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• • • Treinamento para Potência Anaeróbica e Aeróbica OBJETIVOS DO CAPÍTULO Discutir e fornecer exemplos dos princípios do treinamento físico de sobrecarga, especificidade, diferenças individuais e reversibilidade Esboçar as adaptações metabólicas ao treinamento com exercícios anaeróbicos Esboçar as adaptações metabólicas, cardiovasculares e pulmonares ao treinamento com exercícios aeróbicos • • • • • • • • • • • • • • • Discutir os fatores que ampliam a diferença a- O2 durante o exercício gradativo e como o treinamento de endurance afeta cada componente Explicar os efeitos do treinamento de endurance sobre o fluxo sanguíneo regional Explicar o termo coração de atleta; contrastar as características estruturais e funcionais do coração de um atleta de endurance versus um atleta treinado em resistência Descrever a influência de nível inicial de aptidão, genética, frequência do treinamento, duração do treinamento e intensidade do treinamento sobre a resposta ao treinamento aeróbico Discutir a base lógica para utilizar a frequência cardíaca com a finalidade de estabelecer a intensidade para o treinamento aeróbico Discutir o termo zona sensível ao treinamento, incluindo sua base lógica, vantagens, limitações e aplicação para homens e mulheres de diferentes idades Explicar o ajuste a zona sensível ao treinamento para a natação e outras formas de atividade física realizada com os braços Justificar a “escala de percepção de esforço” para estabelecer a intensidade para as atividades aeróbicas Esboçar as vantagens do treinamento no nível do limiar do lactato Comparar o treinamento aeróbico contínuo e intermitente, bem como as vantagens e as desvantagens de cada um deles Resumir as atuais recomendações feitas pelo American College of Sports Medicine acerca da quantidade e da qualidade do exercício para desenvolver e manter a aptidão cardiorrespiratória e muscular, assim como a flexibilidade articular em adultos sadios Esboçar a aplicação do princípio da sobrecarga para treinar os fosfatos intramusculares de alta energia e o sistema energético glicolítico Resumir os fatores importantes acerca da prescrição do exercício para o treinamento intervalado Descrever a forma mais comum da síndrome de overtraining e resumir os fatores interativos que contribuem para o overtraining em atletas de endurance Resumir as atuais recomendações para a atividade física regular durante a gestação. PRINCÍPIOS DO TREINAMENTO FÍSICO A estimulação das adaptações estruturais e funcionais para aprimorar o desempenho em tarefas físicas específicas continua sendo o principal objetivo do treinamento físico. Essas adaptações tornam necessária a adesão a programas minuciosamente planejados com enfoque na frequência e duração das sessões de trabalho; tipo de treinamento; velocidade; intensidade; duração e repetição da atividade; intervalos de repouso e competição apropriada. A aplicação desses fatores varia, dependendo do desempenho e dos objetivos em termos de aptidão. A abordagem básica ao condicionamento fisiológico aplica-se igualmente a homens e mulheres em uma ampla gama etária; ambos respondem e se adaptam ao treinamento de maneira essencialmente similar. A FIGURA 21.1 ilustra os quatro caminhos geradores de energia e exemplos de desempenhos físicos correspondentes a cada caminho, os quais incluem ATP (força-potência), ATP + PCr (potência sustentada), ATP + PC + ácido láctico (potência anaeróbica – endurance) e transporte de elétrons – fosforilação oxidativa (endurance aeróbico). Princípio de sobrecarga A aplicação regular de uma sobrecarga na forma de um exercício específico aprimora a função fisiológica para induzir uma resposta ao treinamento. O exercício realizado com intensidades acima dos níveis normais estimula adaptações altamente específicas, para que o corpo possa funcionar com maior eficiência. Para conseguir a sobrecarga apropriada será necessário manipular a frequência, a intensidade e a duração do treinamento, ou combinar esses três fatores. O conceito de sobrecarga individualizada e progressiva aplica-se aos atletas, às pessoas sedentárias, aos indivíduos incapacitados e até mesmo aos cardiopatas. Nesse último grupo, um número cada vez maior vem aplicando a reabilitação com exercícios apropriados para caminhar, trotar e, por fim, correr e competir nas maratonas e nos triatlos. Como veremos no Capítulo 31, para conseguir os benefícios relacionados com a saúde com a atividade física regular será necessária menor intensidade do exercício (porém com volume maior) que aquela necessária para aprimorar a aptidão aeróbica máxima.112,131,214 FIGURA 21.1 Classificação da atividade física com base na duração do exercício all-out e nas correspondentes vias predominantes de energia intracelular. Princípio de especificidade A especificidade do treinamento físico refere-se a adaptações nas funções metabólicas e fisiológicas que dependem da intensidade, da duração, da frequência e da modalidade de sobrecarga imposta. Uma sobrecarga específica de curta duração (p. ex., treinamento de força-potência) induz adaptações específicas de força-potência; o treinamento de endurance específico induz adaptações específicas do sistema aeróbico – com um intercâmbio apenas limitado dos benefícios entre o treinamento de força-potência e o treinamento aeróbico. Não obstante, o princípio de especificidade vai muito além dessa ampla demarcação. Por exemplo, o treinamento aeróbico não representa uma entidade singular que requer apenas sobrecarga cardiovascular. O treinamento aeróbico que confia em músculos específicos no desempenho desejado aprimora mais efetivamente a aptidão aeróbica para natação,58 ciclismo,159 corrida135 ou exercício realizado com os braços.117 Algumas evidências sugerem até mesmo uma especificidade temporal na resposta ao treinamento, de modo que os indicadores de aprimoramento do treinamento alcançam um valor máximo quando medidos na hora do dia em que o treinamento costuma ser realizado regularmente.84 O treinamento específico que envolva a habilidade motora para evitar uma queda após perda de equilíbrio pode afetar positivamente variantes biomecânicas efetivas para que indivíduos mais velhos evitem quedas após tropeços induzidos em laboratório.65 A avaliação mais efetiva do desempenho esporte-específico ocorre quando a mensuração laboratorial simula mais intimamente a atividade esportiva e/ou utiliza a massa muscular exigida pelo esporte.13,58,116 Isso pode ser enunciado de maneira mais simples dizendo-se que o exercício específico desencadeia adaptações específicas destinadas a promover efeitos específicos do treinamento que produzam melhoras específicas no desempenho. Isso pode ser exposto de maneira mais fácil de lembrar: especificidade refere-se ao princípio das adaptações específicas às demandas impostas (AEDI). 1. 2. Um exemplo de treinamento aeróbico específico Em um experimento sobre especificidade do treinamento aeróbico, realizado em um de nossos laboratórios, 15 homens nadaram durante 1 h/dia, 3 dias/semana, por 10 semanas, com frequência cardíaca entre 85 e 95% do máximo (FCmáx). O O2máx foi medido durante a corrida em esteira ergométrica e a natação estática, antes e depois do treino. Uma vez que o treinamento intenso de natação sobrecarrega a circulação central e isso se manifesta como frequências cardiacas elevadas, esperávamos que houvesse ao menos um pouco de transferência das melhorias na potência aeróbica do treinamento de natação para a corrida, o que não se mostrou correto. Uma especificidade quase total acompanhou a melhora de O2máx no treinamento de natação. A figura a seguir ilustra que o treino de natação melhora o O2máx em 11% quando medido durante o nado, mas em apenas 1,5% durante a corrida. Houvesse a corrida em esteira ergométrica sido utilizada para avaliar os efeitos no treinamento de natação, teríamos concluído, incorretamente, que não há efeito algum no treinamento.Como desempenho máximo durante o teste, os indivíduos melhoraram em 34% o tempo de natação até a exaustão, mas em apenas 4,6% o tempo de corrida no teste ergométrico. Esses achados, bem como outros estudos, indicam fortemente que o treinamento específico para atividades aeróbicas deve proporcionar um nível geral apropriado de estresse cardiovascular e sobrecarga de músculos específicos de modo específico demandado pela atividade. Quando são medidos a capacidade aeróbica e o desempenho no exercício relativos a uma atividade diferente, pequenas melhorias são registradas. Por outro lado, melhoras consideráveis emergem quando a modalidade específica de treinamento é avaliada em suas adaptações aeróbicas ao treinamento. (Adaptada, com autorização de, Katch VL, McArdle WD, Katch FI, Essentials of Exercise Physiology. 4th Ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health, 2011.) Especificidade do O2máx Ao treinar para atividades aeróbicas específicas tipo ciclismo, natação, remo ou corrida, a sobrecarga deve cumprir dois objetivos: Solicitar os músculos apropriados exigidos pela atividade. Proporcionar intensidade em nível suficiente para sobrecarregar o sistema cardiovascular. Observa-se pouca melhora ao medir a capacidade aeróbica com uma atividade física diferente; o máximo de melhora ocorre quando o exercício do teste reproduz o treinamento. Esses resultados aplicam-se também na reabilitação com movimentos dos pacientes com doença coronariana.152 Enquanto o treinamento com exercícios aeróbicos induz uma melhora 1. 2. 3. altamente específica no O2máx, melhoras mais generalizadas são observadas na função cardíaca. A contratilidade ventricular, por exemplo, que melhora com determinada modalidade de treinamento físico, melhora também no exercício dos membros não treinados.216 Aparentemente os indivíduos conseguem treinar o miocárdio propriamente dito com diversas modalidades de atividades realizadas com “grandes grupos musculares”. Especificidade das alterações locais A sobrecarga imposta a grupos musculares específicos com o treinamento de endurance aprimora o desempenho e a potência aeróbica por facilitar o transporte de oxigênio e a utilização de oxigênio ao nível local dos músculos treinados.85,127 Por exemplo, o músculo vasto lateral de ciclistas bem treinados tem maior capacidade oxidativa que o de corredores de endurance; a capacidade oxidativa desse músculo melhora após o treinamento em uma bicicleta ergométrica. Essas adaptações metabólicas locais fazem aumentar a capacidade dos músculos estriados esqueléticos treinados de gerarem ATP aerobicamente antes do início do acúmulo de lactato. A especificidade da melhora aeróbica pode resultar também do maior fluxo sanguíneo regional nos tecidos ativos em virtude de três fatores: Aumento da microcirculação. Distribuição mais efetiva do débito cardíaco. O efeito combinado de ambos os fatores. Seja qual for o mecanismo, essas adaptações ocorrem somente nos músculos treinados especificamente e tornam-se evidentes somente no exercício que ativa essa musculatura. Princípio das diferenças individuais Nem todos os indivíduos respondem de maneira semelhante a um determinado estímulo de treinamento. Por exemplo, o nível de aptidão relativa de uma pessoa no início do treinamento exerce alguma influência. Esse subprincípio dos valores iniciais revela que os indivíduos com aptidão mais baixa evidenciam a maior melhora conseguida com o treinamento. Esse princípio funciona para os indivíduos sadios assim como para aqueles com doença cardiovascular ou com um alto risco para essa doença.19,176,236 Quando um grupo relativamente homogêneo inicia um esquema de treinamento, não se pode esperar que cada pessoa alcance o mesmo estado de aptidão ou de desempenho nos exercícios após apenas 10 ou 12 semanas. Um técnico não deveria insistir para que todos os atletas da mesma equipe ou até mesmo na mesma prova treinem da mesma maneira ou com a mesma intensidade relativa ou absoluta do esforço. Os benefícios ótimos do treinamento ocorrem quando os programas de exercícios concentram-se nas necessidades individuais e nas capacidades dos participantes. O Capítulo 11 e a seção “Treinabilidade e genes” deste capítulo enfatizam que os fatores genéticos interagem para exercer algum impacto sobre a resposta ao treinamento. Princípio de reversibilidade A perda das adaptações fisiológicas e de desempenho, chamada destreinamento, ocorre rapidamente quando uma pessoa encerra sua participação na atividade física regular. Apenas 1 ou 2 semanas de destreinamento acarretam redução na capacidade tanto metabólica quanto de realização do exercício, e muitos aprimoramentos induzidos pelo treinamento são perdidos completamente em alguns meses.147 A TABELA 21.1 mostra as consequências biológicas de várias durações do destreinamento a curto prazo (< 3 semanas) e a longo prazo (3 a 12 semanas) nos indivíduos treinados em endurance. Os dados representam as respostas médias relatadas na literatura. Um grupo de pesquisa confinou cinco indivíduos ao leito por 20 dias consecutivos.191 Houve redução de 25% no O2máx. Essa queda acompanhava uma diminuição semelhante no volume sistólico máximo e no débito cardíaco, o que correspondia a uma redução diária de aproximadamente 1% na potência aeróbica máxima. Ademais, o número de capilares no músculo treinado diminuiu entre 14 e 25% em 3 semanas imediatamente após o treinamento.190 Para os indivíduos idosos, 4 meses de destreinamento anulavam completamente as adaptações induzidas pelo treinamento de endurance sobre as funções cardiovasculares e a distribuição da água corporal.165 Nos atletas altamente treinados, mesmo os efeitos benéficos de muitos anos de treinamento físico prévio continuam sendo transitórios e reversíveis. Por essa razão, a maioria dos atletas começa um programa de condicionamento vários meses antes do início da estação competitiva ou mantém pelo menos algum nível moderado de atividade física esporte-específica fora da temporada a fim de tornar mais lentas as consequências do destreinamento. COMO O TREINAMENTO FÍSICO AFETAO SISTEMA ANAERÓBICO As seções seguintes apresentam uma lista mais detalhada das diversas adaptações das respostas ao treinamento com exercícios aeróbicos e anaeróbicos esboçadas na TABELA 21.2. ALTERAÇÕES NO SISTEMA ANAERÓBICO COM O TREINAMENTO A FIGURA 21.2 resume as respostas para as adaptações metabólicas na função anaeróbica que acompanham o treinamento anaeróbico. Em conformidade com o conceito de especificidade do treinamento, as atividades que exigem um alto nível de metabolismo anaeróbico produzem alterações específicas nos sistemas de energia imediato e a curto prazo, com pequenos aumentos concomitantes nas funções aeróbicas. Ocorrem três alterações importantes com o treinamento de potência anaeróbica: TABELA 21.1 Modificações nas medidas da função fisiológica e metabólica com várias duraçõesde de streinamento.a Variável Treinado Destreinado Modificação, % de destreinamento a curto prazob Modificação, % de destreinamento a longo prazoc O2máx, mℓ/kg/min 62,2 62,1 57,3 50,8 –8 –18 O2máx, ℓ/min 4,45 4,16 –7 Débito cardíaco, ℓ/min 27,8 27,8 25,5 25,2 –8 –10 Volume sistólico, mℓ 155 139 –10 Frequência cardíaca, bpm 148 186 187 129 193 197 4 –13 5 Pulso de oxigênio, mℓ/contração 12,7 10,9 –14 Soma da frequência cardíaca aos 3 min de recuperação 190 237 25 Volume plasmático, ℓ 2,91 2,56 –12 dif a- O2, mℓ/100 mℓ 15,1 15,1 15,4 14,1 –2 (SSE) –7 PCr, mM/(g de peso úmido) 17,9 13,0 –27 ATP, mM/(g de peso úmido) 5,97 5,08 –15 Glicogênio, mM/(g de 1. peso úmido) 113,9 57,4 –50 Densidade capilar, cap./mm2 511 464 476 476 –7 –2 (SSE) Capacidade das enzimas oxidativas –29 –32 Mioglobina, mg/(g de proteína) 43,3 43,3 41,0 40,7 –5 (SSE) –6 Insulina (repouso) 17 a 120 Norepinefrina/epinefrina(repouso) Nenhuma mudança Norepinefrina/epinefrina (exercício) 65 a 100 Lactato sanguíneo 88 Limiar do lactato –7 –18 Lipólise do exercício –52 Síntese de glicogênio muscular –29 –40 Tempo até o surgimento de fadiga, min –10 Potência de natação, W –14 Força de extensão do cotovelo, pés-libras 39,0 25,5 –35 aOs dados representam média calculada a partir de estudos individuais conforme citado nas seguintes fontes: McArdle WD et al. Essentials of exercise physiology, 3rd ed. Lippincott Williams & Wilkins, 2006, e Wilber RL, Moffatt RJ. Physiological and biochemical consequences of detraining in aerobically trained individuals. J Strength Cond Res 1994;8:110. Observe que uma mudança para a frequência cardíaca representa um declínio na capacidade funcional. Os valores omitidos para treinados e destreinados excluídos nas fontes originais. bCurto prazo, 3 semanas ou menos nos indivíduos treinados principalmente por métodos aeróbicos. cLongo prazo, 3 a 12 semanas nos indivíduos treinados principalmente por métodos aeróbicos. SSE = sem significado estatístico. Maiores níveis de substratos anaeróbicos. As amostras de biopsias musculares obtidas antes ou após o treinamento de resistência (TABELA 21.3) mostram aumentos nos níveis em repouso do músculo treinado para ATP, PCr, creatina livre e glicogênio acompanhados por uma melhora de 28% na força muscular. Outros estudos mostraram níveis mais altos de ATP e de conteúdo total de creatina nos músculos treinados de corredores e ciclistas de pista de alta velocidade em comparação aos corredores de longa distância e aos corredores de estrada.151 O treinamento de velocidade-potência faz 2. 3. aumentar também o conteúdo de PCr no músculo esquelético treinado. Maior quantidade e atividade das enzimas-chave que controlam a fase anaeróbica (glicolítica) do catabolismo da glicose. Essas modificações não alcançam a magnitude para as enzimas oxidativas com o treinamento aeróbico. Os aumentos mais expressivos na função das enzimas anaeróbicas e no tamanho das fibras ocorre nas fibras musculares de contração rápida. Maior capacidade de gerar e tolerar altos níveis de lactato sanguíneo durante o esforço explosivo. Essa adaptação resulta provavelmente de (A) maiores níveis de glicogênio e de enzimas glicolíticas e (B) melhor motivação e tolerância à “dor” na atividade física cansativa. A pesquisa ainda não demonstrou que o treinamento seja capaz de aprimorar a capacidade dos mecanismos de tamponamento. Os fatores motivacionais aprimoram provavelmente a tolerância induzida pelo treinamento para uma acidez plasmática elevada. TABELA 21.2 Valores metabólicos e fisiológicos típicos para homens sadios treinados em endurance e não treinados.a Variável Não treinados Treinados Diferença percentualb Glicogênio, mM/(g de músculo úmido) 85,0 120 41 Número de mitocôndrias, mmol3 0,59 1,20 103 Volume mitocondrial, % de célula muscular 2,15 8,00 272 ATP em repouso, mM/(g de músculo úmido) 3,0 6,0 100 PCr em repouso, mM/(g de músculo úmido) 11,0 18,0 64 Creatina em repouso, mM/(g de músculo úmido) 10,7 14,5 35 Enzimas glicolíticas Fosfofrutoquinase, mM/(g de músculo úmido) 50,0 50,0 0 Fosforilase, mM/(g de músculo úmido) 4 a 6 6 a 9 60 Enzimas aeróbicas Succinato desidrogenase, mM/(kg de músculo úmido) 5 a 10 15 a 20 133 Lactato máximo, mM/(kg de músculo úmido) 110 150 36 Fibras musculares De contração rápida, % 50 20 a 30 –50 De contração lenta, % 50 60 20 Volume sistólico máximo, mℓ 120 180 50 Débito cardíaco máximo, ℓ/min 20 30 a 40 75 Frequência cardíaca em repouso, bpm 70 40 –43 Frequência cardíaca máxima, bpm 190 180 –5 dif a- O2 máxima, mℓ/dℓ 14,5 16,0 10 O2máx, mℓ/kg/min 30 a 40 65 a 80 107 Volume cardíaco, ℓ 7,5 9,5 27 Volume sanguíneo, ℓ 4,7 6,0 28 Emáx, ℓ/min 110 190 73 Percentual de gordura corporal 15 11 –27 aEm alguns casos, são usados valores aproximados. Em todos os casos, os valores para os indivíduos treinados representam dados de atletas de endurance. Convém ter cautela ao pressupor que a diferença percentual entre treinados e não treinados representa necessariamente o resultado do treinamento, pois diferenças genéticas exercem provavelmente uma poderosa influência sobre muitos desses fatores. bDiferença percentual: treinados versus não treinados. COMO O TREINAMENTO AFETA O SISTEMA AERÓBICO A FIGURA 21.3 mostra quatro categorias de diversos fatores fisiológicos e metabólicos relacionados com o transporte e o uso de oxigênio: ventilação-aeração, fluxo sanguíneo central, metabolismo dos músculos ativos e fluxo sanguíneo periférico. Com um treinamento adequado, as adaptações positivas em muitos desses fatores continuam sendo independentes de raça, sexo, idade e estado de saúde.26,32,197,235 Adaptações metabólicas O treinamento aeróbico produz melhoras na capacidade para o controle respiratório no músculo esquelético. FIGURA 21.2 Potencial generalizado para aumentos no metabolismo energético anaeróbico do músculo esquelético com o treinamento de velocidade-potência a curto prazo. Maquinário metabólico Até certo ponto, é o potencial das mitocôndrias, e não o suprimento de oxigênio, que limita a capacidade oxidativa do músculo não treinado.75 As fibras dos músculos estriados esqueléticos treinados em endurance contêm mitocôndrias maiores e mais numerosas que as fibras menos ativas. O mecanismo estrutural ampliado das mitocôndrias e as adaptações na atividade enzimática observadas com o treinamento aeróbico, às vezes um aumento de até 50% em algumas semanas, acarretam grande aumento na capacidade das mitocôndrias musculares subsarcolemais e intermiofibrilares de gerarem ATP aerobicamente.67,87,209,239 Um aumento de quase duas vezes nas enzimas do sistema aeróbico em 5 a 10 dias de treinamento coincide com a maior capacidade mitocondrial de gerar ATP aerobicamente. As alterações enzimáticas ocorrem em virtude dos aumentos no material mitocondrial total, não de maior atividade enzimática por unidade de proteína mitocondrial. O aumento de duas vezes na proteína mitocondrial ultrapassa os aumentos 1. 2. 3. 4. típicos de 10 a 20% no O2máx observados com o treinamento de endurance. É mais do que provável que as alterações enzimáticas permitem a uma pessoa evidenciar um percentual mais alto de capacidade aeróbica durante o esforço prolongado sem acúmulo de lactato sanguíneo. Metabolismo das gorduras. O treinamento de endurance aumenta a oxidação dos ácidos graxos para a obtenção de energia durante o repouso157 e o exercício submáximo (em particular enquanto a duração do esforço se estende; FIGURA 21.4).50,88,225 O catabolismo acelerado das gorduras torna-se evidente para a mesma carga de trabalho absoluta submáxima sem relação com o influxo de substrato energético (no estado alimentado ou de jejum)10,12,31 e o efeito ocorre em 2 semanas de treinamento.212 Aumentos impressionantes ocorrem também na capacidade do músculo treinado em utilizar os triacilgliceróis intramusculares como fonte primária para a oxidação dos ácidos graxos.132 Quatro fatores contribuem para o grande aumento da lipólise induzido pelo treinamento: Maior fluxo sanguíneo no músculo treinado. Mais enzimas para a mobilização e o metabolismo das gorduras. Capacidade respiratória aprimorada das mitocôndrias musculares. Menor liberação de catecolaminas para a mesma produção absoluta de potência. O catabolismo das gorduras aprimorado na atividade física submáxima beneficia os atletas de endurance, pois conserva as reservas de glicogênio que são tão importantes durante o esforço intenso e prolongado. A oxidação beta aprimorada dos ácidos graxos e a produção respiratória de ATP contribuem para a integridade da célula, assim como para um alto nível de função. Isso aprimora a capacidade de endurance, independentemente dos aumentos nas reservas de glicogênio ou na capacidade aeróbica. Metabolismo doscarboidratos. O músculo treinado exibe maior capacidade de oxidar os carboidratos durante o exercício máximo. Consequentemente, grandes quantidades de piruvato fluem pelas vias energéticas aeróbicas nesse tipo de exercício, efeito esse que é consistente com a maior capacidade oxidativa das mitocôndrias e o melhor armazenamento de nitrogênio nos músculos. A redução de carboidratos como fonte energética e a maior combustão de ácidos graxos na atividade física submáxima com o treinamento de endurance resultam dos efeitos combinados dos três seguintes elementos:31 TABELA 21.3 Modificações nas concentrações em repouso de PCr, creatina, ATP e glicogênio após 5 meses de treinamento intenso de resistência em 9 homens. Variávela Controle Pós-treinamento Diferença percentualb PCr 17,07 17,94 +5,1 Creatina 14,52 10,74 +35,2 ATP 5,07 5,97 +17,8 Glicogênio 113,90 86,28 +32,0 De MacDougall JD et al. Biochemical adaptation of human skeletal muscle to heavy resistance training and immobilization. J Appl Physiol 1977;43:700. aTodos os valores são médias enunciadas em mM por grama de músculo estriado esquelético úmido. bTodas as diferenças percentuais são estatisticamente significativas. 1. 2. 3. FIGURA 21.3 Fatores fisiológicos que limitam o O2máx e o desempenho no exercício aeróbico. Hb = hemoglobina. Menor utilização de glicogênio muscular. Produção de glicose reduzida (glicogenólise e gliconeogênese hepáticas diminuídas). Utilização reduzida da glicose carreada pelo plasma. A capacidade gliconeogênica hepática exacerbada pelo treinamento também proporciona resistência à hipoglicemia durante a atividade física prolongada.33,42 Tipo e tamanho das fibras musculares O treinamento aeróbico induz adaptações metabólicas em cada tipo de fibra muscular. O tipo básico de fibras provavelmente não se “modifica” em nenhum grau significativo; em vez disso, todas as fibras aprimoram seu potencial aeróbico já existente. A hipertrofia seletiva ocorre nos diferentes tipos de fibras musculares pelo treinamento com sobrecarga específica. Os atletas de endurance altamente treinados possuem fibras de contração lenta (tipo I) maiores que as fibras de contração rápida (tipo II) existentes no mesmo músculo. As fibras de tipo II são menos utilizadas durante o treinamento aeróbico do que as de tipo I, motivo pelo qual a sua capacidade aeróbica não sofre mudanças notáveis nesse tipo de atividade. Com o treinamento aeróbico, algumas fibras de tipo II podem passar por uma transição, de modo a exibir maiores tendências aeróbicas. Esse exemplo de “plasticidade” muscular ocorre provavelmente em nível subcelular.99 Mioglobina. Como era esperado, as fibras musculares de contração lenta com uma alta capacidade de gerar ATP aerobicamente contêm quantidades relativamente grandes de mioglobina. Entre os animais, o conteúdo de mioglobina do músculo está relacionado com seu nível de atividade física. Os músculos das patas de cães caçadores, por exemplo, contêm mais mioglobina que os músculos de animais de estimação caseiros sedentários; achados semelhantes foram observados para o gado de pasto em comparação com os animais mantidos em cercados.234 Ainda não foi determinado o efeito da atividade física regular sobre os níveis de mioglobina nos seres humanos, porém é provável que qualquer efeito porventura existente seja negligenciável. FIGURA 21.4 O treinamento com exercícios aeróbicos aprimora o catabolismo das gorduras no exercício submáximo. Durante o exercício prolongado com carga constante, a energia total derivada da oxidação das gorduras aumenta consideravelmente após o treinamento. Essa adaptação capaz de preservar os carboidratos resulta da liberação facilitada de ácidos graxos pelos depósitos de tecido adiposo (aumentada por um nível sanguíneo reduzido de lactato) e da maior quantidade de triacilglicerol nas fibras musculares treinadas em endurance. (Reproduzida, com autorização, de Hurley BF et al. Muscle triglyceride utilization during exercise: effect of training. J Appl Physiol 1986;60:562.) Adaptações cardiovasculares A FIGURA 21.5 resume as importantes adaptações na função cardiovascular induzidas pelo treinamento aeróbico, que aprimoram o fornecimento de oxigênio ao músculo ativo. Hipertrofia cardíaca | O “coração de atleta” O treinamento aeróbico a longo prazo em geral faz aumentar a massa e o volume do coração, com maiores volumes diastólicos terminais no ventrículo esquerdo durante o repouso e a atividade física. A hipertrofia cardíaca moderada secundária ao crescimento longitudinal das células miocárdicas reflete uma adaptação ao treinamento fundamental e normal do músculo para uma carga de trabalho aumentada, independentemente da idade.143 Esse aumento de volume caracteriza-se pelo aumento de tamanho da cavidade ventricular esquerda (hipertrofia excêntrica) e pelo espessamento moderado de suas paredes (hipertrofia concêntrica). O treinamento regular altera as propriedades contráteis das fibras do músculo cardíaco que incluem maior sensibilidade à ativação pelo Ca2+, mudanças na relação força-comprimento e maior produção de potência.39 A sobrecarga do miocárdio estimula maior síntese de proteína celular, com reduções concomitantes na degradação proteica. Um maior conteúdo de RNA no músculo treinado acelera a síntese das proteínas. As miofibrilas individuais sofrem espessamento, enquanto o número desses filamentos contráteis aumenta. O volume cardíaco de homens sedentários é, em média, de aproximadamente 800 mℓ. Nos atletas, os aumentos no volume cardíaco estão relacionados com a natureza aeróbica do esporte – os atletas de endurance possuem, em média, um volume cardíaco 25% maior que os congêneres sedentários. Os pesquisadores ainda procuram saber se os maiores volumes do coração de atletas de endurance refletem padrões genéticos, adaptações ao treinamento ou um efeito combinado. A duração do treinamento afeta o tamanho e a estrutura do coração. Vários estudos não relataram modificações nas dimensões cardíacas com o treinamento a curto prazo, apesar de aprimoramentos no O2máx e na resposta da frequência cardíaca ao exercício submáximo.177,216 Quando o treinamento de endurance faz aumentar o tamanho do ventrículo esquerdo, o crescimento não reflete uma adaptação permanente. Pelo contrário, o tamanho do coração diminui e retorna aos níveis que vigoravam antes do treinamento – sem efeitos deletérios – à medida que diminui a intensidade do treinamento.38,83 A FIGURA 21.6 mostra a tendência geral para o aumento do coração (refletido pela massa ventricular esquerda) em indivíduos não treinados assim como em grupos atléticos de homens e de mulheres treinados em força-potência e em endurance. Natureza específica do aumento de volume cardíaco. A técnica ultrassônica da ecocardiografia incorpora ondas sonoras para “mapear” as dimensões do miocárdio e o volume das câmaras do coração (ver Capítulo 32). Essa técnica consegue avaliar as características estruturais de corações de homens e mulheres atletas (incluindo outras espécies de animais) com a finalidade de determinar de que maneira as várias modalidades de treinamento poderiam afetar de forma diferencial o aumento de volume do coração.160,210 As dimensões cardíacas de nadadores, jogadores de polo aquático, corredores de longa distância, lutadores e arremessadores de peso masculinos foram comparadas durante suas temporadas competitivas com aquelas de homens universitários não treinados. Os nadadores e corredores representavam atletas em eventos “isotônicos” ou de endurance; os lutadores e arremessadores representavam atletas de potência “isométricos” ou treinados em resistência. A TABELA 21.4 mostra diferenças claras nas características estruturais dos corações de atletas sadios e de indivíduos não treinados. As diferenças estruturais do coração entre atletas relacionam-se com a natureza do treinamento com exercícios. Nos nadadores, o volume ventricular esquerdoera, em média, de 181 mℓ e a massa era igual a 308 g. Nos lutadores, o volume ventricular esquerdo era, em média, de 110 mℓ e a massa alcançava uma média de 330 g; os controles não atléticos evidenciavam uma média de 101 mℓ para o volume ventricular e de 211 g para a massa ventricular. Os atletas treinados em resistência tinham paredes ventriculares mais espessas, enquanto as paredes cardíacas dos atletas de endurance permaneciam dentro de uma variação normal. As adaptações morfológicas e funcionais do coração, incluindo a bradicardia em repouso, o volume sistólico aumentado e as dimensões ventriculares internas ampliadas, ocorrem também em crianças pré-púberes que são submetidas a treinamento intenso de endurance.153 FIGURA 21.5 Adaptações na função cardiovascular pelo treinamento aeróbico que fazem aumentar o fornecimento de oxigênio aos músculos ativos. Um estudo mostrou a distribuição das dimensões das cavidades diastólicas terminais do ventrículo esquerdo em 1.309 atletas italianos de elite, entre homens e mulheres, com 13 a 59 anos de idade. Essas dimensões oscilavam de 38 a 66 mm (média de 48,4 mm) em mulheres e de 43 a 70 mm (média de 55,5 mm) em homens.161 O tamanho da cavidade ventricular da maioria dos atletas continuava na variação normal, porém 14% mostravam dimensões substancialmente aumentadas.189a Uma grande área superficial corporal e a participação em ciclismo de endurance, esqui cross-country e canoagem representavam os principais determinantes da dimensão cavitária aumentada. Os indivíduos não apresentaram problemas cardíacos durante o período de 12 anos do estudo. Outros grupos atléticos também mostram uma cavidade ventricular aumentada (volume diastólico terminal aumentado) com espessura normal da parede,139,180 com o efeito sendo menos pronunciado entre as mulheres.160 FIGURA 21.6 Tendência geral para o aumento de volume cardíaco (massa ventricular esquerda) em pessoas não treinadas e vários grupos de homens e (quando aplicável) mulheres atletas treinados em força-potência e em endurance. TABELA 21.4 Dimensões cardíacas médias comparativas em atletas universitários, atletas de classe mundial e indivíduos normais. Dimensãoa Corredores universitários (n = 15) Nadadores universitários (n = 15) Corredores de classe mundial (n = 10) Lutadores universitários (n = 12) Arremessadores de peso de classe mundial (n = 4) Normais (n = 16) DIVE 54 51 48 a 59b 48 43 a 52b 46 VVE, mℓ 160 181 154 110 122 101 VS, mℓ 116 NR 113 75 68 NR Parede VE, mm 11,3 10,6 10,8 13,7 13,8 10,3 Septo, mm 10,9 10,7 10,9 13,0 13,5 10,3 Massa VE, g 302 308 283 330 348 211 aDIVE = dimensão interna ventricular esquerda no final da diástole; VVE = volume ventricular esquerdo; VS = volume sistólico; parede VE = espessura da parede ventricular esquerda posterobasal; septo = espessura do septo interventricular; massa VE = massa ventricular esquerda. bVariação. NR = Valores não relatados. Reproduzida, com autorização, de Morganroth J et al. Comparative left-ventricular dimensions in trained athletes. Ann Intern Med 1975;82:521. O volume plasmático induzido pelo treinamento é uma possível explicação. As adaptações estruturais e dimensionais do miocárdio à atividade física regular em geral refletem as demandas específicas do treinamento.158,168 Como abordado adiante na seção “Volume plasmático”, um aumento no volume plasmático no transcorrer de 1 ou 2 dias após o início do treinamento de endurance contribui para o aumento no volume intraventricular ou para a hipertrofia excêntrica.200 O volume plasmático aumentado, juntamente com a frequência cardíaca reduzida e a complacência miocárdica aumentada, dilata ou “distende” a cavidade ventricular esquerda, de maneira análoga ao enchimento de um balão com água. Ao contrário dos atletas de endurance, atletas de ambos os sexos treinados em resistência demonstram aumento no septo intraventricular, na espessura da parede ventricular e massa ventricular com pouco aumento na cavidade interna do ventrículo esquerdo.57,115 Esses atletas não experimentam sobrecarga volêmica com o treinamento. Pelo contrário, seu treinamento produz curtos episódios de pressão arterial elevada em virtude das altas forças geradas por massa limitada de músculo esquelético (ver Capítulo 15). Um aumento na espessura da parede ventricular que em geral se enquadra na variação normal quando enunciado como massa ventricular por unidade de tamanho corporal, particularmente de massa corporal isenta de gordura,160,161 compensa a pós-carga adicional imposta ao ventrículo esquerdo sem afetar o tamanho da cavidade ventricular. É mais do que provável a existência de uma considerável variabilidade individual para a resposta estrutural do coração às diferentes formas de treinamento. Quando ocorrem modificações, continuam desconhecidas as implicações para o suprimento sanguíneo do miocárdio e a saúde cardiovascular a longo prazo. Não há evidência científica incontestável indicando que as modalidades específicas de atividade física e de treinamento árduos lesionam um coração sadio.98 O mesmo se aplica aos cardiopatas submetidos a um programa de reabilitação cardíaca baseado em exercícios apropriados.22 Hipertrofia cardíaca funcional versus patológica. A doença pode induzir um aumento considerável do volume cardíaco. Na hipertensão, por exemplo, o coração trabalha cronicamente contra uma resistência excessiva ao fluxo sanguíneo, chamada pós-carga. Isso distende o músculo estriado cardíaco, o que, de acordo com o mecanismo de Frank-Starling, gera uma força compensatória destinada a superar a maior resistência enfrentada pela ejeção sistólica. Além da dilatação ventricular, as células musculares individuais hipertrofiam para se ajustarem ao maior trabalho do miocárdio imposto pelo estado hipertensivo. Na hipertensão não tratada, as fibras miocárdicas distendem-se além de seu comprimento ótimo, fazendo com que o coração hipertrofiado e dilatado se enfraqueça e acabe falhando. Para o patologista, esse coração “hipertrofiado” representa um órgão aumentado de volume, distendido e funcionalmente inadequado incapaz de proporcionar sangue suficiente para satisfazer as demandas mínimas em repouso. O treinamento, por outro lado, impõe apenas um estresse miocárdico temporário, razão pela qual os períodos de repouso proporcionam um período de tempo suficiente para a “recuperação”. Além disso, a dilatação e o enfraquecimento do ventrículo esquerdo, que constituem uma resposta frequente à hipertensão crônica, não acompanham as adaptações miocárdicas compensatórias induzidas pelo treinamento físico. O tamanho aumentado do coração de atletas de elite em geral se enquadra na variação superior do normal tanto para o tamanho corporal quanto para o aumento no volume diastólico terminal. O “coração de atleta” não representa um órgão disfuncional. Pelo contrário, demonstra funções sistólica e diastólica normais e uma capacidade funcional superior em termos de volume sistólico e de débito cardíaco. Uma possível exceção relaciona-se com os atletas treinados em resistência que usam esteroides anabólicos. Um aumento considerável na pressão tanto sistólica quanto diastólica, assim como uma exacerbação da hipertrofia cardíaca normal, ocorre com o uso prolongado de esteroides.66,73,96 QUESTÃO DISCURSIVA Explique como a hipertrofia cardíaca observada no treinamento com sobrecarga de pressão (p. ex., treinamento de resistência) poderia afetar a oxigenação dos tecidos miocárdicos. Volume plasmático Um aumento de 12 a 20% no volume plasmático ocorre após 3 a 6 sessões de treinamento aeróbico, na ausência de modificações na massa eritrocitária. De fato, ocorre uma modificação mensurável dentro de 24 h após a primeira sessão de exercício, com a expansão do volume líquido extracelular levando várias semanas.192 A expansão do volume intravascular relaciona-se diretamente com a maior síntese e retençãode albumina plasmática.141,149 Um aumento no volume plasmático aprimora a reserva circulatória e aumenta o volume diastólico terminal, o volume sistólico de ejeção, o transporte de oxigênio, o O2máx e a capacidade de regular a temperatura durante a atividade física.62,69 Um volume plasmático ampliado retorna aos níveis de pré-treinamento 1 semana após o treinamento.200,230 Para os atletas de endurance em diferentes esportes, a massa de hemoglobina e o volume sanguíneo eram, em média, 35% mais altos que aqueles dos indivíduos não treinados, com pouca diferença na concentração de hemoglobina entre os grupos.78 Frequência cardíaca O treinamento de endurance acarreta desequilíbrio entre a atividade tônica dos neurônios aceleradores simpáticos depressores parassimpáticos em favor de um maior domínio vagal – uma resposta mediada principalmente pela atividade parassimpática aumentada e por pequena redução na descarga simpática.61,111 O treinamento reduz também a taxa de acionamento intrínseco do tecido do marca-passo do nódulo sinoatrial (SA).193 Essas adaptações contribuem para a bradicardia em repouso e durante o exercício submáximo em atletas de endurance altamente condicionados ou em indivíduos previamente sedentários que treinam aerobicamente. Frequência cardíaca do exercício | Efeitos do treinamento. O treinamento em endurance reduz a frequência cardíaca submáxima para uma tarefa física padrão em 12 a 15 bpm, enquanto uma redução muito menor ocorre para a frequência cardíaca de repouso. Essas reduções na frequência cardíaca refletem a magnitude do aprimoramento induzido pelo treinamento, pois em geral coincidem com o volume sistólico máximo e o débito cardíaco aumentados. A FIGURA 21.7 ilustra a relação entre frequência cardíaca e consumo de oxigênio durante o exercício gradativo para atletas e estudantes sedentários.189 O grupo de seis atletas de endurance havia treinado por vários anos; o outro grupo consistia em três estudantes universitários sedentários. Os pesquisadores avaliaram as respostas dos estudantes ao exercício antes e após um programa de treinamento de 55 dias destinado a aprimorar a aptidão aeróbica. As linhas que relacionam frequência cardíaca e consumo de oxigênio continuam essencialmente lineares para ambos os grupos através da maior parte da variação do consumo de oxigênio. Enquanto as frequências cardíacas dos estudantes não treinados aceleram rapidamente à medida que o consumo de oxigênio aumenta, as frequências cardíacas dos atletas sobem muito menos; isto é, a inclinação ou a taxa de mudança das linhas FC- O2 difere consideravelmente entre os indivíduos treinados e não treinados. Consequentemente, um atleta ou um estudante treinado realiza um exercício mais intenso e consegue um consumo de oxigênio mais alto antes de alcançar uma frequência cardíaca submáxima específica do que um estudante sedentário. Para um consumo de oxigênio de 2,0 ℓ/min, a frequência cardíaca do atleta era, em média, 70 bpm menor que para os estudantes sedentários. Após 55 dias de treinamento, a diferença na frequência cardíaca submáxima caía para aproximadamente 40 bpm. Em cada caso, o débito cardíaco mantinha-se essencialmente inalterado – um aumento no volume sistólico de ejeção compensava a frequência cardíaca mais baixa. FIGURA 21.7 Frequência cardíaca e consumo de oxigênio durante o exercício na postura ortostática em atletas de endurance ( ) e estudantes universitários sedentários antes ( ) e após ( ) 55 dias de treinamento aeróbico ( = 1. 2. 3. 4. 1. 2. 3. 