivo a clássica divisão de poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Por fim, merece menção o pensador Rousseau (1712 d.C. - 1778 d.C.), defendendo que o homem é naturalmente bom e formulando na obra O Contrato Social a teoria da vontade geral, aceita pela pequena burguesia e pelas camadas populares face ao seu caráter democrático. Enfim, estes três contratualistas trouxeram em suas obras as ideias centrais das Revoluções Francesa e Americana. Em comum, defendiam que o Estado era um mal necessário, mas que o soberano não possuía poder divino/absoluto, sendo suas ações limitadas pelos direitos dos cidadãos submetidos ao regime estatal. No entanto, Rousseau era o pensador que mais se diferenciava dos dois anteriores, que eram mais individualistas e trouxeram os principais fundamentos do Estado Liberal, porque defendia a entrega do poder a quem realmente estivesse legitimado para exercê-lo, pensamento que mais se aproxima da atual concepção de democracia. 1) O primeiro grande movimento desencadeado foi a Revolução Americana. Em 1776 se deu a independência das treze Colônias da América Continental Britânica, registrada na Declaração de Direitos do Homem e, posteriormente, na Declaração de Independência. Após diversas batalhas, a Inglaterra reconheceu a independência em 1783. Destacam-se alguns pontos do primeiro documento: o artigo I do referido documento assegura a igualdade de todos de maneira livre e independente, considerando esta como um direito inato; o artigo II estabelece que o poder pertence ao povo e que o Estado é responsável perante ele; o artigo V prevê a separação dos poderes e o artigo VI institui a realização de eleições diretas, necessariamente. A declaração americana estava mais voltada aos americanos do que à humanidade, razão pela qual a Revolução Francesa costuma receber mais destaque num cenário histórico global. 2) Já a Revolução Francesa decorreu da incapacidade do governo de resolver sua crise financeira, ascendendo com isso a classe burguesa (sans-culottes), sendo o primeiro evento de tal ascensão a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, seguida por outros levantes populares. Derrubados os privilégios das classes dominantes, a Assembleia se reuniu para o preparo de uma carta de liberdades, que veio a ser a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.25 Entre outras noções, tal documento previu: a liberdade e igualdade entre os homens quanto aos seus direitos (artigo 1º), a necessidade de conservação dos seus direitos naturais, quais sejam a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão (artigo 2º); a limitação do direito de liberdade somente por lei (artigo 4º); o princípio da legalidade (artigo 7º); o princípio da inocência (artigo 9º); a manifestação livre do pensamento (artigos 10 e 11); e a necessária separação de poderes (artigo 16). 25 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. 43. ed. Atualização Robert E. Lerner e Standisch Meacham. São Paulo: Globo, 2005. v. 2. 3) Por sua vez, a Revolução Industrial, que começou na Inglaterra, criou o sistema fabril, o que reformulou a vida de homens e mulheres pelo mundo todo, não só pelos avanços tecnológicos, mas notadamente por determinar o êxodo de milhões de pessoas do interior para as cidades. Os milhares de trabalhadores se sujeitavam a jornadas longas e desgastantes, sem falar nos ambientes insalubres e perigosos, aos quais se sujeitavam inclusive as crianças. Neste contexto, surgiu a consciência de classe26, lançando- se base para uma árdua luta pelos direitos trabalhistas. Fato é que quanto maior a autonomia de vontade - buscada nas revoluções anteriores - melhor funciona o mercado capitalista, beneficiando quem possui maior número de bens. Assim, a classe que detinha bens, qual seja a burguesia, ampliou sua esfera de poder, enquanto que o proletariado passou a ser vítima do poder econômico. No Estado Liberal, aquele que não detém poder econômico fica desprotegido. O indivíduo da classe operária sozinho não tinha defesa, mas descobriu que ao se unir com outros em situação semelhante poderia conquistar direitos. Para tanto, passaram a organizar greves. Nasceu, assim, o direito do trabalho, voltado à proteção da vítima do poder econômico, o trabalhador. Parte-se do princípio da hipossuficiência do trabalhador, que é o princípio da proteção e que gerou os princípios da primazia, da irredutibilidade de vencimentos e outros. Nota-se que no campo destes direitos e dos demais direitos econômicos, sociais e culturais não basta uma postura do indivíduo: é preciso que o Estado interfira e controle o poder econômico. Entre os documentos relevantes que merecem menção nesta esfera, destacam-se: Constituição do México de 1917, Constituição Alemã de Weimar de 1919 e Tratado de Versalhes de 1919, sendo que o último instituiu a Organização Internacional do Trabalho - OIT (que emitia convenções e recomendações) e pôs fim à Primeira Guerra Mundial. No final do século XIX e no início de século XX, o mundo passou por variadas crises de instabilidade diplomática, posto que vários países possuíam condições suficientes para se sobreporem sobre os demais, resultado dos avanços tecnológicos e das melhorias no padrão de vida da sociedade. Neste contexto, surgiram condições para a eclosão das duas Guerras Mundiais, eventos que alteraram o curso da história da civilização ocidental. Entre estas, destaca-se a Segunda Guerra Mundial, cujos eventos foram marcados pela desumanização: todos com o devido respaldo jurídico perante o ordenamento dos países que determinavam os atos. A teoria jurídica que conferiu fundamento a um Direito que aceitasse tantas barbáries, sem perder a sua validade, foi o Positivismo que teve como precursor Hans Kelsen, com a obra Teoria Pura do Direito. 