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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, NORMA PADRÃO E NÃO PADRÃO Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 1 1.1 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA Embora todos nós tenhamos noção e consciência de que há muitas variações na língua portuguesa e de que isso é inevitável, muitas vezes agimos contra essa ideia. A noção de “norma padrão” nos faz imaginar que não conhecemos a língua que falamos, pois não temos domínio de todas as regras impostas pela gramática. Neste módulo do nosso curso, vamos iniciar uma reflexão teórica que visa desfazer esse mito. Todas as línguas são heterogêneas e possuem variantes, dialetos. Além disso, todo falante tem conhecimento de sua língua materna. Desde crianças, nos comunicamos com os nossos pais perfeitamente, muito antes de irmos à escola aprender a ler e escrever. Essa comunicação se dá por meio da nossa língua, e esse conhecimento é internalizado e intuitivo. “Hoje se sabe que a criança em idade escolar detém um conhecimento impressionante do funcionamento de sua língua materna, conhecimento que se fosse formalizado num livro, por exemplo, certamente encheria milhares de páginas impressas!” (BAGNO, 2002, p. 21). Por esse motivo, vamos iniciar o nosso estudo com o pensamento de que todos os falantes são bons falantes de suas línguas, de que a variação é um fenômeno natural das línguas e de que a norma padrão é um conjunto de regras baseadas numa língua escrita de uma determinada época e relativa a um pequeno grupo social. 1.1.1 OS TIPOS DE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA A história da língua portuguesa do território brasileiro está permeada por acontecimentos de ordens social e política. Não se pode separar em extremos as histórias externa e interna de uma língua, pois, como se sabe, o código linguístico não pode ser considerado componente cultural se não posto em atividade, se não usado como meio de trocas comunicativas entre seus falantes. Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 2 A colonização realizada na América do Sul tem uma enorme influência no desenvolvimento das línguas oficializadas em seus países. No Brasil, até chegarmos ao que temos hoje como território nacional, houve diversas questões e lutas relativas à colonização; tivemos neste território a presença de muitas nacionalidades durante os cinco séculos que se passaram desde o descobrimento oficial (sem comentar a diversidade cultural e linguística que já havia antes da colonização europeia). O português brasileiro tem suas especificidades em relação ao português europeu, tanto nos níveis fonético/fonológico quanto na morfologia, léxico, sintaxe e – por que não – semântica. Afinal, a produção de sentidos não pode ser desvinculada da história e estrutura de uma língua, muito menos de sua cultura. Segundo pesquisadores da Ipol – Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística -, não somente há uma diversidade de falares regionais, etários ou sociais no país, mas existe uma variedade de línguas brasileiras (MUNDURUCA, 2010, grifo meu). São duzentas línguas diferentes, sendo cento e oitenta delas de origem indígena. Observando esse quantitativo, podemos destacar a relação entre política e poder e a língua. Apesar de termos presentes em nosso território tantas línguas indígenas, o português que falamos tem sua estrutura dorsal derivada do português europeu, mesmo que reconheçamos diversas contribuições africanas, italianas, alemãs, espanholas etc. em nosso vocabulário. Os índios não representam uma influência efetivamente política, daí a razão de suas línguas, apesar de várias, serem quase ignoradas pela maioria dos falantes do português no Brasil. A norma não reflete exatamente a realidade; ela estabiliza e concretiza os códigos de uso das classes políticas dominantes. Toda esta conjuntura nos faz pensar o português brasileiro por um viés heterogêneo e multifacetado. As diversas línguas e culturas que através do tempo foram compondo não somente a nossa língua, mas nossa maneira de pensar o mundo, são componentes do que hoje podemos entender como identidade brasileira. E isso Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais Página 3 não deve ser visto apenas em sua face lírica, pois nesse desenvolvimento político houve muita exploração de povos sobre outros, acarretando, assim, vestígios de desigualdade nos usos que