4. valores máximos). Volume sistólico O treinamento de endurance acarreta um aumento no volume de ejeção sistólica do coração durante o repouso e a atividade física, independentemente da idade ou do sexo. Quatro fatores provocam essa mudança:45,102,137 Aumento do volume interno do ventrículo esquerdo (consequente à expansão do volume plasmático induzida pelo treinamento) assim como em sua massa. Rigidez cardíaca e arterial reduzida. Tempo de enchimento diastólico aumentado (em virtude da bradicardia induzida pelo treinamento). Possivelmente, função contrátil intrínseca do coração aprimorada. FIGURA 21.8 Volume sistólico e consumo de oxigênio durante o exercício na postura ortostática em atletas de endurance ( ) e universitários sedentários antes ( ) e depois ( ) de 55 dias de treinamento aeróbico ( = valores máximos). Volume sistólico do exercício | Indivíduos treinados versus não treinados. A FIGURA 21.8 mostra a resposta do volume sistólico durante o exercício em postura ortostática para os homens mostrados na Figura 21.7. Emergem cinco observações importantes relacionadas com o treinamento: O coração do atleta de endurance exibe um volume sistólico consideravelmente maior durante o repouso e o exercício do que uma pessoa não treinada de idade semelhante. O maior aumento no volume sistólico durante o exercício para pessoas treinadas e destreinadas ocorre na transição do repouso para o exercício moderado. Apenas pequenos aumentos no volume sistólico acompanham os aumentos adicionais na intensidade do exercício. O volume sistólico máximo em geral ocorre entre 40 e 50% do O2máx para pessoas não treinadas; isso acontece com uma frequência cardíaca de 110 a 120 bpm em adultos jovens. Atualmente, tenta-se esclarecer se o volume sistólico diminui, alcança um platô ou aumenta gradualmente durante o exercício gradativo até o máximo, particularmente nos atletas de endurance, nos quais o volume sistólico pode ser beneficiado por um volume plasmático aumentado.63,231 É mais do que provável que o treinamento de endurance minimize o pequeno aumento no volume sistólico observado com certa frequência durante o esforço máximo. Até mesmo com frequências cardíacas quase máximas, haverá tempo suficiente para os ventrículos treinados se encherem durante a diástole sem redução do volume sistólico.60,208,241 Enchimento ventricular melhorado com o treinamento de endurance resulta em ejeção ventricular avançada via mecanismo de Frank-Starling. Para as pessoas não treinadas, ocorre apenas um pequeno aumento no volume sistólico de ejeção durante a transição do repouso para a atividade física. Consequentemente, observa-se um débito cardíaco aumentado em virtude da aceleração na frequência cardíaca. Para os atletas de endurance, a frequência cardíaca e o volume sistólico de ejeção aumentam ambos para aumentar o débito cardíaco; o volume sistólico do atleta em geral se expande em 60% acima dos valores de repouso. Aumentos relativamente grandes do volume sistólico na transição do repouso para o exercício ocorrem também em 5. 1. 2. crianças e homens mais idosos treinados em endurance, em comparação aos congêneres sadios porém não treinados.69,187 Oito semanas de treinamento aeróbico por parte de indivíduos previamente sedentários elevam substancialmente o volume sistólico, porém os seus valores continuam bem inferiores ao dos atletas de elite. Volume sistólico e O2máx. Os dados na TABELA 21.5 ampliam a importância do volume sistólico no sentido de diferenciar as pessoas com valores altos e baixos do O2máx. Esses dados representam três grupos: atletas, homens sadios porém sedentários e pacientes com estenose mitral, uma valvopatia que causa esvaziamento inadequado do ventrículo esquerdo. As diferenças no O2máx entre os grupos relacionam-se intimamente com as diferenças no volume sistólico máximo. Os pacientes com estenose mitral conseguem metade da capacidade aeróbica e do volume sistólico máximo obtido pelos indivíduos sedentários. A importância do volume sistólico surge também nas comparações entre os grupos sadios. Os atletas conseguem um O2máx médio 62% maior que os indivíduos sedentários, com base inteiramente no volume sistólico e no débito cardíaco 60% maiores dos atletas (ver Figuras 21.8 e 21.9). Débito cardíaco Um aumento no débito cardíaco máximo representa a adaptação mais significativa na função cardiovascular observada como treinamento aeróbico. A frequência cardíaca máxima diminui ligeiramente com o treinamento; assim sendo, a capacidade aumentada do débito cardíaco resulta diretamente de um volume sistólico aprimorado. Um grande débito cardíaco máximo (o que se reflete em um volume sistólico maior) diferencia os atletas de endurance campeões de outros atletas bem treinados e dos congêneres não treinados. TABELA 21.5 Valores máximos para consumo de oxigênio, frequência cardíaca, volume sistólico e débito cardíaco em três grupos com capacidades aeróbicas baixa, normal e alta. Grupo O2máx (ℓ/min) Frequência cardíaca máx (bpm) Volume sistólico máx (mℓ/contração) Débito cardíaco máx (ℓ/min) Estenose mitral 1,6 190 50 09,5 Sedentário 3,2 200 100 20,0 Atleta 5,2 190 160 30,4 Adaptada de Rowell LB. Circulation. Med Sci Sports 1969;1:15. A FIGURA 21.9 ilustra o importante papel do débito cardíaco para o alcance de um alto nível de metabolismo aeróbico. Em atletas e estudantes treinados, o débito cardíaco aumenta linearmente com o consumo de oxigênio pela maior parte da variação na intensidade do exercício, com os atletas alcançando os valores mais altos para ambas as variáveis. Uma relação linear entre débito cardíaco e consumo de oxigênio no exercício gradativo ocorre também em crianças e adolescentes. Para essas pessoas jovens, um aumento no volume sistólico do coração e um aumento proporcional no débito cardíaco mantém um íntimo paralelismo com a maior demanda de atividade física durante o crescimento.35 Treinamento físico e débito cardíaco submáximo. Os primeiros relatos mostraram que o treinamento de endurance, ao mesmo tempo que aprimorava o débito cardíaco máximo, reduzia o volume minuto do coração durante a atividade física moderada. Em um estudo, o débito cardíaco médio de homens jovens após 16 semanas de treinamento aeróbico sofria uma redução de 1,1 e 1,5 ℓ/min para um consumo submáximo específico de oxigênio.43 Como era esperado, o débito cardíaco máximo aumentava 8%, de 22,4 para 24,2 ℓ/min. Com o débito cardíaco submáximo reduzido, um aumento correspondente na extração de oxigênio nos músculos ativos satisfaz a demanda de oxigênio do exercício. Uma redução induzida pelo treinamento no débito cardíaco submáximo reflete presumivelmente dois fatores: Distribuição mais efetiva do fluxo sanguíneo Capacidade aprimorada dos músculos treinados de gerarem ATP aerobicamente para uma PO2 tecidual mais baixa Extração de oxigênio (diferença a- O2) O treinamento de endurance eleva a quantidade de oxigênio extraída (medida como diferença arteriovenosa de oxigênio, ou diferença a- O2) do sangue circulante.194 Um aumento na diferença a- O2 máxima resulta da distribuição mais efetiva do débito cardíaco para os músculos ativos combinada com maior capacidade das fibras musculares treinadas de extraírem e processarem o oxigênio disponível. A diferença a- O2 adquire uma importância ainda maior por contribuir para a maior capacidade aeróbica observada com o treinamento em homens e mulheres mais velhos, pois com demasiada frequência os idosos mostram menor capacidade de melhorar o débito cardíaco com o treinamento.104,196 A FIGURA 21.10 compara a relação entre a extração de oxigênio (diferença a- O2) e a intensidade do exercício para os atletas treinados e os estudantes não treinados mostrados na Figura 21.7. A diferença a- O2 para os estudantes aumenta uniformemente durante o exercício gradativo até um máximo de 15 mℓ por decilitro de sangue. Após 55 dias de treinamento, a extração máxima de oxigênio dos estudantes aumentava em 13%, passando para 17 mℓ de oxigênio. Isso significa que, durante a atividade física intensa, o sangue arterial liberava aproximadamente 85% de seu conteúdo em oxigênio. Em verdade, os músculos ativos extraem ainda mais oxigênio, pois a diferença a- O2 reflete uma média baseada na amostragem do sangue venoso misto, que contém o sangue que retorna dos tecidos que utilizam muito menos oxigênio durante o exercício que o músculo ativo. O valor pós-treinamento para a diferença a- O2 para os estudantes é igual ao valor dos atletas de endurance. A menor capacidade do débito cardíaco dos estudantes explica a diferença bastante significativa no O2máx que diferencia claramente os atletas dos estudantes. Fluxo sanguíneo e sua distribuição Exercício submáximo. As pessoas treinadas realizam o exercício submáximo com um débito cardíaco mais baixo (e um fluxo sanguíneo muscular inalterado ou ligeiramente menor) do que as pessoas não treinadas. Uma porção relativamente maior do débito cardíaco submáximo flui para os músculos esqueléticos com uma alta capacidade oxidativa (constituídos principalmente por fibras do tipo I) a expensas do fluxo sanguíneo para os músculos com um alto percentual de fibras do tipo IIb com baixa capacidade oxidativa.36 Dois fatores contribuem para o fluxo sanguíneo muscular reduzido no exercício submáximo:108,215,229,237 FIGURA 21.9 Débito cardíaco e consumo de oxigênio durante o exercício na postura ortostática em atletas de endurance ( ) e universitários sedentários antes ( ) e após ( ) 55 dias de treinamento aeróbico ( = valores máximos). 1. 2. 1. 2. 3. FIGURA 21.10 A diferença a- O2 e o consumo de oxigênio durante o exercício na postura ortostática em atletas de endurance ( ) e universitários sedentários antes ( ) e após ( ) 55 dias de treinamento aeróbico ( = valores máximos). Alterações relativamente rápidas induzidas pelo treinamento nas propriedades vasoativas das grandes artérias e dos vasos de resistência local dentro dos músculos esquelético e cardíaco, mediadas pelos efeitos dilatadores do óxido nítrico derivado do endotélio. Mudanças nas células musculares que exacerbam a capacidade oxidativa. Essas duas adaptações apoiam o princípio da especificidade do treinamento. À medida que aumenta a capacidade do músculo em fornecer, extrair e utilizar oxigênio, as necessidades de oxigênio dos tecidos ativos serão atendidas por um fluxo sanguíneo proporcionalmente menor. Exercício máximo. Três fatores afetam a maneira como o treinamento aeróbico aumenta o fluxo sanguíneo dos músculos esqueléticos durante o exercício máximo: Débito cardíaco máximo maior. Distribuição do sangue para o músculo a partir de áreas inativas que podem comprometer temporariamente o fluxo sanguíneo durante um esforço máximo. Aumento das áreas em corte transversal das grandes e pequenas artérias (arteriogênese) e veias, e aumento de 10 a 20% na capilarização por grama de músculo (angiogênese).80,178 Esse efeito começa rapidamente em virtude da maior quantidade de fatores de crescimento do endotélio vascular – produzidos pelas células musculares esqueléticas a fim de induzir a angiogênese – após uma única sessão de exercícios em pessoas treinadas e não treinadas.55,101,109 As reduções induzidas pelo treinamento no fluxo sanguíneo esplâncnico e renal durante a atividade física ocorrem em virtude de efluxo reduzido do sistema nervoso simpático para esses tecidos, o que libera uma quantidade relativamente grande de sangue para ser distribuído aos músculos estriados esqueléticos ativos.134 Simultaneamente, o treinamento e a inerente exposição a temperaturas centrais elevadas produzem adaptações induzidas pela perda de calor através de maiores aumentos que dependem do endotélio no fluxo sanguíneo cutâneo para uma determinada temperatura interna.92,103 O fluxo sanguíneo cutâneo aumentado facilita a capacidade da pessoa treinada em endurance de dissipar o calor metabólico gerado durante a atividade física. A observação de que a extração de oxigênio no músculo esquelético continua sendo quase máxima na atividade física intensa sustenta a hipótese de que o suprimento de oxigênio (i. e., fluxo sanguíneo), não sua utilização (extração), limita a frequência respiratória máxima do tecido muscular.11,145,178 Fluxo sanguíneo miocárdico. Tanto para as pessoas normais quanto paraos cardiopatas, as alterações estruturais e funcionais na árvore vascular do coração, incluindo modificações nos mecanismos que regulam a perfusão miocárdica, mantêm paralelismo com uma hipertrofia moderada do miocárdio induzida pelo treinamento.72,106,107 As modificações vasculares estruturais incluem aumento da área transversal das artérias coronárias proximais, possível proliferação arteriolar e crescimento longitudinal, recrutamento dos vasos colaterais e aumento da densidade capilar. Essas adaptações proporcionam perfusão adequada capaz de apoiar o fluxo sanguíneo e atender às demandas energéticas do miocárdio funcionalmente 1. 2. 1. 2. aprimorado. Dois mecanismos ajudam a explicar como o treinamento aeróbico faz aumentar o fluxo sanguíneo coronariano e a capacidade de troca capilar: Progressão ordenada da remodelagem estrutural que faz melhorar a vascularização miocárdica quando se formam novos capilares e estes se transformam em pequenas arteríolas.106 Controle mais efetivo da resistência vascular e da distribuição sanguínea no miocárdio.222,229 A importância das adaptações vasculares e celulares para a capacidade funcional do coração durante a atividade física continua obscuro – principalmente porque o coração não treinado porém sadio não sofre redução do suprimento de oxigênio durante o esforço máximo. As adaptações ao treinamento podem proporcionar alguma cardioproteção por tornarem o tecido miocárdico capaz de tolerar melhor e de recuperar-se de episódios transitórios de isquemia (i. e., torna-se mais resistente à lesão isquêmica). O tecido treinado funciona também com um percentual mais baixo de sua capacidade oxidativa total durante a atividade física. As adaptações vasculares não acompanham a hipertrofia do miocárdio que ocorre com o treinamento crônico de resistência.143 Pressão arterial O treinamento aeróbico regular reduz as pressões sistólica e diastólica durante o repouso e a atividade física submáxima. A maior redução ocorre na pressão sistólica, particularmente nos indivíduos hipertensos (ver Capítulos 15 e 32 com mais discussões sobre este tópíco). Adaptações pulmonares com o treinamento O treinamento aeróbico estimula a ocorrência de adaptações na ventilação pulmonar durante os esforços submáximo e máximo. Em geral, as adaptações refletem uma estratégia respiratória que minimiza o trabalho da respiração para determinada intensidade do exercício. Isso libera oxigênio, que será utilizado pela musculatura ativa não respiratória. Atividade física máxima A ventilação do exercício máximo aumenta em virtude de volume corrente e frequência respiratória aumentados quando se eleva o consumo máximo de oxigênio. Isso faz sentido em termos fisiológicos, pois qualquer aumento no O2máx eleva tanto a necessidade de oxigênio quanto a necessidade correspondente de eliminar dióxido de carbono adicional através da ventilação alveolar. Atividade física submáxima Várias semanas de treinamento aeróbico acarretam uma redução no equivalente ventilatório para o oxigênio ( E/ O2) durante a atividade física submáxima e uma queda no percentual do custo total em oxigênio que possa ser atribuído à respiração. O consumo reduzido de oxigênio por parte da musculatura ventilatória aprimora a endurance por duas razões: Reduz os efeitos cansativos da atividade física sobre a musculatura ventilatória. Qualquer oxigênio que deixa de ser utilizado pela musculatura respiratória torna-se disponível para os músculos locomotores ativos. Em geral, o treinamento faz aumentar o volume corrente e reduz a frequência respiratória. Consequentemente, o ar permanece nos pulmões por um período mais longo entre as incursões respiratórias; isso resulta em maior extração de oxigênio a partir do ar inspirado. Por exemplo, o ar exalado por indivíduos treinados durante o exercício submáximo contém apenas 14 a 15% de oxigênio, enquanto o ar expirado por pessoas não treinadas contém em média 18% para a mesma intensidade do exercício. Isso equivale a uma observação comum de que as pessoas não treinadas ventilam proporcionalmente mais ar para conseguir o mesmo consumo submáximo de oxigênio. Há uma substancial especificidade para as respostas ventilatórias em relação à modalidade da atividade física e às adaptações ao treinamento. Quando os indivíduos realizavam exercício apenas com os braços e apenas com as pernas, ocorriam equivalentes respiratórios sistematicamente mais altos com os braços (FIGURA 21.11). Como era esperado, o equivalente ventilatório diminuía em cada modalidade após o treinamento. A redução ocorria somente com o exercício que utilizava os músculos treinados especificamente. Para o grupo treinado por ergometria representada por uma manivela acionada com os braços, o equivalente ventilatório diminuía somente durante o esforço realizado com os braços, e vice-versa para o grupo que recebia treinamento para as pernas. A adaptação ventilatória relacionava-se intimamente com uma elevação 1. 2. 3. menos pronunciada no lactato sanguíneo e na frequência cardíaca durante o exercício com treinamento específico. Isso sugere que as adaptações locais nos músculos especificamente treinados afetam os ajustes ventilatórios ao treinamento. A esse respeito, os níveis mais baixos de lactato observados com o treinamento eliminam o impulso para respirar devido a qualquer dióxido de carbono adicional produzido pelo tamponamento do lactato. O treinamento é benéfico para a endurance ventilatória A atividade física intensa e prolongada induz a fadiga dos músculos inspiratórios9,89,227 e reduz também a capacidade dos músculos abdominais de gerar uma pressão expiratória máxima.52 O treinamento físico permite alcançar níveis sustentados e excepcionalmente altos de ventilação submáxima.20,91,204 O treinamento de endurance estabiliza o meio interno do corpo durante a atividade física submáxima. Consequentemente, o exercício acarreta menos ruptura no equilíbrio hormonal e acidobásico corporal total, que poderia exercer um impacto negativo sobre a função dos músculos inspiratórios. Os músculos ventilatórios são beneficiados também diretamente pelo treinamento. Por exemplo, 20 semanas de treinamento com corridas realizadas por homens e mulheres sadios aprimoravam a endurance dos músculos ventilatórios em aproximadamente 16%, caracterizados por menos acúmulo de lactato durante o exercício respiratório padronizado. O aumento induzido pelo treinamento nos níveis das enzimas aeróbicas e na capacidade oxidativa da musculatura respiratória contribui para aprimorar a função dos músculos ventilatórios.173,207 O treinamento aumenta também a capacidade dos músculos inspiratórios de gerar força e suportar um determinado nível de pressão inspiratória.27 Essas adaptações são benéficas para o desempenho nos exercícios, de três maneiras: FIGURA 21.11 Equivalentes ventilatórios durante o exercício leve (L) e submáximo intenso (I) antes e após o treinamento com os membros superiores (acima) e com os membros inferiores (abaixo). (Reproduzida, com autorização, de Rasmussen B et al. Pulmonary ventilation, blood gases, and blood pH after training of the arms and the legs. J Appl Physiol 1975;38:250.) Menos trabalho respiratório pelos músculos ventilatórios reduze as demandas energéticas do exercício global. Os músculos ventilatórios produzem menos lactato durante a atividade física prolongada e intensa. Os músculos ventilatórios metabolizam com mais eficiência o lactato circulante como fonte energética metabólica. Concentração sanguínea de lactato A FIGURA 21.12 ilustra o efeito generalizado do treinamento de endurance para reduzir os níveis sanguíneos de lactato e prolongar o esforço físico antes do início do acúmulo de lactato no sangue (OBLA, onset of blood lactate accumulation) 1. 2. 3. 1. 2. 3. 4. durante o exercício de intensidade crescente. A explicação subjacente concentra-se em três possibilidades relacionadas comas adaptações estruturais e periféricas ao treinamento aeróbico abordadas neste capítulo: FIGURA 21.12 Resposta generalizada para o acúmulo de lactato antes e após o treinamento durante um exercício gradativo. (Representações gráficas baseadas em dados do Applied Physiology Laboratory, University of Michigan, Ann Arbor, MI.) Menor taxa de formação de lactato durante a atividade física. Maior taxa de remoção ou depuração (clearance) do lactato durante a atividade física. Efeitos combinados de menor formação de lactato e de maior remoção de lactato. Quatro adaptações adicionais ao treinamento aeróbico Modificações na composição corporal: a atividade aeróbica regular para a pessoa obesa ou com sobrepeso reduz a massa corporal e a gordura corporal e induz uma distribuição mais favorável da gordura corporal (ver Capítulo 30). O exercício isoladamente ou combinado com restrição calórica reduz a gordura corporal mais que o peso perdido com a dieta por promover a conservação do tecido magro. Transferência de calor corporal: os indivíduos treinados e bem hidratados exercitam-se com maior conforto nos ambientes quentes em virtude de um volume plasmático maior e de mecanismos termorreguladores mais responsivos; em outras palavras, eles dissipam o calor com maior rapidez e economia que os indivíduos sedentários. Alterações no desempenho: um desempenho de endurance aprimorado acompanha as adaptações fisiológicas observadas com o treinamento. A FIGURA 21.13 representa o desempenho na pedalagem antes e após 10 semanas de treinamento realizado por 40 a 60 min, 4 dias por semana durante 10 semanas com 85% do O2máx. No teste de desempenho, os indivíduos tentavam manter uma produção de potência constante de 265 watts por 8 min. O treinamento produzia uma queda muito menor, em relação à taxa inicial, na produção de potência durante o teste físico prescrito de 8 min. Benefícios psicológicos: atividades físicas regulares, independentemente da idade, proporcionam importantes benefícios potenciais no estado psicológico. As adaptações ocorrem com frequência em um grau igual àquele conseguido com outras intervenções terapêuticas, incluindo a terapia farmacológica.46,217 1. 2. 3. 4. 5. 6. FIGURA 21.13 Queda percentual em relação à intensidade do exercício inicial antes e após 10 semanas de treinamento de endurance na bicicleta. (Reproduzida, com autorização, de Applied Physiology Laboratory, University of Michigan, Ann Arbor, MI.) Seis possíveis benefícios psicológicos da atividade física regular Redução no estado de ansiedade (i. e., o nível de ansiedade por ocasião da mensuração). Redução da depressão leve a moderada. Redução do neuroticismo (atividade física a longo prazo). Coadjuvante para o tratamento profissional da depressão grave. Aprimoramento no humor, na autoestima e no autoconceito. Redução em vários índices de estresse psicológico. Visão resumida A FIGURA 21.14 resume as modificações adaptativas no músculo ativo que acompanham os aprimoramentos no O2máx observados com o treinamento de endurance e o destreinamento. A capacidade aeróbica em geral aumenta em 15 a 20% durante os primeiros 3 meses de treinamento intensivo e pode melhorar em 50% durante um intervalo de 2 anos, dependendo do nível de aptidão inicial. Quando o treinamento é interrompido, o O2máx diminui rapidamente e retorna ao nível pré- treinamento. Efeitos do treinamento ainda mais impressionantes ocorrem para as enzimas aeróbicas do ciclo do ácido cítrico e para a cadeia de transporte de elétrons dentro das mitocôndrias dos músculos treinados. Essas enzimas aumentam rápida e substancialmente durante todo o período de treinamento tanto nos tipos de fibras quanto em suas subdivisões. Inversamente, 2 a 3 semanas de destreinamento reduzem substancialmente grande parte das adaptações enzimáticas. O número de capilares musculares aumenta durante o treinamento. Quando o treinamento cessa, essa adaptação no suprimento sanguíneo provavelmente diminui com relativa lentidão. O destreinamento definitivo ocorre com o envelhecimento. Atividades físicas regulares lentificam, porém não conseguem eliminar a atrofia muscular, a fraqueza e a fatigabilidade que acompanham o envelhecimento.44 1. 2. 3. 4. FIGURA 21.14 Resumo generalizado do aumento na capacidade aeróbica e nas adaptações musculares com o treinamento de endurance. (Modificada, com autorização, de Saltin B et al. Fiber types and metabolic potentials of skeletal muscles in sedentary man and endurance runners. Ann NY Acad Sci 1977;301:3.) A melhora metabólica local ultrapassa muito as melhoras na capacidade de circular, fornecer e utilizar oxigênio, o que se reflete pelo aumento de O2máx e débito cardíaco, durante a atividade física intensa. Com as alterações locais em resposta ao treinamento, o fluxo de lactato de um músculo continua em níveis mais baixos (menor produção e/ou maior taxa de remoção) do que com o esforço submáximo semelhante realizado antes do treinamento. Esses ajustes celulares são responsáveis pela maneira como a pessoa treinada realiza o exercício em steady-rate para um maior percentual do O2máx. FATORES QUE AFETAM AS RESPOSTAS AO TREINAMENTO AERÓBICO Quatro fatores importantes influenciam a resposta ao treinamento aeróbico: Nível inicial de aptidão aeróbica. Intensidade do treinamento. Frequência do treinamento. Duração do treinamento. Nível inicial de aptidão aeróbica A magnitude da resposta ao treinamento depende do nível inicial de aptidão. Uma pessoa que receber uma classificação baixa no início terá maior probabilidade de melhorar. Se a classificação da capacidade já é alta, a magnitude de melhora continua sendo relativamente pequena. Os estudos de homens de meia-idade sedentários com doença cardíaca mostraram que o O2máx melhorava em 50%, enquanto um treinamento semelhante em adultos normalmente ativos e sadios acarretava uma melhora de 10 a 15%.178 Evidentemente, uma melhora relativamente pequena na capacidade aeróbica representa uma mudança tão crucial para um atleta de elite, para o qual uma mudança de até mesmo 1 a 2% poderia fazer a diferença entre vencer e perder, quanto um aumento muito maior na capacidade fisiológica e de desempenho para uma pessoa sedentária. Como orientação geral, os aprimoramentos na aptidão aeróbica conseguidos com o treinamento de endurance variam entre 5 e 25%. Parte dessa melhora ocorre no transcorrer da primeira semana de treinamento. QUESTÃO DISCURSIVA Responda à questão: “Por quanto tempo devo exercitar-me para entrar em forma?” 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Intensidade do treinamento As adaptações fisiológicas induzidas pelo treinamento dependem principalmente da intensidade da sobrecarga. Pelo menos sete maneiras diferentes expressam a intensidade do esforço físico: Energia gasta por unidade de tempo (p. ex., 9 kcal/min ou 37,8 kJ/min). Nível de exercício absoluto ou produção de potência (p. ex., pedalagem com 900 kg-m/min, ou 147 W). Nível metabólico relativo enunciado como percentual do O2máx (p. ex., 85% do O2máx). Exercício abaixo, no nível ou acima do limiar do lactato ou OBLA (p. ex., 4 mM de lactato). Frequência cardíaca do exercício ou percentual da frequência cardíaca máxima (p. ex., 180 bpm ou 80% da FCmáx). Múltiplos da taxa metabólica de repouso (p. ex., 6 MET). Escala de percepção de esforço (p. ex., EPE = 14). Um exemplo da intensidade absoluta do treinamento consistiria em todos os indivíduos que se exercitam com a mesma produção de potência ou o mesmo gasto energético (p. ex., 9,0 kcal/min) por 30 min. Quando todos se exercitam com a mesma intensidade, a tarefa pode produzir estresse considerável para uma pessoa mas ficar abaixo da capacidade do limiar de treinamento para outra pessoa mais apta. Por essa razão, a intensidade relativa imposta aos sistemas fisiológicos de uma pessoa em geral estabelece a intensidade do exercício. A relativa intensidade relaciona-se habitualmente com algumponto de ruptura para o exercício em steady-rate (p. ex., limiar do lactato, OBLA), com algum percentual da capacidade fisiológica máxima (p. ex., % do O2máx ou % da FCmáx), ou capacidade de realizar exercícios máximos. A prática geral estabelece a intensidade do treinamento aeróbico por mensuração direta (ou por estimativa) do O2máx ou da FCmáx e, a seguir, prescreve um nível de exercício que corresponda a algum percentual do máximo. O estabelecimento da intensidade do treinamento com base nas medidas do consumo de oxigênio proporciona um alto grau de exatidão, porém sua utilização torna necessário um monitoramento sofisticado que torna esse método pouco prático para uma utilização generalizada. Uma alternativa efetiva confia na frequência cardíaca para classificar uma atividade física em termos de intensidade relativa ao individualizar os programas de treinamento. A frequência cardíaca do exercício é conveniente, pois o % do O2máx e o % da FCmáx se relacionam de maneira previsível, independentemente de sexo, raça, nível de aptidão, modalidade da atividade ou idade. O treinamento não afeta a frequência cardíaca de um determinado indivíduo para um percentual específico do O2máx, razão pela qual há pouca necessidade de ajustar frequentemente a prescrição dos exercícios em relação às mudanças induzidas pelo treinamento na capacidade aeróbica, desde que o exercício seja executado com um determinado percentual da frequência cardíaca máxima (FCmáx).203 A TABELA 21.6 apresenta os valores selecionados para o % do O2máx e o percentual correspondente da FCmáx obtidos de várias fontes.5,132 O erro ao estimar o % do O2máx a partir do % da FCmáx, ou vice-versa, é igual a aproximadamente ± 8%. Basta monitorar a frequência cardíaca para estimar o % do O2máx relativo dentro de uma dada margem de erro. A relação entre o % da FCmáx e o % do O2máx continua sendo a mesma para atividades realizadas com os braços ou com as pernas em indivíduos sadios, pessoas com peso normal e obesas, cardiopatas e pessoas com lesões medulares.46,86,138 Ainda mais importante, os exercícios realizados com os braços (segmentos corporais superiores) produzem uma FCmáx mais baixa que o exercício realizado com as pernas. Essa diferença tem de ser levada em conta ao formular a prescrição do exercício para diferentes modalidades de exercícios (ver “Corrida versus natação e outras formas de atividade física realizada na parte superior do corpo”, adiante). TABELA 21.6 Relação entre o percentual de frequência cardíaca máxima e o percentual de O2máx. Percentual de FCmáx Percentual de O2máx 50 28 60 40 70 58 80 70 90 83 100 100 Treinamento com um percentual da FCmáx A capacidade aeróbica melhora se a intensidade do esforço mantém regularmente a frequência cardíaca entre 55 e 70% do máximo. Durante o exercício realizado com as pernas, ciclismo, caminhada ou corrida, o aumento na frequência cardíaca é igual a aproximadamente 40 a 55% do O2máx. Consequentemente, para homens e mulheres em idade universitária, a frequência cardíaca do treinamento varia de 120 a 140 bpm. Um método alternativo e igualmente efetivo de estabelecer o limiar do treinamento, denominado método de Karvonen em homenagem ao pesquisador que foi pioneiro no uso de tal método, exige que os indivíduos se exercitem com uma frequência cardíaca igual a 60% da diferença entre o valor de repouso e o valor máximo.97 O método de Karvonen calcula a frequência cardíaca do treinamento como descrito a seguir: FClimiar = FCrepouso + 0,60 (FCmáx – FCrepouso) Essa abordagem para determinar o limiar da frequência cardíaca do treinamento resulta em um valor mais alto que ao simplesmente calcular o limiar da frequência cardíaca como 70% da FCmáx. Para conseguir adaptações positivas ao treinamento não é necessária uma atividade física intensa (extenuante). Para a maioria das pessoas sadias, a frequência cardíaca de 70% FCmáx representa uma “atividade moderada” sem desconforto. Esse nível de treinamento, com frequência denominado “exercício conversacional” moderado, alcança uma intensidade suficiente para estimular um efeito do treinamento, porém não produz nenhum nível de desconforto (p. ex., acúmulo de lactato e hiperpneia associada) que impeça uma pessoa de conversar durante a sessão de atividades físicas. Uma pessoa previamente sedentária terá que exercitar-se acima dessa frequência cardíaca limiar para aprimorar a capacidade fisiológica. A FIGURA 21.15 mostra que, à medida que a aptidão aeróbica melhora, a frequência cardíaca submáxima diminui em 10 a 20 bpm para um determinado nível de consumo de oxigênio. Para manter o paralelismo com o aprimoramento fisiológico, o nível de atividade física deve aumentar periodicamente para alcançar a frequência cardíaca desejada. Uma pessoa começa treinando com uma caminhada, depois caminha com maior rapidez; a seguir o trote substitui a caminhada durante alguns períodos da sessão de trabalho; e por fim uma corrida contínua induz a frequência cardíaca desejada. Em cada progressão, o exercício continua com a mesma “intensidade relativa”. Se a progressão na intensidade não aumenta com os aprimoramentos induzidos pelo treinamento, o exercício torna-se essencialmente um programa de manutenção de intensidade mais baixa para aptidão aeróbica. FIGURA 21.15 Aprimoramento da resposta da frequência cardíaca ao exercício com o treinamento aeróbico em relação ao consumo de oxigênio. A redução na frequência cardíaca do exercício observada com o treinamento costuma refletir maior volume sistólico. O treinamento intenso é mais efetivo? Em geral, quanto mais alta for a intensidade do treinamento acima do limiar, maior será o aprimoramento induzido pelo treinamento no O2máx quando o exercício é controlado.64 Existe uma intensidade limiar mínima abaixo da qual não ocorre nenhum efeito significativo do treinamento; pode existir também um “teto” acima do qual não se conseguem ganhos adicionais. Homens e mulheres mais aptos em geral necessitam de níveis mais altos de limiar para estimular uma resposta ao treinamento que as pessoas menos aptas. O teto para a intensidade do treinamento continua sendo desconhecido, porém 85% do O2máx, correspondente a 90% da FCmáx, representam provavelmente um limite superior. Independentemente do nível selecionado para o esforço, mais exercício não produz necessariamente resultados maiores ou mais rápidos. A intensidade excessiva do treinamento e os aumentos bruscos no volume de treinamento fazem aumentar o risco de lesões nos ossos, nas articulações e nos músculos.4,93 Para homens e mulheres, o número de milhas percorridas a cada semana representa a única variável associada sistematicamente a lesões produzidas pela corrida. Em crianças pré-adolescentes, as distâncias excessivas das corridas sobrecarregam a cartilagem articular, o que poderia lesionar a placa de crescimento do osso e afetar negativamente o crescimento e o desenvolvimento normais. Determinação da “zona sensível ao treinamento” Pode-se determinar a frequência cardíaca máxima imediatamente após alguns minutos de esforço all-out. Essa intensidade requer considerável motivação e estresse – exigência essa desaconselhável para adultos sem liberação médica, particularmente aqueles predispostos a doença coronariana. Para a maioria dos indivíduos, utilizam-se as frequências cardíacas máximas previstas para a idade apresentadas na FIGURA 21.16, baseadas nas médias obtidas em estudos populacionais. Os indivíduos com uma determinada idade apresentam valores variáveis da FCmáx, porém a inexatidão da variação individual (± 10 bpm de desvio padrão para qualquer FCmáx prevista para a idade) exerce pouca influência no estabelecimento do treinamento efetivo para as pessoas sadias. A frequência cardíaca máxima tem sido estimada comumente como 220 menos a idade em anos, com os valores sendo independentes de raça ou sexo em crianças e adultos.57,90,120 FCmáx = 220 – idade (anos)Cálculo dos limites máximo e mínimo da frequência cardíaca-alvo para o treinamento Para homens e mulheres abaixo dos 60 anos de idade, o limiar de estímulo ou limite inferior da frequência cardíaca-alvo (LMifca) para o aprimoramento cardiovascular varia entre 60 e 70% da FCmáx, o que representa cerca de 50 a 60% do O2máx. O limite superior da frequência cardíaca-alvo (LMafca) é igual a cerca de 90% da FCmáx, o que representa aproximadamente de 85 a 90% do O2máx. Para indivíduos com mais de 60 anos, o LMifca é igual a 60% e o LMafca, a 75% da FCmáx. MÉTODO 1 | MÉTODO DA PORCENTAGEM Esse método calcula os limites inferior e superior da frequência cardíaca-alvo como um simples percentual da FCmáx prevista para cada idade. 1. Calcula-se o LMifca da seguinte maneira: LMifca = FCmáx prevista × Percentual do limite inferior para cada idade em que o percentual do limite inferior = 70% para homens e mulheres ≤ 60 anos e 60% para homens e mulheres > 60 anos. 2. Calcula-se o LMafca da seguinte maneira: LMafca = FCmáx prevista × Percentual do limite superior para cada idade em que o percentual do limite superior = 90% para homens e mulheres ≤ 60 anos e 80% para homens e mulheres > 60 anos. Exemplo: Dados: Homem, 55 anos de idade. 