26 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. 43. ed. Atualização Robert E. Lerner e Standisch Meacham. São Paulo: Globo, 2005. v. 2. 7 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS No entender de Kelsen27, a justiça não é a característica que distingue o Direito das outras ordens coercitivas porque é relativo o juízo de valor segundo o qual uma ordem pode ser considerada justa. Percebe-se que a Moral é afastada como conteúdo necessário do Direito, já que a justiça é o valor moral inerente ao Direito. .A Segunda Guerra Mundial chegou ao fim somente em 1945, após uma sucessãode falhas alemãs, que impediram a conquista de Moscou, desprotegeram a Itália e impossibilitaram o domínio da região setentrional da Rússia (produtora de alimentos e petróleo). Já o evento que culminou na rendição do Japão foi o lançamento das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. O mundo somente tomou conhecimento da extensão da tirania alemã quando os exércitos Aliados abriram os campos de concentração na Alemanha e nos países por ela ocupados, encontrando prisioneiros famintos, doentes e brutalizados, além de milhões de corpos dos judeus, poloneses, russos, ciganos, homossexuais e traidores do Reich em geral, que foram perseguidos, torturados e mortos28. Vale ressaltar a constituição de um órgão que foi o responsável por redigir o primeiro documento de relevância internacional abrangendo a questão dos direitos humanos. Em 26 de junho de 1945 foi assinada a carta de organização das Nações Unidas, que tem por fundamento o princípio da igualdade soberana de todos os estados que buscassem a paz, possuindo uma Assembleia Geral, um Conselho de Segurança, uma Secretaria, em Conselho Econômico e Social, um Conselho de Mandatos e um Tribunal Internacional de Justiça29. Entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946 realizou-se o Tribunal de Nuremberg, ao qual foram submetidos a julgamento os principais líderes nazistas, o principal argumento levantado foi o de que todas as ações praticadas foram baseadas em ordens superiores, todas dotadas de validade jurídica perante a Constituição. Explica Lafer30: “No plano do Direito, uma das maneiras de assegurar o primado do movimento foi o amorfismo jurídico da gestão totalitária. Este amorfismo reflete- se tanto em matéria constitucional quanto em todos os desdobramentos normativos. A Constituição de Weimar nunca foi ab-rogada durante o regime nazista, mas a lei de plenos poderes de 24 de março de 1933 teve não só o efeito de legalizar a posse de Hitler no poder como o de legalizar geral e globalmente as suas ações futuras. Dessa maneira, como apontou Carl Schmitt - escrevendo depois da II Guerra Mundial -, Hitler foi confirmado no poder, tornando-se a fonte de toda legalidade positiva, em virtude 27 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6. ed. Tradução João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 28 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. 43. ed. Atualização Robert E. Lerner e Standisch Meacham. São Paulo: Globo, 2005. v. 2. 29 BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental: do homem das cavernas às naves espaciais. 43. ed. Atualização Robert E. Lerner e Standisch Meacham. São Paulo: Globo, 2005. v. 2. 30 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia. das Letras, 2009. de uma lei do Parlamento que modificou a Constituição. Também a Constituição stalinista de 1936, completamente ignorada na prática, nunca foi abolida”. No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas elaborou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um dos principais pensadores que contribuiu para a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 foi Maritain31, que entendia que os direitos humanos da pessoa como tal se fundamentam no fato de que a pessoa humana é superior ao Estado, que não pode impor a ela determinados deveres e nem retirar dela alguns direitos, por ser contrário à lei natural. Em suma, para o filósofo o homem ético é fiel aos valores da verdade, da justiça e do amor, e segue a doutrina cristã para determinar seus atos: tais elementos determinam o agir moral e levam à produção do bem na sociedade humanista integral. Moraes32 lembra que a Declaração de 1948 foi a mais importante conquista no âmbito dos direitos humanos fundamentais em nível internacional, muito embora o instrumento adotado tenha sido uma resolução, não constituindo seus dispositivos obrigações jurídicas dos Estados que a compõem. O fato é que desse documento se originaram muitos outros, nos âmbitos nacional e internacional, sendo que dois deles praticamente repetem e pormenorizam o seu conteúdo, quais sejam: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966. Ainda internacionalmente, após os pactos mencionados, vários tratados internacionais surgiram. Nesta linha, Piovesan33 apontou os seguintes documentos: Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, Convenção sobre os Direitos da Criança, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Convenção contra a Tortura, etc. Ao lado do sistema global surgiram os sistemas regionais de proteção, que buscam internacionalizar os direitos humanos no plano regional, em especial na Europa, na América e na África34. Resultou deste processo a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969. No âmbito nacional, destacam-se as positivações nos textos das Constituições Federais. Afinal, como explica Lafer35, a afirmação do jusnaturalismo moderno de um 31 MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1967. 