fazemos de uma mesma língua. Apesar de a instituição da norma e a sua disseminação através das práticas escolares nos dar a ideia de que a língua é uniforme, observar os usos feitos da língua em diversas situações comunicativas e através de diversos falantes nos faz questionar a hegemonia da norma diante da língua realmente vivida. O fenômeno da variação não somente tem a ver com a adaptação a contextos de fala, mas também com o desenvolvimento de competências linguísticas. E isso não é apenas uma herança da geografia linguística, mas principalmente de políticas públicas relativas ao acesso ao conhecimento e à educação. Estas políticas têm origem histórica e podemos ver ainda hoje as cicatrizes de sua aplicação desigual. Os tipos de variação linguística (Ilari & Basso, 2006) são divididos em quatro grupos: variação diacrônica, variação diatópica, variação diastrática e variação diamésica. 1.1.2 A VARIAÇÃO DIACRÔNICA Seguindo a etimologia da palavra, a variação diacrônica (dia – através; chronos – tempo) se refere à variação ocorrida através do tempo. Sabemos que a língua muda e, sendo assim, as diversas gerações utilizam um registro característico à sua época. Esses diferentes usos causados pela mudança do tempo não requerem necessariamente um longo período para serem percebidos. Aliás, com a chegada da tecnologia digital na mediação comunicativa, as mudanças têm ocorrido em um intervalo cada vez menor de gerações. Podem-se notar diferenças principalmente lexicais, mas muitas vezes também gramaticais e sintáticas (a sintaxe utilizada no século 17 no Brasil, por exemplo, é muito diferente da que utilizamos na contemporaneidade). Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais Página 4 Esta publicidade do início do século 20 nos mostra muitas mudanças no vocabulário e na ortografia de algumas palavras. Além disso, os recursos de persuasão próprios desse gênero textual se modificaram muito até os dias de hoje. Busque essas diferenças e compare com a Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dosdireitos autorais. Página 5 2 – Disponível em: http://blogit.com.br/blog10/wp-content/uploads/2013/05/10675_A-Front-Xarope- Melagri%C3%A3o.jpg. 1.1.3 A VARIAÇÃO DIATÓPICA A variação diatópica (topos = lugar) acontece porque a mesma língua é falada de modos diferentes em regiões do mesmo país ou mesmo entre países. Temos, no português, a variação diatópica entre Brasil e Portugal (português brasileiro e português europeu), através da qual identificamos distinções tanto nos níveis fonético e fonológico quanto nas escolhas lexicais e em alguns usos sintáticos. Ilari & Basso (2006) dizem que houve uma época em que os dialetólogos (estudiosos das variantes ou dos dialetos) portugueses trataram o português brasileiro como dialeto, alguns filólogos insistem na unidade das duas variedades e outros linguistas defendem serem línguas diferentes. A postura diante do tema dependerá da concepção de língua pela qual cada pesquisador optará em sua observação. Mas se algum estrangeiro for estudar português, ele terá que escolher bem se quer aprender a variante brasileira ou portuguesa, pois isso fará toda a diferença. Há Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 6 relatos de estrangeiros que aprenderam a variante portuguesa e ao chegar no Brasil sentem muita dificuldade de compreender e de se fazer entender em nossa língua. Também é um caso de política linguística o reconhecimento ou não de uma variante. No caso do português do Brasil, como o país internacionalmente adquiriu uma importância econômica e política maior do que a do antigo colonizador, a nossa variante ganhou uma maior força. Prova disso é a última reforma ortográfica, que alterou muito mais as normas de escrita do português europeu do que o brasileiro. Assista ao trailer do filme “Gravidade”, no seguinte endereço do Youtube: < http://www.youtube.com/watch?v=xK-4o4ysFOE>. Em seguida, veja o mesmo trailer legendado para o português brasileiro no link: < http://www.youtube.com/watch?v=T1Xlq9Ug_Ag>. Experimente também assistir a um filme inteiro com legendas do português de Portugal. 3 - Trailer do filme "Gravidade", com legendas em português de Portugal. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=xK-4o4ysFOE Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 7 4 -- Trailer do filme "Gravidade", com legendas em português brasileiro. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=T1Xlq9Ug_Ag Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 8 5- Ilari & Basso, 2006, p. 159 Em relação à variação diatópica regional no português brasileiro, notamos que é incrivelmente plural sua manifestação. Talvez pela grande extensão do território e pela diferente história de ocupação em cada região e estado, a variação regional Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 9 brasileira seja tão dinâmica e flagrante. O falar nordestino se difere do falar da região sul; este, por sua vez, distingue-se ao da região sudeste e assim sucessivamente. Não somente entre as regiões há variações, mas dentro das próprias regiões e dos estados, dependendo das cidades, encontram-se diversas variantes, principalmente fonéticas. Observe, por exemplo, a diferença entre o falar de quem mora e nasceu em Recife e de quem mora e nasceu em Trindade. Mesmo sendo duas cidades do mesmo Estado, há distinções sobretudo na produção sonora e em algumas escolhas de vocabulário. Vale salientar que, muitas vezes, o falar regional tem traços de variação diastrática, que veremos a seguir. Isso acontece pela má distribuição de riquezas entre as regiões. Coincide, às vezes, das regiões mais carentes serem as de interior doN e Nordeste. 6 - Página Bode Gaiato, no Facebook. Exemplo de variação regional. Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=650853038311292&set=a.463935863669678.112226.463932880336 643&type=1&theater. Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 10 7 - Disponível em: http://minasdemim.blogspot.com.br/2013/07/dialeto-mineiro-dialect-from-minas.html. DIALETO MINEIRO O mineiro ou montanhês é o dialeto do português brasileiro falado na região central do estado de Minas Gerais. Essa variante, que ocupa uma área que corresponde aproximadamente ao Quadrilátero Ferrífero, incluindo-se a fala da capital, Belo Horizonte, é um dos dialetos mais facilmente distinguíveis do português brasileiro. Ele deve ser diferenciado do dialeto caipira, que cobre áreas do interior de São Paulo, Paraná e das regiões sul do próprio estado por receber influência do interior de São Paulo. Não se deve confundir o dialeto mineiro com o caipira. Fonte: http://cursododialetomineres.blogspot.com.br/p/dialeto-mineiro- ou- montanhes.html Ilari & Basso (2006, p. 163) alertam para a difícil separação existente entre as variações diatópica e diastrática (relativa a estratos sociais), pois os traços mais tipicamente regionais aparecem mais nitidamente em registros informais, que são Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 11 fruto (infelizmente) da carência de instrução e de letramento sofrida pelas populações mais pobres das diversas regiões do país. Os atlas linguísticos são mapas elaborados com o objetivo de delimitar as variedades regionais de uma língua. Além disso, eles procuram traçar as divisas territoriais baseados na uniformidade de fenômenos linguísticos. Ilari & Basso (2006) lembram que a primeira proposta de um atlas linguístico brasileiro foi feita em 1922, pelo filólogo Antenor Nascentes, separando o Brasil em território Amazônico, Nordestino, Baiano, Mineiro, Sulista e em Território Incaracterístico (a região centro- oeste do mapa).Embora os recursos do filólogo tenham sido escassos, Ilari & Basso (2006) veem uma grande contribuição desse mapa “por ter fornecido um diagnóstico importante da geografia do português brasileiro nos anos 1950; por ser ao mesmo tempo abrangente e claro; e porque fez germinar a ideia de um atlas linguístico brasileiro” (p. 171). Hoje, há linguistas elaborando atlas dos seguintes estados: Acre, Amazonas, Ceará, Maranhão, Pará, Rio Grande do Norte, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro (ILARI & BASSO, 2006, p. 173). Há também um atlas de falares baianos, publicado por Nelson Rossi em 1964 (idem). 