1. Calcular a FCmáx prevista. FCmáx = 208 – (0,7 × idade em anos) = 170 bpm LMafca = 170 × Percentual do limite inferior para a idade = 170 × 0,70 = 119 bpm 2. Calcular o LMafca. LMafca = FCmáx × Percentual do limite superior para a idade = 170 × 0,90 = 153 bpm MÉTODO 2 | MÉTODO DE KARVONEN (RESERVA DE FREQUÊNCIA CARDÍACA) Um método alternativo, e igualmente efetivo, calcula os limites inferior e superior da frequência cardíaca-alvo para o treinamento como um percentual da diferença entre a FC em repouso e máxima, chamada reserva de frequência cardíaca (RFC; método também conhecido como método de Karvonen, em homenagem ao fisiologista finlandês pioneiro nesse método). O método de Karvonen produz valores relativamente mais altos em comparação com a frequência cardíaca calculada como um percentual da FCmáx. O método de Karvonen utiliza cerca de 50% da RFC como LMifca e 85% da RFC como LMafca, e realiza o cálculo como indicado a seguir: 1. Calcula-se a FCmáx prevista: FCmáx = 208 – (0,7 × idade em anos) 2. Calcula-se o LMifca: LMifca = [(FCmáx – FCrepouso) × 0,50] + FCrepouso 3. Calcula-se o LMafca: LMafca = [(FCmáx – FCrepouso) × 0,85] + FCrepouso Exemplo: Dados: Homem, 55 anos; FCrepouso = 60 bpm 1. Calcular a FCmáx prevista: = 208 – (0,7 × idade em anos) FCmáx = 170 bpm 2. Calcular o LMifca: LMifca = [(FCmáx – FCrepouso) × 0,50] + FCrepouso = [(170 – 60) × 0,50] + 60 = 115 bpm 3. Calcular o LMafca: LMafca = 5 [(FCmáx – FCrepouso) × 0,85] + FCrepouso = [(170 – 60) × 0,85] + 60 = 154 bpm Fontes: Davis JA, Convertino VA. A comparison of heart rate methods for predicting endurance training intensity. Med Sci Sports Exerc 1975;7:295. Gellish RL et al. Longitudinal modeling of the relationship between age and maximal heart rate. Med Sci Sports Exerc 2007;39:822. Karvonen M et al. The effects of training on heart rate. A longitudinal study. Ann Med Exp Biol Fenn 1957;35:307. Tanaka H et al. Age-predicted maximal heart rate revisited. J Am Coll Cardiol 2001;37:153. FIGURA 21.16 Frequências cardíacas máximas e zona sensível ao treinamento para o treinamento aeróbico de homens e mulheres de diferentes idades. Talvez seja necessária uma modificação. Um estudo longitudinal de 132 pessoas avaliadas em média 7 vezes no transcorrer de 9 anos indica a tendenciosidade na previsão anterior da FCmáx. Essa tendenciosidade faz com que essa medida seja superestimada em homens e mulheres com menos de 40 anos de idade e seja subestimada naqueles com mais de 40 anos de idade (FIGURA 21.17).56 Essa equação de previsão, com um desvio padrão de ± 5 a ± 8 bpm, independentemente de sexo, IMC e frequência cardíaca em repouso, é a seguinte: FCmáx = 206,9 – 0,67 × idade (anos) Por exemplo, a equação anterior consegue estimar a frequência cardíaca máxima para um homem ou uma mulher com 30 anos de idade: FCmáx = 206,9 – (0,67 × 30) = 206,9 – 20,1 = 187 bpm Essa previsão concorda plenamente com pesquisas anteriores.119,213 Essas fórmulas de previsão estão associadas a erro para mais ou para menos e devem ser usadas com cautela. Cada fórmula representa uma regra simples e conveniente, e não determina a frequência cardíaca máxima de uma determinada pessoa. Por exemplo, dentro dos limites normais da variação e utilizando a fórmula 220 menos idade, a frequência cardíaca máxima real de 95% (± 2 desvios padrão) de homens e mulheres com 40 anos de idade oscila entre 160 e 200 bpm. A Figura 21.17 também mostra a “zona sensível ao treinamento” relacionada com a idade. Uma pessoa de 40 anos de idade que deseja treinar com intensidade moderada mas ainda conseguir um nível limiar escolheria uma frequência cardíaca do treinamento igual a 70% da FCmáx prevista para a idade. A aplicação da fórmula 220 menos idade resulta em uma frequência cardíaca-alvo da atividade de 126 bpm (0,70 × 180). Para aumentar o treinamento até 85% do máximo, a intensidade terá que aumentar de forma a produzir uma frequência cardíaca de 153 bpm (0,85 × 180). Previsão da frequência cardíaca máxima em indivíduos com sobrepeso Para homens e mulheres com níveis percentuais de gordura corporal ≥ 30%, a FCmáx é prevista da seguinte maneira: FCmáx = 200 – (0,5 × idade em anos) EXEMPLO: Calcular a FCmáx para uma mulher de 25 anos de idade com um percentual de gordura corporal de 32%. FCmáx = 200 – (0,5 × 25) = 188 bpm Fonte: Miller WC et al. Predicting max HR and the HR-VO2 relationship for exercise prescription in obesity. Med Sci Sports Exerc 1993;25:1077. FIGURA 21.17 Frequência cardíaca máxima modificada versus previsão por idade em comparação com a equação usada comumente de 220 – idade. (De Gellish RL et al. Longitudinal modeling of the relationship between age and maximal heart rate. Med Sci Sports Exerc 2007;39:822.) Corrida versus natação e outras formas de atividade física realizada na parte superior do corpo. A estimativa da FCmáx requer um ajuste ao nadar ou realizar outras atividades com os braços. A frequência cardíaca máxima durante essas modalidades de exercício é, em média, cerca de 13 bpm mais baixa que na corrida para homens e mulheres treinados e não treinados.49,58,135 Essa diferença resulta provavelmente de menos estimulação “anterógrada” do córtex motor para o bulbo durante a natação, além de menos estimulação por retroalimentação (feedback) proveniente da menor massa muscular ativa da parte superior do corpo. Na natação, a posição horizontal do corpo e o efeito de esfriamento da água também podem contribuir para uma FCmáx mais baixa. O estabelecimento da intensidade apropriada para a natação e para outras atividades realizadas com os braços implica subtrair 13 bpm da FCmáx prevista para a idade na Figura 21.16. Uma pessoa de 30 anos que decide nadar com 70% da FCmáx deve escolher uma velocidade de natação capaz de produzir uma frequência cardíaca de 124 bpm (0,70 × [190 – 13]). Isso representaria com maior exatidão a frequência cardíaca limiar apropriada da natação para induzir um efeito de treinamento. Sem esse ajuste, uma prescrição da atividade realizada com os braços baseada no % da FCmáx no esforço realizado com as pernas superestima o limiar apropriado da frequência cardíaca do treinamento. O treinamento menos intenso pode ser efetivo? A recomendação citada com frequência de 70% da FCmáx como um limiar do treinamento para conseguir um aprimoramento aeróbico representa uma orientação geral para um esforço efetivo e ao mesmo tempo confortável. O limite inferior pode depender da capacidade inicial do participante de realizar exercícios assim como do estado atual de treinamento. Além disso,homens e mulheres mais velhos e menos aptos, inclusive sedentários e indivíduos de peso excessivo, apresentam limiares de treinamento mais próximos de 60% da FCmáx (o correspondente a cerca de 45% do O2máx). A atividade física contínua por 20 a 30 min com 70% da FCmáx estimula um efeito de treinamento; o exercício com a intensidade mais baixa de 60% da FCmáx por 45 min também se revela benéfico. Em geral, a maior duração do exercício compensa a intensidade mais baixa desse exercício em termos de benefícios. Treinamento segundo a percepção do esforço A escala de percepção do esforço (EPE) pode também ser aplicada para indicar a intensidade da atividade física.16,156,183 Com essa abordagem psicofisiológica, o indivíduo que está se exercitando classifica em uma escala numérica as sensações percebidas relativas ao nível de esforço. O monitoramento e o ajuste da EPE durante a atividade física proporcionam uma maneira efetiva de prescrever o exercício a partir da percepção do esforço pelo indivíduo que coincide com as medidas objetivas da sobrecarga fisiológica/metabólica, o que inclui % da FCmáx, % do O2máx e concentração sanguínea de lactato. A atividade física que corresponde aos níveis mais altos de gasto de energia e de sobrecarga fisiológica produz taxações mais altas da EPE. Uma EPE de 13 ou 14 (transmite a sensação de “um pouco difícil”; FIGURA 21.18) coincide com cerca de 70% da FCmáx durante o exercício no cicloergômetro e na esteira rolante; uma EPE entre 11 e 12 corresponde ao exercício no limiar do lactato para indivíduos treinados e não treinados. A EPE estabelece uma prescrição para intensidades que correspondem a uma concentração sanguínea do lactato de 2,5 mM (EPE cerca de 15) e 4,0 mM (EPE cerca de 18) durante uma corrida na esteira rolante de 30 min em que os indivíduos autorregulavam a intensidade do esforço.211 De maneira semelhante, um “teste de conversação” simples que pergunta se a conversação confortável é possível produz intensidades dentro das diretrizes aceitas para a prescrição do exercício na esteira rolante e no cicloergômetro.162 FIGURA 21.18 Escala de Borg (e estimativas correspondentes da intensidade relativa do exercício) para obter a EPE durante o exercício. (Modificada, com autorização, de Borg GA. Psychological basis of physical exertion. Med Sci Sports Exerc 1982;14:377.) Treinamento no limiar do lactato O exercício realizado ao nível ou ligeiramente acima do limiar do lactato proporciona outro método efetivo de treinamento aeróbico. Os níveis mais altos de intensidade produzem os maiores benefícios, particularmente para os indivíduos aptos.118,231 A FIGURA 21.19 ilustra como determinar o nível apropriado de atividade representando graficamente sua intensidade (p. ex., velocidade da corrida) em relação ao nível sanguíneo de lactato. Neste exemplo, a velocidade da corrida que produz uma concentração sanguínea de lactato ao 4 mM OBLA representa a intensidade recomendada do treinamento. Muitos coaches utilizam o nível sanguíneo de lactato de 4 mM como a intensidade ótima do treinamento aeróbico, porém ainda não há evidência convincente capaz de justificar esse nível em particular do lactato sanguíneo como sendo “ideal”. Independentemente do nível específico de lactato sanguíneo escolhido para o treinamento de endurance, a relação lactato sanguíneo-intensidade do exercício deve ser avaliada periodicamente, com a intensidade da atividade física sendo ajustada à medida que a aptidão melhora. Se a mensuração regular do lactato sanguíneo mostrar-se pouco prática, a frequência cardíaca do exercício por ocasião da determinação inicial do lactato continua sendo um marcador conveniente e relativamente estável para estabelecer um nível de intensidade apropriada e predeterminada. Durante a atividade incremental, não ocorrem alterações sistemáticas induzidas pelo treinamento na relação frequência cardíaca-lactato sanguíneo.47 A EPE constitui um instrumento efetivo para estimar o limiar do lactato sanguíneo ao estabelecer a intensidade do treinamento para uma atividade física contínua. Uma mudança na relação concentração sanguínea de lactato-EPE ocorre de fato com as sessões repetidas de atividade física. A relação continua sendo alterada em virtude de uma única sessão, até mesmo após 3,5 h de recuperação.233 Isso limita a aplicação da EPE para calibrar a intensidade do esforço para uma concentração específica de lactato sanguíneo se ocorrem períodos repetidos de exercício durante a mesma sessão de treinamento (p. ex., durante o treinamento intervalado; ver “Treinamento intervalado”, adiante). Uma distinção importante entre o % da FCmáx e o limiar do lactato para estabelecer a intensidade do treinamento reside na dinâmica fisiológica que cada método reflete. O método com o % da FCmáx estabelece um nível de estresse fisiológico capaz de sobrecarregar a circulação central (p. ex., volume sistólico, débito cardíaco), enquanto a capacidade da vasculatura periférica e dos músculos ativos de sustentar o metabolismo aeróbico em steady-rate determina os ajustes na intensidade do exercício com base no limiar do lactato. FIGURA 21.19 Concentração sanguínea de lactato em relação à velocidade da corrida para um indivíduo. Com um nível de lactato de 4,0 mM, a velocidade correspondente da corrida era de aproximadamente 13 km/h. Essa velocidade estabelece a intensidade inicial do treinamento do indivíduo. Duração do treinamento Não há uma duração limiar da sessão de trabalho para um aprimoramento aeróbico ótimo. A existência de um limiar depende, provavelmente, da interação do trabalho total empreendido (i. e., duração ou volume de treinamento), da intensidade do esforço, da frequência do treinamento e do nível inicial de aptidão. Para adultos previamente sedentários, pode existir uma relação dose-resposta.26 Um período de atividade física diária de 3 a 5 min produz algumas melhoras em pessoas precariamente condicionadas, porém as sessões de 20 a 30 min proporcionam resultados mais significativos se a intensidade alcança pelo menos o limiar mínimo. No que concerne ao volume de treinamento, mais tempo dedicado às sessões de trabalho não equivale necessariamente a maiores aprimoramentos, em particular entre os indivíduos fisicamente ativos. Para nadadores universitários, um grupo treinava por 1,5 h diariamente enquanto outro grupo realizava duas sessões de exercício de 1,5 h por dia.34 Até mesmo quando um grupo treinava com um volume diário duas vezes maior, não surgiam diferenças na potência de natação, na endurance nem nos aprimoramentos no tempo de desempenho entre os grupos. Frequência do treinamento Será que um treinamento realizado 2 ou 5 dias por semana produz efeitos diferentes se a duração e a intensidade são mantidas constantes para cada sessão de treinamento? Infelizmente, ainda não há uma resposta precisa. Alguns pesquisadores relatam que a frequência do treinamento influencia os aprimoramentos cardiovasculares, enquanto outros alegam que esse fator contribui muito menos que a intensidade e a duração do esforço.169 Estudos que utilizaram o treinamento intervalado mostram que o treinamento realizado 2 dias por semana produzia modificações no O2máx semelhantes ao treinamento realizado 5 dias por semana.48 Em outros estudos que mantinham um volume total constante do exercício, não surgiram diferenças nos aprimoramentos do O2máx entre as frequências de treinamento de 2 e 4 ou de 3 e 5 dias por semana.202 A maior frequência do treinamento produz efeitos benéficos quando esse treinamento é realizado com uma intensidade mais baixa. Enquanto o tempo extra investido para aumentar a frequência do treinamento pode não aprimorar o O2máx, a atividade física extra (p. ex., 3 vs. 6 dias por semana) representa com frequência um gasto calórico considerável com aprimoramentos concomitantes no bem-estar e na saúde. Para haver redução ponderal significativa por meio de atividades físicas, cada sessão deatividade deve durar pelo menos 60 min com uma intensidade suficiente para gastar 300 kcal ou mais. O treinamento realizado 1 dia por semana em geral não modifica a capacidade aeróbica ou anaeróbica, a composição corporal nem o peso corporal.6 Os programas típicos de treinamento aeróbico são realizados 3 dias por semana, habitualmente com um único dia de repouso separando os dias com sessões de trabalho. Pode-se perguntar se o treinamento em dias consecutivos produziria resultados igualmente efetivos. Em uma experiência relacionada com essa questão, ocorreram aprimoramentos quase idênticos no O2máx, independentemente da sequência do esquema de treinamento de 3 dias por semana.142 O estímulo para o treinamento aeróbico mantém provavelmente uma íntima relação com a intensidade do esforço e com o trabalho total empreendido, e não com as sequências dos dias de treinamento. Modalidade do exercício Mantendo constantes a intensidade, a duração e a frequência do exercício consegue-se produzir uma resposta semelhante ao treinamento, independentemente da modalidade do treinamento – desde que a atividade seja realizada com grupos musculares relativamente grandes. Pedalar, caminhar, correr, remar, nadar, patinar, pular corda, subir e descer de um banco, subir escadas e subidas simuladas com braços-pernas proporcionam excelentes sobrecargas para o sistema aeróbico.21,126,228 Com base no conceito de especificidade, a magnitude do aprimoramento induzido pelo treinamento varia consideravelmente, dependendo da modalidade do treinamento e dos testes. Os indivíduos que treinam em bicicleta mostram maiores aprimoramentos quando testados em uma bicicleta do que em uma esteira rolante.159 Da mesma forma, os indivíduos que treinam nadando ou manipulando uma manivela com os braços mostram os maiores aprimoramentos quando testados durante a atividade realizada com os braços.58 Programa de treinamento global bem-elaborado O principal objetivo da atividade física geral para a população adulta é aprimorar e manter a saúde.7,76 O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) atualizou recentemente as diretrizes conjuntas do American College of Sports Medicine (ACSM) e da American Heart Association (AHA) para um “programa de treinamento bem-elaborado” para adultos com 18 a 65 anos (http://www.cdc.gov/physicalactivity/everyone/guidelines/.html), bem como para adultos mais velhos (http://www.cdc.gov/physicalactivity/everyone/guidelines/olderadults.html). Um treinamento aeróbico combinado (150 min/semana de atividade física em intensidade moderada ou 75 min/semana de atividade intensa) e um treinamento de resistência, que enfatize todos os grupos musculares principais, aumentam a força muscular e a potência aeróbica, reduzem a gordura corporal e elevam a taxa metabólica basal. Mais atividade física proporciona benefícios ainda maiores. Em contrapartida, os programas com um enfoque singular apenas no treinamento de resistência ou apenas no treinamento aeróbico produzem efeitos globais singularmente maiores, porém mais limitados.41,170 Para adultos mais velhos, devem ser enfatizados também movimentos destinados a aumentar a flexibilidade articular e aprimorar o equilíbrio, a fim de reduzir o risco de lesão por escorregamentos e quedas.150 QUESTÃO DISCURSIVA Explique que fatores são responsáveis pelas diferenças na responsividade dos indivíduos ao mesmo programa de treinamento. EM QUANTO TEMPO PODEM SER OBSERVADOS APRIMORAMENTOS? Os aprimoramentos na aptidão aeróbica ocorrem ao longo de várias semanas. A FIGURA 21.20 mostra os aprimoramentos absolutos e percentuais no O2máx para os indivíduos que treinavam 6 dias por semana durante 10 semanas. O treinamento consistia em pedalagem estacionária por 30 min 3 dias por semana em combinação com corrida por até 40 min em dias alternados. O aprimoramento contínuo de uma semana para outra na capacidade aeróbica indica que o aprimoramento induzido pelo treinamento em pessoas previamente sedentárias ocorre de forma rápida e constante. As respostas adaptativas acabam se estabilizando à medida que os indivíduos se aproximam de seus máximos “predispostos geneticamente”. O tempo exato necessário para que ocorra esse nivelamento é desconhecido, particularmente para o treinamento de alta intensidade. Os dados apresentados na Figura 21.14 indicam que cada sistema fisiológico e metabólico responde de uma maneira ímpar e diferente. FIGURA 21.20 Melhoras contínuas no O2máx durante 10 semanas de treinamento aeróbico de alta intensidade. (Reproduzida, com autorização, de Hickson RC et al. Linear increases in aerobic power induced by a program of endurance exercise. J Appl Physiol 1977;42:373.) Os dados na TABELA 21.7 complementam aqueles da Figura 21.20; eles revelam a rapidez das adaptações cardiovasculares máximas ao treinamento aeróbico. Cinco homens adultos jovens e cinco mulheres treinavam diariamente por 10 dias consecutivos. O exercício consistia em 1 h de pedalagem – 10 min com 65% do O2pico, 25 min com 75% do O2pico e os últimos 25 min de cinco intervalos repetidos de 3 min com 95% do O2pico, seguidos por um período de recuperação de 2 min. Esse período relativamente curto de treinamento de 10 dias induzia aumento de 10% no O2pico e aumento de 12% no débito cardíaco, aumento de 15% no volume sistólico e ligeira redução da frequência cardíaca máxima. O volume plasmático em repouso aumentava quase 9% durante os 10 dias de treinamento e se correlacionava com os aumentos no débito cardíaco do exercício e do volume sistólico. Isso significa que ocorrem adaptações cardiovasculares induzidas pelo treinamento a curto prazo em homens e mulheres jovens. Os aumentos no volume sistólico durante a atividade física refletem os efeitos combinados de um aumento na dimensão diastólica terminal do ventrículo esquerdo e de maior ejeção sistólica. TABELA 21.7 Respostas fisiológicas máximas durante o exercício máximo no cicloergômetro antes e após 10 dias consecutivos de treinamento aeróbico. Variável Pré-treinamento Pós-treinamento O2pico, ℓ/min 2,54 ± 0,29 2,80 ± 0,32a Débito cardíaco, ℓ/min 18,3 ± 1,3 20,5 ± 1,7a Frequência cardíaca, bpm 189 ± 2 184 ± 2a Volume sistólico, mℓ 97 ± 7 112 ± 9a dif a O2, mℓ/dℓ 13,6 ± 0,8 13,4 ± 0,6 Volume plasmático (repouso), mℓ 2.896 ± 175 3,152 ± 220a aEstatisticamente significativo ao nível de 0,05 em relação ao valor pré-treinamento. De Mier CM et al. Cardiovascular adaptations to 10 days of cycle exercise. J Appl Physiol 1997;83:1900. Treinabilidade e genes Um programa de treinamento extenuante aprimora o nível de aptidão de uma pessoa, independentemente dos antecedentes genéticos. Os limites para o desenvolvimento da capacidade de aptidão (fitness) parecem estar ligados intimamente a atributos naturais. De dois indivíduos no mesmo programa de treinamento, um deles poderia evidenciar 10 vezes mais aprimoramento que o outro. Existe uma dependência genotípica para grande parte da sensibilidade individual em responder aos treinamentos aeróbico e anaeróbico máximos de potência, incluindo as adaptações da maioria das enzimas musculares.18,40,70 Isso pode ser enunciado de maneira diferente dizendo-se que os gêmeos idênticos em geral mostram uma resposta ao treinamento de magnitude semelhante. A FIGURA 21.21 indica uma semelhança na resposta do O2máx (tanto em mℓ/kg/min quanto em % de aprimoramento) entre 10 pares de gêmeos idênticos do sexo masculino que haviam participado no mesmo programa de treinamento aeróbico de 20 semanas. Se um gêmeo mostrava alta responsividade ao treinamento, havia grande probabilidade de que o outro gêmeo também respondesse de maneira semelhante; outrossim, o irmão de um gêmeo que não respondera ao treinamento em geral demonstrava pouca melhora. A presença do gene músculo-específico da creatinoquinase proporciona um exemplo da possível contribuição da constituição genética para as diferenças individuais na responsividade do O2máxao treinamento de endurance.181,182 MANUTENÇÃO DOS GANHOS NA APTIDÃO AERÓBICA Uma questão importante está relacionada com a frequência, a duração e a intensidade ótimas da atividade, necessárias para manter os aprimoramentos aeróbicos conseguidos com o treinamento. Em um estudo, adultos jovens e sadios aumentavam o O2máx em 25% com 10 semanas de treinamento intervalado com pedalada e corrida por 40 min, 6 dias por semana.81A seguir, eram colocados em um de dois grupos que continuavam se exercitando por mais 15 semanas com a mesma intensidade e duração, porém com uma frequência reduzida de 4 ou 2 dias por semana. Ambos os grupos mantinham seus ganhos na capacidade aeróbica apesar de uma redução de dois terços na frequência do treinamento. FIGURA 21.21 Responsividade do O2máx (A, mℓ/kg/min; B, % de aprimoramento) de 10 pares de gêmeos idênticos a um programa de 20 semanas de treinamento aeróbico. r = Coeficiente de correlação produto- momento de Pearson. Cada um dos 10 pontos com dados coloridos representa um par de gêmeos. (Reproduzida, com autorização, de Bouchard C. Heredity, fitness, and health. In: Bouchard C et al., eds. Physical activity, fitness, and health. Champaign, IL: Human Kinetics, 1990.) Um estudo semelhante avaliou a menor duração do treinamento sobre a manutenção da aptidão aeróbica aprimorada.82 Uma vez completado o mesmo protocolo esboçado previamente para as 10 semanas iniciais de treinamento, os indivíduos continuavam mantendo a intensidade e a frequência do treinamento por mais 15 semanas, porém reduziam a duração do treinamento das sessões originais de 40 min para 26 ou 13 min por dia. Eles mantinham quase todos os aumentos no O2máx e no desempenho, apesar de uma redução de dois terços na duração do treinamento. Ainda mais importante, se a intensidade do treinamento era reduzida e a frequência e a duração eram mantidas constantes, até mesmo uma redução de um terço na intensidade reduzia o O2máx.83 O aprimoramento na capacidade aeróbica envolve exigências de treinamento diferentes de apenas a sua manutenção. Com a intensidade mantida constante, a frequência e a duração da atividade física necessárias para manter um certo nível de aptidão aeróbica continuam sendo mais baixas que aquelas necessárias para induzir o aprimoramento. Em contrapartida, um pequeno declínio na intensidade do esforço reduz o O2máx. Isso indica que a intensidade do exercício é crucial na manutenção do aumento na capacidade aeróbica conseguido através do treinamento. Outros componentes além do O2máx Os componentes da aptidão diferentes do O2máx sofrem mais rapidamente os efeitos adversos do volume reduzido de treinamento. Atletas de endurance bem treinados que se exercitavam normalmente durante 6 a 10 h por semana reduziram o treinamento semanal para uma única sessão de 35 min durante um período de 4 semanas.130 O O2máx manteve-se constante durante esse período com um volume de treinamento reduzido. Entretanto, a capacidade de endurance para 75% do O2máx diminuiu; essa queda no desempenho estava relacionada com reservas de glicogênio preexistentes reduzidas e com menor nível de oxidação das gorduras durante a atividade física. Uma única medida, como o O2máx, não permite avaliar adequadamente todos os fatores que afetam as adaptações ao treinamento físico e ao destreinamento. Aprimoramento até desempenho máximo Ocorre pouca melhora nos sistemas aeróbicos durante a temporada competitiva. Na melhor das hipóteses, os atletas se esforçam para prevenir a deterioração fisiológica e do desempenho que é observada à medida que a temporada progride. Antes da competição principal, com bastante frequência os atletas aprimoram a intensidade e/ou o volume do treinamento por acreditarem que esses ajustes reduzem o estresse fisiológico e psicológico do treinamento diário e otimizam o desempenho competitivo. O período de aprimoramento e as alterações exatas no treinamento variam com cada esporte. Um aprimoramento de 1 a 3 semanas reduz exponencialmente o volume do treinamento em 40 a 60%, enquanto a manutenção da intensidade do treinamento proporciona a estratégia mais eficiente para maximizar os ganhos de desempenho.17,219,220 De uma perspectiva fisiológica, um aprimoramento de 4 a 7 dias deve proporcionar tempo suficiente para o reabastecimento máximo do glicogênio muscular e hepático, o apoio nutricional ótimo e sua restauração, o alívio das dores musculares residuais e a cicatrização de pequenas lesões. Em um estudo com corredores competitivos, um período de aprimoramento de 1 semana consistia em nenhum treinamento (repouso), treinamento de baixa intensidade (2 a 10 km por dia com 60% do O2máx) ou uma corrida de alta intensidade ao mesmo tempo que é reduzido o volume de treinamento (cinco repetições de 500 m do dia 1, suprimindo uma repetição a cada dia).199 As mensurações feitas durante o aprimoramento incluíram volume sanguíneo, massa de hemácias, conteúdo muscular de glicogênio, atividade das mitocôndrias musculares e desempenho em uma corrida de 1.500 m. Em comparação com as condições de aprimoramento com repouso e um exercício de baixa intensidade, o aprimoramento de alta intensidade produziu o maior benefício. Um aprimoramento ótimo deve incluir reduções progressivas no volume de treinamento ao mesmo tempo que se mantém a intensidade do treinamento em um nível moderado a alto. Com um aprimoramento apropriado, a melhora esperada no desempenho varia habitualmente entre 0,5 e 6,0%.148 O aprimoramento não está associado a alterações substanciais no estresse oxidativo induzido pelo exercício.226 MÉTODOS DE TREINAMENTO Os aprimoramentos no desempenho ocorrem anualmente em quase todas as competições atléticas. Em geral, esses avanços estão relacionados com maiores oportunidades de participação: os indivíduos com “aptidões naturais” têm oportunidades de participar em diferentes esportes. Nutrição e assistência de saúde melhoradas, melhor equipamento e abordagens mais sistemáticas e científicas ao treinamento atlético também contribuem. As seções seguintes apresentam as diretrizes gerais para um treinamento efetivo com exercícios aeróbicos e anaeróbicos. Treinamento anaeróbico A Figura 21.1 mostrou que a capacidade de realizar um esforço explosivo por até 60 s depende em grande parte do ATP gerado pelos sistemas anaeróbicos imediato e a curto prazo para a transferência de energia. QUESTÃO DISCURSIVA De que maneiras específicas o treinamento anaeróbico aprimoraria o desempenho na atividade física all-out? Fosfatos intramusculares de alta energia Futebol americano, levantamento de peso e outras atividades esportivas de velocidade-potência e de curta duração dependem quase exclusivamente da energia que deriva dos fosfatos de alta energia intramusculares ATP e PCr. A participação de músculos específicos em explosões máximas repetidas de 5 a 10 s de esforço sobrecarrega a transferência de energia proveniente desse reservatório de fosfagênios. Acumulam-se apenas pequenas quantidades de lactato, e a recuperação progride rapidamente. A atividade física pode começar novamente após um período de repouso de 30 s. A utilização de curtos períodos de esforço explosivo entremeados com recuperação representa uma aplicação altamente específica do treinamento intervalado para o condicionamento anaeróbico (ver “Treinamento intervalado”, adiante). As atividades físicas destinadas a aprimorar a capacidade de transferência da energia ATP-PCr precisam utilizar os músculos esporte-específicos nas velocidade do movimento e produção de potência semelhantes as utilizadas para a execução do próprio esporte. Essa estratégia realça a capacidade metabólica de fibras musculares treinadas especificamente; facilita também o recrutamento e a modulação da sequência de acionamento neural das unidades motoras apropriadas que são ativadas em um determinado movimento. Capacidade de gerar lactato O treinamento precisa sobrecarregar o sistema energéticoa curto prazo do ácido láctico para aprimorar esse aspecto do metabolismo energético. O treinamento do sistema de energia glicolítica a curto prazo requer um esforço fisiológico e psicológico extremo. O lactato sanguíneo sobe até alcançar níveis quase máximos com um período de exercício máximo de 1 min. O indivíduo repete a mesma a sessão de exercício após 3 a 5 min de recuperação. A repetição dessa sequência causa “acúmulo de lactato”, que produz um nível sanguíneo mais alto de lactato que aquele observado com uma única sessão de esforço all-out e exaustivo. Como ocorre com qualquer tipo de treinamento, devem ser ativados os grupos musculares específicos que necessitam de uma 1. 2. função anaeróbica aprimorada. Um nadador de nado de costas deve treinar realizando esse tipo de natação ou utilizando um ergômetro apropriado para natação; um ciclista deve pedalar; e os jogadores de basquete, de hóquei ou de futebol devem realizar rapidamente vários movimentos e mudanças de direção específicos exigidos pelo esporte. Como abordado no Capítulo 7, a recuperação requer um período de tempo considerável quando a atividade física envolve um grande componente anaeróbico. Por esse motivo, o treinamento da potência anaeróbica do sistema energético a curto prazo deve ocorrer no final da sessão de condicionamento, para que a fadiga não prejudique a capacidade de realizar o treinamento aeróbico subsequente. Treinamento aeróbico A FIGURA 21.22 indica dois fatores importantes na formulação de esquemas de treinamento aeróbico: A demanda cardiovascular deve alcançar intensidade para acarretar um aumento suficiente (sobrecarga) do volume sistólico e do débito cardíaco. A sobrecarga cardiovascular ativa grupos musculares específicos para cada esporte de forma a aprimorar a circulação local e o “mecanismo metabólico” dos músculos. O treinamento de endurance apropriado sobrecarrega todos os componentes do transporte e da utilização do oxigênio. Essa consideração engloba o princípio da especificidade do treinamento aeróbico. Isso pode ser enunciado de maneira mais simples dizendo-se que os corredores precisam correr, os ciclistas precisam pedalar, os remadores precisam remar e os nadadores precisam nadar. Séries relativamente curtas de atividades repetidas, assim como os esforços contínuos de longa duração, aprimoram a capacidade aeróbica, desde que a atividade alcance uma intensidade suficiente a ponto de sobrecarregar o sistema aeróbico. Treinamento intervalado, treinamento contínuo e treinamento fartlek representam três métodos comuns para aprimorar a aptidão aeróbica. FIGURA 21.22 Os dois principais objetivos do treinamento aeróbico: Objetivo 1, desenvolver a capacidade da circulação central em fornecer oxigênio; Objetivo 2, aprimorar a capacidade da musculatura ativa em suprir e processar oxigênio. QUESTÃO DISCURSIVA De que informação você precisaria para melhorar efetivamente a capacidade aeróbica para as exigências de desempenho físico específico para (1) bombeiros, (2) oficiais de polícia e (3) trabalhadores dos campos petrolíferos? Treinamento intervalado Com um espaçamento correto dos intervalos de atividade física e de repouso, podem ser realizadas quantidades extraordinárias de uma atividade intensa, que normalmente não seriam possíveis se a atividade progredisse continuamente. As séries repetidas de atividade física (com curtos períodos de repouso ou intervalos de alívio com baixa intensidade) variam, em geral, de alguns segundos a vários minutos ou mais, dependendo do resultado desejado para esse treinamento.79,108,110 Apenas seis sessões de um treinamento intervalado com um esforço quase all-out de curta duração realizado durante um período de 2 semanas fazem aumentar a capacidade oxidativa do músculo estriado esquelético e o desempenho de endurance.59 A prescrição do treinamento intervalado resulta das quatro seguintes considerações: 1. 2. 3. 4. 1. 2. 3. 4. Intensidade do intervalo de atividade física. Duração do intervalo de atividade física. Duração do intervalo de recuperação. Número de repetições do intervalo de exercício-recuperação. Considere o seguinte exemplo para a realização de um grande volume de atividade intensa durante uma sessão de treinamento intervalado. Poucas pessoas conseguem manter um ritmo de uma milha (~1,6 km) em 4 min por mais de 1 min, muito menos completar uma milha em 4 min. Suponhamos que os intervalos da corrida tenham sido limitados a apenas 10 s, seguidos por 30 s de recuperação. Essa situação faz com que seja razoavelmente fácil manter os intervalos de exercício-alívio e completar a milha em 4 min de corrida real. Apesar de essa façanha não corresponder a um desempenho de classe mundial, ela indica que uma pessoa pode empreender atividade física considerável normalmente exaustiva desde que seja adotado um espaçamento apropriado dos intervalos de repouso e de exercício. Essa estratégia de treinamento intenso entremeado com intervalos de repouso poderia aplicar-se aos esquemas de exercícios realizados rotineiramente nos spas e nas academias de ginástica com esteira rolante, subida de escada e bicicleta ergométrica. Base lógica para o treinamento intervalado. Os esquemas de treinamento intervalado possuem uma base sólida em fisiologia e metabolismo energético. No exemplo de uma corrida contínua de uma milha em 4 min, a glicólise anaeróbica gera grande parte da demanda de energia. Dentro de um ou dois minutos, o nível de lactato sobe acentuadamente e o corredor fica cansado. Para o treinamento intervalado, as sessões repetidas de 10 s de exercício permitem completar o exercício intenso sem acúmulo apreciável de lactato, pois os fosfatos intramusculares de alta energia proporcionam a fonte energética primária. Haverá fadiga mínima durante o intervalo de exercício predominantemente “aláctico” curto, e a recuperação progredirá rapidamente. A seguir, o intervalo de exercício poderá começar após um curto período de repouso. No treinamento intervalado, a intensidade do exercício terá de ativar os sistemas energéticos específicos que necessitam de aprimoramento. A TABELA 21.8 proporciona as diretrizes práticas para determinar os intervalos apropriados de exercício e de recuperação para percorrer diferentes distâncias correndo e nadando. Considere os quatro seguintes exemplos: Intervalo de exercício. Em geral, acrescentar 1,5 a 5,0 s ao “melhor tempo” da pessoa que se exercita para distâncias de treinamento entre 55 e 220 jardas (1 jarda ˜ 0,9 m) para a corrida e de 15 e 55 jardas para a natação.48 Se uma pessoa consegue correr 60 jardas a partir do bloco de partida em 8 s, o tempo de treinamento para cada repetição seria de 8 + 1,5, ou 9,5 s. Para uma distância de treinamento intervalado de 110 jardas, acrescentar 3 s, e para uma distância de 220 jardas, acrescentar 5 s aos melhores tempos da corrida. Esse tipo específico de treinamento intervalado aplica-se ao treinamento do sistema energético intramuscular do ATP-PCr. Distâncias de treinamento de 440 jardas na corrida ou de 110 jardas na natação: Determinar a taxa do exercício subtraindo 1 a 4 s da melhor parte das 440 jardas de uma corrida de uma milha ou da melhor parte das 110 jardas de uma prova de natação de 440 jardas. Se uma pessoa percorre uma milha em 7 min (com uma média de 105 s para 440 jardas), o intervalo de tempo para cada repetição de 440 jardas é de 104 s (105 – 1) a 101 s (105 – 4). Para os intervalos de treinamento superiores a 440 jardas, acrescentar 3 a 4 s para cada trecho de 440 jardas da distância intervalada. Ao correr um intervalo de 880 jardas, o corredor que percorre uma milha em 7 min corre cada intervalo em aproximadamente 216 s [(105 + 3) × 2 = 216]. Intervalo de recuperação. O intervalo de recuperação pode ser tanto passivo (repouso-recuperação) quanto ativo (trabalho-recuperação). A razão entre a duração do exercício e duração da recuperação em geral formulaa duração do intervalo de recuperação. A razão 1:3 em geral aplica-se ao treinamento do sistema de energia imediata. Assim, para um velocista que corre intervalos de 10 s, o intervalo de recuperação é igual a aproximadamente 30 s (3 × 10 s). Para treinar o sistema de energia glicolítico a curto prazo, o intervalo de recuperação é, em média, duas vezes maior que o intervalo de exercício, ou uma razão de 1:2. Essas razões específicas de trabalho-recuperação para o treinamento anaeróbico devem garantir restauração suficiente dos fosfatos intramusculares e/ou remoção também suficiente de lactato para que a próxima sessão de exercício possa prosseguir com fadiga mínima. A razão ideal entre exercício e intervalo para recuperação costuma ser de 1:1 ou 1:1,5 para treinar o sistema aeróbico energético a longo prazo. Durante um intervalo de exercício de alta intensidade de 60 a 90 s, o consumo de oxigênio aumenta rapidamente até um alto nível, mas continua sendo inadequado para atender às necessidades energéticas do exercício. O intervalo de recuperação recomendado faz com que o intervalo do exercício subsequente comece antes da recuperação completa (antes do retorno ao consumo basal de oxigênio). Isso assegura que o estresse metabólico cardiovascular e aeróbico alcance níveis quase máximos com intervalos de exercício repetidos, porém relativamente curtos. A duração do intervalo de repouso adquire menor importância com os períodos mais longos de exercício intermitente, pois haverá tempo suficiente para que o corpo se ajuste aos parâmetros metabólicos e circulatórios durante a atividade física. Sessões de um minuto de atividade física intensa melhoram a aptidãoe a saúde Qual será a verdadeira questão: quanta atividade física é necessária para que melhoremos a saúde ou quão pouco precisamos nos exercitar com essa finalidade? Para responder a essa pergunta, pesquisadores canadenses estudaram diversos grupos de voluntários, compostos tanto por homens e mulheres de meia-idade sedentários, porém saudáveis, quanto por pacientes, de meia-idade ou mais velhos, diagnosticados com doenças cardiovasculares. Os testes iniciais quantificaram a frequência cardíaca máxima e a produção de potência máxima desses voluntários em uma bicicleta ergométrica. Os valores não foram muito altos. Em seguida, os participantes treinaram com sequências repetidas e curtos momentos de treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT, do inglês high-intensity interval training). Tal rotina envolvia sequências de 1 min com aproximadamente 90% da frequência cardíaca máxima, seguidas por 1 min de recuperação, em total de 10 intervalos de atividade e recuperação que somavam 20 min. Os participantes, em particular aqueles com problemas cardíacos, tiveram melhora significativa da saúde em geral e da aptidão cardiovascular. É interessante observar que todos os participantes aderiram à rotina, apesar de suas taxas de sensação de esforço durante cada sequência de exercícios terem sido de 7 ou mais em uma escala de 10. Pesquisas anteriores com HIIT demonstraram aumentos nas proteínas celulares envolvidas na transferência de energia (biogênese mitocondrial e capacidade aumentada para oxidação de glicose e ácidos graxos) via processos aeróbicos, melhorados por sensibilidade à insulina e regulação da glicemia sanguínea, o que reduzia o risco de diabetes melito do tipo 2. Fontes: Bartlett JD et al. Matched work high-intensity interval and continuous running induce similar increases in PGC-1α mRNA, AMPK, p38 and p53 phosphorylation in human skeletal muscle. J Appl Physiol 2012;112:1135. Gibala MJ et al. Brief intense interval exercise activates AMPK and p38 MAPK signaling and increases the expression of PGC-1alpha in human skeletal muscle. J Appl Physiol 2009;106:929. Gibala MJ, Little JP. Just HIT it!: A time-efficient exercise strategy to improve muscle insulin sensitivity. J Physiol 2010;588:3341. Gibala MJ et al. Physiological adaptations to low-volume, high-intensity interval training in health and disease. J Physiol 2012;590:1077. Gillen JB et al. Acute high-intensity interval exercise reduces the postprandial glucose response and prevalence of hyperglycaemia in patients with type 2 diabetes. Diabetes Obes Metab 2012;14:575. Hood MS et al. Low-volume interval training improves muscle oxidative capacity in sedentary adults. Med Sci Sports Exerc. 2011;43:1849. Little JP et al. Low-volume high-intensity interval training reduces hyperglycemia and increases muscle mitochondrial capacity in patients with type 2 diabetes. J Appl Physiol 2011;111:1554. Little JP et al. A practical model of low-volume high-intensity interval training induces mitochondrial biogenesis in human skeletal muscle: potential mechanisms. J Physiol 2010; 588:1011. QUESTÃO DISCURSIVA Um coach insiste que uma única modalidade de atividade física aprimora a capacidade aeróbica para todas as atividades físicas que exigem um alto nível de aptidão aeróbica. Dê sua opinião acerca da efetividade potencial do exercício de uma única modalidade para produzir efeitos generalizados de treinamento cruzado. O treinamento intervalado do tipo sprint afeta os sistemas fisiológicos anaeróbico e aeróbico. A FIGURA 21.23 mostra que o treinamento intervalado do tipo sprint relativamente curto porém intenso aumenta os parâmetros da capacidade metabólica tanto aeróbica quanto anaeróbica. O programa de treinamento de 7 semanas para 12 homens adultos jovens consistiu em 30 s de um esforço máximo de velocidade (protocolo de Wingate) entremeados com 2 a 4 min de recuperação, realizado 3 vezes/semana. A semana 1 começava com quatro intervalos de exercício com 4 min de recuperação por intervalo e progredia para 10 intervalos de exercício com recuperação de 2,5 min por sessão de exercício na 7a semana. Apesar desse estímulo de treinamento relativamente curto no qual a duração do exercício alcançava apenas 5 min por sessão durante a 7a semana, ocorriam aprimoramentos no O2máx, na produção de potência a curto prazo e na atividade máxima dos marcadores enzimáticos mais importantes nas vias energéticas aeróbicas e anaeróbicas. As pessoas idosas sadias também mostram adaptações clínicas e cardiovasculares positivas ao treinamento intervalado.3 O treinamento intervalado de alta intensidade em camundongos alterou a utilização do substrato cardíaco (36% de aumento na oxidação da glicose e concomitante redução na oxidação dos ácidos graxos), melhorou a eficiência cardíaca diminuindo o consumo de oxigênio miocárdico independente do trabalho e aumentou a capacidade respiratória mitocondrial cardíaca máxima. Nenhuma alteração do tipo foi observada em animais envolvidos em treinamentos de intensidade mais moderada.68 TABELA 21.8 Diretrizes para determinação das taxas de exercício no treinamento intervalado para corrida e natação em distâncias diferentes. Distâncias do treinamento intervalado (jardas) Corrida Natação Taxa de trabalho para cada intervalo ou repetição do exercício 55 15 1,5 s mais lento que os melhores 110 25 3,0 tempos desde o início da corrida (ou da natação) para cada distância 220 55 5,0 para cada distância 440 110 1 a 4 s mais rápido que os tempos médios para a corrida de 440 jardas ou a natação de 110 jardas registrados durante corrida de 1 milha ou natação de 440 jardas 660 a 1.320 165 a 320 3 a 4 s mais lento que os tempos médios para uma corrida de 440 jardas ou uma natação de 100 jardas registrados durante uma corrida de 1 milha ou uma natação de 440 jardas Reproduzida, com autorização, de Fox EL, Matthews DK. Interval training. Philadelphia: WB Saunders, 1974. FIGURA 21.23 A. Produção de potência máxima e produção de potência total durante quatro esforços máximos sucessivos de 30 s. B. O2máx., C. Atividade enzimática máxima para fosfofrutoquinase (PFK) e hexoquinase (HEX). D. Atividade enzimática máxima de malato desidrogenase (MDH), succinato desidrogenase (SDH) e citratosintase (CS) antes (barras amarelas) e após (barras vermelhas) 7 semanas de treinamento intervalado de alta velocidade. (Reproduzida, com autorização, de MacDougall JD et al. Muscle performance and enzymatic adaptations to sprint interval training. J Appl Physiol 1998;84:2138.) Treinamento contínuo O treinamento contínuo ou lento e de longa distância (LLD) envolve uma atividade prolongada steady-paced de intensidade aeróbica moderada ou alta, entre 60 e 80% do O2máx. O ritmo exato pode variar, mas tem de alcançar no mínimo a intensidade limiar para garantir a ocorrência de adaptações fisiológicas aeróbicas. Já esboçamos o método para estabelecer a zona sensível ao treinamento que utiliza a FCmáx (ver “Determinação da ‘zona sensível ao treinamento’”, anteriormente). O treinamento contínuo que ultrapassa uma hora tornou-se popular entre os entusiastas de esportes competitivos, como triatletas e esquiadores cross-country. Muitos corredores de longa distância (fundistas) de elite treinam 2 vezes/dia e correm 100 a 150 milhas por semana a fim de se prepararem para a competição. Em virtude de sua natureza submáxima, o treinamento físico contínuo progride em relativo conforto. Isso contrasta com os perigos potenciais do treinamento intervalado de alta intensidade para indivíduos com propensão a doença coronariana e com o alto nível de motivação necessário para um exercício tão extenuante. O treinamento contínuo é particularmente apropriado para os novatos que desejam acumular um grande gasto calórico com a finalidade de conseguir perda ponderal. Quando aplicado ao treinamento atlético, na verdade o treinamento contínuo representa um treinamento de “superdistâncias”, com a maioria dos competidores treinando duas a cinco vezes as distâncias reais de seus eventos. O treinamento contínuo permite aos atletas de endurance se moverem quase com a mesma intensidade da competição real. O recrutamento de unidades motoras específicas depende da intensidade do esforço, fazendo desejável o treinamento 1. 