32 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos artigos 1º a 5º da Constituição da Repú- blica Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1997. 33 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Consti- tucional Internacional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 34 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Consti- tucional Internacional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 35 LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia. das Letras, 2009. 8 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS direito racional, universalmente válido, gerou implicações relevantes na teoria constitucional e influenciou o processo de codificação a partir de então. Embora muitos direitos humanos também se encontrem nos textos constitucionais, aqueles não positivados na Carta Magna também possuem proteção porque o fato de este direito não estar assegurado constitucionalmente é uma ofensa à ordem pública internacional, ferindo o princípio da dignidade humana. 3 ABRANGÊNCIA. Conforme evoluíram as chamadas dimensões dos direitos humanos tais bens jurídicos fundamentais adquiriram novas vertentes, saindo de uma noção individualista e chegando a uma coletiva, de modo que a própria finalidade dos direitos humanos adquiriu nova compreensão, deixando de ser preservar apenas o indivíduo e passando a envolver a manutenção da sociedade sustentável. A teoria das dimensões de direitos humanos foi identificada por Karel Vasak. É pacífico que as três primeiras dimensões de direitos humanos envolvem: 1) direitos civis e políticos (LIBERDADE); 2) direitos sociais, econômicos e culturais (IGUALDADE MATERIAL); 3) direitos ambientais e de solidariedade (FRATERNIDADE). Destaca-se que as três primeiras dimensões de direitos remetem ao lema da Revolução Francesa: «Liberdade, igualdade, fraternidade». Em relação à primeira dimensão de direitos, inicialmente, denota-se a afirmação dos direitos de liberdade, referente aos direitos que tendem a limitar o poder estatal e reservar parcela dele para o indivíduo (liberdade em relação ao Estado), sendo que posteriormente despontam os direitos políticos, relativos às liberdades positivas no sentido de garantir uma participação cada vez mais ampla dos indivíduos no poder político (liberdade no Estado). Os dois movimentos que levaram à afirmação dos direitos de primeira dimensão,que são os direitos de liberdade e os direitos políticos, foram a Revolução Americana, que culminou na Declaração de Virgínia (1776), e a Revolução Francesa, cujo documento essencial foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789)36. Quanto à segunda dimensão, foram proclamados os direitos sociais, expressando o amadurecimento das novas exigências como as de bem-estar e igualdade material (liberdade por meio do Estado). Durante a Revolução Industrial tomaram proporção os direitos de segunda dimensão, que são os direitos sociais, refletindo a busca do trabalhador por condições dignas de trabalho, remuneração adequada, educação e assistência social em caso de invalidez ou velhice, garantindo o amparo estatal à parte mais fraca da sociedade.37 36 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Celso La- fer. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 37 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Celso La- fer. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. Ao lado dos direitos sociais, chamados de segunda geração, emergiram os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria ainda heterogênea e vaga, mas que concentra na reivindicação do direito de viver num ambiente sem poluição.38 A doutrina não é pacífica no que tange à definição de dimensões posteriores de direitos humanos. Para Bobbio39 - e a maioria da doutrina - os chamados direitos de quarta dimensão se referem aos efeitos traumáticos da evolução da pesquisa biológica, que permitirá a manipulação do patrimônio genético do indivíduo de modo cada vez mais intenso; enquanto que Bonavides40 defende que são de quarta dimensão os direitos inerentes à globalização política. Bonavides41 também diverge ao falar de uma quinta dimensão composta pelo direito à paz, o qual foi colocado por Vasak na terceira dimensão. Autores do direito eletrônico como Peck42 e Olivo43 entendem que ele seria a quinta dimensão dos direitos humanos, envolvendo o direito de acesso e convivência num ambiente salutar no ciberespaço. Em resumo, as dimensões de direitos humanos se referem às mudanças de paradigmas quanto aos bens jurídicos que deveriam ser considerados fundamentais ao homem. Embora todo direito humano seja imutável, isso não significa que o processo interpretativo não possa evoluir e, com isso, se reconhecer que um novo aspecto da dignidade humana merece ampla proteção. 4 SISTEMA DE PROTEÇÃO. Organização das Nações Unidas A Organização das Nações Unidas funda-se em ideário muito diferente daquele da Liga das Nações, pois se percebeu que o estabelecimento de uma organização internacional restrita a países vitoriosos, prejudicando de maneira notável os perdedores, poderia servir de motivação para outros incidentes contrários à paz mundial, a exemplo do que foi a Segunda Grande Guerra. No ano de 1944, em Dumbarton Oaks, realizou-se uma conferência visando constituir a nova organização, preparando-se proposições iniciais a respeito dela. Em fevereiro de 1945, Churchill, Stalin e Roosevelt resolveram os últimos pontos a respeito da nova organização, decidindo- 38 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Celso La- fer. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 39 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Celso La- fer. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 40 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. 41 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. 42 PECK, Patrícia. Direito digital. São Paulo: Saraiva, 2002. 43 OLIVO, Luís Carlos Cancellier de. Os “novos” direitos en- quanto direitos públicos virtuais na sociedade da informação. In: WOLKMER, Antônio Carlos; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Os “no- vos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003. 9 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS se, ainda, pela convocação de uma conferência na cidade de São Francisco no dia 25 de abril do mesmo ano. A Conferência de São Francisco, oficialmente denominada Conferência das Nações Unidas para a Organização Internacional, estava aberta às Nações Unidas que lutaram contra as potências do Eixo (Japão, Itália e Alemanha). “O novo organismo somente seria eficaz caso contasse com a aprovação das grandes potências. No entanto, ele não poderia restringir-se tão somente aos grandes Estados, pois seria o oposto ao espírito universalista apresentado como base da nova organização internacional”44. Afinal, a experiência da Liga das Nações já havia mostrado que sem uma verdadeira cooperação internacional e sem a garantia de participação do maior número de países do globo a nova Organização estaria fadada ao insucesso. “Até a fundação das Nações Unidas, em 1945, não era seguro afirmar que houvesse, em Direito Internacional Público, preocupação consciente e organizada sobre o tema dos direitos humanos. De longa data alguns tratados avulsos cuidaram, incidentalmente, de proteger certas minorias dentro do contexto de sucessão de Estados”45. A Carta da ONU entrou em vigor no dia 24 de outubro de 1945 quando efetuado o depósito dos instrumentos de ratificação dos membros permanentes do Conselho de Segurança e da maioria dos outros signatários. Após, muitos países ingressaram na ONU. Por isso, os membros podem ser divididos entre originários e admitidos, não havendo diferenças entre direitos e deveres em relação a eles46. Assim, a Organização das Nações Unidas foi criada em 1945 para manter a paz e a segurança internacionais, bem como promover relações de amizade entre as nações, cooperação internacional e respeito aos direitos humanos. A Carta da ONU também é chamada de Carta de São Francisco, uma vez que foi elaborada na Conferência de São Francisco. 1) Igualdade entre os membros Dos artigos 3º e 4º da Carta da ONU extrai-se a distinção entre os membros originários, quais sejam os que participaram da Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional em 1945 ou assinaram a Declaração das Nações Unidas de 1942, e os membros aceitos, isto é, os que se comprometerem à obrigações da Carta e forem aceitos pela Assembleia Geral após recomendação do Conselho de Segurança. Não há qualquer distinção entre tais membros, uma vez que o art. 2º da Carta consolida o princípio da igualdade entre todos os membros, de modo que cada membro das Nações Unidas tem a obrigação de respeitar todas as diretivas da Carta de 1945 com boa-fé e de solucionar suas controvérsias internacionais prioritariamente de modo pacífico47. 44 SEITENFUS, Ricardo. Manual das organizações interna- cionais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 128. 45 REZEK, J. F. Direito Internacional Público: curso elementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 210. 46 Ibid., p. 624. 47 O mesmo artigo 2º traz interessante regra no artigo 6º: O descumprimento dos preceitos da Carta pode gerar suspensão ou, nos casos mais graves, expulsão, mediante recomendação do Conselho de Segurança à Assembleia Geral, conforme artigos 5º e 6º, embora nunca tenham ocorrido na prática nenhuma das hipóteses. 2) Estrutura Os principais órgãos das Nações Unidas são: Assembleia Geral, Conselho de Segurança, Conselho Econômico e Social, Conselho de Tutela, Corte Internacional de Justiça e Secretariado (art. 7º, Carta ONU). Um olhar para a estrutura da ONU permite observar que ao mesmo tempo em que ela possui um órgão com participação de todos os Estados - mas com possibilidade restrita de intervenção de um só país ou um pequeno grupo de países em outro, qual seja a Assembleia Geral -, possui também outro órgão composto pelos ditos Estados mais poderosos, que se sagraram vencedores na Segunda Guerra Mundial, possuindo cargo permanente e poder de veto nas decisões tomadas pela Assembleia desde que versemsobre questões de segurança - embora apurar o que são estas questões seja algo subjetivo -, qual seja o Conselho de Segurança. 