1.1.4 A VARIAÇÃO DIASTRÁTICA A variação diastrática diz respeito às diferentes manifestações da língua em diferentes estratos sociais. Os mais escolarizados são em maioria os mais favorecidos economicamente. Eles têm os recursos da língua culta disponíveis por terem recebido não somente instruções escolares sobre esse registro, mas também por aprenderem dentro de suas próprias casas a norma de prestígio. A discrepância social brasileira tem raízes históricas, assim se tornando uma herança a facilidade que se tem com o aprendizado do registro padrão da língua. A Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 12 variedade subpadrão tem pouquíssimas chances de aparecer em registros escritos (Ilari & Basso, 2006, p. 177), a não ser em casos de transcrições e estudos linguísticos. Samba do Arnesto Adoniran Barbosa O Arnesto nos convidô Prum samba ele mora no Brás Nóis fumo e num econtremo ninguém Nóis vortemo cum uma baita de uma reiva Da outra veiz, nóis num vai mais Ouça a canção online: Youtube: https://www.youtube.co m/watch?v=plOezZ6936Y Noutro dia encontremo com o Arnesto Que pediu discurpas mais nóis não aceitemus Isso não si faiz Arnesto, nóis não si importa Mas você devia ter ponhado um recado na porta Um recado Anssim ói: "Ói, turma, num deu prá esperá A duvido que isso num faz má, num tem importância, num faz má Assinado em cruiz porque não sei escrevê Arnesto" O sambista Adoniran Barbosa registra em sua canção características linguísticas de uma variante social. Isso acontece em obras estéticas ou em transcrições de estudos linguísticos, uma vez que a variante subpadrão é bastante rechaçada pelos defensores da norma padrão no uso escrito da língua. Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 13 1.1.5 A VARIAÇÃO DIAMÉSICA Por fim, temos a variação diamésica (diferentes meios, veículos de comunicação), que diz respeito às diferenças entre textos orais e escritos. Os recursos tanto cognitivos quanto propriamente linguísticos de cada um desses meios de manifestação da língua são distintos. Embora ambos se realizem em contextos formais e informais de comunicação, cada um envolve processos específicos de produção. Na fala, temos a prosódia, os gestos, a mímica, enquanto na escrita trabalhamos com ideogramas e imagens. Para Marcuschi (2006) a fala e a escrita não são dois dialetos de uma mesma língua, mas sim modalidades de uso de uma língua. Os processos de construção da fala e escrita são diferentes. Veja o que dizem Ilari & Basso: Quando produzimos um texto escrito, podemos pensar previamente sua estrutura em partes, podemos decidir em que ordem essas partes serão dispostas, podemos avaliar formulações alternativas. Se, com tudo isso, o texto escrito ainda nos parecer inadequado, podemos corrigi-lo e modificá- lo, e o resultado final, para aqueles que têm alguma habilidade na escrita, é normalmente um texto que se desenrola linearmente e quase não apresenta retornos e redundâncias. Além disso, o texto escrito é tipicamente um texto que terá de falar por si e que não supõe por parte do seu destinatário um conhecimento muito exato da situação em que foi produzido (a menos que essa situação seja descrita no próprio texto). Bem diferente é o caso dos textos falados: eles podem tirar partido da situação de fala de várias maneiras (por exemplo, dispensando a necessidade de descrever os objetos e pessoas que estão presentes na atenção dos interlocutores); além disso, os textos tipicamente falados são planejados à medida que são produzidos, por isso o mais comum é encontrar neles um grande número de reformulações sucessivas e sempre parciais de um mesmo conteúdo (ILARI & BASSO, 2006, p. 181). Temos vivido tempos em que muitas situações de comunicações em que interagíamos apenas na fala estão se colocando na escrita. É o caso dos fóruns de discussão dos ambientes virtuais de aprendizagem. Nele, simulamos um debate que, a princípio, era feito oralmente em sala de aula. Aos poucos, vamos descobrindo Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 14 estratégias para adaptar essas interações a um novo meio em que usamos a linguagem. Observe a interação abaixo: 8 - Interação no fórum de discussão da disciplina Português Instrumental - Ciências Contábeis - EAD - UFPE, Polo Maragogi, 2013.2. O aluno iniciou sua interação com o cumprimento BOA TARDE. Se estivéssemos numa situação de uso da LÍNGUA ORAL, em que os falantes em geral estão presentes no mesmo momento de interação, essa expressão funcionaria perfeitamente. No entanto, na escrita, em comunicações ASSÍNCRONAS (ou seja, em que os falantes não estão presentes no mesmo momento), essa expressão perde sua força referencial, uma vez que os receptores dessa mensagem podem visualizá-la em diferentes momentos do dia. Isso é um exemplo da adaptação pela qual ainda estamos passado no uso de gêneros textuais falados e escritos aos novos suportes de comunicação. Por fim, queremos endossar a posição de Ilari & Basso (2006) quando afirmam que os quatro tipos de variação convivem entre si. Desse modo, não podem ser aplicados separadamente a uns e outros tipos de texto, carecendo-se sempre de um olhar específico sobre cada texto e as manifestações de variações nele representadas. Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 15 1.2 LÍNGUA PADRÃO E NÃO PADRÃO, NORMA CULTA E NORMA PADRÃO Antes de começarmos a discutir a língua padrão e não padrão, observe o texto abaixo: 9 - Disponível em: http://www.filologia.org.br/viiisenefil/11.html Agora responda as seguintes perguntas: 1. Você entendeu a mensagem escrita? Teve alguma dificuldade de compreender os sentidos? 2. Você riu de ou achou grotesca alguma coisa na escrita da mensagem? 3. Se a resposta for sim, pense por quê. Para os cidadãos escolarizados, os “erros” de ortografia damensagem acima são absurdos ou grotescos, pois o processo de alfabetização e de prática da escrita de suas Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 16 vidas foram suficientes para lhes ensinar que “seja” se escreve com “s”, “experimente” se escreve com “x” e possui um “e” entre o “p” e o “r”. No entanto, poucos devem ter notado que “bem vindo” está também em desacordo com a norma padrão, pois segundo a regra ortográfica essa palavra se escreve com hífen: bem-vindo! Reparem que consideramos certos erros mais grosseiros do que outros quando falamos de norma linguística, mas isso não acontece à toa. Existem padrões linguísticos que, apesar de não seguir a norma das gramáticas, já conquistou espaço entre os falantes cultos do português brasileiro. “Você foi na biblioteca ontem?” Nenhum de nós riria ou estranharia essa construção, pois pessoas de todas as classes sociais usam largamente essa regência ainda condenada pela gramática normativa: ir na padaria, ir na sua casa, ir no banheiro, etc. Então, por que alguns erros parecem mais errados do que outros? Por que escrever “esprimente” parece mais grave do que “bem vindo”? Isso ocorre porque não há apenas UMA NORMA LINGUÍSTICA da língua portuguesa. 1.2.1 NORMA PADRÃO E NORMA CULTA Chamamos de norma padrão o conjunto de regras regidas pela GRAMÁTICA NORMATIVA, aquela estudada por todos nós durante toda a nossa vida escolar. É ela que determina que devemos escrever EXCEÇÃO desta maneira e justifica isso quase sempre com regras que possuem mais exceções do que padrões. Essas gramáticas normativas têm origem na cultura greco-latina, em que surgiram as primeiras gramáticas desse tipo. Essas obras partiam do estudo do dialeto ático, que era a língua falada pelos homens (mulheres não eram consideradas cidadãs, não tinham direito a voto, etc) de alta posição social e política da época. Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 17 Até os nossos dias a gramática normativa continua tendo essa mesma função. A partir de um dialeto de prestígio, que foi algum dia falado e escrito pelas pessoas consideradas importantes para a sociedade, essa gramática reuniu regras para uma escrita adequada. É essa norma que rege a LÍNGUA PADRÃO. Gramática Falares de Língua ou prestígio norma normativa social padrão Para usamos a língua padrão, é necessário que atendamos a todas as regras da gramática normativa do português. Nesse ínterim, não estaríamos utilizando a norma padrão ao dizer ou escrever “Vou no banheiro”. No entanto, como vimos antes, esse tipo de construção sintática é muito usada e difundida na fala mesmo das pessoas cultas brasileiras (como pessoas cultas, entendemos os falantes com formação superior em qualquer área). Isso acontece porque, além dessa norma padrão, que foi imposta de fora para dentro da sociedade, ou seja, alguém a elegeu e a escolheu para ser o modelo de língua da sociedade, existe uma outra norma que os linguistas chamam de NORMA CULTA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO. Essa norma não foi imposta. Ela existe com base nas práticas de linguagem que os falantes cultos possuem, independente de regras externas. Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 18 É porque usamos a norma culta urbana do português brasileiro que raramente falamos sentenças iniciadas por colocação enclítica de pronome: “Dê-me o material, professora”. Essa sentença, no século 21, mesmo em contexto formal, é difícil de ser usada espontaneamente pelos falantes contemporâneos. Isso porque no português brasileiro (que, como vimos, é diferente do português europeu) já transformamos a norma original. Usamos os pronomes na posição proclítica (no início da sentença) porque no português brasileiro o pronunciamos como pronome oblíquo tônico, e não átono, como em Portugal. Dê-me um livro. Em português brasileiro, pronunciamos com força o “me”. No português europeu, há uma pronúncia fraca da vocal “e”, quase não se ouve o “me”. Regras intuitivas internalizadas na mente dos NORMA CULTA falantes cultos contemporâneos Nem sempre é fácil diferenciar a NORMA PADRÃO da NORMA CULTA, pois a fala e a escrita dos falantes cultos da língua são muito influenciadas pelas regras que eles aprendem ao longo da sua vida escolar. Por isso, em muitas situações de comunicação, utilizamos uma pela outra sem nenhum prejuízo linguístico. No entanto, Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 19 é importante lembrar que nos gêneros textuais mais formais (textos acadêmicos, reportagens jornalísticas, documentos empresariais, etc.) a norma oficial é a NORMA PADRÃO, baseada nos compêndios gramaticais. Devemos estuda-la e buscar atende- las nas situações exigidas. Na hora de seguir a norma padrão e usar a língua padrão, consulte gramáticas recentes, atualizadas, pois essa norma de tempos em tempos também se atualiza. Veja o exemplo: ANTIGAMENTE O verbo VISAR possuía duas regências distintas, que marcavam dois sentidos diferentes. VISAR ALGO (verbo transitivo direto) – Assinar, rubricar, conferir. VISAR A ALGO (verbo transitivo indireto) – Mirar, ter como objetivo, propor-se. AGORA O verbo VISAR é usado em ambos os sentidos com a mesma regência (verbo transitivo direto). A regência VISAR A é opcional. transitivo direto e transitivo indireto 3 Derivação: sentido figurado. ter (algo) como desígnio, ter por fim ou objetivo; mirar (a), propor-se Exs.: estas providências visam solucionar o problema os pais visam ao bem dos filhos Fonte: Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009). Como se pode ver, até a NORMA PADRÃO passa por mudanças, o que corrobora o caráter maleável da nossa língua. Essas mudanças são mais lentas na Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 20 língua padrão, pois há um esforço social e político para a manutenção de um modelo linguístico para a escrita. Em geral, os falantes cultos, quando estão usando a modalidade oral da linguagem, tendem a atender à norma culta e não à norma padrão. Faremos uma atividade mais adiante em que verificaremos como a fala se difere da escrita e como elas seguem normas diferentes. RESUMO DOS CONCEITOS Norma padrão/Língua Conjunto de regras estabelecidas politicamente por um padrão grupo de gramáticos, com base numa língua literária,escrita, que estabelece o modelo escrito em gêneros textuais formais. Norma culta/Língua Padrão estabelecido socialmente, sem regras escritas, a culta partir da comunicação entre os falantes cultos de uma língua. Conjunto de normas inconscientes, que estão na intuição linguística dos falantes. Língua não padrão Todas as formas que manifestam variações não previstas pelo conjunto de regras da gramática normativa. Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 21 ATIVIDADE Após a leitura deste material, faça uma pesquisa em busca de exemplos dos seguintes conceitos trabalhados. Variação diatópica Variação diastrática Variação diamésica Variação diacrônica Norma padrão Norma culta Língua não padrão Você pode registrar exemplos fotografando textos com o celular, buscando comentários em redes sociais (lembre-se de ocultar a identidade dos autores dos textos), em publicidades, textos jornalísticos, etc. Fique à vontade. Ao lado ou abaixo de cada texto coletado, faça um comentário analítico, usando a norma padrão da língua portuguesa, em que você explique por que escolheu o exemplo, realizando uma pequena análise linguística. O trabalho deve ser postado em formato .doc. Lembre-se de indicar a fonte do texto pesquisado. Não serão aceitos exemplos já usados no material conteudístico. A atividade deve ser feita EM DUPLA. Dúvidas devem ser discutidas no fórum. REFERÊNCIAS ILARI, R.; BASSO, R. (2006) O português da gente: a língua que estudamos, a língua que falamos. São Paulo: Contexto. MUNDURUCA, Rafael. (2010) Nação Poliglota. Revista da Cultura. Edição 35, junho de 2010, p. 30-35. Material elaborado para EaD por Rita Kramer. A autora é a titular dos direitos autorais desta obra. Reprodução não autorizada. Uso estritamente pessoal. Para outra utilização, solicitar autorização prévia do titular dos direitos autorais. Página 22
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