2. contínuo aos atletas de endurance que desejam adaptações em nível celular. Em contrapartida, com grande frequência o treinamento intervalado impõe um estresse desproporcional às unidades motoras de contração rápida, e não às unidades de contração lenta recrutadas predominantemente na competição de endurance. Treinamento Fartlek Fartlek, uma palavra sueca que significa “jogo de velocidade”, representa um método de treinamento introduzido nos EUA na década de 1940 (http://www.newintervaltraining.com/fartlek-training.php) pelo ex-decatleta sueco Gösta Holmér. Essa mistura relativamente pouco científica de treinamento intervalado e contínuo é aplicada sobretudo ao exercício ao ar livre sobre um terreno natural. O sistema utiliza a corrida alternativa com velocidades rápidas e lentas por um terreno tanto plano quanto montanhoso. Ao contrário da prescrição exata dos exercícios no treinamento intervalado, o treinamento fartlek não exige a manipulação sistemática dos intervalos de exercício e de recuperação. Em vez disso, a pessoa determina o esquema de treinamento com base em “como se sente” naquele momento, à semelhança do que fazemos na calibração da intensidade do esforço com base na EPE. Quando aplicado de maneira apropriada, este método sobrecarrega um ou todos os três sistemas energéticos do corpo. O treinamento fartlek proporciona um condicionamento geral ideal e estratégias de treinamento a serem utilizadas fora da temporada, porém carece das abordagens sistemáticas e quantificadas do treinamento intervalado e contínuo. Confere também liberdade e variedade às sessões de trabalho. A evidência ainda insuficiente impede que se proclame a superioridade de qualquer método específico de treinamento com a finalidade de aprimorar a capacidade aeróbica e as variáveis fisiológicas associadas.144 Cada forma de treinamento é de alguma forma bem-sucedida. Pode-se provavelmente utilizar os vários métodos de treinamento alternadamente (em sistema de rodízio), particularmente para modificar o treinamento e conseguir um esquema de atividades físicas psicologicamente mais agradável. OVERTRAINING | ALGO BOM EM EXCESSO Dez a 20% dos atletas apresentam overtraining e isso representa muito mais que uma simples incapacidade de treinar duro ou um ligeiro declínio no desempenho em nível competitivo. Os atletas podem não conseguir suportar e adaptar-se ao treinamento, de modo que o desempenho normal deteriora-se e eles têm dificuldade cada vez maior de se recuperarem plenamente de uma sessão de trabalho.23,205,223 Isso é crucial para os atletas de elite, para os quais as reduções no desempenho de 1 a 3% poderiam impedir um medalhista de ouro de qualificar-se para a competição. O overtraining está relacionado também com maior incidência de infecções, dores musculares persistentes e mal-estar geral e perda de interesse em realizar um treinamento de alto nível. As lesões ocorrem mais frequentemente no estado supratreinado.224 Foram descritas duas formas clínicas de overtraining: A forma simpática menos comum (basedowiana por causa dos padrões de hiperfunção tireóidea), caracterizada por maior atividade simpática durante o repouso e exemplificada em geral por hiperexcitabilidade, agitação psicomotora e desempenho no exercício deteriorado. Essa forma de supratreinamento pode refletir um estresse psicológico/emocional excessivo que acompanha a interação de treinamento, competição e responsabilidades da vida normal.113 A forma parassimpática mais comum (addisonoide por causa dos padrões de insuficiência suprarrenal), caracterizada por predominância da atividade vagal durante o repouso e a atividade física. Designada mais acertadamente overreaching nos estágios iniciais (dentro de apenas 10 dias), qualitativamente a síndrome é semelhante em seus sintomas à síndrome de overtraining parassimpática plenamente desenvolvida, porém de duração mais curta. A sobrecarga física excessiva e prolongada com recuperação e repouso inadequados resulta em overreaching. Inicialmente, a manutenção do desempenho nos exercícios requer um maior esforço; isso acaba resultando em deterioração do desempenho tanto no treinamento quanto na competição. A intervenção a curto prazo com repouso de alguns dias até varias semanas costuma restaurar a função plena. Sem tratamento, o overreaching evolui para a síndrome de overtraining. A síndrome de overtraining parassimpática envolve fadiga crônica durante as sessões e os períodos de recuperação. Os sintomas associados incluem desempenho precário persistente nos exercícios, padrões de sono e de apetite alterados, infecções frequentes, sensações persistentes de fadiga, funções imunes e reprodutivas alteradas, alterações agudas e crônicas nas respostas inflamatórias sistêmicas, distúrbios do humor (raiva, depressão, ansiedade) e mal-estar geral, e ausência de • • • 1. 2. interesse no treinamento de alto nível. Definições dos termos relacionados com a síndrome de overtraining Sobrecarga: Aumento planejado, sistemático e progressivo no treinamento para melhorar o desempenho Overreaching: Sobrecarga não planejada e excessiva com períodos de repouso inadequados. O desempenho precário é observado no treinamento e na competição. A recuperação bem-sucedida deve resultar de intervenções a curto prazo (i. e., poucos dias a 1 ou 2 semanas) Síndrome de overtraining: Overreaching não tratado que causa redução a longo prazo no desempenho e menor capacidade de treinamento. Outros problemas associados podem exigir intervenção médica.175 A FIGURA 21.24 ilustra os possíveis fatores interativos que iniciam a síndrome de overtraining do tipo parassimpático. As interações de sobrecarga crônica neuromuscular, neuroendócrina, psicológica, imunológica e metabólica durante o treinamento a longo prazo de alto volume (com recuperação insuficiente) acabam alterando a função fisiológica e a resposta ao estresse, provocando o estado supratreinado.71,128,184As condições clínicas preexistentes; carboidratos insuficientes ou desidratação; o estresse ambiental de calor, umidade, altitude; e as pressões psicossociais (p. ex., treinamento monótono, competição frequente, conflitos pessoais) costumam exacerbar as demandas do treinamento e aumentar o risco de desenvolvimento da síndrome do overtraining. Os efeitos significativos causados por desequilíbrio crônico na carga de treino, competição e fatores de estresse fora do período de exercício no supratreinamento incluem os seguintes: Deteriorações funcionais nos eixos hipotalâmico-hipofisário-gonádico e suprarrenal e no sistema neuroendócrino simpático, refletidas por excreção urinária deprimida de norepinefrina e dessensibilização do sistema β2- adrenérgico.51,113,218 Aumentos induzidos pelo exercício dos hormônios adrenocorticotrófico e do crescimento e reduções dos níveis de cortisol e de insulina.223 De certa forma, a síndrome reflete a tentativa do organismo de proporcionar ao atleta um período apropriado de recuperação após um treinamento intenso ou uma competição. Apesar dos sintomas específicos altamente individualizados de overtraining, na TABELA 21.9 são relacionados os mais comuns. Nenhum método simples consegue diagnosticar o overtraining em seus estágios mais precoces.53,74 As melhores indicações incluem a deterioração no desempenho físico, as alterações no estado de humor, razão cortisol/cortisona relativamente alta e, possivelmente, variabilidade reduzida na frequência cardíaca noturna.8,164,198 As condições que fazem alguns atletas prosperar no treinamento iniciam uma resposta de overtraining em outros. Em geral, o repouso consegue aliviar os sintomas; se isso não ocorre, eles podem persistir e impedir a recuperação completa, que leva semanas ou meses. Nenhuma estratégia confiável consegue determinar o ponto de recuperação completa após a síndrome de overtraining, porém a maioria dos atletas parece intuitivamente saber quando pode retornar com sucesso a uma competição. Os coaches precisam permitir recuperação adequada durante os ciclos de treinamento mais intensos ou quando um atleta tenta recuperar sua forma ideal após inatividade prolongada. A nutrição torna-se importante durante o treinamento intenso; a ênfase especial no reabastecimento do glicogênio, que requer tempo de recuperação suficiente, além de altos níveis de carboidratos dietéticos e reidratação, reduz os sintomas. Entretanto, a nutrição isoladamente não consegue prevenir o surgimento da síndrome.1,175,201 ATIVIDADE FÍSICA DURANTE A GESTAÇÃO Quarenta por cento ou mais das mulheres nos EUA participam de diferentes formas de atividade física durante a gestação.77,240 A FIGURA 21.25 ilustra a prevalência e o padrão de diferentes atividades durante a gestação entre gestantes e não gestantes. As mulheres não gestantes têm maior probabilidade do que as gestantes de atender às recomendações para uma atividade física moderada ou intensa. Para ambos os grupos, a caminhada representava a atividade mais comum (52% para as gestantes e 45% para as não gestantes). As gestantes que participavam em uma atividade física moderada ou intensa em geral eram mais jovens, não hispânicas brancas, solteiras, com maior nível de escolaridade e não fumantes, e tinham rendas mais altas que as congêneres fisicamente menos ativas. Efeitos da atividade física na gestante A dinâmica cardiovascular materna adota padrões de resposta normais; atividade física moderada não representa um maior estresse fisiológico para a gestante além do aumento adicional de peso e da possível carga ao tecido fetal. Na verdade, atividade física regular durante a gestação pode reduzir o ganho de peso materno em uma média de 3,1 kg em comparação com mulheres não fisicamente ativas.105 FIGURA 21.24 Visão geral esquemática da gênese da síndrome de overtraining nos esportes de endurance que exigem treinamento prolongado de alto volume. (Modificada, com autorização, de Lehmann M et al. Autonomic imbalance hypothesis and overtraining syndrome. Med Sci Sports Exerc 1998;30:1140.) • • • • • • • • TABELA 21.9 Síndrome de overtraining | Sintomas de burnout. Desempenho inexplicável e persistentemente insatisfatório e altas taxações de fadiga Recuperação prolongada após sessões típicas de treinamento ou de eventos competitivos Estados de humor perturbados caracterizados por fadiga geral, apatia, depressão, irritabilidade e perda do impulso competitivo Sensações persistentes de dolorimento e rigidez nos músculos e nas articulações Frequência de pulso em repouso acelerada, músculos doloridos e maior suscetibilidade às infecções das vias respiratórias superiores (função imune alterada) e distúrbios gastrintestinais Insônia Perda de apetite, perda de peso e incapacidade de manter o peso corporal apropriado para a competição Lesões por uso excessivo (LER) Gestantes demonstraram capacidade semelhante às puérperas para a realização de 40 min de pedalagem com 70 a 75% do O2máx. As respostas fisiológicas a esse exercício sem sustentação do peso corporal continuam sendo em grande parte independentes da gestação.122 A gestação não compromete o valor absoluto para a capacidade aeróbica (ℓ/min).123 O aumento da massa corporal materno e as mudanças na coordenação e equilíbrio à medida que a gestação progride afetam negativamente a economia do movimento; isso se soma ao esforço da atividade de sustentação do peso corporal. A gestação, particularmente no último trimestre, eleva também a ventilação pulmonar em um determinado nível de esforço submáximo.122 Os efeitos estimulantes diretos da progesterona e a maior sensibilidade dos quimiorreceptores ao dióxido de carbono contribuem para a “hiperventilação” materna do exercício.238 A atividade física moderada regular durante o segundo e o terceiro trimestres reduz as demandas ventilatórias máximas e a EPE.154 Essa adaptação ao treinamento eleva a reserva ventilatória da mãe e, possivelmente, inibe a dispneia aos esforços. A TABELA 21.10 resume as importantes adaptações metabólicas e cardiorrespiratórias maternas durante a gestação. Efeitos do exercício sobre o feto A realização do exercício durante a gestação exige obediência às orientações e recomendações cautelosas.5 A evidência epidemiológica indica que o exercício durante a gestação não eleva o risco de mortes fetais ou de pesos baixos ao nascer, e pode reduzir acentuadamente o risco de nascimentos pré-termo.94,155,174,195 Um programa moderado de exercício com sustentação do peso corporal ou de atividade recreativa acelera o crescimento fetoplacentário e reduz o risco de pré- eclâmpsia.30,188 Um estudo de mulheres de classe média avaliou os efeitos do exercício diário baixo-moderado (< 1.000 kcal/semana), de um exercício mais intenso (> 1.000 kcal/semana) ou de nenhum exercício sobre o parto no momento apropriado e a segurança e os benefícios potenciais do exercício regular durante a gestação.77 Nenhuma associação emergiu entre a atividade de nível baixo a moderado e a duração da gestação. Um achado positivo indicou que o volume mais alto de atividade física semanal reduzia, em vez de aumentar, o risco de parto pré-termo; entre os partos ocorridos após o termo projetado, as mulheres que realizavam uma atividade mais intensa tiveram partos mais rápidos que as mulheres que não haviam se exercitado. 1. 2. 3. FIGURA 21.25 Atividades físicas comuns entre gestantes e não gestantes (dados combinados para 1994, 1996, 1998 e 2000). (Reproduzida, com autorização, de Petersen AM et al. Correlates of physical activity among pregnant women in the United States. Med Sci Sports Exerc 2005;37:1748.) TABELA 21.10 Importantes adaptações metabólicas e cardiorrespiratórias durante a gestação. • O volume sanguíneo aumenta de 40 a 50%; a hemodiluição reduz a concentração de hemoglobina • O aumento do volume sanguíneo dilata o ventrículo esquerdo • Ligeiro aumentodo consumo de oxigênio durante o repouso e o exercício submáximo sem sustentação de peso, como na pedalagem estacionária • Aumento substancial no consumo de oxigênio durante o exercício com sustentação de peso, como caminhada e corrida • Frequência cardíaca aumenta durante o repouso e o exercício submáximo • Nenhuma mudança no O2máx (ℓ/min) • Resposta ventilatória aumentada – induzida essencialmente pela progesterona – durante o repouso e o exercício submáximo • Possível resposta hipoglicêmica aumentada durante o exercício, especialmente no final da gestação • Possível resposta deprimida do sistema nervoso simpático ao exercício no final da gestação Adaptada de Wolfe LA et al. Maternal exercise, fetal well-being and pregnancy outcome. Exerc Sport Sci Rev 1994;22:145. Três possíveis riscos do exercício materno intenso que poderiam alterar o crescimento e o desenvolvimento do feto são os seguintes: Fluxo sanguíneo placentário reduzido e concomitante hipoxia fetal. Hipertermia fetal. Suprimento fetal de glicose reduzido. Qualquer fator que possa comprometer temporariamente o suprimento sanguíneo fetal gera a necessidade de aconselhar as gestantes acerca da atividade física. Os recém-nascidos de mães fisicamente ativas exibem um perfil neurocomportamental até mesmo 5 dias após o parto, mais precocemente que os recém-nascidos de congêneres mais sedentárias.29 As mães ativas corriam, realizavam aeróbica, nadavam ou utilizavam a atividade de subida e descida do degrau pelo menos 3 vezes/semana por mais de 20 min com 55% da capacidade aeróbica ou acima. As mulheres no grupo controle levavam vidas ativas que não incluíam atividade física sustentada regular. A FIGURA 21.26 mostra os dados para cinco aglomerados comportamentais das Brazelton Neonatal Assessment Scales (http://www.brazelton-institute.com/intro.html) para as proles de 34 mulheres que se exercitavam regularmente e de 31 mulheres sedentárias. Não surgiram diferenças significativas entre os recém-nascidos de mulheres fisicamente ativas e os das sedentárias (grupo controle) para aglomerados de fatores que permitiam determinar a organização motora, a estabilidade autônoma e a variação dos comportamentos formais. Os recém-nascidos de mulheres fisicamente ativas obtiveram escores mais altos no comportamento acerca de orientação e na capacidade de regular sua condição (i. e., mais alertas e interessados no meio ambiente e menos dependentes de suas mães). O quadro anexo indica que o comprimento axial e a circunferência da cabeça eram semelhantes entre os grupos, sendo a prole das mulheres ativas mais leve e mais magra que a prole do grupo-controle. Os achados apoiam o conceito de que o exercício regular contínuo durante toda a gestação modifica o comportamento neonatal por afetar positivamente o neurodesenvolvimento precoce. FIGURA 21.26 Escores de constelação comportamental de recém-nascidos nos grupos com exercícios e controles sem exercício por parte de Brazelton Neonatal Behavioral Assessment Scales. Os asteriscos indicam o significado estatístico para o nível 0,01. O quadro anexo representa os valores morfométricos neonatais. (Reproduzida, com autorização, de Clapp JF III et al. Neonatal behavioral profile of the offspring of women who continue to exercise regularly throughout pregnancy. Am J Obstet Gynecol 1999;180:91.) QUESTÃO DISCURSIVA Que vantagem para o controle do peso durante a gestação ofereceria um programa diário de caminhadas em comparação com a pedalagem estacionária se cada programa continuasse no mesmo nível inicial de intensidade (i. e., velocidade constante da caminhada ou produção de potência da pedalagem), de frequência e de duração? Opinão atual acerca da atividade física e da gestação Recomendações mais conservadoras e cautelosas devem ser aplicadas durante uma gestação normal, apesar dos exemplos de atividade física extrema para mulheres bem treinadas sem efeito negativo aparente sobre a saúde materna ou fetal.10,95,129 A atividade aeróbica moderada por 30 a 40 min por dia para uma mulher de baixo risco, sadia e previamente ativa durante 1. 2. 3. 4. • • • • • • • • • • • uma gestação não complicada não compromete o suprimento de oxigênio fetal nem o estado acidobásico, não induz sinais de sofrimento fetal na frequência cardíaca nem produz outros efeitos adversos para a mãe ou o feto.2,37,121,146,206 Se for realizada em bases regulares, essa atividade mantém a aptidão cardiovascular, promove um efeito de treinamento e inibe o ganho de peso indesejável da mãe, além de estar associada à frequência cardíaca fetal em repouso semelhante a uma resposta treinada.54,133,163,166,171,172,186 Quatro outros efeitos maternos positivos são: Diminuição do tempo do trabalho de parto e do parto. Recuperação pós-parto mais rápida. Diminuição dos desconfortos da gestação. Menos complicações durante a gestação. NA PRÁTICA Prescrição do Exercício Durante a Gestação A gestação altera a fisiologia normal, tornando necessárias algumas modificações na prescrição do exercício. As gestantes devem consultar seu médico antes de iniciar um programa de atividades físicas (ou de modificar um programa preexistente) a fim de excluir possíveis complicações. Isso concerne particularmente às mulheres com aptidão baixa e pouca experiência com exercícios antes da gestação. A atividade física durante a gestação deve enfatizar o conhecimento acerca da dissipação do calor, da ingestão adequada de calorias e nutrientes e de saber quando se deve reduzir a intensidade do esforço. Para uma gestação normal sem complicações, o exercício de leve a moderado não afeta negativamente o desenvolvimento fetal; os benefícios de uma atividade física regular corretamente prescrita durante a gestação em geral ultrapassam os riscos potenciais. DIRETRIZES ACERCA DA ATIVIDADE FÍSICA Modalidade da atividade: Evitar o exercício em decúbito dorsal, principalmente após o primeiro trimestre. O exercício na posição supina dificulta o retorno venoso (a massa do feto comprime a veia cava inferior), o que poderia afetar o débito cardíaco e o fluxo sanguíneo uterino. A atividade sem sustentação do peso corporal (p. ex., pedalagem, natação) minimiza o efeito da gravidade e o peso adicional associado ao desenvolvimento fetal. A atividade moderada de baixo impacto e sustentação de peso não costuma impor nenhum risco. Frequência do exercício: Exercitar-se 3 dias por semana, enfatizando o esforço contínuo em steady-rate. Reduzir a intensidade do exercício mais frequente. Duração da atividade: Exercitar-se por 30 a 40 min, dependendo das sensações. Intensidade da atividade: A gestação altera a relação entre frequência cardíaca e consumo de oxigênio, tornando difícil o estabelecimento das diretrizes com base na frequência cardíaca. Uma alternativa efetiva estabelece a intensidade do exercício com base na EPE, que deveria variar entre 11 (“razoavelmente leve”) e 13 (“um tanto duro”). Taxa de progressão: exercitar-se regularmente; a atividade física aeróbica moderada mantém a aptidão cardiovascular e, com frequência, produz um pequeno efeito de treinamento. A maioria das mulheres não deve esforçar-se em induzir efeitos de treinamento, mas sim em manter a aptidão cardiorrespiratória, a massa muscular e o aumento de peso recomendado pelo médico. Os efeitos combinados da gestação em si e da atividade física regular costumam aprimorar a aptidão após o parto. QUANDO INTERROMPER O EXERCÍCIOE PROCURAR ORIENT AÇÃO MÉDICA Interromper o exercício imediatamente nas seguintes condições: Qualquer sinal de sangramento vaginal Saída de jato de líquido pela vagina (ruptura prematura das membranas) Edema súbito de tornozelos, mãos ou face Cefaleia intensa e persistente e/ou distúrbios na visão; tonturas ou vertigens inexplicáveis Frequência do pulso ou pressão arterial elevadas que não retornam rapidamente ao normal após o exercício Fadiga excessiva, palpitações oudor torácica Contrações uterinas persistentes (mais de 6 a 8 por hora) Dor abdominal inexplicável ou incomum Aumento de peso insuficiente (< 1,0 kg por mês durante os dois últimos trimestres). Contraindicações para a atividade física durante a gestação: Hipertensão induzida pela gestação História de dois ou mais abortos espontâneos • • • • • • • • • • • • 1. 2. 3. Ruptura prematura das membranas Trabalho de parto pré-termo na gestação precedente ou na atual Colo uterino incompetente Ingestão excessiva de bebidas alcoólicas Sangramento persistente do segundo para o terceiro trimestre História de trabalho de parto prematuro Retardo de crescimento intrauterino Anemia Diabetes melito do tipo 1 Obesidade significativa Gestação múltipla Tabagismo. Reproduzido de Exercise during pregnancy: Current comment from the American College of Sports Medicine, August 2000. www.Americanpregnancyhealth/exerciseguidelines.html; http://www.acsm.org/docs/current-comments/exerciseduringpregnancy.pdf A ação hormonal por intermédio do sistema nervoso simpático durante o esforço extenuante desvia rapidamente parte do sangue do útero e dos órgãos viscerais para ser distribuído preferencialmente aos músculos ativos. Isso poderia representar um perigo para o feto com restrição no fluxo sanguíneo placentário. O boxe “Na Prática” correspondente esboça as diretrizes para formular uma prescrição do exercício durante a gestação. Essa abordagem cautelosa determina que uma gestante (juntamente com seu provedor de assistência de saúde) deveria exercitar-se com moderação, especialmente se a gestação tiver algum tipo de comprometimento. Além disso, a atividade física realizada no fim da gestação pode exacerbar a resposta hipoglicêmica materna normal por aumentar o consumo de glicose por parte do músculo esquelético materno; nos casos extremos, essa resposta poderia afetar negativamente o suprimento de glicose fetal.15,28 As gestantes devem evitar o exercício em decúbito dorsal, os esportes de contato, o esforço nas grandes altitudes, a imersão em uma banheira quente e o mergulho autônomo (scuba). A redução no fluxo sanguíneo uterino ou a elevação na temperatura materna central durante uma atividade física prolongada durante o estresse térmico ambiental pode comprometer a dissipação do calor por parte do feto através da placenta.136 A hipertermia afeta negativamente o desenvolvimento fetal (p. ex., maior risco de defeitos do tubo neural), particularmente no primeiro trimestre,140 razão pela qual as mulheres devem exercitar- se durante a estação mais quente na parte fria do dia por intervalos mais curtos e mantendo ao mesmo tempo uma ingestão regular de líquidos. Nessas condições, o exercício aquático é ideal para a gestante. O nível atual de aptidão e os padrões precedentes de atividade física devem orientar o comportamento da mulher em termos de exercícios durante uma gestação não complicada e após o parto. A atividade física aeróbica regular durante a gestação é importante por manter a capacidade funcional e o bem-estar geral. Otimiza também o aumento global de peso durante os últimos estágios da gestação28 e reduz o risco de cesariana nas mulheres que nunca tiveram filhos.24 Há controvérsias acerca de se os extremos de esforço físico materno beneficiam tanto a mãe quanto o feto ou se o exercício durante a gestação beneficia o trabalho de parto, o período de expulsão, o peso ao nascer e o desfecho geral.14,167 O início de um exercício regular 6 a 8 semanas após o parto não produz qualquer efeito deletério sobre o volume ou a composição da lactação e aprimora a aptidão aeróbica sem prejudicar a função imune.37,121,125 Quaisquer declínios na aptidão e na força no período pós-parto inicial em relação ao desempenho pré-gestação em geral se normalizam até a 27a semana após o parto.221 Uma combinação de exercício moderado com ingestão energética reduzida em aproximadamente 500 kcal por dia permite que as lactantes com sobrepeso percam sem perigo 0,5 kg por semana sem afetar negativamente o crescimento do lactantes.124 Resumo As atividades físicas são classificadas em geral pelo sistema específico de transferência de energia que elas ativam predominantemente. Um programa de condicionamento efetivo treina os sistemas energéticos apropriados para aprimorar uma função fisiológica desejada ou um determinado objetivo de desempenho. O condicionamento físico fundamentado em princípios válidos otimiza os aprimoramentos. Os quatro princípios primários 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. do treinamento incluem a sobrecarga, a especificidade, as diferenças individuais e a reversibilidade. O treinamento físico induz adaptações celulares e alterações fisiológicas mais óbvias que aprimoram a capacidade funcional e o desempenho físico. O treinamento anaeróbico eleva os níveis de repouso dos substratos anaeróbicos intramusculares e as enzimas glicolíticas mais importantes. As adaptações acompanham habitualmente os aumentos concomitantes do desempenho máximo. As adaptações ao treinamento aeróbico induzem aumentos do tamanho e do número de mitocôndrias, das enzimas aeróbicas, da capilarização muscular e da oxidação de gorduras e carboidratos. Esses aprimoramentos contribuem para maior produção aeróbica de ATP. Existe uma relação linear entre a frequência cardíaca e o consumo de oxigênio para a atividade física leve a moderadamente intensa em indivíduos treinados e não treinados. O volume sistólico aumentado com o treinamento aeróbico desvia essa linha para a direita, com redução da frequência cardíaca em qualquer nível submáximo de esforço. O treinamento aeróbico induz alterações funcionais e dimensionais no sistema cardiovascular a fim de reduzir a frequência cardíaca em repouso e durante o exercício submáximo, de aumentar o volume sistólico de ejeção e o débito cardíaco e de ampliar a diferença a O2. A hipertrofia cardíaca representa uma adaptação biológica fundamental para a sobrecarga miocárdica imposta pelo treinamento. O maior volume cardíaco observado com o treinamento de endurance faz aumentar o volume ventricular esquerdo e aprimora o volume sistólico. As modificações estruturais e dimensionais no ventrículo esquerdo variam com as modalidades de treinamento físico. A atividade física regular não prejudica a função cardíaca normal. A intensidade do exercício é o fator mais crucial que afeta a magnitude dos aprimoramentos induzidos pelo treinamento; outros fatores incluem o nível inicial de aptidão, a frequência do treinamento, a duração do exercício e a modalidade do treinamento. A intensidade do treinamento pode ser aplicada seja em bases absolutas para a carga do exercício, seja em relação à resposta fisiológica da pessoa. A abordagem mais prática relaciona a intensidade do exercício a um percentual da FCmáx. Os níveis de treinamento entre 60 e 90% da FCmáx induzem alterações significativas na aptidão aeróbica. A duração e a intensidade do treinamento interagem para afetar a resposta ao treinamento. Em geral, as sessões de exercício de 30 min são práticas e efetivas. O prolongamento da duração compensa as reduções da intensidade. Dois a 3 dias por semana representam a frequência mínima para o treinamento aeróbico. A frequência ótima do treinamento ainda não foi determinada. Ocorrem aprimoramentos aeróbicos semelhantes quando a intensidade, a duração e a frequência se mantêm constantes, independentemente da modalidade da atividade física quando o treinamento envolve grandes grupos musculares, e o processo de avaliação continua sendo específico para cada modalidade. A frequência e a duração do treinamento para manter uma aptidão aeróbica aprimorada são mais baixas que aquelas necessárias para melhorá-la. Pequenas reduções na intensidade do exercício reduzem o O2máx. Os treinamentos intervalado, contínuo e fartlek aprimoram acapacidade dos diferentes sistemas de transferência de energia. O treinamento intervalado acarreta aprimoramentos efetivos nos sistemas energéticos anaeróbicos imediato e a curto prazo. O treinamento aeróbico precisa sobrecarregar tanto a função cardiovascular quanto a capacidade metabólica dos músculos específicos. As adaptações periféricas no músculo treinado melhoram profundamente o desempenho de endurance. O treinamento de endurance prolongado e intenso pode desencadear a síndrome de overtraining (burnout), com alterações associadas nas funções neuroendócrina e imune. A síndrome de overtraining inclui fadiga crônica, desempenho insatisfatório nos exercícios, infecções frequentes e perda geral de interesse no treinamento. Os sintomas em geral persistem até que o atleta abandone o treinamento, possivelmente por vários dias a meses. Aproximadamente 40% das mulheres norte-americanas se exercitam durante a gestação, com a caminhada sendo a forma 23. 24. mais comum de atividade física (42%), seguida por natação (12%) e aeróbica (12%). Os riscos potenciais mais sérios da atividade física durante a gestação incluem fluxo sanguíneo placentário reduzido e hipoxia fetal concomitante, hipertermia fetal e aporte de glicose fetal reduzido. Para mulheres sadias previamente ativas, a atividade aeróbica moderada não compromete o suprimento de oxigênio fetal. As referências estão disponíveis para download em http://gen-io.grupogen.com.br, na área relativa a este livro. • • Força Muscular | Treinamento para o Fortalecimento dos Músculos OBJETIVOS DO CAPÍTULO Descrever os quatro seguintes métodos para avaliar a força muscular: tensiometria com cabo, dinamometria, uma repetição máxima (1 RM) e dinamometria isocinética assistida por computador Esboçar o procedimento destinado a avaliar o valor de 1 RM para indivíduos treinados e não treinados • • • • • • • • • • • • • • • • • • Descrever a maneira de certificar-se da padronização dos testes e da imparcialidade para avaliar a força muscular Comparar a força muscular absoluta e relativa dos segmentos superiores e inferiores do corpo em homens e mulheres Descrever a escala alométrica para “equalizar” os indivíduos ao comparar as características no desempenho físico e no exercício Definir as ações musculares concêntricas, excêntricas e isométricas e fornecer exemplos de cada uma delas Discutir a conveniência do treinamento de resistência para crianças e adolescentes Resumir os principais achados de pesquisa acerca do número ideal de séries e de repetições, assim como a frequência e a intensidade relativa do treinamento progressivo de resistência Esboçar o modelo para a periodização do treinamento de força Discutir a especificidade do treinamento de força em relação aos esportes e às tarefas ocupacionais Estabelecer a diferença entre os objetivos do treinamento de resistência de atletas consecutivos e de pessoas de meia-idade e idosas não treinadas Responder à seguinte questão: “O que é melhor para o aprimoramento da força – o treinamento com pesos como resistência progressiva, o treinamento isométrico ou o treinamento isocinético? Descrever as vantagens e desvantagens do treinamento pliométrico para os atletas de potência Descrever como fatores “psicológicos” e “musculares” influenciam a capacidade máxima de força e a responsividade ao treinamento Listar as adaptações fisiológicas com o treinamento crônico de resistência Resumir a opinião atual acerca do efeito do treinamento de resistência sobre o tipo e o número de fibras musculares Esboçar um programa de treinamento de resistência em circuito para homens e mulheres de meia-idade capaz de melhorar a força muscular e a aptidão aeróbica Discutir se o treinamento específico de resistência consegue “modelar” o aspecto de um músculo Rever o tipo de exercício associado mais frequentemente à dor muscular de início tardio (DMIT), a melhor maneira de minimizar a DMIT ao iniciar o treinamento e as alterações celulares significativas com a DMIT Explicar o desenvolvimento da “força central” e seu papel no desempenho físico. MENSURAÇÕES DA FORÇA E TREINAMENTO DE RESISTÊNCIA No início da década de 1840, o levantamento de peso tornou-se nos EUA um esporte praticado por “homens fortes” que exibiam sua bravura em festas ou espetáculos itinerantes. Como assinalado neste livro em “Introdução: Uma Visão do Passado”, as Forças Armadas avaliavam a força dos recrutas durante a Guerra Civil; as mensurações da força proporcionavam também a base para as avaliações sistemáticas de aptidão nos protótipos dos programas de educação física de colégios e universidades. Muito da “ciência” inicial acerca do desenvolvimento da força pode ser atribuído a Pehr Henrik Ling (1776–1839), um fisioterapeuta sueco, professor de ginástica médica, o qual é considerado o pai da “ginástica sueca”. Em 1813, Ling fundou a atual Swedish School of Sport and Health Sciences, sob o nome de Royal Central Institute of Gymnastics, em Estocolmo. Tanto ele quanto seu filho Hylmar (1820-1886) foram autores influentes. Seus muitos discípulos tornaram-se especialistas em educação física, tanto na Suécia quanto no restante da Europa. Suas técnicas influentes de desenvolvimento da força migraram para as ilhas britânicas e, por fim, no início dos anos 1800, para os EUA. Professores passaram a ser treinados não apenas como instrutores de educação física nas escolas, mas também para trabalharem para o governo, como instrutores de ginástica militar e fisioterapeutas. A FIGURA 22.1 mostra exemplos de “máquinas de força e exercício” do fim do século 19, popularizadas pelo médico sueco Gustav Zander (1835–1920; www.retronaut.com/2011/07/vintage-exercise-machines/), fortemente influenciado pelo movimento da ginástica sueca de Ling. O método de Zander para tratar pacientes e indivíduos saudáveis incluía esquemas de exercícios padrão de ginástica, combinados com exercícios de relaxamento (calistenia), de equilíbrio, além de movimentos dos membros e do tronco. As sessões de exercício nas máquinas de Zander serviam tanto para o desenvolvimento da força em geral quanto para os “tratamentos com ginástica mecânica”, aplicados em caso de distúrbios mórbidos e de doenças cardíacas, nervosas, respiratórias, dos órgãos abdominais, além de obesidade, gota e reumatismo das articulações, o que incluía escoliose. Os muitos tratamentos clínicos de sucesso do Dr. Zander, realizados em suas máquinas, nos anos 1890, proporcionaram novas visão e atitude acerca do aprimoramento pessoal por meio de exercícios, visando à aptidão e à saúde. Durante esse período, nos EUA, medir a força muscular tornou-se uma maneira popular de avaliar a aptidão física e o desenvolvimento corporal, sobretudo em escolas, universidades, centros de fisioterapia, academias e centros de treinamento locais. Uma reunião realizada em 1897 pelo American College Gymnasium Directors (Dr. D. A. Sargent, presidente do comitê da Universidade de Harvard) estabeleceu torneios de força a fim de determinar a força corporal global com base nas medições da força do dorso, dos membros inferiores, do braço e do toráx. As primeiras seis universidades participantes foram Amherst College, Columbia University, Harvard University, University of Minnesota, Dickinson College and Wesleyan College. Harvard foi a campeã de toda a competição, seguida de perto por Columbia. FIGURA 22.1 Quatro exemplos de “máquinas de força” do fim do século 19, popularizadas pelo médico sueco Gustav Zander (1835–1920), o qual produziu 27 equipamentos que se tornaram protótipos dos comumente encontrados, em nossos dias, nas academias de ginástica e nos centros de treinamento ao redor do mundo. Talvez por sorte (ou não), a famosa linha Nautilus de equipamentos para exercício fosse muito semelhante em design a muitas das máquinas de Zander (http://studiomanyc.com/zander.html). Fotos usadas com autorização de Levertin, A. Dr. ZandersMedico-Mechanical Gymnastics. It’s Method, Importance and Application. P.A. Norstead & Sonner. Printers to the King. Stockholm. 1893. (Adaptada, com autorização, de Katch VL, McArdle WD, Katch FI, Essentials of Exercise Physiology. 4th Ed. Philadelphia: Wolters Kluwer Health, 2011.) Em meados do século XX, especialistas em musculação, fisiculturistas, levantadores de peso profissionais, atletas de provas de campo e alguns lutadores usavam exercícios “tradicionais de levantamento de peso”, não os métodos passivos de massagem e vibração elétrica que também surgiram durante aquela época. A pesquisa subsequente, realizada no final da década de 1950 e no início da década de 1960, dissipou o mito segundo o qual os exercícios de fortalecimento muscular tradicionais reduziam a velocidade de movimento ou a amplitude da movimentação articular. Pelo contrário, em geral ocorria exatamente o oposto; os levantadores de pesos, os fisiculturistas e os “homens musculosos” de elite tinham uma flexibilidade articular excepcional, sem limitações na velocidade dos movimentos dos membros em geral. Para os indivíduos sadios, porém não treinados, os exercícios de resistência pesada aumentavam a velocidade e a potência do esforço muscular sem prejudicar o desempenho subsequente nos esportes. Nas seções seguintes, exploraremos a base lógica do treinamento de resistência e as adaptações fisiológicas que ocorrem no treinamento dos músculos estriados esqueléticos para se tornarem maiores, mais rápidos e mais fortes. A discussão concentra-se nos diferentes métodos para medir a força muscular, as diferenças sexuais na força e os programas de treinamento de resistência capazes de aumentar a força e a potência máxima dos músculos (incluindo a força “central”). Desenvolvimento da força muscular | Suas origens na Antiguidade A inclusão de programas de desenvolvimento da força como parte dos esquemas de treinamento atlético não é algo novo; esse sistema preparou para guerra homens da China, do Japão, da Índia, da Grécia e da Roma na Antiguidade. Quando os antigos jogos olímpicos tiveram início, em 776 a.C., atletas foram treinados por aproximadamente 1 ano e incorporaram exercícios de fortalecimento muscular em seus esquemas de treinamento (www.olympic.org/ancient-olympic-games). Os fundamentos científicos do treino de fortalecimento para os atletas iniciaram-se entre os chineses, em 3.600 a.C. Durante a dinastia Chou (1122–249 a.C.), recrutas precisavam passar por testes de levantamento de peso antes de se tornarem soldados. O treinamento de peso também acontecia no antigo Egito e na Índia; esculturas e ilustrações retratam atletas treinando com pedras pesadas. O homem forte que popularizou o fisiculturismo e o treinamento de força Eugen Sandow (abaixo, à esquerda), nascido Frederick Mueller (1867–1925), foi um dos primeiros homens fortes e musculosos de sucesso no teatro de variedades, no início dos anos 1890, e foi descrito pelo lendário showman Florenz Ziegfeld como “O Homem Mais Perfeito”. Sandow ajudou a delinear o programa de treinamento para a aptidão física do Exército Britânico, inspirando a futura geração de fisiculturistas.40 Sandow publicou revistas populares, promoveu o equipamento para exercícios que ele utilizava (principalmente halteres) e foi um dos primeiros a promover alimentos especiais para o treinamento. John Grimek (à direita), que alcançou notoriedade como membro do time de levantamento de peso dos EUA nas Olimpíadas de 1936, foi duas vezes Mr. America (1940, 1941), Mr. Universo de 1948 e era imbatível em competições de fisiculturismo. A maioria dos especialistas acredita que Grimek representa com perfeição o “homem de melhor compleição” da primeira metade do século XX. No fim dos anos 1890, Daniel L. Dowd (1854−1897) anunciou equipamentos de força para uso doméstico. Dowd foi o primeiro a anunciar seu equipamento, afixável em paredes, mostrando fotos suas “antes” e “depois”, as quais foram tiradas, em 1878, para livros de autoajuda versando sobre a musculação, o fisiculturismo e o desenvolvimento da força (http://www.sandowplus.co.uk/Library/BB-dec%2053-dowd/dowd.htm). A imagem mostra um aparelho de Dowd e foi publicada em seu livro de 1889, Physical Culture for Home and School; Scientific and Practical (New York: Fowler & Wells, 1889; http://www.starkcenter.org/static/igh/articles/igh9.3.20.pdf). Dowd pesava apenas 62,5 kg antes do treinamento, mas, 4 anos depois, havia ganhado o que ele considerava massa muscular adicional, chegando ao nível de 80 kg, ampla evidência de que ele acreditava no valor de seu equipamento. Dowd defendia numerosas repetições com pouca resistência para esculpir o físico perfeito. Seu livro contém numerosos exercícios para o desenvolvimento da musculatura do pescoço, bem como do tronco e dos membros. Da metade ao fim dos anos 1800, máquinas de remo e diversos aparelhos para fortalecimento tornaram-se lugar-comum, levando, por fim, a estudos sobre sua efetividade, realizados pelas universidades particulares dos EUA Harvard e Amherst nos anos 1890. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 1. 2. 3. 