2.1) Assembleia Geral Todos os membros das Nações Unidas fazem parte da Assembleia Geral e cada qual pode designar até cinco representantes (art. 9º, Carta ONU). Isso não significa que cada membro possa votar cinco vezes, pois a Carta é expressa no sentido de que cada qual possui um voto (art. 18, Carta ONU). Não foi automaticamente que a ONU adquiriu membros o suficiente para se caracterizar como uma organização universal. De início, muitos países foram barrados, notadamente pelo constante uso do poder de veto ao ingresso de novos membros pela União Soviética. Era fácil justificar o veto, pois os requisitos para ingresso na ONU são bastante subjetivos: ser amante da paz, aceitar formalmente as obrigações decorrentes da Carta, estar capacitado para cumprir tais obrigações e demonstrar estar disposto a fazê-lo. O quórum de votação é de 2/3 dos membros presentes e votantes para as questões importantes, ao passo que as demais questões são decididas pela maioria dos presentes e votantes. Em resumo, as questões importantes se referem às recomendações relativas à paz e à segurança, a quaisquer questões que envolvam a eleição de membros (para compor Conselhos, admissão, suspensão e expulsão), ao funcionamento do sistema de tutela e ao orçamento (art. 18, Carta ONU). A competência para discussão dentro da Assembleia Geral é ampla, pois podem deliberar e fazer recomendações sobre “quaisquer questões ou assuntos que estiverem “A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais”. Trata-se de um dos poucos casos em que um tratado tem efeito em relação aos terceiros Estados, como adverte Celso D. de Albuquerque Mello (Op. Cit., p. 636). Tal regra perde importância se considerado que atualmente praticamente todos os países soberanos do globo fa- zem parte das Nações Unidas. 10 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos”, ressalvada a possibilidade de fazer tais recomendações quando o Conselho de Segurança estiver apreciando a mesma matéria (art. 10 c.c. art. 12, Carta ONU)48. Tais recomendações podem ser dirigidas aos membros das Nações Unidas, a eventuais Estados interessados e ao Conselho de Segurança (art. 11, Carta ONU). Nas recomendações poderão constar medidas que a Assembleia Geral entenda necessárias para a solução pacífica de qualquer situação no âmbito de sua competência (art. 13 c.c. art. 14, Carta ONU). São atribuições exclusivas deste órgão, segundo Mello49, “a) eleger os membros não permanentes do Conselho de segurança e os membros dos Conselhos de Tutela e Econômico e Social; b) votar o orçamento da ONU; c) aprovar os acordos de tutela; d) autorizar os organismos especializados a solicitarem pareceres à CIJ; e) coordenar as atividades desses organismos”. Além disso, a Assembleia Geral também tem competência para o recebimento e o exame de relatórios do Conselho de Segurança e dos demais órgãos das Nações Unidas (art. 15, Carta ONU). Este órgão se reúne ordinariamente uma vez ao ano, mas é possível realizar convocações extraordinárias (art. 20, Carta ONU), logo, não é um órgão permanente, mas sim temporário. 2.2) Conselho de Segurança O Conselho de Segurança é composto por quinze Membros das Nações Unidas, sendo 5 permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos) e dez não permanentes, eleitos pela Assembleia Geral para um mandato de 2 anos, cada qual contando com um representante (art. 23, Carta ONU) que terá direito a um voto. Há um alto grau político nas decisões que emanam do Conselho de Segurança, as quais afetam diretamente as relações internacionais dos Estados-membros em termos de guerra e paz. O quorum para votação é diverso daquele da Assembleia Geral. Enquanto questões processuais, menos importantes, são tomadas pelo voto afirmativo de 9 membros, ao passo que nas demais questões é preciso que destes 9 votos 5 sejam dos membros permanentes. Logo, se um membro permanente votar contra impede que a decisão seja tomada pelo Conselho de Segurança (instituto do veto). Principalmente por isso que se algum membro for parte da controvérsia deverá se abster de votar (art. 27, Carta ONU). O Conselho age em nome dos demais membros da ONU em prol da manutenção da paz e da segurança mundiais, submetendo relatórios anuais à Assembleia Geral (art. 24, Carta ONU). Por isso mesmo tem uma competência bastante ampla, notadamente quando o assunto perpassa por questões como guerras, conflitos armados e desarmamento: 48 Evidente que muitas das questões apreciadas pela Assem- bleia Geral podem ter estrita relação com direitos humanos. 49 MELLO, Celso D. de Albuquerque... Op. Cit. p. 630. pode convidar partes para resolver controvérsias de forma pacífica (art. 33, Carta ONU), “investigar sobre qualquer controvérsia ou situação suscetível de provocar atritos entre as Nações ou dar origem a uma controvérsia” (art. 34, Carta ONU), fazer recomendações às partes buscando uma solução pacífica (art. 38, Carta ONU), determinar “a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão” e recomendar medidas definitivas ou provisórias (art. 39 c.c. art. 40, Carta ONU) e decidir sobre o emprego de força (artigos 43 e 44, Carta ONU)50. Neste sentido, Mello51 aponta que são suas atribuições exclusivas: “a) ação nos casos de ameaça à paz; b) aprova e controla a tutela estratégica; c) execução forçada das decisões da CIJ”. As reuniões são realizadas periodicamente, funcionando o Conselho de forma contínua (art. 28, Carta ONU), logo, trata-se de órgão permanente da ONU. 2.3) Conselho Econômico e Social É composto por 54 membros, cada qual com um representante, eleitos pela Assembleia Geral, os quais anualmente são substituídos em parte, pois anualmente é feita eleição para parcela das vagas com mandato de 3 anos (art. 61, Carta ONU). Cada representante terá direito a um voto e as decisões são tomadas pela maioria dos membros presentes e votantes (art. 67, Carta ONU). Entre suas funções está a elaboração de estudos e relatórios sobre assuntos internacionais de caráter econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos, notadamente no que tange ao “respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”, fazendo recomendações e efetuando consultas à Assembleia Geral e entidades especializadas, preparando projetos de convenções e convocando conferências (artigos 62 e 63, Carta ONU). Cabe, ainda, fornecer informações ao Conselho de Segurança quando requisitadas (art. 65, Carta ONU) e cumprir determinações da Assembleia Geral (art. 66, Carta ONU). Destaca-se o art. 68 da Carta ONU, pelo qual cabe ao Conselho Econômico e Social criar comissões para proteção dos direitos humanos e demais assuntos econômicos e sociais. Devido ao disposto neste artigo foi criada a Comissão de Direitos Humanos, que no ano de 2006 deu lugar ao Conselho de Direitos Humanos, que será estudado em detalhes posteriormente. Os interlocutores da ECOSOC integram um complexo sistema de relações, ante ao seu vasto leque de competências que leva à criação de inúmeros órgãos subsidiários (a rigor, somente questões estritamente políticas não são de sua competência). No entanto, a ECOSOC não possui um instrumento, material ou jurídico, para impor suas decisões, de forma que apenas sugere políticas e obrigações não coativas. 2.4) Conselho de Tutela Vincula-se ao Sistema Internacional de Tutela, pelo qualterritórios podem ser colocados sob tutela quando: estiverem sob mandato, puderem ser separados de Estados 50 Indiretamente, matérias em debate no Conselho de Segu- rança podem atingir direitos humanos. 51 Ibid.. p. 627. 11 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS inimigos em virtude da Segunda Guerra Mundial ou forem voluntariamente colocados em tal posição por seus administradores (art. 77, Carta ONU). Pelo que se extrai do art. 76 da Carta ONU, a finalidade da tutela é fazer com que o território passe a respeitar e adotar os ditames das Nações Unidas. A exemplo, praticamente todos os Estados africanos no início das Nações Unidas se submeteram a este regime até conquistarem a independência, isto é, serem descolonizados. O Conselho de Tutela é composto pelos membros administradores dos territórios tutelados, além dos membros permanentes do Conselho de Segurança quando eles não forem administradores, e membros eleitos de modo que a cada administrador corresponda um membro eleito não administrador (art. 86, Carta ONU), cada qual com um voto (art. 89, Carta ONU). Como as situações em que a tutela se faria necessária foram extintas, em 1º de Novembro de 1994 suas atividades foram suspensas e suas reuniões, antes anuais, somente devem ocorrer quando novas situações assim exigirem. Logo, atualmente, o Conselho de Tutela só é composto pelos cinco membros do Conselho de Segurança, não estando em funcionamento. 2.5) Corte Internacional de Justiça Trata-se do principal órgão judiciário das Nações Unidas, o qual será estudado a parte por ser um dos principais instrumentos no sistema global de proteção dos direitos humanos. “Malgrado o nome que ostenta, não se deve imaginar que à Corte de Justiça corresponda o papel exercido, no modelo clássico do Estado Contemporâneo, pelo Poder Judiciário. Embora a Corte seja o principal órgão judiciário das Nações Unidas, ela dispõe de uma jurisdição eminentemente facultativa absolutamente distinta dos órgãos judiciais internos dos Estados”52. 2.6) Secretariado Desempenha as funções administrativas da ONU, sendo composto por um Secretário-geral recomendado pelo Conselho de Segurança e aprovado pela Assembleia Geral e por um grupo de pessoas que o assiste por ele nomeado (art. 97 c.c. art. 101, Carta ONU). Além de comparecer a todas as reuniões dos principais órgãos, o Secretário-geral deve elaborar relatório anual à Assembleia (art. 98, Carta ONU), havendo preocupação especial da Carta da ONU com sua imparcialidade (art. 100, Carta ONU). “Além de suas funções administrativas, o Secretário- Geral pode exercer grande influência dentro da organização, junto aos Estados-Membros e perante o mundo exterior. Suas iniciativas, declarações e tomadas de posição transformam-no num dos mais importantes personagens da política internacional”53. 3) Sistema convencional e extraconvencional Para a vigilância, supervisão, monitoramento e fiscalização da proteção dos direitos humanos foram criados órgãos ou mecanismos extraconvencionais e convencionais. 52 Ibid., p. 157. 53 Ibid., p. 156. “Existem dois eixos através dos quais a proteção dos diretos humanos, dentro do sistema global, pode se efetivar: a) área convencional - sob a atmosfera dos tratados elaborados no âmbito da ONU; b) área extraconvencional - originada das resoluções da Organização das Nações Unidas e seus órgãos, tendo como base a interpretação da Carta de São Francisco”54. Assim, o sistema global é composto por mecanismos convencionais e mecanismos não convencionais de proteção dos direitos humanos. Os mecanismos convencionais são aqueles criados por convenções específicas de direitos humanos, ao passo que os não convencionais são aqueles decorrentes de resoluções elaboradas por órgãos das Nações Unidas, como a Assembleia Geral e o Conselho Econômico e Social, extraindo sua legitimidade para proteção da ampla estrutura de competência das Nações Unidas. “Essa proteção extraconvencional diferencia-se dos demais mecanismos de proteção das Nações Unidas, justamente por ter sido fundamentada na Carta da ONU e na Declaração Universal de 1948. Não há recurso a acordos específicos; ao contrário, busca-se extrair a proteção dos direitos humanos da interpretação ampla dos objetivos de proteção aos direitos humanos da ONU, e do dever de cooperação dos Estados para