4. Mulheres também praticavam treinamento de peso. Mosaicos recobriam os muros de vilas romanas retratando jovens mulheres exercitando-se com halteres. Durante a “Era da Força”, no século 6, competições de levantamento de peso eram frequentes entre soldados e atletas. Galeno, o famoso médico grego da Antiguidade (ver “Fisiologia do Exercício: Origens e Perspectivas Históricas”, no Capítulo 1), citou pentatletas gregos exercitando-se com pesos de 1,5 a 2 kg feitos de pedra ou chumbo (chamados de halteres, mostrados à esquerda) durante eventos de salto.171 OBJETIVOS DO TREINAMENTO DE RESISTÊNCIA O desenvolvimento da força por meio do treinamento de resistência aplica-se a seis áreas principais: Competições de levantamento básico de peso e de levantamento de potência. Fisiculturismo a fim de maximizar o desenvolvimento muscular com objetivos estéticos. Treinamento de força em geral para aptidão e melhora da saúde. Fisioterapia de reabilitação em virtude de ferimentos ou doenças. Treinamento de resistência específico para cada esporte a fim de maximizar o desempenho na modalidade treinada. Fisiologia muscular, a fim de compreender a estrutura, a função, as adaptações e as aplicações práticas. MENSURAÇÃO DA FORÇA MUSCULAR Um dos quatro seguintes métodos determina comumente a força muscular ou, mais precisamente, a força ou tensão máxima gerada por um único músculo ou por grupos de músculos correlatos: Tensiometria com cabo. Dinamometria. Uma repetição máxima. Métodos isocinéticos, auxiliados por computador e eletromecânicos. Tensiometria com cabo A FIGURA 22.2A mostra um tensiômetro com cabo para determinar a força muscular dos extensores do joelho. Ao aumentar a força exercida sobre o cabo, deprime-se o mostrador, destacado pelo círculo, sobre o qual o cabo passa. Isso produz uma deflexão do ponteiro e indica o escore da força do indivíduo. O instrumento mede a força muscular em uma contração estática, ou isométrica, que induz pouca ou nenhuma modificação no comprimento externo do músculo. O tensiômetro, leve, portátil e fácil de usar, tem a vantagem da versatilidade para registrar as mensurações da força em praticamente todos os ângulos da amplitude de movimento (ADM) de determinada articulação. Baterias padronizadas para testar a força em cabos de tensão podem determinar a capacidade de força estática de todos os principais grupos musculares. Dinamometria O matemático e ávido inventor inglês Charles Babbage (1791−1871; http://mikes.railhistory.railfan.net/r062.html) foi o primeiro a inventar um dinamômetro para registrar, em um vagão de trem, a força exercida sobre o tempo. Sempre inventivo, Babbage vislumbrou um meio de obter os dados em um rolo de papel em movimento, a fim de registrar a força de tração do motor, inferir o caminho do vagão e sua agitação vertical. Nos campos da cinesiologia,da ergonômica, da medicina física e da fisioterapia, dinamômetros determinam rotineiramente a potência de força de músculos estriados esqueléticos específicos antes, durante e depois de treinamentos físicos e esquemas de reabilitação. O registro simples de dinamometria na clínica médica teve início na Inglaterra, em 1952, e continuou na prática médica a fim de testar pacientes diagnosticados com poliomielite, condições reumáticas, miastenia gravis, lesões cerebrais focais que afetam a musculatura a jusante e diversas disfunções motoras.198 A FIGURA 22.2B E C ilustra os dinamômetros para preensão manual e para tração lombar com base no princípio da compressão. Uma força externa aplicada ao dinamômetro comprime uma mola de aço e movimenta um ponteiro. A força necessária para movimentar o ponteiro por uma determinada distância determina a força externa aplicada ao dinamômetro. Uma repetição máxima Um procedimento dinâmico para medir a força muscular aplica o método de uma repetição máxima (1 RM). Um valor de 1 RM refere-se à quantidade máxima de peso levantada uma única vez, utilizando uma forma correta durante um movimento padrão de levantamento de peso. Para determinar 1 RM para qualquer grupo muscular, o profissional que realiza o teste faz uma previsão razoável de um peso inicial próximo, porém abaixo, da capacidade máxima de levantamento do indivíduo. Acrescenta-se mais peso progressivamente ao dispositivo do exercício nas tentativas subsequentes até a pessoa alcançar a capacidade máxima de levantamento. Os aumentos no peso variam habitualmente entre 1 e 5 kg, dependendo da capacidade de força-potência do grupo muscular avaliado. Intervalos de repouso de 1 a 5 min costumam proporcionar recuperação suficiente antes de tentar um levantamento com o próximo peso mais pesado. FIGURA 22.2 Mensuração da força estática com (A) um tensiômetro com cabo, (B) um dinamômetro para preensão manual e (C) um dinamômetro para tração lombar. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Estimativa de 1 RM A impraticabilidade e/ou o risco potencial de realizar 1 RM com pré-adolescentes, idosos, hipertensos, cardiopatas e outras populações especiais fazem com que seja necessário estimar o valor de 1 RM com base no esforço submáximo. São necessárias equações diferentes, pois o treinamento de resistência altera a relação entre um desempenho submáximo (7 a 10 RM) e a capacidade máxima de levantamento (1 RM). Em geral, o peso que se consegue levantar para 7 a 10 RM representa aproximadamente 68% do escore de 1 RM para a pessoa não treinada e 79% da nova 1 RM após o treinamento.31 As equações a seguir são aplicadas para jovens adultos não treinados e treinados em resistência: Não treinados 1 RM (kg) = 1,554 × 7 a 10 RM de peso (kg) – 5,181 Treinados 1 RM (kg) = 1,172 × 7 a 10 RM de peso (kg) + 7,704 Por exemplo, pode-se estimar o escore do bench press supino para 1 RM de uma pessoa treinada cujo bench press supino para 10 RM é igual a 70 kg da seguinte maneira: 1 RM (kg) = 1,172 × 70 kg + 7,704 = 89,7 kg Métodos eletromecânicos e isocinéticos assistidos por computador A tecnologia dos microprocessadores quantifica rapidamente as forças, os torques, as acelerações e as velocidades dos segmentos corporais em numerosos padrões de movimento. As plataformas de força medem a aplicação externa de força muscular por parte de um membro, como ocorre nos saltos. Outros dispositivos eletromecânicos avaliam a força gerada em todas as fases de um movimento realizado durante a atividade (p. ex., ciclismo) ou durante os movimentos executados principalmente com os braços (bench press supino) ou com as pernas (leg press). Um instrumento eletromecânico com acomodação da resistência, denominado dinamômetro isocinético, contém um mecanismo controlador da velocidade que acelera até uma velocidade constante e preestabelecida com a aplicação da força. Uma vez alcançada essa velocidade, o mecanismo de carga isocinética ajusta-se automaticamente, proporcionando uma força contrária às variações nas forças geradas pelo músculo enquanto o movimento prossegue ao longo de toda a “curva de força”. Assim, uma força máxima (ou qualquer percentual do esforço máximo) é gerada ao longa da ADM plena para uma velocidade preestabelecida do movimento do membro. Isso permite treinar e medir ao longo de um continuum em condições de alta velocidade (força mais baixa) para baixa velocidade (força mais alta). Um microprocessador dentro do dinamômetro monitora continuamente o nível imediato de forças aplicadas. Um integrador eletrônico em série com um monitor exibe a força média ou máxima gerada durante qualquer intervalo para um feedback quase instantâneo acerca do desempenho (p. ex., força, torque, trabalho). A FIGURA 22.3 exemplifica um popular dinamômetro eletromecânico com acomodação da resistência. Definição de termos selecionados associados ao treinamento de resistência Artimanha. Deixar de executar um exercício de maneira estrita (p. ex., em vez de manter a parte superior do corpo ereta durante um exercício de giro dos braços, um leve balanço no início do movimento permite que a pessoa levante objetos mais pesados ou o mesmo peso mais vezes). A artimanha aumenta o risco de ferimentos se realizada inadequadamente. Treinamento de resistência de circuito (CRT). Série de exercícios de treinamento de resistência realizados em sequência com o mínimo de descanso entre as sessões. Repetições mais frequentes com menos resistência (normalmente 40 a 50% de 1 RM) estimulam o sistema cardiovascular a produzir um efeito de treinamento aeróbico. Ação concêntrica. Encurtamento muscular durante a aplicação de força. Treinamento de resistência externa dinâmica constante (DCER). Treinamento de resistência no qual a resistência externa, ou o peso, não muda; flexão e extensão das articulações ocorrem a cada repetição. É formalmente (mas incorretamente) chamado de exercício “isotônico”. Ação excêntrica. Alongamento muscular ocorre durante a aplicação de força. Intensidade do exercício. Força muscular expressa como percentual da capacidade máxima de geração de força do músculo ou algum nível do máximo. Ação isocinética. Ação muscular ocorrida a uma velocidade constante do ângulo articular. Ação isométrica. Ação muscular sem mudança notável do comprimento do músculo. Contração muscular voluntária máxima (MVMA). Força máxima gerada em uma repetição (1 RM) ou na realização de uma série de contrações submáximas 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. para falência momentânea. Endurance muscular. Sustentação de força máxima (ou submáxima); frequentemente definida pela determinação do número máximo de repetições no exercício a um percentual da força máxima. Sobrecarga. Contração muscular contrária à resistência normalmente não encontrada (estresse incomum). Periodização. Variação no volume e na intensidade do treinamento durante determinado período de tempo; objetiva prevenir o declínio de desempenho durante o pico fisiológico para as competições. Pliométrica. Treinamento de resistência que envolve ações excêntricas e concêntricas realizadas rapidamente de modo que o músculo se alongue levemente antes da ação concêntrica; utiliza o reflexo de alongamento para aumentar a capacidade muscular de geração de força. Potência. Taxa de desempenho de trabalho (Força × Distância ÷ Tempo, ou Força × Velocidade). A potência aplicada ao levantamento de peso relaciona-se com a massa levantada vezes a distância vertical em que ela é movida, dividida pelo tempo necessário para completar o movimento. Se 45,35 kg são movimentados verticalmente 0,91 m em 1 s, então a potência gerada será = 45,35 kg ÷ 0,91 m/s. Sobrecarga progressiva. Aumento no estresse empregado em um músculo a fim de produzir força ou endurance maior. Amplitude de movimento (ADM). Amplitude máxima de movimento através do arco de uma articulação. Repetição. Um movimento completodo exercício, o que consiste, em geral, de ações musculares concêntricas e excêntricas ou de uma ação muscular isométrica completa. Repetição máxima (RM). Maior força gerada pela repetição de um movimento (1 RM) ou por um número predeterminado de repetições (p. ex., 5 RM ou 10 RM). Série. Número preestabelecido de repetições realizadas. Ponto de bloqueio. Região, no movimento de um exercício (contra resistência estabelecida), que proporciona a maior dificuldade de completar o movimento. Força. Capacidade máxima de geração de força de um músculo ou grupo muscular. Treinamento de suspensão. Tirar o máximo de proveito do peso corporal de um indivíduo durante o exercício (sem depender de pesos fixos externamente, polias ou motores) por meio do aumento ou da diminuição das coordenadas de suspensão – como altura das cordas, polias ou cabos – relativas ao ponto de suspensão. Torque. Força que produz um movimento rotatório, em qualquer plano, ao redor de um eixo (i. e., movimento dos ossos ao redor de uma articulação); geralmente expresso em Newton-metros (Nm). Volume do treinamento. Total de trabalho realizado em uma única sessão de treinamento. Treinamento com resistência variável. Treinamento realizado com equipamentos que utilizem alavanca, motor, sistema hidráulico ou polia para alterar a resistência de modo a fazê-la corresponder aos aumentos e diminuições da capacidade de um músculo ao longo da amplitude de movimento de uma articulação. A interface da tecnologia dos microcomputadores com dispositivos mecânicos proporciona ao cientista especializado em exercícios dados valiosos que lhe permitem avaliar, treinar e reabilitar os indivíduos. O argumento em apoio da mensuração da força isocinética é de que a dinâmica da força muscular envolve muito mais que o resultado final de 1 RM. Por exemplo, dois indivíduos com escores idênticos para 1 RM poderiam exibir curvas de força diferentes por todo o movimento. As diferenças individuais na dinâmica da força (p. ex., tempo até alcançar a tensão máxima) ao longo da ADM plena podem refletir uma fisiologia neuromuscular subjacente inteiramente diferente que a 1 RM falha em avaliar. A FIGURA 22.4 ilustra as diferenças entre a extensão do joelho para 1 RM (A, um escore mais alto da força durante cinco levantamentos representa apenas o peso total levantado) e um dispositivo de resistência isocinética controlado por microprocessadores que consegue produzir uma curva de força ao longo de toda a ADM (B, força relacionada com a duração do movimento). Nesse exemplo com um dispositivo isocinético das primeiras gerações, observe que o torque máximo ocorre na fase inicial do movimento para o ângulo mais vantajoso na ADM e depois decai rapidamente; o torque mais baixo ocorre com a extensão plena do joelho. A TABELA 22.1 lista as unidades do Sistema Internacional (SI) para várias expressões do desempenho muscular durante os movimentos lineares e angulares. 1. 2. 3. FIGURA 22.3 Dinamômetro eletromecânico isocinético avançado Biodex®. (Cortesia de Biodex; www.biodex.com/physical-medicine/products/dynamometers/system-4-quick-set.) QUESTÃO DISCURSIVA Explique por que muitos atletas treinados em resistência pedem aos seus orientadores que apliquem uma força externa durante o bench press com pesos livres (a fim de tornar o levantamento mais difícil) na fase inicial do levantamento e que proporcione resistência no final do exercício. Categorias de equipamentos para treinamento de resistência O treinamento de resistência utiliza tipicamente um de quatro tipos de equipamento para exercícios a fim de manipular a atividade/ou a resistência do movimento ao longo de toda a ADM. Pesos livres e halteres, equipamento comum para levantamento de pesos que não controla nem mede a velocidade do movimento da resistência ao longo da ADM. a. Equipamento isocinético que proporciona uma velocidade constante e uma resistência variável. b. Equipamento hidráulico isocinético que proporciona uma velocidade constante e uma resistência variável, em que o indivíduo controla a velocidade do movimento. Dispositivos tipo CAM e aparelho concêntrico-excêntrico em que a velocidade do movimento varia e a resistência se mantém constante. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. FIGURA 22.4 A. Teste convencional de 1 RM. O maior peso levantado constitui 1 RM. Se 150 kg (100%) constituem o peso máximo levantado, então 150 kg serão iguais a 1 RM. B. Curva de força obtida durante um teste isocinético realizado com uma velocidade angular de 30°/s durante um intervalo de tempo de 3 s. Nesse exemplo, o torque máximo é igual a 342 N-m. O torque médio é a integral força-tempo, ou impulso dividido pelo tempo. O impulso é igual a 602 N-m/s, e o torque médio é igual a 200,7 N-m (602 N-m ÷ 3). O trabalho é igual ao produto do torque médio × distância percorrida (90°, ou 1,57 radiano). Utilizando os dados para torque médio e distância, o trabalho é igual a 174 N-m × 157 radianos = 273 N-m, ou 273 joules (J). Potência é o trabalho por unidade de tempo ou 273 J ÷ 3,0 s = 91 W. Considerações acerca dos testes de força Existem sete considerações importantes para os testes de força muscular que independem do método de mensuração: Padronizar as instruções antes da realização do teste. Garantir a uniformidade na duração e na intensidade do aquecimento. Proporcionar uma prática suficiente antes do teste para minimizar o “aprendizado” que poderia comprometer os resultados iniciais. Certificar-se da consistência entre os indivíduos no ângulo de mensuração do membro e/ou na posição corporal sobre o dispositivo do teste. Determinar previamente um número mínimo de ensaios (repetições) para estabelecer um escore padrão da força. Por exemplo, se forem administradas cinco repetições de um teste, que escore representa o escore da força do indivíduo? Será que o escore mais alto é melhor, ou seria preferível usar uma média? Na maioria dos casos, uma média de vários ensaios proporciona um escore da força ou da potência mais representativo (confiável) que uma única medida. Escolher as medidas dos testes com uma alta reprodutibilidade dos escores dos testes. Este aspecto crucial do teste, mas que costuma ser omitido com bastante frequência, avalia a variabilidade das respostas do indivíduo em esforços repetidos. A falta de consistência nos escores do teste (falta de fidedignidade) pode mascarar o desempenho representativo do indivíduo evidenciado pela mensuração ou mudança no desempenho ao avaliar os aprimoramentos da força. Reconhecer as diferenças individuais no tamanho e na composição corporais ao avaliar os escores de força entre indivíduos e grupos. Equipamento de exercício para sobrecarga do músculo esquelético Categoria Velocidade Resistência Exemplo de equipamento (I) Variável Variável Halteres (a resistência varia ao longo da ADM, embora o peso absoluto permaneça constante) (II) Constante Variável Hidráulico (indivíduo controla a velocidade) Constante Variável Regulado por computador (velocidade do movimento controlada por computador) (III) Variável Constante Equipamento tipo CAM e aparelho concêntrico-excêntrico (IV) Constante Constante Nenhum disponível Por exemplo, considere a “imparcialidade” da comparação entre a força muscular absoluta de um atacante de futebol americano que pesa 120 kg e a força de um corredor de longa distância que pesa 62 kg. Não existe uma resposta clara que permita solucionar esse dilema; na seção sobre “Escala alométrica”, adiante neste capítulo, apresentamos alternativas para comparar os escores da força em relação ao tamanho corporal. Fatores relacionados com o aprendizado que afetam as mensurações da força No Capítulo 19, enfatizamos que os aumentos iniciais na força muscular observados com o treinamento de resistência resultam, em grande parte, de fatores neurais e não de alterações estruturais no próprio músculo. A FIGURA 22.5 apresenta os dados para os aprimoramentosno desempenho com cada repetição na força máxima (1 RM) para uma velocidade angular de 5°/s durante um bench press supino com um intervalo de 5 s entre as repetições do esforço máximo. A quantidade de aprimoramento era, em média, de 11,4% entre a força máxima na tentativa 1 e na tentativa 5, e de 2,1% entre as duas últimas tentativas. O “aprimoramento” da força com os testes repetidos indica a necessidade de, pelo menos, três tentativas antes de os escores da força máxima começarem a se estabilizar ou alcançarem um platô. Ainda mais importante, a aplicação de apenas uma ou duas tentativas de 1 RM subestima o valor “verdadeiro” de 1 RM em até 11%. Se um único ensaio de 1 RM tivesse precedido um programa de treinamento de força de 15 semanas, nesse caso quaisquer aumentos na força que fossem atribuídos ao treinamento deveriam incluir o aprimoramento de 11% em virtude do “aprendizado” simplesmente por causa da familiarização, independentemente de um efeito verdadeiro do treinamento! TABELA 22.1 Sistema Internacional (SI) de unidades para expressar força e potência musculares durante movimentos lineares e angulares.a Movimento linear Movimento angular Grandeza Unidade Grandeza Unidade Força Newton, N Torque, T Newton metro, N-m Velocidade Metros por segundo, m/s Velocidade, v Radianos por segundo, rad/s Massa Quilograma, kg Momento de inércia, I ou J Quilograma por metro ao quadrado, kg/m2 Aceleração Metros por segundo ao quadrado (m/s2) Aceleração, a Radianos por segundo ao quadrado, rad/s2 1. 2. 3. 4. Deslocamento Metro, m Deslocamento, θ Radiano, rad Tempo Segundo, s Tempo, t Segundo, s aApêndice A (disponível para download em http://genio.grupogen.com.br, na área relativa a este livro) fornece informação adicional acerca das unidades SI, incluindo as interconversões. FIGURA 22.5 Cinco determinações repetidas da força máxima (1 RM) para o bench press supino com um dinamômetro eletromecânico. Forte encorajamento verbal era dado em cada tentativa. (De F. Katch, Human Performance Laboratory, University of Massachusetts, Amherst, MA.) DIFERENÇAS SEXUAIS NA FORÇA MUSCULAR Várias abordagens determinam se existe uma diferença sexual verdadeira na força muscular. Essas variações relacionam-se com quatro fatores: Área transversal do músculo. Base absoluta como força total exercida. Força muscular relativa classificada para estimar a composição corporal. Força muscular classificada para a escala alométrica. Área transversal do músculo O músculo esquelético humano, independentemente do sexo, gera um máximo entre 16 e 30 newtons (N) de força por centímetro quadrado de corte transversal. No corpo, a capacidade de produção de força varia, dependendo do arranjo das alavancas ósseas e da arquitetura muscular (ver Capítulo 18). A aplicação do valor de 30 N como capacidade de força representativa por cm2 de tecido muscular indica que um músculo com uma área transversal de 5,0 cm2 desenvolve uma força máxima de 150 N. Se todos os músculos do corpo fossem ativados ao máximo simultaneamente (com a força aplicada na mesma direção), a força resultante seria igual a 168 kN. Essa estimativa pressupõe um corte transversal total dos músculos de 0,56 m2. A FIGURA 22.6A compara a força absoluta dos flexores do braço de homens e mulheres em relação à área total em corte transversal do músculo (ATCTM). Claramente, os indivíduos com as maiores ATCTM (10 a 20 cm2) geram a maior força absoluta (30 a 40 kg). A relação quase linear entre a força e o tamanho do músculo indica pouca diferença na força dos flexores do braço para um músculo do mesmo tamanho em homens e mulheres. A FIGURA 22.6B também demonstra esse ponto ao enunciar a força dos homens e das mulheres por unidade de ATCTM. Além disso, mulheres e homens com equivalência para força muscular absoluta mostram uma fatigabilidade semelhante dos músculos flexores do cotovelo durante um nível baixo, porém contínuo, de ação isométrica.110 FIGURA 22.6 A. Variabilidade da força nos flexores do membro superior de homens e mulheres em relação à área transversal total dos músculos flexores. B. Força por unidade de área transversal muscular de homens e mulheres com 12 a 20 anos de idade. (De Ikai M, Fukunaga T. Calculation of muscle strength per unit cross- sectional area of human muscle by means of ultrasonic measurements. Arbeitsphysiologie 1968;26:26.) Força muscular absoluta como força total exercida As comparações da força muscular com base em um escore absoluto (i. e., força total em libras ou quilogramas) indicam que os homens têm força consideravelmente maior que as mulheres para todos os grupos musculares testados. O escore das mulheres é cerca de 50% menor que o dos homens para a força dos segmentos corporais superiores e cerca de 30% menor para a força das pernas. Essa disparidade sexual existe independentemente do sistema de mensuração e, em geral, coincide com uma diferença relacionada com o sexo na distribuição da massa muscular. As exceções a esses achados gerais surgem habitualmente para atletas do sexo feminino treinadas em força para os eventos de pista e de campo e para as fisiculturistas que realizaram um treinamento de força por vários anos. Existe um conjunto ímpar de dados sobre as diferenças sexuais nas competições de levantamento de pesos nas quais homens e mulheres participam nas mesmas categorias. A FIGURA 22.7 mostra as diferenças percentuais no peso máximo levantado no agarramento combinado e nos levantamentos rápidos durante as competições do campeonato nacional. Essas comparações não “igualam” nem “ajustam” os escores do desempenho com base nas diferenças sexuais bem documentadas na composição corporal. As seis categorias de massa corporal mostradas na tabela interna variam de 52 a 82,5 kg. As categorias de pesos mais leves produziram a menor diferença sexual em relação à força, com o efeito sendo mais pronunciado nas categorias mais pesadas. As mulheres com 75 e 82,5 kg de massa corporal levantam apenas cerca de 60% do peso máximo levantado por congêneres masculinos com um peso semelhante. Isso representa uma diferença sexual mais pronunciada do que em outras comparações que pareavam os competidores de ambos os sexos para composição corporal, e não apenas para massa corporal. Nessas comparações, é impossível determinar que participação, caso haja, do uso de esteroides anabólicos exercia nas diferenças sexuais. QUESTÃO DISCURSIVA Que desempenho você esperaria nos testes máximos de levantamento de pesos destinados a comparar (1) um homem de tamanho médio e uma mulher de tamanho médio, (2) um homem e uma mulher com história de treinamento equivalente e massa corporal idêntica e (3) um homem e uma mulher com história de treinamento equivalente e massa corporal sem de gordura idêntica? Força muscular relativa classificada para estimativas de composição corporal As comparações da força relativa entre os indivíduos envolvem a criação de um escore de relação comparativa dividindo-se uma medida da força (p. ex., kg de peso levantado ou força exercida) por uma medida de referência, como massa corporal massa corporal sem gordura, ATCTM ou o volume ou a circunferência de um membro. Em geral, os escores da razão de tal força baseados na massa corporal sem gordura reduzem consideravelmente (ou até eliminam) as grandes diferenças absolutas na força observadas em geral entre os sexos.39 Considere o seguinte exemplo. Um homem que pesa 95 kg executa um bench press supino de 114 kg; uma mulher que pesa 60 kg executa um bench press supino de apenas 70 kg (62% do levantamento feito pelo homem). Quem é “mais forte”?Em termos absolutos, concluiríamos que é o homem, com uma diferença de 61,3%. No entanto, o escore de um bench press supino dividido pela massa corporal nos conduz a uma conclusão muito diferente. Para o homem, a razão de força (114 kg ÷ 95 kg) é igual a 1,20; a razão para a mulher é de 1,17 (70 kg ÷ 60 kg), o que reduza diferença percentual na força de um bench press supino para apenas 2,5%! Esse resultado alternativo apoiaria o argumento de que existem pequenas diferenças na “qualidade” dos músculos estriados esqueléticos entre homens e mulheres; pelo contrário, qualquer diferença sexual observada na força muscular absoluta refletiria diferenças na quantidade de músculo (área transversal). Em geral, homens e mulheres não diferem de maneira significativa na força dos segmentos corporais superiores e inferiores quando as comparações são feitas aplicando-se as relações com o massa corporal sem gordura (ou a ATCTM) como o divisor. FIGURA 22.7 Diferença no peso máximo levantado entre homens e mulheres nas mesmas categorias de massa corporal durante um campeonato nacional de levantamento de pesos. O anexo apresenta o peso absoluto 1. 2. levantado para cada categoria de massa corporal. Devemos enfatizar que esse ajuste na razão tradicional pode não igualar homens e mulheres com base na fisiologia subjacente. À semelhança do que ocorre com a capacidade aeróbica (abordada no Capítulo 11), uma maneira satisfatória de avaliar uma possível diferença sexual em um traço padronizado tipo força muscular ou capacidade aeróbica inclui uma dessas duas estratégias: Comparar homens e mulheres que não diferem nas variáveis relacionadas com o tamanho corporal, tais como massa corporal sem gordura, e que evidenciam um estado de treinamento semelhante. Realizar ajustes para essas variáveis por meio de controles estatísticos apropriados. Essas soluções eliminam a necessidade de criar um escore de razão, pois os homens e as mulheres acabam, em essência, sendo igualados em termos de tamanho corporal e/ou de composição corporal. Seguindo essa abordagem, os pesquisadores determinaram cinco medidas da força muscular para homens e mulheres utilizando ações musculares concêntricas (com encurtamento) de 1 RM para a bench press e o agachamento e a dinamometria isocinética para determinar a força máxima durante a flexão e a extensão do joelho e a shoulder press na posição sentada. A FIGURA 22.8 mostra que a equivalência de homens e mulheres em termos de massa corporal produzia maiores diferenças sexuais no grupo sedentário (44,0% para os ombros e 25,1% para a flexão do joelho) do que no grupo treinado (33,0% para bench press e 10,7% para a flexão do joelho). As diferenças percentuais diminuíam (porém sem serem eliminadas) para ambos os grupos quando se estabelecia a equivalência dos indivíduos para a MCSG. A shoulder press (39,4%) e a bench press (31,2%) produziam as maiores diferenças sexuais no grupo sedentário, enquanto as diferenças correspondentes para o grupo treinado eram de 30,6% (shoulder press) e de 35,4% (bench press). Esses resultados diferem daqueles dos estudos precedentes que utilizavam a abordagem tradicional com escore de razão para enunciar a força de homens e mulheres. Sem nenhuma dúvida, os escores de razão apoiam o argumento de que há poucas diferenças sexuais na qualidade do músculo, pelo menos no que se reflete na capacidade de produzir força voluntariamente. Em contrapartida, a equivalência para tamanho corporal, composição corporal e estado de treinamento antes de realizar os testes produzem escores de força mais altos para os segmentos corporais superiores e inferiores nos homens.182 Em um estudo subsequente de 2.061 homens e 1.301 mulheres do pessoal militar, a capacidade média de levantamento era 51% maior em homens, apesar de um ajuste matemático de regressão, de razão ou exponencial no escore da força com base em diferenças individuais na MCSG. FIGURA 22.8 Homens e mulheres equiparados para massa corporal (A) e massa corporal sem gordura (B) para cinco medidas da força muscular. Acima, a linha zero indica o percentual em que os valores para os homens ultrapassavam os valores para as mulheres. (Os dados são uma cortesia de Keller B. The influence of body size variables on gender differences in strength and maximum aerobic capacity. Unpublished doctoral dissertation, University of Massachusetts, Amherst, 1989.) QUESTÃO DISCURSIVA Com base nas diferenças relacionadas com o sexo nos componentes de aptidão física, elabore um teste físico que (1) minimize e (2) maximize as diferenças de desempenho entre homens e mulheres. Classificação da força muscular utilizando a escala alométrica A escala alométrica representa outro procedimento matemático para tentar estabelecer uma razão apropriada entre uma variável do tamanho corporal (habitualmente estatura, massa corporal ou massa corporal magra) e algum fator de interesse, como força muscular, capacidade aeróbica, altura de um salto ou velocidade da corrida.24,55,207 A técnica torna possível um ajuste estatístico para avaliar a contribuição relativa de diversas variáveis independentes (p. ex., sexo, maturação, atividade física habitual) para a medida dependente de maior interesse (p. ex., força muscular O2máx, função pulmonar). A escala alométrica, uma abordagem estatística válida e bem aceita, é aplicada também em diversas áreas das ciências biológicas.122,167,238,239–241 A FIGURA 22.9 ilustra a relação entre massa corporal e várias expressões diferentes da força muscular. O gráfico acima e à esquerda (A) representa o peso total levantado versus massa corporal para levantadores de pesos olímpicos. Cada ponto representa a massa corporal nos levantadores de peso de elite em cada categoria de peso. Ainda mais importante, o peso total levantado e a massa corporal não exibem uma relação linear, mas sim curvilínea. A força para o levantamento de pesos relaciona-se proporcionalmente a massa corporal elevada ao expoente 0,7 (inclinação da linha). As seis curvas na parte de baixo (B) representam a relação entre a força máxima de preensão e a massa corporal em homens (laranja) e em mulheres (verde) em idade universitária. Os gráficos acima ilustram a relação simples entre massa corporal e força de preensão sem nenhum ajuste para tamanho corporal. Observa-se uma relação positiva (r = 0,51 para homens e r = 0,33 para mulheres). Os gráficos do meio mostram a relação com a força de preensão indexada a massa corporal (i. e., força dividida pela massa corporal em kg). Os gráficos de baixo ilustram a relação entre força e escala alométrica da massa corporal. As correlações resultantes entre força e massa corporal com a escala alométrica apropriada caem essencialmente para 0 (r = 0,013 para homens e 0,030 para mulheres). Isso satisfaz um dos princípios básicos da alometria – a correlação entre a variável da escala (força muscular) e o fator da escala (massa corporal) deve ser igual a zero. O quadro anexo (C) apresenta as normas em percentil para a força de preensão ajustada ao expoente da massa corporal para a escala alométrica (força de preensão por kg0,51) para homens e mulheres em idade universitária. FIGURA 22.9 Relação entre massa corporal e diferentes expressões de força muscular. A. Peso total levantado em dois eventos como uma função da massa corporal de levantadores de pesos Olímpicos (Olimpíada de 1980). Cada ponto representa a massa corporal dos seis melhores levantadores de pesos do sexo masculino em cada uma das seguintes categorias ponderais: Mo = peso mosca; Ga = peso galo; Pl = peso pluma; PL = peso leve; Méd = peso médio; PLP = peso ligeiro pesado; PM = peso meio pesado; 1o PP = 1o peso pesado; 2o PP = 2o peso pesado; e Super, superpeso pesado. (Modificada, com autorização, de Lathan e citados por Titel K, Wutscherk H. In: Komi PV, ed. Strength and power in sport. Oxford: Blackwell Scientific Publications, 1993.) B. Força de preensão absoluta máxima, força de preensão relativa e força em escala alométrica para a massa corporal de 100 homens e 105 mulheres em idade universitária. C. Normas em percentil para força de preensão em escala para massa corporal. (Esses dados são uma cortesia do Dr. Paul Vanderburgh, Universidade de Dayton.) QUESTÃO DISCURSIVAVocê possui uma lista de nomes de homens adultos jovens com seus pesos corporais correspondentes. Justifique a sua escolha de apenas duas pessoas para completar estas tarefas: uma terá de empurrar um veículo atolado na lama, enquanto a outra terá de se deslocar apoiada nas mãos sobre uma corda estendida através de um desfiladeiro. Sugestão: Convém considerar as exigências de força absoluta e relativa de cada tarefa e a associação entre massa corporal e força muscular absoluta e relativa. TREINAMENTO PARA O FORTALECIMENTO DOS MÚSCULOS Um músculo se fortalece quando é treinado próximo de sua atual capacidade máxima de gerar força. O equipamento padronizado para levantamento de pesos, as polias ou as molas espirais, as barras imóveis, as faixas de resistência ou uma grande variedade de dispositivos isocinéticos e hidráulicos proporcionam uma sobrecarga muscular efetiva. Ainda mais importante, a intensidade da sobrecarga (nível de tensão aplicada ao músculo), e não o tipo de aparelho que aplica a sobrecarga, em geral governa os aprimoramentos de força. Certas abordagens, porém, são mais apropriadas para a aplicação precisa e sistemática da sobrecarga. O treinamento progressivo com pesos como resistência, o treinamento isométrico e o treinamento isocinético representam três sistemas comuns para treinar os músculos a fim de se tornarem mais fortes. Esses sistemas se baseiam em ações musculares de encurtamento, ou concêntrica, de alongamento, ou excêntrica, e estática, ou isométrica, os tipos de ações musculares ilustrados na FIGURA 22.10A, B. Diferentes ações musculares A estimulação nervosa de um músculo faz com que os elementos contráteis de suas fibras tentem se encurtar ao longo do eixo longitudinal. Os termos isométrico e estático descrevem a atividade muscular sem modificação perceptível no comprimento das fibras musculares. Ação isométrica (Figura 22.10B): ocorre quando um músculo gera força e tenta encurtar-se, mas não consegue superar a resistência externa. Do ponto de vista da física, esse tipo de ação muscular não produz nenhum trabalho externo. Uma ação isométrica (estática) pode gerar força considerável apesar da ausência de alongamento ou de encurtamento perceptivo dos sarcômeros musculares e do subsequente movimento articular. Uma ação muscular dinâmica produz o movimento de uma parte esquelética do corpo, como o tronco ou membros, sejam superiores ou inferiores. Ações concêntricas e excêntricas representam os dois tipos de ações musculares dinâmicas (Figura 22.10A). Ação concêntrica: É observada quando o músculo se encurta e o movimento da articulação ocorre à medida que a tensão se desenvolve. O exemplo mostra o levantamento de um haltere da posição de extensão para a de flexão Ação excêntrica: nesse tipo de ação, o músculo alonga-se enquanto desenvolve tensão. O peso é vagarosamente abaixado contra a força da gravidade. As fibras musculares (mais especificamente suas unidades funcionais, os sarcômeros) dos músculos do braço alongam-se em uma ação excêntrica para impedir que o peso caia sobre a superfície. No levantamento de peso, os músculos estriados esqueléticos com frequência se contraem de maneira excêntrica quando o peso lentamente retorna à posição inicial a fim de iniciar a próxima ação concêntrica (de encurtamento). A ação muscular excêntrica durante essa fase da “recuperação” representa um acréscimo para o trabalho total e a efetividade da repetição do exercício. FIGURA 22.10 Força muscular gerada durante ações musculares (A) concêntricas (com encurtamento) e excêntricas (com alongamento) e (B) isométricas (estáticas). Alguns treinadores e preparadores físicos ainda se referem às ações musculares como isotônicas, termo que deriva da palavra grega isotonos (iso significa “o mesmo” ou “igual”, tonos significa “tensão” ou “esforço”), uma vez que as ações musculares concêntricas e excêntricas produzem movimento das articulações. Entretanto, esse termo carece de precisão quando aplicado à maioria das ações musculares dinâmicas que envolvem movimento; a capacidade efetiva do músculo de gerar força varia continuamente quando o ângulo articular se modifica ao longo da ADM. Treinamento de resistência A forma mais popular de treinamento de resistência envolve o levantamento e o abaixamento de um peso externo. Na maioria dos casos, o peso levantado permanece constante (p. ex., levantamento e abaixameto do mesmo haltere de 10 kg); essa aplicação é conhecida como treinamento de resistência dinâmica externa constante (DCER, de dynamic constant external resistance training). Por meio da manipulação apropriada e progressiva do volume, da intensidade e da frequência do treinamento de modo a otimizar a resposta à dose, esse método fortalece seletivamente músculos específicos a fim de superar uma resistência inicial fixa ou mutável. Essa resistência assume tipicamente a forma de um haltere de barra curta ou longa, de uma polia ou de pilhas de pesos em uma máquina tipo roldana ou CAM. À semelhança do treinamento cardiovascular, os aprimoramentos da força muscular variam inversamente ao longo de um continuum com o estado de treinamento inicial. Em geral, os aprimoramentos são, em média, de 40% para os não treinados, de 20% naqueles moderadamente treinados, de 15% nos treinados, de 10% nos atletas avançados e de 2% nos atletas de elite que alcançam um alto nível de sucesso na competição.4 Exercício com resistência progressiva O método de treinamento por meio de exercício com resistência progressiva (ERP) constitui uma aplicação prática do princípio da sobrecarga e representa a base para a maioria dos programas com treinamento de resistência. Os fisioterapeutas em um hospital de reabilitação no final da década de 1940 e início da década de 1950 elaboraram esquemas de treinamento com pesos para melhorar a força de membros previamente lesionados de soldados que voltavam da Segunda Guerra Mundial. O procedimento incluía três séries de exercício, cada uma delas consistindo em 10 repetições feitas consecutivamente, sem nenhum repouso. A primeira série exigia 50% do peso máximo que poderia ser levantado 10 vezes, ou 50% de 10 RM; a segunda série utilizava 75% de 10 RM e a série final de 10 RM exigia um peso máximo. À medida que os pacientes treinavam, os músculos dos membros exercitados tornavam-se mais fortes, de modo que a resistência de 10 RM aumentava periodicamente para preservar os aprimoramentos contínuos da força. Aprimoramentos semelhantes ocorriam até mesmo ao reverter a progressão na intensidade, de modo que a série com 10 RM era realizada primeiro. Variações de ERP. A seguir é mostrado um resumo de 13 achados gerais dos estudos de pesquisa sobre o número ideal de séries de repetições, incluindo a frequência e a intensidade relativa do treinamento ERP, para conseguir um aprimoramento ótimo da força: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Oito a 12 RM são efetivos no treinamento de novatos, enquanto 1 a 12 RM representam uma carga efetiva para o treinamento intermediário. A seguir, pode-se recorrer a uma carga mais intensa, utilizando 1 a 6 RM. Repouso de 3 min entre as séries de um exercício com velocidade moderada do movimento (1 a 2 s concêntrico; 1 a 2 s excêntrico). Para o ERP com uma carga específica de RM, aumentar a carga em 2 a 10% quando o indivíduo executa 1 a 2 repetições acima da carga de trabalho atual. A realização de uma única série de exercícios induz um aprimoramento da força apenas ligeiramente menor em levantadores de pesos amadores que a execução de 2 ou 3 séries.38,97 Para aqueles que desejam maximizar a força muscular e os aumentos de tamanho, os paradigmas com um volume mais alto e múltiplas séries que enfatizam 6 a 12 RM com velocidade moderada e períodos de repouso de 1 a 2 min entre as séries mostram-se extremamente efetivos. Os programas com uma única série em geral promovem a maior parte dos benefícios de saúde e de aptidãodos programas com múltiplas séries. Esses programas com um “volume mais baixo” também promovem maior adesão e reduzem o custo financeiro e a dedicação de tempo. Os novatos e os intermediários deveriam treinar 2 a 3 dias por semana, enquanto aqueles em um nível avançado podem treinar 3 a 4 dias por semana. Esse tipo de generalização não está isento de um possível aspecto negativo. A alta frequência do treinamento prolonga a ativação transitória das cascatas de sinais inflamatórios, concomitantemente com a supressão persistente de mediadores-chave das respostas anabólicas, o que poderia minorar a resposta ao treinamento.48 O treinamento realizado 2 vezes em dias alternados produz resultados globais superiores em comparação com o treinamento diário.94 Isso pode ocorrer em virtude dos efeitos do baixo conteúdo de glicogênio muscular (com o treinamento realizado 2 vezes a cada 2 dias) sobre a transcrição aprimorada dos genes envolvidos nas adaptações ao treinamento.216 Se o treinamento incluir múltiplos exercícios, 4 ou 5 dias por semana podem promover menos aprimoramento que o treinamento realizado 2 ou 3 vezes/semana, pois o treinamento quase diário dos mesmos músculos estriados esqueléticos prejudica a recuperação muscular entre as sessões de treinamento. Uma recuperação inadequada retarda a progressão nas adaptações neuromusculares e estruturais e o desenvolvimento de força. O movimento mais rápido de uma determinada resistência gera mais aprimoramento da força que o movimento realizado com um ritmo mais lento. Nem os pesos livres (halteres, pilhas de pesos ou anilhas) nem um conjunto de máquinas para exercícios mostra uma superioridade inerente para o desenvolvimento da força muscular. O exercício deve ser sequenciado para otimizar a qualidade da sessão de trabalho colocando em ação os grandes grupos musculares antes dos pequenos grupos, os exercícios com múltiplas articulações antes dos exercícios com uma única articulação e o exercício de intensidade mais alta antes do exercício de intensidade mais baixa. O treinamento de resistência combinado com ações musculares concêntricas e excêntricas acarreta um aumento na efetividade; incluir exercícios tanto com uma única articulação quanto com múltiplas articulações para potencializar a força muscular e o tamanho das fibras.50,118,195,210,229 O treinamento com sobrecarga que inclui ações musculares excêntricas preserva, de modo mais apropriado, os aumentos de força durante uma fase de manutenção que o treinamento apenas concêntrico.50 O treinamento de potência deve aplicar a estratégia capaz de melhorar a força muscular além de incluir cargas mais leves (30 a 60% de 1 RM) e deverá ser realizado com uma velocidade de contração mais alta. Utilizar períodos de repouso de 2 a 3 min entre as séries. Enfatizar os movimentos com múltiplas articulações que ativam os maiores grupos de músculos estriados esqueléticos. A TABELA 22.2 resume as principais recomendações do American College of Sports Medicine em sua declaração de princípios sobre a progressão no treinamento de resistência para adultos sadios. Periodização. Em 1972, o cientista russo Leonid Matveyev introduziu o conceito de periodização