alcançar tais objetivos. [...] Os procedimentos convencionais distinguem-se dos procedimentos extraconvencionais, já que esses obrigam os Estados contratantes, enquanto os procedimentos extraconvencionais buscam vincular os membros da Organização, sem o recurso às convenções específicas. [...] O termo extraconvencional, apesar de inexato, é utilizado justamente para enfatizar a diferença entre procedimentos coletivos nascidos de convenções específicas [...] e os procedimentos adotados pela Organização que nascem baseados em dispositivos genéricos”55. O órgão não convencional mais relevante das Nações Unidas é o Conselho de Direitos Humanos, criado após votação da Assembleia Geral, substituindo a antiga Comissão de Direitos Humanos. Outro órgão não convencional é o Conselho de Segurança. O sistema convencional de proteção dos direitos humanos é aquele por meio do qual os Estados membros da ONU se comprometem internacionalmente, através de um tratado, a proteger determinados direitos fundamentais, esquema de salvaguarda que pode ser desmembrado em três diferentes formas apontadas por Silva e Viel56: a) Não-contencioso: através dele, que se assemelha aos bons ofícios e à conciliação, um Estado, espontaneamente (quando ratifica um tratado), obriga- se a respeitar e proteger os direitos humanos. Neste sentido, uma das modalidades de acompanhamento e controle da observância das obrigações é o sistema de 54 SILVA, Karine de Souza; VIEL, Ricardo Nunes. Os mecanis- mos coletivos de proteção dos direitos humanos: os sistemas de pro- teção universal e o interamericano. Revista Direito e Justiça, Refle- xões Sociojurídicas, ano VI, nº 9, nov. 2006. 55 ANNONI, Danielle. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá, 2004. 56 SILVA, Karine de Souza; VIEL, Ricardo Nunes... Op. Cit. 12 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS envio de relatórios periódicos (principal mecanismo não- contencioso). Nestes relatórios, o Estado presta contas das ações por ele adotadas em relação à garantia dos direitos assegurados no tratado; b) Quase-judicial: é mecanismo de responsabilização dos Estados por violações dos tratados de direitos humanos em que são partes. São instituídos através de Convenções internacionais comitês com atribuição de analisar casos de possíveis violações de direitos humanos e emitir deliberações que obrigam os Estados-partes a repararem os danos causados. Contudo, por não se tratarem de sentenças - uma vez que os Comitês não são órgãos judiciais - o mecanismo é chamado de quase-judicial. A manifestação dos Comitês, através das mencionadas deliberações, pode ocorrer através de petição de um Estado ou através de petição de um particular; c) Mecanismo judicial: no plano universal, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) é órgão competente para julgar os Estados por violação de direitos humanos. A CIJ é o órgão judicial das Nações Unidas que tem competência para julgar qualquer demanda que envolva os membros da ONU. Contudo, o papel da Corte Internacional de Justiça no âmbito da proteção da pessoa humana tem sido muito modesto. Frisa-se que não há mecanismo judicial criado por Convenção específica, uma vez que a Corte Internacional de Justiça foi criada pela Carta da ONU. Em outras palavras, na atualidade, pelo sistema extraconvencional de proteção dos direitos humanos da ONU somente existem órgãos não-contenciosos e quase-judiciais, mas não judiciais.Caso não se encontre uma solução amistosa ou não se respeite a solução quase judicial, a alternativa é buscar proteção em órgão judicial da Organização, parte do sistema extraconvencional. Os órgãos convencionais são inúmeros, merecendo menção: Comitê de Direitos Humanos instituído pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Comitê para a eliminação da discriminação racial instituído pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres instituído pela Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher; Comitê contra a Tortura instituído pela Convenção contra a tortura e outro tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; e Comitê para os Direitos da Criança instituído pela Convenção sobre os Direitos da Criança. Todos eles serão estudados oportunamente neste capítulo. 4) Corte Internacional de Justiça A Corte Permanente de Justiça Internacional funcionava como organismo autônomo da Liga das Nações. Mesmo com a ocupação da Holanda pela Alemanha, ela continuou a funcionar em Genebra, sendo dissolvida apenas em 1946, dando lugar à Corte Internacional de Justiça. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça é parte integrante da Carta das Nações Unidas de 1945, a qual também disciplina de maneira geral este órgão jurisdicional em seu capítulo XIV. Embora este seja o principal órgão jurisdicional das Nações Unidas (art. 92, Carta ONU), nada impede que membros da organização confiem a solução de seus conflitos a outros tribunais internacionais (art. 95, Carta ONU). O desempenho dos juízes da Corte é questionável: decidem a média de 2 casos por ano, o que não condiz com a quantidade de conflitos que são de sua competência; costumam adotar uma postura arbitral e fazem de tudo para satisfazerem mesmo a parte perdedora; e usualmente se filiam às posturas políticas de seu Estado de origem, beneficiando-o nas decisões. Por isso, o principal órgão judiciário da ONU não é tão efetivo quanto poderia ser, o que gera um mal-estar generalizado diante da impunidade dos infratores do direito internacional. Apesar da sede da Corte ser em Haia, é possível que julgamentos se realizem em outras localidades (art. 22, Estatuto CIJ). Ademais, a Corte é um órgão permanente, que somente deixa de funcionar nas férias judiciárias (art. 23, Estatuto CIJ). Ela funcionará em sessão plenária, ou seja, seu pleno tomará as decisões, mas o quórum de 9 juízes já é suficiente para que uma sessão seja instaurada (art. 25, Estatuto CIJ). Câmaras poderão ser formadas para decidir questões em caráter especial (art. 26, Estatuto CIJ). Nos termos do art. 34 do Estatuto da CIJ, “só os Estados poderão ser partes em questões perante a Corte”57. As partes serão representadas por agentes, que terão a assistência de consultores ou advogados, sendo que todos gozarão dos privilégios e imunidades necessários ao livre exercício de suas atribuições perante a Corte (art. 41, Estatuto CIJ). Suas línguas oficiais são o francês e o inglês (art. 39, Estatuto CIJ). 4.1) Composição A Corte é composta por um corpo de 15 juízes independentes, dentre pessoas com alta consideração moral e condições para, no país de que é nacional, exercer as mais elevadas funções judiciárias (artigos 2º e 3º, Estatuto CIJ). Seus membros são eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança a partir de uma lista apresentada pelos grupos nacionais da Corte Permanente de Arbitragem ou grupos indicados para este fim por Estados-membros não representados58 (art. 4º, Estatuto CIJ). Nenhum grupo poderá indicar mais de quatro pessoas e nunca mais que o dobro do número de vagas a serem preenchidas, e destas, no máximo, duas poderão ser de sua nacionalidade (art. 5º, Estatuto CIJ). A lista geral será elaborada pelo Secretário- geral e enviada à Assembleia Geral e ao Conselho de Segurança, que votarão independentemente, aplicando-se 57 “As organizações internacionais, inclusive a ONU, não po- dem ser parte em um litígio perante a CIJ. Elas podem apenas prestar informações à Corte, bem como solicitar pareceres”. (MELLO, Celso D. de Albuquerque... Op. Cit. p. 661). 58 “O procedimento de eleição pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança tem ocasionado que muitas vezes é ali eleito maior número de candidatos do que as vagas. Neste caso, são feitas eleições sucessivas até que o número de eleitos seja igual ao número de vagas”. (Ibid. p. 660). 13 NOÇÕES DE DIREITOS HUMANOS o quórum da maioria absoluta (artigos 7º, 8º e 10, Estatuto CIJ). Se dois nacionais do mesmo Estado obtiverem o mesmo número de votos, será considerado eleito o mais velho (art. 10, Estatuto CIJ). O Estatuto da CIJ prevê, ainda, critérios de desempate (artigos 11 e 12, Estatuto CIJ). Os membros da Corte serão eleitos por nove anos e poderão ser reeleitos, além do que o art. 13 do Estatuto da CIJ assegura que a cada três anos 5 novos membros sejam eleitos ou reeleitos. Na forma do mesmo artigo, o pedido de renúncia deve ser submetido ao Presidente da Corte e enviado ao Secretário-geral. Já a demissão deve se dar por opinião unânime dos demais membros da Corte (art. 18, Estatuto CIJ). Em ambos casos, abre-se vaga antes que o mandato do predecessor se encerre, de forma que o candidato eleito completará o seu mandato (art. 15, Estatuto CIJ). Os artigos 16 e 17 do Estatuto da CIJ trazem impedimentos aos seus membros: exercício de qualquer função política ou administrativa, dedicação a outra ocupação de natureza profissional, servir como agente, consultor ou advogado em qualquer questão e participar da decisão de qualquer questão na qual anteriormente tenha intervindo em qualquer caráter (ex: consultor, advogado, membro de tribunal ou comissão de inquérito). Os membros da Corte gozam de privilégios e imunidades diplomáticas (art. 19, Estatuto CIJ) e devem declarar solenemente que exercerão suas atribuições com imparcialidade e de forma contenciosa (art. 19, Estatuto CIJ). Caso um membro da Corte sinta que não deva tomar parte do julgamento deverá informar o Presidente, assim como este também deverá informar ao membro caso entenda que ele não deverá participar do julgamento. Em ambos casos, controvérsias serão decididas pela Corte (art. 24, Estatuto CIJ). Não compromete a imparcialidade do juiz o fato dele ser nacional de um dos Estados-partes. No entanto, a permanência do nacional no julgamento garantirá à outra parte a nomeação de um juiz ad hoc, que preferencialmente figure na lista de candidatos a uma vaga na Corte. Se nenhum dos Estados-partes tiver nacional enquanto juiz da Corte, ambos poderão nomear juiz ad hoc59. Havendo formação de Câmara especial, que pode no máximo ter 5 membros, se necessário o Presidente solicitará que um membro que seja juiz da Corte dê lugar ao juiz nacional. Se houver partes plurais interessadas na mesma questão, elas serão consideradas uma só parte, nomeando apenas um juiz ad hoc (art. 31, Estatuto CIJ). 4.2) Competência Estabelece o art. 36 do Estatuto da CIJ quanto à competência da Corte: “a competência da Corte abrange todas as questões que as partes lhe submetam, bem como 59 O juiz ad hoc ou juiz nacional é um instituto remanescente da arbitragem, buscando a igualdade entre os Estados e a conferên- cia de maior confiança na Corte. A instituição tem sido criticada, pois quando um país já tem o juiz permanente e outro nomeia o ad hoc há uma tendência do primeiro ser imparcial, enquanto que o segundo vota pelo Estado que representa. (Ibid., p. 660). todos os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou em tratados e convenções em vigor”. Em continuação, o mesmo dispositivo especifica o que
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