para o treinamento de força;155 desde então, foi incorporado, de diversas maneiras, aos esquemas de treinamento de atletas novatos e campões que participam em um treinamento de resistência.32,117,133 Do ponto de vista conceitual, a periodização varia a intensidade e o volume do treinamento de modo a garantir que o pico do desempenho coincida com a principal competição. É efetiva também no sentido de alcançar os objetivos na área da recreação e da reabilitação. A periodização subdivide um período específico do treinamento de resistência, como, por exemplo, de 1 ano (macrociclo), em períodos menores ou fases (mesociclos), com cada mesociclo sendo separado novamente em microciclos semanais. Em essência, o modelo de treinamento reduz progressivamente o volume de treinamento e aumenta a intensidade à medida que a duração do programa progride para maximizar os aumentos na força muscular e na potência. O fracionamento do macrociclo em componentes torna possíveis diversas maneiras de manipular a intensidade do treinamento, do volume, da frequência, das séries, das repetições e dos períodos de repouso, a fim de prevenir o supratreinamento. Proporciona também uma maneira de alterar as sessões do trabalho. Uma variação da periodização consegue reduzir os efeitos do supratreinamento ou da “fadiga”, de modo que o atleta alcance o pico do desempenho por ocasião da competição. A FIGURA 22.11 mostra o desenho generalizado para a periodização e as quatro fases distintas de um macrociclo típico. À medida que a competição se aproxima, o volume de treinamento diminui gradualmente, enquanto a intensidade do treinamento aumenta concomitantemente. Considere as quatro fases listadas a seguir: Fase 1. A fase de preparação enfatiza o desenvolvimento moderado da força com sessões de trabalho de alto volume (3 a 5 séries, 8 a 12 repetições) e baixa intensidade (50 a 80% de 1 RM mais flexibilidade e treinamento aeróbico e anaeróbico). Fase 2. A primeira fase de transição enfatiza o desenvolvimento da força com sessões de trabalho de volume moderado (3 a 5 séries, 5 a 6 repetições) e intensidade moderada (80 a 90% de 1 RM mais flexibilidade e treinamento aeróbico intervalado). Fase 3. A fase de competição leva o participante ao auge para a competição. O desenvolvimento seletivo da força é enfatizado com sessões de trabalho de baixo volume e alta intensidade (3 a 5 séries, 2 a 4 repetições com 90 a 95% de 1 RM, mais curtos períodos de treinamento intervalado que enfatizam os movimentos específicos para cada desporto). Fase 4. A segunda fase de transição (recuperação ativa) enfatiza as atividades recreativas e as sessões de trabalho de baixa intensidade que incorporam diferentes modalidades de atividades físicas. Para a próxima competição, o atleta repete o ciclo de periodização. A periodização gera uma relação inversa entre o volume de treinamento e a intensidade do treinamento através da fase de competição; a seguir, reduz ambos os aspectos durante a segunda transição ou período de recuperação. Observe o aumento no tempo dedicado ao treinamento técnico à medida que a competição se aproxima, com o volume de treinamento no ponto mais baixo do ciclo de periodização. A parte inferior da Figura 22.11 ilustra como o volume (mostrado em vermelho) e a intensidade (mostrada em amarelo) do treinamento interagem dentro do mesociclo para um atleta em um esporte específico. Os princípios do treinamento específico para cada esporte em geral aplicam-se na periodização com a finalidade de elaborar um esquema de treinamento com base nas necessidades de força, de potência e de endurance de determinado esporte. Uma análise detalhada das necessidades metabólicas e técnicas do esporte também molda o paradigma do treinamento. O conceito de periodização tem um sentido intuitivo, porém são limitados os dados que poderiam comprovar a superioridade dessa abordagem ao treinamento. Os pesquisadores estudaram mesociclos mais curtos a fim de determinar que combinação de fatores otimiza os aprimoramentos no desempenho. Um estudo que equiparou o volume à intensidade do treinamento entre três abordagens à periodização (periodização linear, periodização ondulante e intervalo de tempo sem periodização) constatou que cada método de treinamento era igualmente efetivo.16 Os grupos de treinamento obtiveram aumentos semelhantes na força muscular (25% no agachamento, 13,1% na bench press) e na potência muscular (7,6% no salto vertical). Sem equiparar o volume e a intensidade do treinamento, é impossível avaliar as diferenças nos efeitos do treinamento relatados previamente.255 TABELA 22.2 Resumo das recomendações para treinamento de resistência: visão geral das diferentes variáveis do programa necessárias para a progressão comdiferentes níveis de aptidão. Ação muscular Seleção Ordem Carga Volume Intervalos de repouso Velocidade Frequência Para Nov, Int, Para Nov, Int, Força Av: Av: Nov EXC e CON ex. UA e PA Grande < pequeno 60 a 70% de 1 RM 1 a 3 séries, 8 a 12 repetições 2 a 3 min para núcleo L, M 2 a 3 vezes/semana Int EXC e CON ex. UA e PA PA < UA 70 a 80% de 1 RM Múlt. séries, 6 a 12 repetições 1 a 2 min para outros M 2 a 4 vezes/semana Av EXC e CON ex. UA e PA – ênfase PA AI < BI 1 RM-PER Múlt. séries 1 a 12 repetições – PER IL-R 4 a 6 vezes/semana Hipertrofia Para Nov, Int, Av: Nov EXC e CON ex. UA e PA Grande < pequeno 60 a 70% de 1 RM 1 a 3 séries, 8 a 12 repetições 1 a 2 min L, M 2 a 3 vezes/semana Int EXC e CON ex. UA e PA PA < UA 70 a 80% de 1 RM Múlt. séries, 6 a 12 1 a 2 min L, M 2 a 4 vezes/semana Av EXC e CON UA e PA AI < BI 70 a 100% de 1 RM com ênfase em 70 a 85% – PER Múlt. séries 1 a 12 repetições com ênfase em 6 a 12 repetições – PER 2 a 3 min – MP; 1 a 2 min – L- MP L, M, R 4 a 6 vezes/semana Potência Para Nov, Int, Av: Para Nov, Int, Av: Para Nov, Int, Av: Para Nov, Int, Av: Nov EXC e CON Principalmente PA Grande < pequeno Cargas pesadas (> 80%) – força; Leve (30 a 60%) – velocidade – PER Treinar para força 2 a 3 min para núcleo M 2 a 3 vezes/semana Int EXC e CON Mais complexo < menos complexo 1 a 3 séries, 3 a 6 repetições 1 a 2 min para outros R 2 a 4 vezes/semana Av EXC e CON AI < BI 3 a 6 séries, 1 a 6 repetições – PER R 4 a 6 vezes/semana Endurance Para Nov, Int, Para Nov, Int, Para Nov, Int, Av: Av: Av: Nov EXC e CON ex. UA e PA Recomenda-se uma sequência com variedade 50 a 70% de 1 RM 1 a 3 séries, 10 a 15 repetições 1 a 2 min para séries com altas repetições L – RM 2 a 3 vezes/semana Int EXC e CON ex. UA e PA 50 a 70% de 1 RM Múlt. séries, 10 a 15 repetições ou mais < 1 min para 10 a 15 repetições M – AR 2 a 4 vezes/semana Av EXC e CON UA e PA 30 a 80% de 1 RM Múlt. séries, 10 a 25 repetições ou mais – PER 4 a 6 vezes/semana EXC = excêntrica; COM = concêntrica; Nov = novato; Int = Intermediário; Av = avançado; UA = uniarticular; PA = poliarticular; ex. = exercícios; AI = alta intensidade; BI = baixa intensidade; 1 RM = 1 repetição máxima; PER = periodizado; MP = muito pesado; L-MP = leve a moderadamente pesado; L = lento; M = moderado; IL = involuntariamente lento; R = rápido; RM = repetições moderadas; AR = altas repetições. De ACMS position stand on: Progression models in resistance training for healthy adults. Med Sci Sports Exerc 2002;34:364. FIGURA 22.11 A. A periodização subdivide um macrociclo em fases distintas ou mesociclos. Esses, por sua vez, são separados em microciclos semanais. O plano geral comporta modificações, porém os mesociclos incluem 1. 2. 3. 4. tipicamente quatro partes: (1) fase de preparação, (2) primeira fase de transição, (3) fase de competição e (4) uma segunda fase de transição ou de recuperação ativa. B. Exemplo de periodização para um atleta de elite (ginasta) preparando-se para a competição. As competições foram realizadas por todo o programa anual de treinamento, razão pela qual a periodização concentrou-se em alcançar o desempenho máximo no final de cada macrociclo. A periodização coloca o treinamento dentro do contexto para intensidade, duração e frequência das sessões de trabalho de força-potência. A principal finalidade desse enfoque tenta evitar o overtraining, minimizar o potencial de lesões e reduzir a monotonia do treinamento, ao mesmo tempo que progride para o desempenho máximo nas competições (círculos cheios). Uma revisão crítica dos estudos sobre o treinamento de força periodizado concluiu que essa abordagem produzia maiores aprimoramentos na força muscular, na massa corporal, na massa corporal sem gordura e no percentual de gordura corporal que os programas de treinamento sem periodização com múltiplas séries e com uma única série.77 A pesquisa adicional terá que determinar de que maneira a periodização interage com o estado de aptidão,172 a idade, o sexo61 e o desempenho em esportes específicos (desempenho motor).184,187 Os estudos terão de equiparar os participantes em vários parâmetros da aptidão e, a seguir, manipular os diferentes protocolos lineares e não lineares de treinamento de modo a considerar os fatores que afetam a resposta ao treinamento. Em suma, a avaliação do programa precisa levar em conta os quatro seguintes fatores, tanto isolados quanto em conjunto: Sequências biomecânicas e de controle motor na habilidade esportiva desejada. Alterações na composição segmentar e corporal total. Adaptações teciduais bioquímicas e ultraestruturais. Transferência da força recém-adquirida para mensurações subsequentes do desempenho nos esportes. QUESTÃO DISCURSIVA Discuta a afirmação: “Não existe um sistema melhor de treinamento de resistência.” Diretrizes do treinamento de resistência para adultos sedentários, idosos e cardiopatas | Benefícios na melhoria da saúde e na prevenção de doenças Atualmente, o American College of Sports Medicine (www.acsm.org), a American Heart Association (www.americanheart.org/), os Centers for Disease Control and Prevention (www.cdc.gov/), a American Association of Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation (www.aacvpr.org/) e o U.S. Surgeon General’s Office (www.surgeongeneral.gov/) consideram o exercício de resistência regular um componente importante de um programa abrangente de aptidão física relacionada com a saúde.3,78,192 Os objetivos do treinamento de resistência para atletas competitivos concentram-se em aprimorar a força muscular, a potência e a hipertrofia (cargas de treinamento de alta intensidade com 1-RM a 6-RM). Em contrapartida, os objetivos para os adultos de meia-idade e mais idosos concentram-se em manter (e, se possível, aumentar) a massa dos músculos e dos ossos, assim como a força muscular e a endurance muscular a fim de aprimorar a saúde global e o perfil de aptidão física. A força muscular adequada na meia-idade mantém uma margem de segurança acima do limiar necessário para prevenir a ocorrência de lesões nas fases subsequentes da vida.28 Nos homens com 45 a 68 anos de idade, a força de preensão manual permite prever com exatidão as limitações funcionais e as incapacidades que poderão ocorrer 25 anos depois.194A Os homens no terço mais baixo para força de preensão evidenciavam o maior risco; aqueles no terço médio mostravam um risco intermediário; e os homens no terço superior experimentavam o menor risco de incapacidade aos 25 anos de acompanhamento. O programa de treinamento com resistência recomendado para homens e mulheres de meia-idade e mais idosos é classificado como de “intensidade moderada”. Ao contrário da abordagem com múltiplas séries de resistência elevada dos atletas mais jovens, o programa utiliza séries únicas de exercícios diversificados realizados entre 8 e 15 RM por no mínimo de 2 vezes/semana. A TABELA 22.3 apresenta as diretrizes fornecidas por diferentes grupos e organizações de saúde para o treinamento de resistência cauteloso realizado por homens e mulheres mais idosos e para cardiopatas. Seria o treinamento de resistência, somado ao treinamento aeróbico, sinônimo de menos aprimoramento da força? O debate concentra-se em esclarecer se o treinamento concomitante de resistência aeróbica produz menos aprimoramento da força e potência musculares que o treinamento apenas para a força.15,21,132,161,259 Isso fez com que muitos atletas de força e de potência e fisiculturistas se abstivessem de incluir as atividades de endurance por acreditarem que essas atividades reduzem os aprimoramentos da força. Os que aconselham evitar o treinamento aeróbicoquando se tenta otimizar os aumentos no tamanho e na força dos músculos alegam que as maiores demandas de energia (e talvez de proteína) no treinamento de endurance intenso limitam o crescimento do músculo e a responsividade metabólica ao treinamento de resistência. Alguns dados apoiam essa posição. Por exemplo, diferentes modalidades de exercício induzem mecanismos de sinalização intracelulares em um nível molecular antagonístico que poderia exercer um impacto negativo sobre a resposta adaptativa do músculo ao treinamento de resistência.177 O treinamento físico de endurance também pode inibir a sinalização para o maquinismo da síntese das proteínas musculares, que poderia ser definitivamente contraproducente para os objetivos do treinamento de resistência.27,126,147,260 Resultados surpreendentes do treinamento de resistência para idosos Uma metanálise que examinou sistematicamente o valor total do exercício de resistência para força muscular e os resultados da massa muscular magra em idosos saudáveis relatou que tais indivíduos tiveram um acréscimo de pouco mais de 1 kg de massa muscular magra e um aumento total de força de 25 a 30% após uma média de 18 a 20 semanas de treinamento. A quantidade de peso levantado e a frequência e a duração das sessões afetaram o aprimoramento de modo dose-dependente. Um efeito como esse contrariaria a perda muscular de 181 g/ano geralmente observada em indivíduos nessa faixa etária. Peterson MD, Gordon PM. Resistance exercise for the aging adult: clinical implications and prescription guidelines. Am J Med 2011;124:194. Uma curta sessão de atividade intensa de endurance também inibe o desempenho nas atividades subsequentes relacionadas com a força muscular.144 As pesquisas futuras terão de determinar se esse efeito agudo sobre a produção máxima de força limita a capacidade de impor uma carga ótima ao músculo em um grau que possa afetar o desenvolvimento da força com o treinamento concomitante para força e endurance. Se isso ocorre, um período de recuperação de 20 a 30 min entre os componentes aeróbicos e de força no treinamento poderia aprimorar a qualidade da sessão de trabalho subsequente destinada ao aprimoramento da força. Essas considerações não devem desestimular os que desejam um programa de condicionamento bem distribuído capaz de oferecer os benefícios específicos de aptidão e saúde proporcionados pela incorporação de ambas as modalidades de treinamento. Treinamento de resistência para crianças Muitos compêndios de fisiologia do exercício não se concentram nos benefícios e possíveis riscos do treinamento de resistência para pré-adolescentes, em grande parte por causa dos dados limitados acerca desse tópico. Surgem preocupações óbvias com relação à possibilidade de ocorrerem lesões em virtude da sobrecarga musculoesquelética excessiva (fraturas epifisárias, ruptura dos discos intervertebrais, alterações ósseas na região lombar, traumatismos agudos da região lombar). O perfil hormonal de uma criança também carece do desenvolvimento pleno – particularmente, o hormônio testosterona, responsável pela síntese tecidual (ver Capítulo 20). Poder-se-ia questionar se o treinamento de resistência em crianças seria capaz de induzir aprimoramentos significativos da força. TABELA 22.3 Diretrizes do treinamento de força para adultos sedentários, idosos e cardiopatas. Diretrizes Séries Repetiçõesa Número de exercícios Frequência (dias/semana) Adultos sedentários sadios Posição do ACSM de 1990b 1 8 a 12 8 a 10c 2 Diretrizes do ACMS de 1995d 1 8 a 12 8 a 10 2 Relatório do Surgeon General de 1996e 1 a 2 8 a 12 8 a 10 2 Idosos Pollock et al.,f 1994 1 10 a 15 8 a 10 2 Cardiopatas Padrões para os exercícios da AHA de 1995g 1 10 a 15 8 a 10 2 a 3 Diretrizes da AACVPR de 1995h 1 10 a 15 8 a 10 2 a 3 ACSM, American College of Sports Medicine; AHA, American Heart Association; AACVPR, American Association of Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation. aPara pessoas sadias com menos de 50 anos, o peso deve ser suficiente para induzir fadiga volitiva com o número de repetições listadas. Para as pessoas mais velhas, podem ser usadas cargas mais leves. bAmerican College of Sports Medicine. The recommended quantity and quality of exercise for developing and maintaining cardiorespiratory and muscular fitness in healthy adults. Med Sci Sports Exerc 1990;22:265. cMínimo de um exercício para cada grande grupo muscular (p. ex., pressão de tórax, shoulder press, extensão do tríceps, rosca de bíceps, abaixamento [parte superior das costas], extensão da região lombar, rosca abdominal, extensão do quadríceps, roscas de perna [músculos isquiotibiais], elevação da região posterior da perna). dAmerican College of Sports Medicine. Guidelines for Exercise Testing and Prescription, 5th ed. Baltimore: Williams e Wilkins, 1995; são incluídas também as populações de baixo risco para essa doença. eU.S. Department of Health and Human Services. Physical activity and health: a report of the surgeon general: Atlanta, GA: US Department of Health and Human Services, Centers for Disease Control and Prevention, National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion, 1996. fPollock ML et al. Exercise training and prescription for the elderly. South Med J 1994;87;S88. gFletcher GF et al. Exercise standards: a statement for health care professionals from the American Heart Association. Circulation 1995;91:580. hAmerican Association of Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation. Guidelines for Cardiac Rehabilitation Programs. 2nd ed. Champaign, IL: Human Kinetics, 1995. Exercícios de resistência aprimoram a sinalização molecular da biogênese mitocondrial no músculo esquelético induzida por exercícios de endurance Uma pesquisa recente testou a hipótese de que a sinalização molecular da biogênese mitocondrial após exercícios de endurance fica prejudicada por uma sequência subsequente de exercícios de resistência (treinamento consecutivo). Biopsias musculares foram obtidas antes e depois tanto do exercício de endurance isolado (1 h de pedalagem a cerca de 65% do O2máx) quanto do exercício de endurance seguido de exercício de resistência (6 séries de flexões das pernas a 70 a 80% 1 RM) com uma análise do mRNA dos genes relacionados com a biogênese muscular e a regulação de substrato. Contrariando a hipótese em pauta, os resultados demonstraram que exercícios de resistência executados após exercícios de endurance amplificaram a sinalização adaptativa de resposta da biogênese mitocondrial em comparação com o exercício de endurance realizado isoladamente, o que sugere que o treino consecutivo pode beneficiar a adaptação da capacidade oxidativa muscular. Fonte: Wang L et al. Resistance exercise enhances the molecular signaling of mitochondrial biogenesis induced by endurance exercise in human skeletal muscle. J Appl Physiol 2011;111:1335. O treinamento de resistência supervisionado, que utiliza apenas ações musculares concêntricas com repetições relativamente altas e baixa resistência, aprimora a força muscular de crianças e adolescentes sem nenhum efeito adverso sobre o osso, o músculo ou o tecido conjuntivo,189 incluindo crianças com deficiências e doenças,30,80,125 além de obesidade.59,66 É mais do que provável que o aprendizado e a ativação neuromuscular aprimorada, não os aumentos substanciais no tamanho dos músculos, sejam responsáveis pelos aprimoramentos de força relativamente rápidos observados em crianças. A TABELA 22.4 mostra recomendações cautelosas para iniciar o treinamento com exercícios de resistência em crianças e adolescentes. Treinamento da força isométrica As pesquisas realizadas na Alemanha durante a metade da década de 1950 mostraram que a força isométrica aumentava em cerca de 5% por semana ao realizar uma única ação muscular isométrica diária máxima com duração apenas de 1 s, ou uma contração de 6 s com 66% da força máxima.106 A repetição dessa contração 5 a10 vezes/dia produzia maiores aumentos na força isométrica. TABELA 22.4 Diretrizes para o treinamento com exercícios de resistência e progressão em crianças e adolescentes. Idade (anos) Considerações 7 ou menos Começar exercícios básicos com pouco ou nenhum peso; elaborar o conceito de uma sessão de treinamento; ensinar as técnicas do exercício; progredir a partir de calistenia com a aplicação do peso corporal, exercícios com parceiros e exercícios com leve resistência; manter o volume baixo. 8 a 10 Aumentar gradualmente o número de exercícios; praticar a técnica do exercício em todos os levantamentos; começar com uma carga progressiva e gradual dos exercícios; proporcionar exercícios simples; aumentar gradualmente o volume do treinamento; monitorar com extremo cuidado a tolerância ao estresse do exercício. 11 a 13 Ensinar todas as técnicas básicas dos exercícios; continuar com uma carga progressiva de cada exercício; enfatizar as técnicas dos exercícios; introduzir exercícios mais avançados com pouca ou nenhuma resistência. 14 a 15 Progredir para programas mais avançados para jovens no exercício de resistência; acrescentar componentes específicos para cada esporte; enfatizar as técnicas do exercício; aumentar o volume. 16 ou mais Conduzir a criança para programas adultos de nível inicial depois que todo o conhecimento básico foi dominado e após ter conseguido um nível elementar de experiência com o treinamento. Reproduzida de Kraemer WJ, Fleck SJ. Strength training for young athletes. Champaign, IL: Human Kinetics, 1993. Nota: Se uma criança de qualquer idade inicia um programa sem experiência prévia, recomenda-se iniciar pelos níveis mais baixos e passar para níveis mais avançados conforme permitido pela tolerância ao exercício, habilidade, tempo dedicado ao treinamento e compreensão. Limitações do treinamento isométrico O exercício isométrico proporciona sobrecarga muscular e aprimora a força, porém oferece benefícios limitados para o treinamento esportivo funcional. Sem movimento, não se pode avaliar prontamente o nível de sobrecarga e/ou a progressão do treinamento. Além disso, o desenvolvimento da força isométrica proporciona alto grau de adaptações de especificidade muscular. Um músculo submetido ao treinamento isométrico melhora claramente a sua força, especialmente quando o músculo atua isometricamente, em particular com o ângulo articular e a posição corporal adotados durante o treinamento. Isso significa que o treinamento isométrico destinado a desenvolver as “forças” para determinado movimento torna necessário, provavelmente, o treinamento realizado em muitos ângulos específicos através da ADM. Isso torna-se extremamente demorado, especialmente se levarmos em conta a disponibilidade do treinamento dinâmico convencional com pesos e das metodologias isocinéticas e outras funcionais do treinamento de resistência. Benefícios do treinamento isométrico O método isométrico beneficia os testes musculares e a reabilitação. As técnicas isométricas conseguem identificar uma fraqueza muscular específica em determinado ângulo na ADM, formando, assim, a base para melhorar a sobrecarga muscular em um ângulo articular apropriado. Que método é melhor: estático ou dinâmico? Os métodos de treinamento com resistência estática ou dinâmica aumentam, ambos, as “forças” do músculo. As necessidades específicas do indivíduo determinam o método ideal do treinamento de resistência, o que é governado pela especificidade da resposta ao treinamento.173,268 Especificidade da resposta ao treinamento isométrico Um músculo treinado isometricamente mostra maiores aprimoramentos de força quando medido isometricamente; de maneira 1. 2. semelhante, um músculo treinado dinamicamente produz melhores testes quando avaliado nas atividades de resistência que exigem algum movimento. A força isométrica desenvolvida no nível ou próximo de determinado ângulo articular não é transferida prontamente para outros ângulos ou posições corporais que dependerão dos mesmos músculos.252 Nas atividades dinâmicas, músculos treinados graças ao movimento ao longo de uma ADM limitada mostram o maior aprimoramento na força quando medidos naquela ADM.19,88 Existe até mesmo especificidade para a posição corporal; a força muscular dos flexores plantares e dorsiflexores do tornozelo desenvolvida na posição ortostática com ações musculares excêntricas e concêntricas não mostrava transferência com os mesmos músculos avaliados na posição supina.193 A especificidade do treinamento de resistência faz sentido, pois o aprimoramento da força harmoniza as adaptações em dois fatores: A fibra muscular e a própria couraça de tecido conjuntivo. A organização nervosa e a excitabilidade das unidades motoras que acionam padrões específicos de movimento voluntário. Outrossim, a produção de força máxima de um músculo depende de fatores neurais que recrutam efetivamente e sincronizam o disparo das unidades motoras, e não apenas de fatores locais como o tipo de fibras musculares e a área transversal. Um estudo com duração de 3 meses realizado em homens e mulheres adultos jovens enfatizou a natureza altamente específica das adaptações ao treinamento de resistência.68 Um grupo treinava isometricamente o músculo adutor do polegar com 10 ações diárias com duração de 5 s e para uma frequência de uma contração por minuto. O outro grupo treinava dinamicamente o mesmo músculo com 10 séries diárias de 10 contrações movimentando um peso que representava 33% da força máxima. O músculo não treinado funcionava como controle. Para eliminar qualquer influência do treinamento que pudesse resultar de fatores psicológicos e de adaptações no sistema nervoso central, uma estimulação elétrica supermáxima aplicada ao nervo motor avaliava a capacidade geradora de força do músculo treinado. Os resultados foram claros – ambos os grupos de treinamento melhoraram sua capacidade de força máxima e seu ritmo máximo de desenvolvimento da força. O aprimoramento na força máxima para o grupo treinado isometricamente quase duplicava o aprimoramento em relação ao grupo treinado dinamicamente. Inversamente, os aprimoramentos na velocidade do desenvolvimento da força eram, em média, cerca de 70% maiores no grupo treinado com contrações musculares dinâmicas. Esses achados proporcionam uma poderosa evidência de que o treinamento de resistência, por si só, não induz adaptações abrangentes (generalizadas) na estrutura e função dos músculos. Pelo contrário, as propriedades contráteis de um músculo (força máxima, velocidade de encurtamento, ritmo de desenvolvimento da tensão) melhoram de maneira altamente específica para a contração muscular no treinamento. Os métodos de treinamento, tanto estáticos quanto dinâmicos, produzem aumentos da força, porém nenhum sistema isolado qualifica-se sistematicamente como superior aos outros em sua capacidade de testar melhor a função muscular. A consideração crucial relaciona-se com a finalidade almejada para a força recém-adquirida. Implicações práticas. A complexa interação dos sistemas nervoso e muscular ajuda a explicar por que os músculos dos membros inferiores fortalecidos com agachamentos ou flexões profundas do joelho não conseguem evidenciar uma capacidade equivalente em termos de aprimoramento da força em outro movimento dos membros superiores, tais como os saltos ou a extensão da perna, que demandem ativação da mesma musculatura. É baixa a correlação entre as medidas dinâmicas da força de extensão da perna para qualquer velocidade e altura do salto vertical. Um grupo muscular fortalecido e hipertrofiado pelo treinamento de resistência dinâmica não demonstra aprimoramento igual na capacidade geradora de força quando medido isométrica ou isocineticamente. O fortalecimento dos músculos para uma atividade atlética ou ocupacional específica (p. ex., golfe, tênis, remo, natação, futebol americano, atividade dos bombeiros, manipulação de pacotes) requer muitomais que a simples identificação e sobrecarga dos músculos geralmente envolvidos no movimento. É necessário o treinamento neuromuscular especificamente nos movimentos importantes que exigem força aprimorada. O nome mais apropriado para esse tipo de treinamento seria treinamento de força funcional ou treinamento do movimento de resistência funcional.7,9,49 O aumento da “força” nos músculos das pernas, por meio do levantamento de pesos, em geral não aprimorará necessariamente o desempenho em uma grande variedade de movimentos subsequentes das pernas.160 A força recém-adquirida raramente será transferida plenamente para outros tipos de movimentos, até mesmo aqueles que ativam os mesmos músculos treinados. Um programa padronizado de treinamento com pesos para a extensão das pernas aumentava a força dessa extensão em 227%. A avaliação do torque máximo em extensão da mesma perna com um dinamômetro isocinético identificava uma melhora de apenas 10 a 17%!62,79 Para aprimorar um desempenho físico específico por meio do treinamento de resistência, convém treinar o(s) músculo(s) em movimentos que simulem o movimento que requer o aprimoramento na capacidade de gerar forças com enfoque muito mais nas necessidades de força, de velocidade e de potência do que simplesmente em uma articulação ou músculo isolado. Testes físicos no ambiente ocupacional | Papel da especificidade Uma revisão abrangente esboça o desenvolvimento de testes físicos e de estratégias de validação defensáveis do ponto de vista profissional e legal para os testes ocupacionais realizados para a obtenção de um emprego ou que exijam capacidades físicas diversificadas ou características específicas de aptidão.119 A alta especificidade dos componentes do desempenho físico e da função fisiológica (p. ex., força e potência musculares, flexibilidade articular, aptidão aeróbica), combinada com a natureza específica da resposta ao treinamento, lança sérias dúvidas de que possam existir, em qualquer nível significativo, elementos construtivos acerca da aptidão física. Obviamente, não existe uma medida única para quantificar a força muscular global nem a aptidão aeróbica. Pelo contrário, o indivíduo expressa um conjunto de forças, potenciais musculares e “aptidões” aeróbicas. Essas expressões da função muscular e do desempenho nos exercícios costumam evidenciar uma correlação mútua precária, ou nenhuma correlação. Outrossim, quando se testa uma pessoa quanto a aptidão aeróbica, são produzidos diferentes escores de aptidão, dependendo da atividade. Por exemplo, seria indesejável administrar o teste da corrida de 12 min (um teste que pretende avaliar a capacidade aeróbica; ver Capítulo 21) no ambiente ocupacional com a finalidade de inferir a capacidade aeróbica para as atividades de bombeiro florestal ou de madeireiro (que exigem ambas considerável função aeróbica dos segmentos corporais superiores) ou medir a preensão estática ou a força das pernas com testes destinados a avaliar diversas forças e potências dinâmicas exigidas por essas ocupações. As medidas aplicadas no ambiente ocupacional devem ter íntima semelhança com as necessidades reais do emprego (i. e., testes funcionais), não apenas para tarefas específicas, mas também de maneira que possam refletir a intensidade, a duração e o ritmo (i. e., demandas fisiológicas) do emprego. Se esses “testes de conteúdo” continuam sendo pouco práticos, devem ser consubstanciados testes alternativos com base em estudos de validação realizados com extremo cuidado. QUESTÃO DISCURSIVA Aconselhe um candidato a um emprego de bombeiro sobre a maneira mais efetiva de treinar para um teste físico que exige 7 min de várias tarefas ocupacionais (p. ex., subir escadas com equipamento, arrastar uma mangueira, erguer uma escada de mão, forçar a entrada com uma marreta, resgate simulado de um manequim). Treinamento com resistência isocinética O treinamento com resistência isocinética combina as características positivas do exercício isométrico e do levantamento dinâmico de pesos. Proporciona uma sobrecarga muscular para uma velocidade constante previamente determinada enquanto o músculo mobiliza sua capacidade geradora de força ao longo da ADM plena. Qualquer esforço durante o movimento encontra uma força oponente àquela aplicada ao dispositivo mecânico; isso representa o exercício com resistência variável (de acomodação). Teoricamente, o treinamento tipo isocinético ativa o maior número de unidades motoras de modo a impor sistematicamente sobrecarga aos músculos – até mesmo nos ângulos articulares relativamente “mais fracos” – à medida que a mecânica do osso-músculo-alavanca produz variações na capacidade geradora de força através da ADM. A manutenção de uma velocidade constante do movimento continua sendo um aspecto negativo do treinamento com resistência isocinética, pois o exercício funcional raramente se aproxima de uma velocidade fixa do movimento. Isocinética versus levantamento padronizado de pesos Existe uma distinção importante entre um músculo solicitado isocineticamente e outro solicitado com um movimento padrão de levantamento de pesos. A FIGURA 22.12 mostra que a capacidade geradora de força de um único músculo ou de um grupo muscular varia com a configuração das alavancas ósseas (ângulo articular) quando a articulação se movimenta ao longo de sua ADM de aproximadamente 40 a 160° durante a flexão e 160 a 40° durante movimentos de extensão. Durante o treinamento com pesos, o peso externo levantado em geral permanece fixo para a maior carga que permita completar o movimento pelo número desejado de repetições. A resistência não pode ultrapassar a força máxima gerada no ponto mais fraco na ADM. Caso contrário, não seria possível completar o movimento. O termo ponto de paralisação (ponto de bloqueio) descreve essa área na ADM. FIGURA 22.12 A capacidade geradora de força de um músculo varia com o ângulo articular em flexão e extensão ao longo da ADM. O fato de os músculos não gerarem a mesma força máxima absoluta ao longo de todas as fases do movimento representa uma grande limitação do levantamento de pesos. Por esse motivo, fisiculturistas profissionais e atletas de elite realizam diversas variações do mesmo exercício, mas com diferentes ênfases em padrões de movimento. No levantamento de halteres para o bíceps, por exemplo, uma série de exercícios poderia ser executada sem supinação ou pronação da mão que segura o peso. Outra série poderia ser realizada alternando supinação e pronação durante o levantamento, enquanto uma terceira série poderia incluir movimentos laterais do braço durante o movimento de levantamento. Essas variações do exercício-base têm como alvo diferentes aspectos geradores de força do movimento. Outras variações podem incluir mudanças na velocidade desde um movimento controlado e lento até o movimento mais rápido possível realizado de maneira correta. As variações mais óbvias são mudanças no peso levantado, desde um peso leve (que pode ser levantado facilmente através da ADM) passando a um mais pesado, que demanda frequências mais lentas de movimento. Para ajudar a aliviar tais variações, os fabricantes elaboraram um equipamento de treinamento com resistência variável que ajusta a resistência com as características generalizadas das alavancas para um movimento articular em particular. Esse equipamento ainda representa uma modalidade clássica de levantamento de pesos, porém, teoricamente, a resistência relativa oferecida ao músculo continua sendo razoavelmente constante com relação à capacidade do músculo para uma determinada velocidade de encurtamento através da ADM. Com um músculo solicitado isocineticamente, a velocidade desejada do movimento é observada quase instantaneamente com a aplicação de uma força máxima, permitindo que músculo gere uma potência máxima ao longo de toda a ADM em uma velocidade de encurtamento controlada. Experiências com treinamento isocinético As experiências como exercício isocinético exploraram os padrões de força-velocidade em vários movimentos relacionados com a composição por tipo de fibra muscular. A FIGURA 22.13 mostra o declínio progressivo na produção máxima de torque com o aumento da velocidade angular dos músculos extensores do joelho em grupos treinados em potência e endurance que diferiam em termos de esquema de treinamento esportivo e no tipo predominante de fibra muscular. Para o movimento com 180°/s, a redução máxima no torque era, em média, de aproximadamente 55% da força isométrica máxima (0°/s). As duas curvas na Figura 22.13 diferem no torque máximo, dependendo da composição do grupo em fibras musculares. A força máxima para velocidade 0 (força isométrica) continuava sendo semelhante para atletas com percentuais relativamente altos (atletas de potência) ou baixos (atletas de endurance) de fibras musculares de contração rápida; isso indicava a ativação de unidades motoras tanto de contração rápida quanto de contração lenta na extensão isométrica máxima do joelho. À medida que a velocidade do movimento aumentava, os indivíduos com percentuais mais altos de fibras de contração rápida exerciam um maior torque por unidade de massa corporal. Isso indica a conveniência de ter um alto percentual de fibras de contração rápida para as atividades de potência em que o êxito depende, em grande parte, da capacidade de gerar um torque considerável com as velocidades mais rápidas do movimento, como no arremesso de disco, de peso e de dardo. FIGURA 22.13 Torque máximo (por unidade de massa corporal) relacionado com a velocidade angular do movimento articular em dois grupos de atletas com predominância diferente do tipo de fibra muscular. As curvas torque-velocidade foram extrapoladas (linha interrompida) para a velocidade máxima apropriada da extensão do joelho. (Adaptada, com autorização, de Thorstensson A. Muscle strength, fiber types, and enzyme activities in man. Acta Physiol Scand 1976(suppl):443.) Treinamento isocinético com velocidade alta versus baixa Os estudos sobre o aproveitamento da força e da potência com o treinamento isocinético para velocidades baixas e altas dos membros também apoiam a especificidade do desempenho nos exercícios e da resposta ao treinamento. Por exemplo, os aumentos de força e de potência devidos ao treinamento isocinético de baixa velocidade estão relacionados especificamente à velocidade angular do movimento executado no treinamento. Em contrapartida, o exercício realizado com velocidades altas facilita um aprimoramento mais generalizado; a produção de potência aumentava com as velocidades altas e baixas do movimento, porém os valores com a velocidade angular alta no treinamento promovia o máximo de aprimoramento.191 A hipertrofia muscular em geral ocorre em virtude do treinamento de alta velocidade e, principalmente, nas fibras musculares de contração rápida.53 A hipertrofia das fibras musculares pode ser responsável pela grande generalidade de aprimoramento da força, conseguido com o treinamento de alta velocidade. As ações musculares concêntricas produzem maiores aumentos de potência e hipertrofia das fibras do tipo II devida ao treinamento que o tipo de treinamento excêntrico com níveis equivalentes de potência relativa.157 A vantagem do treinamento isocinético é que permite aplicar uma sobrecarga muscular ao longo de uma ADM plena para muitas velocidades de encurtamento. Entretanto, as aplicações continuam sendo limitadas, pois a maior velocidade dos atuais dinamômetros isocinéticos aproxima-se de 400°/s. Até mesmo essa velocidade do movimento “relativamente alta” não se aproxima das velocidades dos membros durante as atividades esportivas. Para o arremesso no beisebol, quando a velocidade de extensão dos membros superiores ultrapassa os 2.000°/s nos arremessadores profissionais, até mesmo os rotadores do quadril relativamente “lentos” se movimentam com 600°/s durante um arremesso.35 Além disso, a atual geração de dinamômetros isocinéticos não consegue sobrecarregar simultaneamente as ações musculares excêntricas que desempenham importantes funções de desaceleração e de controle “por freada” dos membros nos movimentos normais. Treinamento pliométrico Para os esportes que exigem poderosos movimentos propulsivos – futebol americano, voleibol, corridas de alta velocidade, salto em altura, salto em distância e basquete –, os atletas aplicam uma maneira especial de treinamento denominado pliometria ou treinamento com saltos de alto impacto.76,236,257 Os movimentos pliométricos requerem vários saltos no mesmo lugar ou saltos com ressalto (queda-salto a partir de uma altura predeterminada) a fim de mobilizar as características inerentes de estiramento-recuo do músculo estriado esquelético e sua modulação por meio do reflexo de estiramento ou miotático. Em outras palavras, o movimento pliométrico envolve o estiramento (alongamento) rápido seguido por encurtamento de um grupo muscular durante um movimento dinâmico. Pense na pliometria quando alongar um elástico; o alongamento cria energia armazenada no elástico, a qual é despendida quando ele retorna à posição de “repouso”. O alongamento de um músculo produz um reflexo de estiramento e um recuo elástico em seu interior. Quando combinadas com uma contração muscular intensa, as ações pliométricas aumentam acentuadamente a força que sobrecarrega o músculo, aumentando assim a força e a potência absolutas.258 A dificuldade do treinamento pliométrico varia, desde elevações induzidas pela contração das regiões posteriores até múltiplos saltos com uma única perna para e a partir de caixas cuja altura varia de 30,5 a 183 cm. O princípio básico para todos os exercícios de saltos e pliométricos consiste em absorver o choque com os braços ou as pernas e, a seguir, contrair os músculos estriados esqueléticos imediatamente. Por exemplo, em uma série de saltos com agachamento, projete-se novamente no ar com a maior rapidez possível após ter alcançado o solo, enquanto, ao mesmo tempo, ambos os calcanhares são impulsionados na direção das nádegas. Os saltos mais rápidos proporcionam maior sobrecarga aos músculos. Em essência, o exercício pliométrico dinâmico “rápido” “treina” o sistema nervoso de modo a responder rapidamente a fim de ativar os músculos estriados esqueléticos. As manobras pliométricas evitam a desvantagem de ter que desacelerar uma massa na última parte da ADM articular durante um movimento rápido; isso proporciona produção máxima de potência. A FIGURA 22.14 compara o movimento tradicional do bench press supino para conseguir uma produção máxima de potência com um arremesso balístico que tenta maximizar a produção de potência projetando o haltere a partir das mãos. Os resultados foram incontestáveis. Durante um bench press supino, a desaceleração começa em aproximadamente 60% da posição da barra em relação a distância total do movimento concêntrico (linha laranja). Em contrapartida, a velocidade durante o arremesso (linha amarela) continua aumentando ao longo de toda a ADM e continua sendo mais alta para todas as posições da barra depois que o movimento começa. Isso se traduzia por maiores produções de força média, potência média e potência máxima. Com velocidades médias e máximas mais altas ao longo de toda a ADM, consegue-se produzir um maior rendimento de potência e ativação muscular (avaliados por EMG) do que com o movimento tradicional do levantamento de pesos. A condição do arremesso produzia maior atividade muscular para os músculos peitoral maior (+19%), deltoide (porção anterior) (+34%), tríceps braquial (+44%) e bíceps braquial (+27%). Ao permitir que o atleta desenvolva maior potência no final do movimento, consegue-se simular mais de perto a fase de projeção do arremesso de um objeto (bola ou implemento), os movimentos de saltos com esforço máximo ou o impacto com movimentos de torque. Nessa forma de treinamento, denominado treinamento com resistência balística, a pessoadesloca o peso ou o projétil o mais rapidamente possível, tentando produzir força máxima antes de soltá-lo. Os exemplos de desempenho esportivo incluem o lançamento do peso, o arremesso acima da cabeça no futebol, os arremessos do dardo e do disco, a separação da vara e o impulso intenso no salto com vara, a subida para um corte no voleibol, o posicionamento e o salto para um rebote no basquete, múltiplos socos no boxe e a decolagem no salto em altura. FIGURA 22.14 Média de velocidade da barra em relação ao movimento concêntrico total da barra para o deslocamento do banco e o bench press supino tradicional realizado com rapidez. (Dados de Newton RU et al. Kinematics, kinetics and muscle activation during explosive upper-body movements. J Appl Biomech 1996;12:31.) O movimento pliométrico sobrecarrega o músculo proporcionando um estiramento (alongamento) forçado e rápido (fase excêntrica ou de estiramento) imediatamente antes da fase concêntrica ou de encurtamento da ação. As revisões recentes resumem que o ciclo de estiramento-encurtamento (CEE) representa um conceito importante que descreve de que maneira os músculos esqueléticos funcionam mais eficientemente nas atividades locomotoras humanas irrestritas e diversas, de um jogo de futebol170,261 até uma simples corrida de curta distância.200 Quando os fusos musculares do músculo gastrocnêmio são distendidos bruscamente, seus receptores sensoriais são ativados, com os impulsos aferentes atingindo a raiz dorsal e penetrando na medula espinal (para ativar os motoneurônios anteriores) e acionam o reflexo de estiramento (ver Capítulo 19), cujo momento mais apropriado depende da velocidade do movimento.54,116 A sequência de estiramento e encurtamento das fibras musculares, como na fase de contato da corrida, desempenha uma finalidade fundamental – acelerar a fase de separação final. Em muitas situações nos esportes, a fase de alongamento rápido no CEE produz um movimento subsequente mais intenso devido a dois fatores principais:115,143,146,196 Fator 1. Alcança-se um estado mais elevado do músculo ativo (maior energia potencial) antes da ação concêntrica de encurtamento. Fator 2. Evocação induzida pelo estiramento dos reflexos segmentares que potencializam a ativação muscular subjacente. Esses dois efeitos constituem a base para os benefícios de velocidade-potência dessa modalidade de treinamento.248,262 É mais do que provável que os aprimoramentos ocorrem em virtude de mudanças nas propriedades mecânicas do complexo músculo-tendão, e não de mudanças nas estratégias de ativação muscular.135 A FIGURA 22.15 mostra o ergômetro com resistência para (1) quantificar a capacidade geradora de força quando afetada pelo ciclo de estiramento-encurtamento, (2) treinar nessas condições e (3) avaliar a sensibilidade do reflexo de estiramento e a rigidez muscular na vigência de uma atividade física cansativa. Aplicações práticas da pliometria Uma manobra pliométrica utiliza a massa corporal e a gravidade para a importante fase rápida de pré-estiramento ou de “levantamento” do CEE para ativar os elementos naturais de recuo elástico do músculo. O estiramento prévio aumenta a ação muscular concêntrica subsequente na direção oposta. A queda forçada dos braços para o lado do corpo antes de um salto vertical produz um pré-estiramento excêntrico do grupo do músculo quadríceps femoral e exemplifica um movimento pliométrico natural. As manobras pliométricas para os segmentos inferiores do corpo incluem um salto vertical, saltos múltiplos, saltos repetitivos no mesmo lugar, saltos em profundidade ou descidas de uma altura de aproximadamente 1 m, saltos com uma única perna ou com ambas as pernas e várias outras modificações. Os defensores acreditam que as contrações pliométricas repetitivas funcionem como um treinamento neuromuscular capaz de ampliar a produção de potência de músculos específicos e os desempenhos de potência específicos para determinados esportes, como nos saltos.136,162,266 Na literatura são relatados benefícios do treinamento pliométrico, porém existem limitados experimentos controlados acerca tanto dos benefícios quanto dos possíveis riscos ortopédicos dessas sessões de trabalho. As preocupações em relação a lesão musculoesquelética são devidas, em parte, à estimativa de que as quedas e os saltos geram cargas esqueléticas externas iguais a até 10 vezes a massa corporal. As pesquisas terão de quantificar o papel apropriado, se houver, das manobras pliométricas em um programa de treinamento completo de força-potência, particularmente para crianças e atletas amadores mais velhos, além daqueles que se encontram nas fases iniciais de treinamento. Um artigo normativo da National Strength and Conditioning Association (www.nsca-lift.org) sugere que os atletas devem conseguir levantamentos de 1,5 vez o peso corporal no exercício de agachamento antes de iniciar o treinamento pliométrico de alta intensidade.258 Essa orientação prática ainda não foi validada. A FIGURA 22.16 mostra a técnica do salto com rebote no treinamento pliométrico juntamente com quatro exemplos de manobras de exercícios pliométricos, descritos nos três boxes internos azuis. FIGURA 22.15 Ergômetro com resistência para exercício e treino pliométrico (ciclo de alongamento- encurtamento) e protocolos de pesquisa. A ilustração mostra a fase de freada do treinamento (e subsequente alongamento muscular) imediatamente antes da ativação máxima dos músculos extensores das pernas e dos pés. (Modificada, com autorização, de Strojnik V, Komi PV. Fatigue after submaximal intensive stretch-shortening cycle exercise. Med Sci Sports Exerc 2000;32:1314.) Treinamento com o peso corporal como carga O treinamento com o peso corporal como carga que utiliza o exercício com cadeia cinética fechada para aprimorar o desempenho nos esportes26,149 obteve popularidade e apoio experimental, incluindo-se tal treinamento em funções relacionadas com o trabalho148 e o tratamento da dor pélvica após gravidez.224,225 Diversos sistemas de exercícios com o peso corporal como carga foram desenvolvidos ao longo dos séculos. Os métodos modernos para o desenvolvimento de força muscular em geral incluem algumas variações de pesos livres, halteres, sistemas mecânicos visando ao ajuste da carga, motores e polias. Como perspectiva histórica, observa-se que o sistema Ling, anteriormente citado (ver “Mensurações da Força e Treinamento de Resistência”), idealizou a aplicação de exercícios progressivos a fim de fortalecer a musculatura corporal total. O método de treinamento progressivo com suspensão por cabos teve início na Suécia, no princípio dos anos 1840. Entre 1914 e 1918, métodos mais modernos de exercícios e treinamento com suspensão e cabos foram desenvolvidos por fisioterapeutas de hospitais ingleses e instituições de reabilitação durante e após a Primeira Guerra Mundial. Os métodos noruegueses de treinamento com suspensão por cabos, desenvolvidos no início dos anos 1990, também complementaram as aplicações de fisioterapia, o desenvolvimento da força, além do treinamento geral e específico para aptidão física. As metodologias de suspensão por cabos utilizam com o máximo de benefício o peso corporal do indivíduo durante os aumentos e diminuições da resistência, alterando, para tanto, as coordenadas de suspensão, a altura dos cabos e a posição corporal em relação ao ponto de suspensão, independentemente de pesos fixos externamente, polias e aparelhos motorizados. Nos exercícios com o peso apoiado, o segmento distal sustenta o peso corporal total ou uma fração dele. Esse tipo de exercício ativa os músculos tanto agonistas quanto antagonistas ao redor de uma articulação, incluindo outros grupos musculares ao longo da cadeia cinética.219 Com frequência, esse tipo de treinamento é considerado mais funcional em consideração ao exercício em que o segmento distal não sustenta o peso corporal, como no levantamento de pesos convencional (em que osagonistas e os sinergistas são ativados). Além disso, o exercício no qual a carga é representada pelo peso corporal, como com o aparelho com um sistema de tipoias, introduz o componente adicional da instabilidade a fim de desafiar ainda mais o controle neuromuscular da musculatura do tronco e do dorso.220,234,237 O papel do acréscimo de uma variável durante os movimentos relativamente simples e/ou complexos pode desempenhar um papel-chave de ativação no treinamento dos padrões de sinalização sofisticados que participam no controle neuromuscular dos movimentos humanos.73,154,233,235 FIGURA 22.16 A. Técnica do salto com rechaço (rebote) no treinamento pliométrico. B. Quatro exemplos de manobras com exercícios pliométricos: (1) Salto sobre a caixa. (2) Pulo sobre o cone. (3) Salto com barreira. (4) Salto em distância a partir da caixa. (Exemplos de saltos pliométricos cortesia do Dr. Thomas D. Fahey, California State University at Chico.) Estudos que utilizam movimentos com o peso corporal apoiado (sustentado) no sistema de tipoias e cordas durante o treinamento com desempenhos funcionais para futebol,223 golfe,205 handebol204 e softball206 mostram aprimoramentos nos movimentos funcionais do esporte que oscilam de 3 a 5% na velocidade do movimento do membro, maior velocidade e, consequentemente, distância da cabeça do taco no golfe e equilíbrio estático e dinâmico e estabilização do ombro. Conceito de core Os últimos 10 anos testemunharam o renascimento do “treinamento do core” – também denominado estabilização lombar, fortalecimento do core, estabilização dinâmica, controle neutro da coluna vertebral, estabilização do tronco, força abdominal, treinamento do “pilar” central e treinamento funcional. O conceito de core não se refere simplesmente aos músculos que cruzam a parte média do corpo e formam o abdome “tanquinho”, retratado tão comumente nas propagandas feitas em revistas. Em vez disso, o core representa um arcabouço 1. 2. 3. 4. muscular de quatro lados, com os músculos abdominais anteriormente, os paravertebrais e glúteos posteriormente, o diafragma superiormente e o assoalho pélvico e a musculatura do cíngulo do membro inferior formando a parte inferior. Essa região inclui 29 pares de músculos que mantêm o tronco estabilizado, e que equilibram e conferem estabilidade às estruturas ósseas da coluna vertebral, da pelve, do tórax e de outras estruturas da cadeia cinética ativadas durante a maioria dos movimentos.89 Todas essas estruturas que contornam a coluna vertebral, sem “força e equilíbrio” adequados, tornam-se mecanicamente instáveis. Um core devidamente funcional proporciona estes quatro benefícios:123, 164 Distribuição apropriada das forças. Controle ótimo e eficiência dos movimentos Absorção adequada das forças de impacto do solo. Ausência de translação e compressão excessivas, assim como de forças de cisalhamento, agindo sobre as articulações da cadeia cinética. Janela para o desenvolvimento de potência explosiva A FIGURA 22.17 lista cinco componentes que contribuem para a janela para o desenvolvimento de potência explosiva. Nesse modelo, cada componente faz importantes contribuições neuromusculares para o treinamento de potência máxima. O período de tempo (janela) durante o qual existe a oportunidade de fazer adaptações se contrai para o atleta com componentes já bem desenvolvidos e se expande para os componentes que necessitam de um aprimoramento considerável. À medida que um atleta se aproxima de seu potencial de força de alta velocidade, a contribuição desse componente para o desenvolvimento global da potência máxima diminui. Os atletas deverão concentrar-se em treinar seus componentes menos desenvolvidos. Isso pode ser enunciado de modo bastante diferente dizendo-se que o desempenho de potência máxima melhora mais prontamente quando são escolhidas como alvos algumas rotinas específicas de treinamento capazes de melhorar os elos mais fracos, pois esses possuem a maior janela de adaptação para desenvolver potência explosiva superior. FIGURA 22.17 Cinco componentes que contribuem para o desenvolvimento de potência explosiva. (Adaptada, com autorização, do Dr. William J. Kraemer, Human Performance Laboratory, University of Connecticut. Storrs, CT; adaptada, com autorização, de Kraemer WJ, Newton RU. Training for muscular power. Phys Med Rehabil Clin 2000;11:341.) NA PRÁTICA Fortalecimento da Região Lombar Segundo o Bone and Joint Decade Monitor Project e a Organização Mundial da Saúde (OMS) (www.ota.org/downloads/bjdExecSum.pdf), os custos totais nos EUA relacionados com as condições musculoesqueléticas ultrapassam os 250 bilhões de dólares por ano. Dessa quantia, os custos diretos representam 88,7 bilhões de dólares. Trinta e oito por cento foram gastos em admissões hospitalares, 21% em admissões em clínicas de repouso, 17% em consultas médicas e 5% em custos administrativos. Os custos indiretos são responsáveis por 58% do total (126,2 bilhões de dólares), que incluem os salários perdidos por morbidade ou mortalidade prematura. As doenças musculoesqueléticas incluem aproximadamente 150 entidades diferentes e síndromes associadas tipicamente a dor ou inflamação. As lesões no dorso são responsáveis por 25% de todas as lesões relacionadas com o trabalho e por 33% de todos os custos de indenização que, de acordo com o Bureau of Labor Statistics (http://www.bls.gov/spotlight/2009/health_care/), representam para o governo cerca de 90 bilhões de dólares por ano em custos relacionados com a saúde. As estimativas indicam que pelo menos 32 milhões de norte-americanos experimentam com frequência lombalgia, a causa primária de incapacidade relacionada com o local de trabalho.138 A incapacidade relacionada com o local de trabalho em virtude de lesões da região lombar ocorre também em tarefas comuns como a coleta de refugos e outras tarefas manuais de manipulação e de levantamento.62,67,128 A fraqueza muscular, particularmente nas regiões abdominal e lombar, a instabilidade da coluna lombar e a flexibilidade articular precária no dorso e nas pernas representam fatores externos primários relacionados com a síndrome da lombalgia.215 A prevenção e a subsequente reabilitação de distensão lombar crônica utilizam comumente os exercícios de fortalecimento muscular e de flexibilidade articular.23,72,163 A continuação das atividades normais da vida diária (dentro dos limites determinados pela tolerância à dor) promove uma recuperação mais rápida da lombalgia aguda que o repouso no leito. A manutenção da atividade física normal pode permitir maior recuperação que os exercícios específicos de mobilização vertebral realizados após o início da dor.153 A aplicação cautelosa do treinamento tipo resistência isola e fortalece os músculos extensores do abdome e da região lombar inferior, que sustentam e protegem a coluna através de toda a sua amplitude de movimento. Os pacientes com lombalgia que fortalecem os extensores lombares com a perna estabilizada experimentam menos dor, menor número de sintomas crônicos, assim como força e endurance musculares e amplitude de movimento aprimorados.37 Os golfistas com má rotação inicial do quadril durante a fase descendente do balanceio (swing) exibem com frequência uma rotação precária do quadril e da coluna vertebral, principalmente em virtude de uma ação fraca (ou desativada) no músculo glúteo médio. A reativação desse músculo-chave com movimentos de cadeia cinética fechados combinados com vibração pode ajudar a eliminar a fase de deslizamento ineficiente durante o balanceio no golfe a fim de restaurar uma rotação eficiente do quadril. A análise biomecânica do balanceio (swing) no golfe proporcionou uma visão mais clara acerca dos rudimentos da mecânica do golfe e da incidência de lesões e da ocorrência de incapacitação em golfistas amadores e profissionais.71,85,142,245 A realização incorreta de um movimento típico de exercício com resistência (com umacarga relativamente pesada e os quadris projetados para a frente com as costas arqueadas) gera uma considerável força compressiva sobre a parte inferior da coluna vertebral. Por exemplo, os exercícios de pressão e de torção com hiperextensão das costas criam um estresse de cisalhamento extremamente alto sobre as vértebras lombares, que costuma induzir lombalgia acompanhada por instabilidade muscular nessa região.13,99,104 As forças compressivas com o levantamento de objetos pesados também podem acelerar os danos dos discos que amortecem as vértebras. A realização de meios-agachamentos com cargas representadas por halteres cujo peso varia de 0,8 a 1,6 vez a massa corporal produz cargas compressivas sobre o segmento L3-L4 da coluna vertebral que equivalem a 6 a 10 vezes a massa corporal.36,45 Uma pessoa de 90 kg que realiza agachamentos com 144 kg pode criar forças compressivas máximas superiores a 1.367 kg (13.334 N)! Uma amplificação brusca da força compressiva pode desencadear o prolapso anterior do disco; uma força compressiva de menor intensidade porém contínua, que produz fadiga, pode fazer aumentar a proeminência posterior das lamelas no anel posterior.6 Em levantadores de potência de nível nacional de ambos os sexos, as cargas compressivas médias que agiam sobre L4-L5 alcançavam 1.757 kg (17.192 N).165 Em nível prático, durante o treinamento esportivo com métodos de resistência (i. e., treinamento funcional com pesos livres), não se deve sacrificar a execução correta de um exercício para poder levantar uma carga mais pesada ou “espremer” (intercalar) repetições adicionais. O peso extra levantado por meio de uma técnica incorreta não facilita o fortalecimento muscular; pelo contrário, o alinhamento corporal inadequado ou uma substituição muscular não desejada durante a produção de força podem desencadear uma lesão debilitante para a qual a cirurgia acaba se tornando, lamentavelmente, a primeira opção. Esse fato concreto deve incentivar o fortalecimento apropriado dos músculos abdominais “centrais” e lombares inferiores (com exercícios das regiões lombar e do quadril, como mostrado adiante), para evitar tanto a dependência prolongada em relação aos agentes analgésicos quanto as alternativas cirúrgicas potencialmente debilitantes. O uso de um cinto para levantamento de pesos relativamente rígido durante o levantamento de objetos pesados (agachamentos, outros levantamentos e outras manobras) acarreta uma redução na pressão intra-abdominal, em comparação com o levantamento realizado sem um cinto.84,95,137 O cinto reduz as forças compressivas potencialmente lesivas que agem sobre os discos intervertebrais durante um levantamento quase máximo, incluindo a maioria dos eventos olímpicos e de levantamento de potência e o treinamento associado. Em um estudo, nove levantadores de pesos experientes erguiam halteres com até 75% do peso corporal em três condições: (1) enquanto inalavam e usavam um cinto, (2) inalando sem usar um cinto e (3) exalando e usando um cinto.129 As mensurações incluíram pressão intra-abdominal, EMG dos músculos do tronco, forças de reação do solo e cinemática. O cinto reduzia as forças de compressão em cerca de 10%, porém somente quando se inalava antes de realizar o levantamento. Os autores concluíram que o uso de um cinto apertado e rígido nas costas ao inalar antes de realizar o levantamento reduz as cargas vertebrais durante o levantamento. Uma pessoa que treina normalmente usando um cinto em geral deve abster-se de realizar os levantamentos sem essa proteção. As recomendações adicionais incluem a realização de, pelo menos, algum treinamento de resistência submáxima sem o cinto a fim de fortalecer os músculos abdominais profundos e I. 1. 2. 3. 4. estabilizadores pélvicos. Isso ajuda também a desenvolver o padrão de recrutamento muscular capaz de gerar altas pressões intra-abdominais quando não se utiliza um cinto. A utilização de um cinto para as costas a fim de aumentar a pressão intra-abdominal e minorar as lesões lombares no local de trabalho não proporciona uma vantagem biomecânica incontestável.190 Um estudo prospectivo de 2 anos com quase 14.000 empregados responsáveis pela manipulação de materiais em 30 estados avaliou a efetividade da utilização de cintos para as costas no sentido de reduzir as solicitações de indenizações por lesão lombar por parte dos trabalhadores, assim como os relatos de lombalgia.250 Nem o uso frequente de um cinto para as costas (habitualmente, 1 vez a cada dia ou 1 a 2 vezes/semana) nem uma política administrativa que exigisse o uso desses cintos conseguiram reduzir a ocorrência de lesão ou os relatos de lombalgia. Os pesquisadores continuam procurando respostas acerca da etiologia da síndrome de lombalgia e de como minimizar sua gravidade e reduzir sua ocorrência.121,209,254 Os estudos concentraram-se em numerosos fatores contribuintes, incluindo a pressão intradiscal;166 as cargas facetárias e as sobrecargas suportadas pelas fibras discais;211 a altura e a área transversal dos discos lombares;179 as cargas compressivas subsequentes;188 distribuição das forças que atuam sobre as articulações vertebrais;43 sobrecarga suportada pelos ligamentos, o cisalhamento que atua sobre os discos e o impacto nas articulações facetárias;81 e os modelos de previsão destinados a estimar a compressão e as forças de cisalhamento vertebrais.90,124 Os 12 exercícios mostrados a seguir proporcionam o fortalecimento geral do abdome, da região pélvica e dos segmentos vertebrais inferiores que aprimoram a flexibilidade dos músculos isquiotibiais e da região lombar nos indivíduos sem lesões aparentes da região lombar e da coluna vertebral. Os indivíduos sintomáticos (incluindo os atletas) necessitam de exercícios específicos para o dorso.194,206 Alongamento da região lombar (manter cada exercício por 30 a 60 s) Alongamento genupeitoral: Em decúbito dorsal e trazer os joelhos na direção do tórax, enquanto a região lombar é mantida plana sobre a superfície. Alongamento com uma perna cruzada: Cruzar as pernas e tracionar um único joelho flexionado em 90° na direção do tórax. Alongamento dos músculos isquiotibiais: Enrolar uma faixa no pé, mantendo retificada a região lombar; puxar a perna para cima na direção da cabeça. Posição de sapo: Sentado, nádegas sobre os calcanhares; projetar as mãos para a frente o máximo possível ao longo da superfície. II. 5. 6. III. 7. 8. Exercícios abdominais Exercício abdominal com os joelhos dobrados: Colocar as mãos na parte baixa do pescoço (ou cruzando o tórax) com a cabeça em ângulo reto com os ombros. Subir lentamente, solicitando uma fileira dos músculos abdominais de cada vez. Elevar os ombros por 10 a 15 cm da superfície. Inseto agonizante (dying bug): Flexionar a pelve comprimindo a região lombar contra o solo. Em um dos lados, encostar o braço estendido no joelho flexionado. No lado oposto, estender um braço reto por sobre a cabeça e uma perna reta para trás. Manter a flexão da pelve enquanto são trocados os braços e as pernas nessa posição. Exercícios de extensão lombar em decúbito ventral Natação em terra firme: Em decúbito ventral com flexão pélvica, levantar alternadamente o braço e a perna opostos. Elevação de ambas as pernas: Em decúbito ventral com flexão pélvica, levantar simultaneamente ambas as pernas, mantendo a cabeça apoiada no assoalho. 9. 10. IV. 11. 12. Elevação dos segmentos corporais superiores: Em decúbito ventral com flexão pélvica e braços hiperestendidos ou atrás das costas, levantar a parte superior do tronco, mantendo as pernas apoiadas no assoalho. Perdigueiro: Começar com as mãos e os joelhos apoiados no assoalho. Manter a mão esquerda apoiada no assoalho e esticar o braço direito para frente enquanto a perna esquerda é esticada para trás. Trocar de apoio, mantendo o tronco na horizontal. Exercícios supinos em flexão pélvica Elevação da perna: em decúbito dorsal sobreo assoalho, flexionar a pelve com os músculos abdominais inferiores para retificar a região lombar contra o solo. Estender um braço para cima e uma perna para fora, mantendo o quadríceps em seu nível. Extensão dos braços em decúbito ventral: Manter a pelve apoiada no assoalho, exercendo pressão para cima com os braços, para produzir a extensão da parte inferior do dorso. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. (Fotos cortesia do Dr. Bob Swanson, Santa Barbara Back and Neck Care, Santa Barbara, CA) Resumo Tensiometria, dinamometria, os testes de 1 RM com peso e as determinações por computador da produção de força e de trabalho, incluindo as mensurações tipo isocinéticas, proporcionam os métodos mais comuns para medir o desempenho muscular. O músculo estriado esquelético humano gera uma força máxima de aproximadamente 30 N por cm2 de corte transversal do músculo, independentemente do sexo. Em bases absolutas, os homens em geral exercem força máxima maior que as mulheres em qualquer padrão de movimento muscular. O método tradicional para avaliar as diferenças sexuais na força muscular cria um escore de razão para força (seja força por unidade de tamanho corporal [massa corporal], massa corporal sem gordura, volume dos membros, circunferência). Quando as medidas da dimensão e/ou da composição corporal são consideradas dessa maneira, as grandes diferenças de força entre homens e mulheres diminuem consideravelmente. A escala alométrica proporciona outro método para comparar as variáveis fisiológicas entre os indivíduos que diferem em tamanho e composição corporais. O treinamento com sobrecarga ótima para fortalecer os músculos estriados esqueléticos envolve três fatores: aumentar a resistência (carga) à ação muscular, aumentar a velocidade da ação muscular e combinar aumentos da carga e da velocidade do movimento. Uma sobrecarga entre 60 e 80% da capacidade geradora de força do músculo induz aumentos de força. Os três sistemas principais de treinamento de força incluem o treinamento com pesos como resistência progressiva, a isometria e o treinamento isocinético. Cada um deles produz aumentos de força altamente específicos para o tipo de treinamento. O treinamento isocinético oferece o potencial de gerar uma força máxima através da ADM plena para diferentes velocidades angulares do movimento dos membros. Os programas de treinamento com resistência devidamente supervisionados que utilizam ações musculares concêntricas relativamente moderadas produzem um aumento na força das crianças sem efeitos adversos sobre o osso, o músculo ou o tecido conjuntivo. A periodização divide um determinado período ou macrociclo do treinamento em mesociclos de treinamento menores; estes são subdivididos em microciclos semanais. A compartimentalização do treinamento minimiza o declínio do desempenho os efeitos de overtraining de modo a incrementar o desempenho máximo que coincide com a competição. O treinamento de resistência para atletas competitivos otimiza a força muscular, a potência e a hipertrofia. Os objetivos do treinamento para adultos de meia-idade e mais velhos destinam-se a aprimorar moderadamente a força e a endurance musculares, manter a massa dos músculos e dos ossos e melhorar a saúde global e a aptidão. O treinamento concomitante para força muscular e capacidade aeróbica inibe a magnitude do aprimoramento da força em comparação com o treinamento apenas para força muscular. O treinamento pliométrico enfatiza as características inerentes de estiramento-recuo do sistema neuromuscular para 17. 18. 19. 1. 2. 3. 4. 5. 6. facilitar o desenvolvimento da potência muscular. A especificidade das medidas fisiológicas e do desempenho e sua resposta ao treinamento geraram dúvidas acerca da eficácia das medidas gerais de aptidão em predizer a capacidade de desempenhar tarefas ou ocupações específicas. O treinamento com movimentos funcionais por meio do exercício com o peso corporal apoiado proporciona uma abordagem ímpar para o treinamento nos esportes. O treinamento do core continua sendo uma parte integral do treinamento esportivo e do condicionamento físico destinado a melhorar o equilíbrio muscular, a força muscular e a estabilização do tronco e reduzir o risco de agravos. ADAPTAÇÕES ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS AO TREINAMENTO DE RESISTÊNCIA Os tecidos musculares existem em um estado dinâmico no qual as proteínas são sintetizadas, com deposição efetiva de aminoácidos, e degradadas, com liberação efetiva de aminoácidos, alternadamente. A FIGURA 22.18 lista seis fatores que participam no desenvolvimento e na manutenção da massa muscular. Sem dúvida, fatores genéticos proporcionam o arcabouço de referência diretivo que modula cada um dos outros fatores responsáveis pelo aumento da massa e da força dos músculos.197 A atividade muscular contribui pouco para o crescimento tecidual sem uma nutrição apropriada, particularmente a disponibilidade de aminoácidos, capaz de proporcionar os blocos essenciais para essa construção. Outrossim, hormônios específicos (p. ex., testosterona, hormônio do crescimento, cortisol e, ainda mais importante, insulina e os fatores de crescimento sistêmicos e locais semelhantes à insulina), incluindo a inervação por parte do sistema nervoso, ajudam a modelar e reforçar a resposta apropriada ao treinamento. Sem uma sobrecarga de tensão, cada um dos outros fatores não consegue produzir efetivamente a resposta desejada ao treinamento. FATORES QUE MODIFICAM A EXPRESSÃO DA FORÇA HUMANA A FIGURA 22.19 mostra que fatores caracterizados amplamente como psicológicos (neurais) e musculares influenciam a expressão da força humana. Um programa de treinamento com resistência modifica muitos componentes desses fatores; outros fatores continuam sendo resistentes ao treinamento, sendo determinados provavelmente por dotes naturais ou estabelecidos no início da vida. Seis adaptações neurais com o treinamento de resistência que aumentam a força muscular Maior eficiência nos padrões de recrutamento neural. Maior excitabilidade dos motoneurônios. Maior ativação do sistema nervoso central. Melhor sincronização das unidades motoras e maior taxa de acionamento. Embotamento dos reflexos inibitórios neurais. Inibição dos órgãos tendíneos de Golgi. Fatores psicológicos-neurais Alterações adaptativas na função do sistema nervoso que elevam o efluxo dos neurônios motores são os principais responsáveis pelos aumentos rápidos e significativos na força observados no início do treinamento, na maioria das vezes sem nenhum aumento no tamanho dos músculos e na área transversal.1,201 As adaptações neurais desempenham um papel particularmente importante nos aprimoramentos expressivos da força e da potência musculares dos idosos observados com o treinamento de resistência.92 A FIGURA 22.20 mostra a curva da resposta ao treinamento generalizado de resistência para os ganhos na força muscular a partir da facilitação nervosa e da hipertrofia muscular. A pesquisa abordou os efeitos do treinamento com exercícios sobre as modificações estruturais associadas à junção neuromuscular (JNM). Em um estudo realizado com ratos, o treinamento de endurance aprimorava a razão entre a área terminal dos nervos e o tamanho das fibras musculares por reduzir o diâmetro das fibras sem alterar o tamanho terminal destas.246 Nos seres humanos, o treinamento de alta e baixa intensidades afetava de maneira diferente o tamanho da JNM.64 As sessões de trabalho prolongadas e menos intensas produziam uma área de JNM mais expansiva, enquanto o exercício intenso produzia maior dispersão das sinapses. O envelhecimento também interfere na capacidade de adaptação da JNM ao treinamento. Existe claramente uma grande complexidade na coordenação das respostas sinápticas entre diferentes músculos e diferentes tipos de fibras musculares.65 Algumas experiências clássicas ilustram a importânciados fatores psicológicos na expressão da força muscular em seres humanos.113 Os pesquisadores mediram a força do braço em homens de idade universitária (1) em condições normais, (2) imediatamente após um grande ruído, (3) enquanto os indivíduos gritavam fortemente por ocasião do esforço, (4) sob a influência de álcool etílico e de anfetaminas e (5) sob hipnose (quando lhes era dito que tinham grande força e não precisavam temer nenhuma lesão). Cada uma das alterações em geral fazia aumentar a força até acima dos níveis normais; a hipnose, o mais “mental” de todos os tratamentos, promoveu os maiores aumentos. Os pesquisadores admitiram, teoricamente, que as modificações temporárias na função do sistema nervoso central eram responsáveis pelos aprimoramentos da força sob os vários tratamentos experimentais. Eles argumentavam que a maioria das pessoas operava normalmente em um nível de inibição nervosa, talvez por meio de mecanismos reflexos protetores que reprimem a expressão da capacidade de força. Três fatores, o corte transversal do músculo, o tipo de fibra e o arranjo mecânico do osso e do músculo, explicam a capacidade de força. A inibição neuromuscular pode resultar de experiências pretéritas desagradáveis de um exercício, de um meio ambiente domiciliar exageradamente protetor ou do temor de sofrer uma lesão. Seja qual for a razão, em geral a pessoa não consegue expressar sua capacidade máxima de força. A excitação de uma competição intensa ou a influência de fármacos desinibidores ou da sugestão hipnótica costumam promover um desempenho “supermáximo” em virtude da inibição nervosa acentuadamente reduzida e do recrutamento ideal dos motoneurônios. FIGURA 22.18 Interação de seis fatores que permite o desenvolvimento e a manutenção da massa muscular. FIGURA 22.19 Papéis relativos das adaptações neurais e musculares no aprimoramento da força com treinamento de resistência. Observar que as adaptações neurais predominam na fase inicial do treinamento (essa fase engloba a duração da maioria dos estudos de pesquisa). As adaptações induzidas pela hipertrofia impõem o limite superior aos aprimoramentos produzidos pelo treinamento mais prolongado. Isso induz muitos atletas a usarem esteroides anabólicos e/ou o hormônio do crescimento humano (linha interrompida) para induzir a hipertrofia contínua quando apenas o treinamento falha. (Adaptada, com autorização, de Sale DG. Neural adaptation to resistance training. Med Sci Sports Exerc 1988;20:135.) FIGURA 22.20 Curva da resposta generalizada para aumentos na força muscular ou o treinamento de resistência devido a fatores neurais (laranja) e musculares (em amarelo). Durante um período de treinamento típico de 8 semanas, os fatores neurais foram responsáveis por aproximadamente 90% da força conseguida durante as primeiras 2 semanas. Nas 2 semanas subsequentes, entre 40 e 50% do aprimoramento na força ainda estão relacionados com uma adaptação do sistema nervoso. Daí em diante, as adaptações das fibras musculares tornam-se progressivamente mais importantes para os aprimoramentos da força. As experiências desse tipo em geral avaliam os fatores neurais graças aos registros EMG integrados dos grupos musculares treinados. Atletas altamente treinados costumam criar um estado de quase auto-hipnose, concentrando-se intensamente ou “introvertendo-se” (psyching) antes da competição. Às vezes, são necessários anos de treinamento para aperfeiçoar o “bloqueio” dos estímulos externos (p. ex., o ruído da multidão) permitindo que a ação muscular se relacione diretamente ao desempenho. Essa prática foi aperfeiçoada na competição para levantamento de potência, na qual o sucesso depende de movimentos precisos e coordenados com produção máxima de tensão muscular em um curto e específico intervalo de tempo. Um nível exacerbado de estimulação e a desinibição (ou facilitação) neural subsequente ativam plenamente os grupos musculares. A maior estimulação neurológica pode ser responsável também pelas façanhas “inexplicáveis” de força e potência durante as situações emergenciais e de resgate com alta carga emocional (p. ex., uma pessoa relativamente pequena conseguindo levantar/afastar um objeto extremamente pesado de uma pessoa lesionada). Façanhas de força super-humana Em seu livro sobre treinamento de força, Zatsiorsky e Kraemer descrevem três principais fatores que limitam o potencial de levantamento de um atleta. O potencial mais alto, denominado força absoluta, representa a força teórica máxima que as fibras musculares, os tendões e as estruturas ósseas podem desenvolver sob padrões de movimento precisos controlados de maneira neuromuscular. Esse valor nunca pode ser excedido ou atingido. O valor máximo de força mais baixo, denominado força máxima, representa o máximo que um indivíduo pode levantar sob condições típicas que envolvam esforço consciente, o que é igual a dois terços de sua força absoluta teórica. Para uma pessoa que consiga levantar 90,71 kg (200 lb), por exemplo, o levantamento teórico máximo seria igual a 136,07 kg (300 lb) – uma quantidade máxima tolerável que possa ser sustentada pelos tecidos corporais e pelas estruturas ósseas. Por outro lado, para levantadores de peso experientes que treinam rotineiramente próximo do máximo durante os exercícios semanais, a capacidade máxima de levantamento excede o limite típico de dois terços até em 80% antes que o sistema muscular experimente esforço indevido. O terceiro tipo de potencial de levantamento ocorre quando levantadores de peso atingem um recorde mundial em uma competição ou quando esforços heroicos são desempenhados sob coibição extrema. Em condições como essas, outros mecanismos fisiológicos interagem além do controle consciente, tais como uma resposta de “luta ou fuga”, que precede e acompanha uma condição de carga emocional (http://learn.genetics.utah.edu/content/begin/cells/fight_flight/). Fonte: Zatsiorsky VM, Kraemer W. Science and Practice of Strength Training. 2nd Ed. Champaign, IL: Human Kinetics, 2006. Fatores musculares A desinibição psicológica e os fatores relacionados com o aprendizado modificam substancialmente a força muscular na fase inicial do treinamento. Finalmente, fatores anatômicos e fisiológicos dentro da unidade articulação-músculo determinam a capacidade de força. A TABELA 22.5 lista as modificações fisiológicas e de desempenho associadas ao treinamento de resistência a longo prazo. A maioria desses componentes adapta-se ao treinamento, com algumas modificações ocorrendo dentro de algumas semanas. Os efeitos do treinamento de resistência sobre as fibras musculares em geral estão relacionados com adaptações nas estruturas contráteis; eles acompanham habitualmente aumentos substanciais na força e na potência musculares ao longo de uma determinada ADM. TABELA 22.5 Adaptações fisiológicas ao treinamento de resistência. Sistema/Variável Resposta Fibras musculares Número Incerto Tamanho Aumento Tipo Desconhecido Força Aumento Mitocôndrias Volume Redução Densidade Redução Tempo de ação Redução Enzimas Creatinofosfoquinase Aumento Mioquinase Aumento Enzimas da glicólise Fosfofrutoquinase Aumento Desidrogenase láctica Nenhuma mudança Enzimas do metabolismo aeróbico Carboidrato Aumento Triglicerídio Desconhecido Metabolismo basal Aumento Reservas de fontes de energia intramusculares Trifosfato de adenosina Aumento Fosfocreatina Aumento Glicogênio Aumento Triglicerídios Nenhuma mudança Capacidade aeróbica Treinamento de resistência em circuito Aumento Treinamento com resistência padrão Nenhuma mudança Tecido conjuntivo Força dos ligamentos Aumento Força dos tendões Aumento Conteúdo do músculo em colágeno Nenhuma mudança Composição corporal Percentual de gordura corporal Redução Massa corporal magra Aumento Osso Conteúdo mineral e densidade Aumento Área transversal Nenhumamudança Modificada, com autorização, de Fleck SJ, Kraemer WJ. Resistance training: physiological responses and adaptations (part 2 of 4). Phys Sportsmed 1988;16:108. Hipertrofia muscular Um aumento na tensão muscular (força) induzido pelo treinamento físico proporciona o estímulo primário que desencadeia o processo de crescimento ou hipertrofia do músculo esquelético. As mudanças no tamanho do músculo tornam-se identificáveis após apenas 3 semanas de treinamento e a remodelagem da arquitetura muscular precede os ganhos na área muscular transversal. Duas adaptações fundamentais necessárias para a hipertrofia muscular (maior síntese de proteínas e proliferação de células-satélite) são mobilizadas durante as fases iniciais do treinamento de resistência.208,267 O estresse mecânico imposto aos componentes do sistema muscular induz as proteínas sinalizadoras a ativarem os genes que traduzem o RNA mensageiro e estimulam a síntese proteica em um nível superior a degradação das proteínas. A síntese proteica acelerada, particularmente quando combinada com os efeitos da insulina e disponibilidade adequada de aminoácidos, aumenta o tamanho dos músculos durante o treinamento de resistência.127 A hipertrofia muscular reflete uma adaptação biológica fundamental a uma carga de trabalho aumentada que não depende do sexo e da idade. Como já foi mencionado, o aprimoramento da força e da potência musculares não exige necessariamente a hipertrofia das fibras musculares, pois fatores neurológicos importantes afetam inicialmente a expressão da força humana. Os aprimoramentos subsequentes e mais lentos na força em geral coincidem com alterações perceptíveis na arquitetura molecular subcelular do músculo. O treinamento com sobrecarga aumenta o volume das fibras musculares individuais com subsequente crescimento do músculo. As fibras de contração rápida dos levantadores de pesos são, em média, cerca de 45% maiores que aquelas das pessoas sedentárias sadias e dos atletas de endurance. O processo hipertrófico está acoplado diretamente ao aumento no número de mononucleares e à síntese de componentes celulares, particularmente os filamentos proteicos (cadeia pesada de miosina e actina) que constituem os elementos contráteis.17,98 O treinamento de resistência cria uma tradução mais eficiente do mRNA que medeia a estimulação da síntese de proteínas miofibrilares.253 O crescimento muscular ocorre em virtude de lesão repetida das fibras musculares (particularmente com as ações excêntricas) seguida por supercompensação da síntese proteica para produzir um efeito anabólico global. As miofibrilas das células sofrem espessamento e aumentam de número, e sarcômeros adicionais são formados a partir da síntese proteica acelerada e da correspondente redução na degradação das proteínas. ATP, PCR e glicogênio intramusculares também aumentam consideravelmente. Essas reservas de energia anaeróbica contribuem para a transferência rápida de energia necessária no treinamento de resistência. As características biotipológicas também ajudam a explicar as diferenças individuais na responsividade ao treinamento de resistência. Os maiores aumentos na massa muscular ocorrem para os indivíduos com a maior massa sem gordura relativa corrigida para estatura e gordura corporal antes do início do treinamento.243 O envelhecimento também afeta a resposta hipertrófica ao treinamento de resistência. As áreas transversais das fibras musculares dos tipos I e II aumentam menos em homens mais velhos (61 anos) em comparação com mais novos (26 anos) após 21 semanas de treinamento progressivo de resistência. A diferença no aumento de tamanho das fibras associa-se à menor ingestão de proteína e energia, além do maior aumento de expressão genética de miostatina em homens mais velhos quando comparados aos mais novos.168 A FIGURA 22.21 mostra a mudança no tamanho das fibras musculares que acompanha a hipertrofia induzida pelo exercício. A Figura 22.21A (à esquerda) compara o músculo sóleo de ratos exercitados e não exercitados. O músculo exercitado e hipertrofiado aparece à direita. A Figura 22.21B representa os cortes transversais típicos dos músculos não treinados e hipertrofiados. O diâmetro do músculo hipertrofiado é, em média, 30% maior, e as fibras contêm 45% mais núcleos, que aumentam em relação ao tamanho das fibras. Essas alterações compensatórias relacionam-se a acentuados aumentos na síntese de DNA e à proliferação das células do tecido conjuntivo e de pequenas células-satélite mononucleadas localizadas debaixo da membrana basal adjacente às fibras musculares. Essas células-satélite, abundantes nas fibras musculares do tipo II, facilitam o crescimento, a manutenção e o reparo do tecido muscular lesionado.93,100 A proliferação celular do tecido conjuntivo acarreta espessamento e fortalecimento do arcabouço de tecido conjuntivo do músculo de modo a 1. 2. 3. aprimorar a integridade estrutural e funcional de tendões e ligamentos (a cartilagem carece de circulação suficiente para estimular o crescimento).131 Essas adaptações protegem as articulações e os músculos de uma possível lesão. Essas adaptações justificam a inclusão do exercício de resistência nos programas ortopédicos de prevenção e de reabilitação. FIGURA 22.21 A. Músculo sóleo de rato, controle (à esquerda) e hipertrofiado (à direita). B. Cortes transversais dos músculos controles hipertrofiados mostrados em A. O diâmetro médio de 50 fibras do músculo hipertrofiado foi 24 a 34% maior que para os controles; o número médio de núcleos no músculo hipertrofiado era 40 a 52% maior que aquele dos controles. (Adaptada, com autorização, de Goldberg AL et al. Mechanism of work-induced hypertrophy of skeletal muscle. Med Sci Sports 1975;3:185.) As fibras musculares treinadas em resistência possuem maior quantidade total de proteína contrátil e de compostos geradores de energia que ocorrem sem os três componentes seguintes: Aumentos paralelos na capilarização. Volume total de mitocôndrias. Enzimas mitocondriais. A ausência desses fatores reduz a razão entre volume mitocondrial e/ou concentração enzimática e volume miofibrilar (proteína contrátil). Essa resposta ao treinamento não prejudica o desempenho nas atividades de força e de potência, por causa da natureza anaeróbica desses esforços. Entretanto, afeta a endurance na atividade física prolongada por reduzir a capacidade aeróbica das fibras por unidade de massa muscular. Especificidade da resposta hipertrófica Não se deve pressupor que uma única forma de treinamento de resistência seja capaz de criar aprimoramento uniforme da força ou a resposta hipertrófica no(s) músculo(s) ativado(s).8 Por exemplo, as roscas de bíceps feitas nas proximidades de 1 RM não produzem ganhos iguais de força desde a origem do músculo até a sua inserção. Se esses ganhos fossem iguais, a capacidade máxima geradora de força do músculo mostraria melhoras percentuais semelhantes ao longo de sua ADM. Isso não ocorre. A atividade elétrica medida por EMG superficial ou por agulha, ou por meio da ressonância magnética, para determinar a área transversal do músculo, não produz uma resposta homogênea em todo o músculo durante a ativação máxima.169,202 Um único músculo é compartimentalizado em regiões distintas. Isso indica que as diferentes áreas do músculo respondem de maneira diferencial ao estresse adaptativo que lhe é imposto. Em essência, o músculo estriado esquelético remodela sua arquitetura interna, voltando potencialmente a configurar a orientação externa e, consequentemente, seu formato. A ausência global de homogeneidade na resposta do músculo esquelético a uma sobrecarga, acoplada com diferenças intramusculares no tipo e na composição das fibras, governa a adaptação ao treinamento para um exercício de resistência específico. Ocorrem adaptações metabólicas significativas O sucesso no desempenho esportivo de elite exige otimização da distribuição das fibras musculares. A natureza relativamentefixa do tipo de fibras musculares sugere uma predisposição genética óbvia para o desempenho excepcional. Existe uma plasticidade significativa para o potencial metabólico, pois o treinamento específico amplia a capacidade de transferência de energia aeróbica e anaeróbica de ambos os tipos de fibras. A capacidade oxidativa exacerbada das fibras de contração rápida observada com o treinamento de endurance as coloca em um nível quase igual à capacidade aeróbica das fibras de contração lenta dos congêneres destreinados. O treinamento de endurance induz alguma conversão das fibras do tipo IIb para as fibras mais aeróbicas do tipo IIa.264 O aumento bem documentado no tamanho e número das mitocôndrias e um aumento correspondente na quantidade total nas enzimas do ciclo do ácido cítrico e do transporte de elétrons acompanham essas modificações nas subdivisões das fibras. Somente as fibras musculares treinadas especificamente adaptam-se ao treinamento regular; isso ajuda a explicar por que os atletas treinados que passam a praticar um outro esporte que requer diferentes grupos musculares, ou porções diferentes do mesmo músculo, costumam sentir-se destreinados. Nesse arcabouço, os nadadores ou canoeiros com uma musculatura bem-treinada nos segmentos corporais superiores não necessariamente conseguem transferir a força e o desempenho dos braços para um esporte tipo corrida, que depende predominantemente de uma musculatura altamente condicionada dos segmentos corporais inferiores. As características metabólicas de fibras específicas e de subdivisões das fibras sofrem uma modificação dentro de 4 a 8 semanas com um treinamento de resistência almejado. Isso ocorre não obstante a falta de modificações acentuadas no tipo inerente de fibra muscular. A queda no percentual de fibras tipo IIx e o aumento correspondente nas fibras tipo IIa denotam uma das mais proeminentes adaptações rápidas ao treinamento.5 Ademais, o volume das fibras de contração rápida treinadas aumenta. A FIGURA 22.22 ilustra claramente esse aumento para as áreas relativas das fibras musculares de contração rápida e lenta antes e depois do treinamento. Uma hipertrofia considerável, predominantemente das fibras de contração rápida, ocorre nos levantadores de potência e olímpicos que treinam diligentemente ao longo de muitos anos com um treinamento de resistência progressiva.226,228 Isso faz sentido dentro do conceito de especificidade do exercício, pois o exercício de resistência quase máximo que requer altos níveis de potência anaeróbica recruta principalmente as unidades motoras de contração rápida. O treinamento de resistência aprimora também o transporte da glicose do músculo esquelético normal e resistente à insulina por acelerar a ativação da cascata de sinalização da insulina e aumentar a concentração da proteína GLUT-4. Essas alterações induzidas pelo treinamento aprimoram a qualidade do músculo esquelético e ocorrem independentemente dos aumentos na massa do músculo estriado esquelético.265 FIGURA 22.22 Modificações individuais para 14 homens na razão da área de fibras musculares de contração rápida para lenta após 8 semanas de treinamento de resistência. O círculo laranja à direita indica a razão da área média CR:CL pré-treinamento; o círculo amarelo representa a média pós-treinamento. (Adaptada, com autorização, de Thorstensson A. Muscle strength, fiber types, and enzyme activities in man. Acta Physiol Scand 1976(suppl):443.) A TABELA 22.6 resume as modificações observadas no músculo esquelético com as modalidades específicas do treinamento. Em geral, a atividade física recruta ambos os tipos de fibras; no entanto, certas atividades exigem a ativação de uma proporção muito maior de um tipo de fibra do que de outro. TABELA 22.6 Efeitos de tipos específicos de treinamento no músculo esquelético. Fibras de contração lenta Fibras de contração rápida Tipo de treinamento Fator muscular Força Endurance Força Endurance Composição percentual 0 ou? 0 ou? 0 ou? 0 ou? Tamanho + 0 ou + ++ 0 Propriedade contrátil 0 0 0 0 Capacidade oxidativa 0 ++ 0 + Capacidade anaeróbica ? ou + 0 ? ou + 0 Conteúdo em glicogênio 0 ++ 0 ++ Oxidação das gorduras 0 ++ 0 + Densidade capilar ? + ? ? ou + Fluxo sanguíneo durante o exercício ? ? ou + ? ? 0 = nenhuma mudança;? = desconhecido; + = aumento moderado; ++ = grande aumento. Remodelagem das células musculares | Pensamento atual O músculo esquelético representa um tecido dinâmico cujas células não permanecem como populações fixas durante a vida inteira. Pelo contrário, as fibras musculares sofrem regeneração e remodelagem para diversas demandas funcionais (p. ex., treinamento de resistência ou de endurance) para alterar seu perfil fenotípico.101 A ativação do músculo por meio de tipos e intensidades específicos de uso a longo prazo estimula as células pluripotenciais miogênicas até então quiescentes (células- satélite) localizadas abaixo da membrana basal da fibra muscular, que passam a proliferar e se diferenciam para formar novas fibras. A fusão dos núcleos de células-satélite e a incorporação nas fibras musculares preexistentes permitem a essas fibras sintetizar mais proteínas para formar elementos contráteis adicionais das miofibrinas. Por si só, esse processo não cria novas fibras musculares, porém contribui diretamente para a hipertrofia muscular e pode estimular a transformação das fibras existentes de um tipo para outro. Uma ampla variedade de moléculas sinalizadoras extracelulares, principalmente os fatores de crescimento dos peptídios (p. ex., fator de crescimento semelhante à insulina [IGF], fatores de crescimento dos fibroblastos, fatores transformadores do crescimento e fator de crescimento dos hepatócitos) governa a atividade das células-satélite e, possivelmente, a proliferação e a diferenciação das fibras musculares induzidas pelo treinamento. A FIGURA 22.23 propõe um modelo para a remodelagem das células musculares envolvendo a incorporação das células-satélite em uma fibra muscular preexistente. Um conjunto específico de genes (gene A na figura nos núcleos preexistentes) expressa-se na fibra. A ativação crônica por parte da atividade física estimula a proliferação das células-satélite, com algumas delas diferenciando-se e fundindo-se com as fibras musculares preexistentes. Os novos núcleos musculares alteram a expressão genética no músculo em adaptação retratado pelo gene B na miofibrila. FIGURA 22.23 Um modelo para adaptação do músculo esquelético que envolve as células-satélite. Um conjunto específico de genes (gene A) é enunciado nos mionúcleos preexistentes. Com a estimulação devida a maior atividade neuromuscular, as células-satélite proliferam e algumas delas se diferenciam e se fundem às miofibras preexistentes. Esses mionúcleos modificam a expressão genética (gene B) no músculo esquelético em processo de adaptação, pois são submetidos a diferenciação alterada em virtude das atividades neuromusculares aumentadas. (Adaptada, com autorização, de Yan Z. Skeletal muscle adaptation and cell cycle regulation. Exerc Sport Sci Rev 2000;1:24.) A transformação dos tipos de fibras musculares pode ocorrer pelo treinamento específico. Em um estudo, quatro atletas treinavam anaerobicamente por 11 semanas seguidas por 18 semanas de treinamento aeróbico. O treinamento aeróbico aumentava o percentual de fibras do tipo IIc (uma subclassificação precedente) e reduzia o percentual de fibras do tipo I; o oposto ocorria durante a fase de treinamento aeróbico.120 Do mesmo modo, 4 a 6 semanas de treinamento de alta velocidade acarretavam um aumento no percentual de fibras de contração rápida, com uma redução proporcional no percentual de fibras de contração lenta.60 Um aumento na duração diária do treinamento também faz aumentar o desvio de fibras de contração rápida para contração lenta no fenótipo da cadeia pesada da miosina nos músculos das patas traseiras de ratos.63 O treinamentoespecífico (e talvez o sedentarismo) pode modificar diferentes características fisiológicas das fibras dos tipo I para II (e vice-versa).212,226,227 A evidência disponível não permite fazer afirmações definitivas acerca da natureza fixa da composição por fibras de um músculo. É mais do que provável que o código genético exerça maior influência sobre a distribuição dos tipos de fibras. A principal tendência na composição por fibras de um músculo torna-se fixa provavelmente antes do nascimento ou durante os primeiros anos de vida. Benefícios independentemente do sexo ou da idade Músculos e tendões, que são tecidos altamente adaptáveis, respondem favoravelmente às alterações crônicas nas cargas aplicadas, independentemente da idade ou do sexo.12,134,178 Um estudo de cinco homens mais velhos, ativos e sadios (média etária de 68 anos) demonstra a extraordinária plasticidade do músculo esquelético humano (FIGURA 22.24). Os homens treinavam por 12 semanas realizando exercícios com resistência pesada, isocinéticos e com pesos livres. O treinamento fazia aumentar significativamente o volume dos músculos e a área em corte transversal do bíceps braquial (13,9%) e do braquial (26,0%), enquanto a hipertrofia aumentava significativamente em 37,2% nas fibras musculares do tipo II. Aumentos de 46,0% no torque máximo e de 28,6% na produção total de trabalho acompanhavam as adaptações celulares. De modo semelhante, os homens mais velhos experimentam aprimoramentos percentuais nessas variáveis semelhantes aos seus congêneres mais jovens em resposta a um rápido programa de treinamento de resistência periodizado com alta potência.180 A preservação da estrutura e função musculares à medida que se envelhece pode proporcionar uma capacidade de reserva física acima do limiar crítico necessário para poder levar uma vida independente durante a velhice.2,263 Respostas ao treinamento igualmente impressionantes ocorrem para pessoas com 80 ou mais anos de idade. Cem residentes de asilos (média de 87,1 anos) treinaram por 10 semanas com um exercício de resistência de alta intensidade.74 Para as 63 mulheres e os 37 homens que participaram, a força muscular aumentou, em média, 113%. Os aumentos de força mantinham também paralelismo com uma função aprimorada, refletida por um aumento de 11,8% na velocidade da marcha normal e por um aumento de 28,4% na velocidade para subir escadas; havia um aumento de 2,7% na área transversal dos músculos da coxa. Outros estudos também confirmaram os benefícios do treinamento de força funcional no sentido de aprimorar as atividades da vida diária (AVDs), incluindo o fato de neutralizar as consequências clínicas devastadoras das escorregadelas e quedas na idade mais avançada.33 FIGURA 22.24 Plasticidade do músculo envelhecido. Dados de cinco homens, com 68 anos de idade, antes (laranja) e depois (amarelo) de 12 semanas de treinamento com uma grande resistência. A. Torque máximo dos flexores do cotovelo. B. Representação gráfica da área transversal dos flexores calculada a partir de ressonância magnética desde a extremidade proximal (direita) até a distal (esquerda) do músculo. C. Média para as áreas das fibras tipo I e tipo II. (De Roman WJ et al. Adaptations in the elbow flexors of elderly males after heavy- resistance training. J Appl Physiol 1993;74:750.) Hiperplasia muscular | Formam-se novas fibras musculares? Uma questão comum é esclarecer se o treinamento faz aumentar o número de células musculares (hiperplasia). Se isso de fato ocorre, até que ponto contribui para o aumento dos músculos nos seres humanos? A sobrecarga crônica dos músculos esqueléticos em várias espécies animais estimula o desenvolvimento de novas fibras musculares a partir das células-satélite ou por divisão (desdobramento) longitudinal.10 Sob condições de (1) estresse, (2) doença neuromuscular e (3) lesão muscular, as células-satélite normalmente adormecidas transformam-se em novas fibras musculares (ver Figura 22.23). Na divisão longitudinal, uma fibra muscular relativamente grande divide-se em duas ou mais células-filhas individuais menores por meio da germinação lateral. Essas fibras funcionam mais eficientemente que a grande fibra única que lhes deu origem.11 A generalização dos achados da pesquisa realizada em animais para os seres humanos constitui um problema. A maciça hipertrofia celular observada nos seres humanos com o treinamento de resistência não ocorre em muitas espécies animais. Nos gatos, por exemplo, a proliferação das células musculares (hiperplasia) reflete com frequência o ajuste compensatório primário à uma sobrecarga. Existe de fato alguma evidência em apoio à ocorrência de hiperplasia nos seres humanos. Por exemplo, os dados de necropsia de homens jovens e sadios que morreram acidentalmente mostram que as contagens de fibras musculares da perna mais volumosa e mais forte (membro inferior oposto à mão dominante) evidenciam 10% mais fibras musculares que o membro inferior menor.213 Os estudos transversais de fisiculturistas com circunferências e massas musculares dos membros relativamente grandes não conseguiram demonstrar que esses fisiculturistas possuíam fibras musculares individuais com um tamanho acima do normal.151,152,227 Alguns dos fisiculturistas podem ter herdado um número inicialmente grande de pequenas fibras musculares (que “se hipertrofiaram” para um tamanho normal com o treinamento de resistência), porém os achados sugerem a ocorrência de hiperplasia com certas modalidades de treinamento de resistência. As fibras musculares podem adaptar-se de maneira diferente ao treinamento de alto volume e alta intensidade adotado pelos fisiculturistas que ao sistema típico com poucas repetições e altas cargas preferido pelos atletas de força e de potência. Mesmo que outros estudos humanos comprovem a hiperplasia induzida pelo treinamento (e mesmo que a resposta reflita um ajuste positivo), o aumento de volume das fibras musculares individuais existentes representa a maior contribuição para o tamanho aumentado dos músculos em virtude do treinamento com sobrecarga. Mudanças no tipo de fibras musculares com o treinamento de resistência A pesquisa avaliou os efeitos de 8 semanas de exercícios com resistência sobre a dimensão das fibras musculares e a composição em termos de fibras musculares para os músculos extensores da perna de 14 homens que realizavam três séries de agachamentos de 6 RM 3 vezes/semana.231 As amostras de biopsia do músculo vasto lateral, antes e depois do treinamento, não mostravam nenhuma modificação na distribuição percentual das fibras musculares de contrações rápida e lenta. Esse achado concorda com estudos precedentes de treinamento de resistência a curto prazo e de treinamento tipo endurance e indica que vários meses de treinamento de resistência em adultos não alteram a composição básica do músculo esquelético com relação aos tipos de fibras. Ainda não foi esclarecido se o treinamento específico no início da vida ou por períodos prolongados praticado por atletas de elite altera as características inerentes de contração (velocidade de encurtamento) das fibras musculares. Alguma transformação progressiva nos tipos de fibras pode ocorrer com um treinamento específico mais prolongado (ver Capítulo 18). A opinião atual postula que são os fatores genéticos que determinam essencialmente a distribuição predominante do tipo de fibras musculares. RESPOSTAS COMPARATIVASA O TREINAMENTO EM HOMENS E MULHERES Atualmente, as mulheres participam com sucesso em praticamente todos os esportes e nas atividades físicas. Em geral, as mulheres não incorporavam o treinamento de resistência, durante as sessões de trabalho, para evitar o aparecimento de músculos excessivamente volumosos semelhantes aos dos homens. Essa hesitação era lamentável, pois a aquisição de uma força específica aprimora o desempenho no tênis, no golfe, no esqui, na dança, na ginástica e na maioria dos outros esportes, incluindo as profissõesfisicamente árduas de combate a incêndios e construção. Surge com frequência a questão de determinar se a aquisição de força muscular difere entre homens e mulheres e, se isso ocorre, que fatores poderiam ser responsáveis? QUESTÃO DISCURSIVA Se as mulheres respondem ao treinamento de resistência essencialmente da mesma maneira que os homens, explique a disparidade entre a circunferência do braço de homens e mulheres fisiculturistas. Força e hipertrofia musculares A hipertrofia muscular absoluta que ocorre com o treinamento de resistência representa uma diferença sexual primária. A tomografia axial computadorizada (ver Capítulo 28) para avaliação direta da área transversal do músculo mostra que homens e mulheres comportam-se de maneira semelhante na resposta hipertrófica ao treinamento de resistência. Sem dúvida, os homens apresentam maior modificação absoluta no tamanho dos músculos, por causa de sua maior massa muscular inicial, porém o aumento de volume muscular em bases percentuais continua sendo semelhante entre os sexos.56,109,249 As comparações entre fisiculturistas de elite de ambos os sexos também indicam hipertrofia muscular substancial nas mulheres com muitos anos de treinamento de resistência.217,218,222 As diferenças relacionadas com o sexo na resposta hormonal ao exercício de resistência (p. ex., testosterona aumentada e cortisol reduzido para os homens) determinam todas as diferenças sexuais definitivas no tamanho dos músculos e nas adaptações de força observadas com um treinamento prolongado.140 Essa área complexa necessita de pesquisa longitudinal para que se possa fornecer uma descrição mais minuciosa das diferenças sexuais na maneira como o músculo esquelético responde ao treinamento de resistência. A força muscular está relacionada com a densidade óssea? Existe uma relação positiva entre força muscular e densidade mineral óssea.46,58,156 Homens e mulheres que participam em atividades de força e de potência possuem massa óssea igual ou superior àquela dos atletas de endurance.199,203,262 A massa óssea da coluna lombar e do fêmur proximal de levantadores de pesos jovens de elite,51 assim como em meninos e meninas adolescentes,251 ultrapassa os valores representativos para o osso plenamente maduro dos adultos de referência. Existe uma relação linear entre os aumentos na densidade mineral óssea (DMO) e o peso total e exercício-específico levantado durante um programa de treinamento de força de 1 ano.57 Esses achados deram origem a uma especulação acerca da possível relação positiva entre força muscular e massa óssea. As experiências de laboratório documentaram maior força dinâmica máxima em flexão e extensão nas mulheres pós-menopáusicas sem osteoporose do que em suas congêneres osteoporóticas.221 Para as mulheres ginastas, a DMO correlaciona-se moderadamente com a força muscular máxima e a progesterona sérica.105 Para as mulheres atletas adolescentes, a força absoluta de extensão do joelho estava associada moderadamente à DMO do corpo como um todo, da coluna lombar, do colo do fêmur e da perna.69 A FIGURA 22.25 mostra a força em flexão e extensão do tórax em mulheres normais e osteoporóticas. As mulheres com uma DMO normal (medida por densitometria por absorção de fótons de energia dupla na coluna lombar e no colo do fêmur) exibiam uma força 20% maior em 11 de 12 comparações dos testes para flexão; 4 de 12 comparações para extensão mostravam valores de força 13% mais altos para as mulheres com uma densidade óssea normal. Os dados subsequentes complementam esses achados; indicam que a massa de tecido magro regional (com frequência um indicador da força muscular) consegue prever com exatidão a densidade mineral óssea.181 Tais achados sugerem que as diferenças na força dinâmica máxima entre mulheres pós-menopáusicas podem desempenhar um papel clinicamente útil na triagem para osteoporose. As mulheres que correm risco de osteoporose ou que já sofrem dessa enfermidade conseguem atenuar seu fator de risco (razão entre a carga que atua sobre o osso e a carga que acarreta a falha do osso) para a possível ocorrência de fratura por uma das seguintes duas maneiras:176 1. 2. FIGURA 22.25 Comparação da força de extensão e flexão para pressão torácica em mulheres pós-menopáusicas equivalentes para idade e peso com valores normais e baixos da densidade mineral óssea (DMO). As mulheres com DMO baixa evidenciavam escores muito menores em cada mensuração da força muscular que o grupo de referência. (Adaptada, com autorização, de Stock JL et al. Dynamic muscle strength is decreased in postmenopausal women with low bone density. J Bone Miner Res 1987;2:338; Janey C et al. Maximum muscular strength differs in postmenopausal women with and without osteoporosis. Med Sci Sports Exerc 1987;19:S61.) Fortalecendo o osso por meio do aumento da densidade óssea mineral, tanto pela dieta quanto por exercícios e terapia medicamentosa. Evitando as atividades perigosas que aumentam a carga suportada pelo osso ou a compressão vertebral (p. ex., as atividades com levantamentos pesados). EFEITOS DO DESTREINAMENTO NO MÚSCULO São limitados os dados que documentam as reduções da força muscular e os fatores associados à interrupção do treinamento de resistência. A interrupção do treinamento por 2 semanas fez com que os levantadores de potência perdessem 12% de sua força muscular excêntrica isocinética e 6,4% de sua área com fibras musculares do tipo II, sem perda na área das fibras do tipo I.107 Outro estudo avaliou a força do músculo extensor do joelho, o volume e a qualidade musculares em mulheres idosas com um programa de 12 semanas de treinamento de força seguido por um tempo semelhante de destreinamento.52 O tempo não exerceu efeito sobre a qualidade muscular, porém a força muscular aumentou em 33% e o volume muscular em 26% desde o início do estudo até depois do treinamento. Após o destreinamento, a força do extensor do joelho permaneceu 12% mais alta em comparação com os valores iniciais, enquanto os ganhos em massa muscular retornaram aos valores do início do estudo. Os autores concluíram que ganhos e perdas em força muscular a partir de treinamento de força e destreinamento não podem ser determinados pelas mudanças na massa muscular. A abstenção por um curto período do treinamento de resistência em homens previamente sedentários acarretou perda dos aumentos de força em algumas semanas, mais provavelmente em virtude da reversão das adaptações neuromusculares e hormonais induzidas pelo treinamento.50 Alguns atletas e coaches orientam seus atletas a diminuir gradativamente suas rotinas normais, incluindo parâmetros psicológicos,214 de modo a permitirem recuperação suficiente antes da próxima competição.174 O conceito de diminuição gradativa é uma área frutífera para futuras pesquisas, uma vez que estão disponíveis apenas dados quantitativos limitados para atletas em treinamento.230 A redução na frequência do treinamento para apenas uma ou duas sessões por semana proporciona um estímulo suficiente capaz de manter os aumentos de força induzidos pelo treinamento.87 ESTRESSE METABÓLICO DO TREINAMENTO DE RESISTÊNCIA O treinamento com resistência variável não provoca aprimoramento do O2máx nem da frequência cardíaca e do volume sistólico do exercício submáximo.111 A ausência de aprimoramento cardiovascular induzido pelo treinamento de resistência padronizado resulta, provavelmente, das demandas metabólicas e circulatórias “corporais totais” relativamente baixas e das altas necessidades metabólicas anaeróbicas desse tipo de treinamento. Isso se reflete na poderosa estimulação da captação de glicose e liberação de lactato pelo músculo ativo.70 Os dados de homens jovens durante o exercício isométrico máximo e de levantamento de pesos para 8 a 10 RM indicam que essa atividade induz uma resposta da frequência cardíaca (em geral, inferior a 130 bpm) e do consumo de oxigênio (3 a 4 MET) que pode ser classificadade leve a moderada.158 O treinamento de resistência impõe um considerável estresse localizado em músculos específicos. O curto período de ativação e a massa muscular tipicamente pequena ativada nesse tipo de treinamento produzem frequências cardíacas e demandas aeróbicas mais baixas que a corrida dinâmica realizada com grandes grupos musculares, as longas caminhadas, o alpinismo, a natação ou o ciclismo. Uma pessoa pode dedicar 1 h ou mais para completar uma sessão de treinamento de força, porém o tempo total dedicado ao exercício não costuma ultrapassar os 8 min/h. As sessões de treinamento de resistência tradicional não deveriam constituir uma porção significativa de um programa destinado ao aprimoramento cardiovascular e ao controle do peso. TREINAMENTO DE RESISTÊNCIA EM CIRCUITO Uma modificação na abordagem tradicional ao treinamento de resistência eleva o custo calórico de tal exercício de modo a aprimorar vários aspectos importantes da aptidão. O treinamento de resistência em circuito (TRC) não enfatiza os curtos intervalos de sobrecarga muscular local maciça no treinamento padronizado de resistência. Proporciona um condicionamento mais generalizado que aprimora a composição corporal, a força e endurance musculares e a aptidão cardiovascular.8,22,83,175 No TRC, uma pessoa levanta um peso entre 40 e 55% de 1 RM o maior número possível de vezes com uma boa forma por 30 s. Após um descanso de 15 s, o participante desloca-se para a próxima estação do exercício com resistência, e assim sucessivamente, até completar o circuito, constituído por 8 a 15 exercícios diferentes. Uma modificação que produz um gasto energético semelhante no TRC utiliza uma razão de exercício para repouso de 1:1, com períodos de exercícios de 15 ou 30 s.18 O circuito, repetido várias vezes, permite realizar 30 a 50 min de exercício contínuo, e não apenas os 6 a 8 min da sessão de trabalho tradicional com treinamento de resistência. À medida que a força aumenta, uma nova 1 RM determinado para cada exercício proporciona a base para aumentar a resistência. A modificação tipo TRC do treinamento padronizado de resistência oferece uma alternativa atraente para os que desejam um programa de condicionamento mais generalizado. Programas de TRC com supervisão médica treinam efetivamente os pacientes com propensão para lesões coronarianas, cardíacas e medulares para um programa de aptidão bem equilibrado. O TRC suplementa o condicionamento fora da temporada para os esportes que exigem altos níveis de força, de potência e de endurance muscular. Especificidade do aprimoramento aeróbico com TRC Existe alguma pesquisa indicando que o TRC produz cerca de 50% menos aprimoramento na aptidão aeróbica que o treinamento com bicicleta ou corrida.82 Ainda mais importante, em geral o TRC envolve uma quantidade substancial de exercício realizado com a parte superior do corpo, porém a avaliação dos exercícios aeróbicos desse treinamento confiou em testes na esteira rolante ou na bicicleta que ativam predominantemente a musculatura dos segmentos inferiores do corpo. Para compensar essa limitação, um estudo avaliou os efeitos do TRC sobre a capacidade aeróbica com testes de corrida na esteira rolante e de ergometria com os braços ativando uma manivela.96 A capacidade aeróbica aumentava 8% com os testes da esteira rolante e 21% com os testes da manivela acionada pelos braços, confirmando assim o princípio da especificidade do treinamento. Esses achados adquirem um significado ainda maior porque ocorreram sem efeitos negativos em um grupo de hipertensos limítrofes. O programa produziu também aumento na força muscular, redução da pressão arterial e aprimoramento moderado na composição corporal. Gasto energético para diferentes modalidades de exercício de resistência A TABELA 22.7 mostra o gasto energético para o exercício realizado com a utilização de pesos livres, Nautilus® (excêntrico), Universal Gym® (concêntrico-excêntrico), Cybex® (isocinético) e Hydra-Fitness® (hidráulico-concêntrico). O gasto energético para os exercícios hidráulicos era, em média, de 9,0 kcal/min; isso corresponde a um valor cerca de 35% mais alto que o exercício realizado com pesos livres, 29,4% mais alto que o exercício no Nautilus e 11,5% mais que o TRC utilizando equipamento Universal Gym®. Os valores do gasto energético para o exercício hidráulico eram, em média, cerca de 6,4% menores comparados ao exercício em circuito isocinético de alta e baixa velocidades. Por comparação, a última linha apresenta o gasto energético para caminhar com um ritmo normal em uma superfície plana. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. TABELA 22.7 Gasto energético para diferentes modalidades de exercício de resistência em comparação com a caminhada.a Modalidade Sexo kJ/min kcal/min Nautilus®, circuito M 29,7 7,1 F 24,3 5,8 Nautilus®, circuito M 22,6 5,4 Universal, circuito M 33,1 7,9 F 28,5 6,8 Isocinética, lenta M 40,2 9,6 Isocinética, rápida M 41,4 9,9 Isométrica e pesos livres M 25,1 6,0 Hydra-Fitness®, circuito M 37,7 9,0 Caminhar no plano horizontal M 22,6 5,4 aCom base em um peso corporal de 68 kg. Dados de Katch FI et al. Evaluation of acute cardiorespiratory responses to hydraulic resistance exercise. Med Sci Sports Exerc 1985;17:168. DOR E RIGIDEZ MUSCULARES Após um afastamento prolongado do exercício, ou ao executar um exercício para o qual não se estava habituada, a maioria das pessoas apresenta dor e rigidez nas articulações e nos músculos exercitados. A dor temporária pode persistir por várias horas imediatamente após realizar um exercício para o qual o indivíduo não estava preparado, enquanto a dor muscular de início tardio (DMIT) residual aparece subsequentemente e pode persistir por 3 ou 4 dias. Qualquer um dos sete seguintes fatores pode provoca DMIT: Minúsculas lacerações no tecido muscular ou dano dos seus componentes contráteis com liberação concomitante de creatinoquinase (CK), mioglobina (M) e troponina 1, que é o marcador músculo-específico de dano das fibras musculares. Modificações da pressão osmótica que causam retenção de líquidos nos tecidos circundantes. Espasmos musculares. Estiramento excessivo e laceração de porções do envoltório de tecido conjuntivo do músculo. Inflamação aguda. Alteração no mecanismo celular para a regulação do cálcio. Uma combinação desses fatores. Ações excêntricas provocam dor muscular A causa precisa da dor muscular continua sendo desconhecida, porém o grau de desconforto, de distúrbio muscular e de perda de força depende, em grande parte, da intensidade e da duração do esforço, assim como do tipo de movimento realizado.91,103,112,232 A magnitude de uma sobrecarga ativa imposta a uma fibra muscular (e não a força absoluta) induz dano muscular e dor.145 As ações musculares excêntricas desencadeiam o maior desconforto após o exercício, exacerbado particularmente nos indivíduos mais idosos.25,242,247 O dano ou a dor muscular preexistente em virtude de exercício prévio não exacerba o dano muscular subjacente nem afetam o processo de reparo.183 Em um estudo, os indivíduos classificavam a dor muscular imediatamente após se exercitarem e 24, 48 e 72 h depois. A dor mais intensa ocorria em virtude do exercício que envolvia sobrecarga intensa e repetida durante o alongamento ativo nas ações excêntricas do que em virtude das ações concêntricas e isométricas. A dor não se relacionava com o acúmulo de lactato, pois a corrida de alta intensidade em um plano horizontal (ações concêntricas) não provocou dor residual, apesar de elevações significativas no lactato sanguíneo. Em contrapartida, a corrida em um plano em declive (ações excêntricas) acarretava DMIT moderada a intensa sem elevação do lactato durante o exercício. A TABELA 22.8 enfatiza a dor muscular e a atividade de CK após um exercício em circuito com ações musculares apenas concêntricas ou concêntricas e excêntricas. O Grupo 1 realizava três séries de oito exercícios(tipo concêntrico-excêntrico) com 60% de 1-RM no equipamento Universal Gym: uma série correspondia a 20 s de exercício seguidos por 40 s de repouso; o tempo total do exercício era de 24 min. O Grupo 2 adotava o mesmo protocolo de exercício, mas exercitava-se ao máximo para cada repetição dos dispositivos de resistência, acionados por cilindros hidráulicos que produziam concentrações apenas concêntricas. As amostras de sangue e as classificações da dor muscular percebida eram feitas antes do exercício e 5, 10 e 25 h depois. A principal diferença nas classificações da dor entre os grupos que se exercitavam ocorria 25 h depois do exercício; a sessão concêntrica-excêntrica produzia classificações percebidas mais altas da dor para os principais grupos musculares exercitados. A magnitude do aumento do nível sérico de CK continuava a mesma entre os grupos de 5 a 25 h depois do exercício. Ambas as modalidades de exercício elevavam o nível sérico de CK, porém as ações musculares apenas concêntricas não produziam DMIT. Dano celular A corrida em declive para uma inclinação de 10° durante 30 min produzia considerável DMIT 42 h após correr.34 Aumentos correspondentes ocorriam também nos níveis séricos de M e na enzima CK específica para o músculo, que são ambos marcadores comuns de lesão muscular. A inflamação aguda induz também maior mobilização de leucócitos e neutrófilos. Os indivíduos eram testados também depois de 3, 6 e 9 semanas. A FIGURA 22.26 mostra a classificação da dor percebida para os músculos estriados esqueléticos das pernas em relação ao período de tempo transcorrido após o exercício para as três durações do estudo. Para as comparações de 3 e 6 semanas, as diferenças entre as sessões de exercício alcançavam um significado estatístico, observando-se reduções de DMIT no segundo ensaios (laranja). Padrões semelhantes foram observados para a percepção da dor muscular e para os níveis de CK e de M. Curiosamente, as classificações de dor máxima após 48 h não se correlacionavam com as modificações absolutas ou relativas em CK ou M. Os indivíduos que relatavam a DMIT mais intensa não apresentavam necessariamente os valores mais altos de CK e M. A primeira sessão de exercício repetitivo de alta intensidade afeta provavelmente a integridade do sarcolema, de modo a produzir tumefação mitocondrial e dano muscular ultraestrutural temporário em um conjunto de fibras musculares suscetíveis ao estresse ou em processo de degeneração. Essa resposta ocorre com aumento dos marcadores hematológicos, tais como as carbonilas proteicas que refletem estresse oxidativo.44,139 TABELA 22.8 Efeitos agudos de exercícios apenas concêntrico e concêntrico-excêntrico sobre a DMIT 25 h após o exercício.a Local Classificação da dor Classificação da dor Concêntrica Concêntrica-Excêntrica Local Concêntrica Concêntrica- Excêntrica Tórax 2,3 5,1 Antebraço (parte anterior) 1,7 3,4 Dorso (parte superior) 2,6 2,8 Antebraço (parte posterior) 1,7 2,9 Ombros (parte anterior) 2,2 3,6 Dorso (parte inferior) 1,7 2,9 Ombros (parte posterior) 1,9 3,6 Nádegas 1,8 2,5 M. bíceps (médio) 1,9 4,3 M. quadríceps (parte média) 2,0 4,1 M. bíceps (inferior) 1,8 3,5 M. quadríceps (parte inferior) 2,1 3,8 M. tríceps (médio) 1,9 3,4 Mm. isquiotibiais (parte média) 2,1 3,5 M. tríceps (inferior) 1,9 3,0 Mm. isquiotibiais (parte inferior) 2,1 3,0 Atividade de CK (mU/mℓ) Tempo de coleta da amostra Concêntrica Concêntrica-Excêntrica Pré 86,7 126,9 5 h após 344,8 232,0 10 h após 394,3 368,5 25 h após 288,0 482,2 = média. aTodas as diferenças entre os grupos eram estatisticamente significativas. Reproduzida de Byrnes WC. Muscle soreness following resistance exercise with and without excentric muscle actions. Res Q Exerc Sport 1985;56:283. O dano mecânico inicial dos miócitos (que se reflete por maior liberação de CK) 24 h após o exercício coincide com a infiltração aguda de células inflamatórias no músculo.29 A redução subsequente no desempenho muscular alguns dias após uma lesão excêntrica é devida, principalmente, a falha na acoplagem de excitação-contração e proteólise miofibrilar aumentada.114,256 As fibras de contração rápida com baixas capacidades oxidativas mostram uma vulnerabilidade específica, com um dano mais extenso ocorrendo vários dias após o exercício que no período imediato pós-exercício. Uma única sessão de exercício precondicionado excêntrico de pelo menos 20% da ação excêntrica máxima e de exercício isométrico a uma longa extensão do músculo proporciona um efeito protetivo contra danos musculares induzidos pela ação excêntrica máxima.41,42 A resistência ao dano muscular por ocasião da atividade física subsequente pode resultar de um aumento induzido pelo exercício excêntrico nos sarcômeros das fibras musculares conectadas em série.150 Essas adaptações confirmam a ideia de iniciar um programa de treinamento com uma atividade leve, a fim de conseguir uma proteção contra a dor muscular que acompanha quase sempre uma sessão inicial de exercício intenso incluindo um componente excêntrico.81 Movimentos concêntricos intensos realizados imediatamente antes de um exercício excêntrico extenuante não agravam o dano muscular. Podem preparar o músculo para responder mais efetivamente ao próximo estresse representado pelo exercício excêntrico. Até mesmo o exercício precedente de menor intensidade realizado por músculos específicos não proteje plenamente contra a DMIT observada com movimentos mais intensos. 1. 2. 3. 4. FIGURA 22.26 Classificação mais alta da dor antes e 8, 16 e 48 h após a sessão 1 do exercício (amarela) e uma sessão subsequente de exercício (sessão 2, laranja) realizada 3, 6 ou 9 semanas depois. CK e M mostravam resultados semelhantes. (Adaptada, com autorização, de Byrnes WC et al. Delayed onset muscle soreness following repeated bouts of downhill running. J Appl Physiol 1985;59:710.) Retículo sarcoplasmático Quatro fatores produzem alterações significativas na estrutura e na função do retículo sarcoplasmático com a realização de uma atividade física para a qual não se estava acostumado: Mudanças no pH. Mudanças nos fosfatos intramusculares de alta energia. Mudanças no equilíbrio iônico. Mudanças na temperatura. Esses efeitos deprimem as taxas de captação e de liberação de Ca2+ e fazem aumentar a concentração de Ca2+ livre à medida que esse mineral penetra rapidamente no citosol (citoplasma) das fibras lesionadas. A sobrecarga intracelular de Ca2+ contribui para o processo autolítico nas fibras musculares lesionadas e que degrada as estruturas com e sem potencial contrátil. Técnicas de mapeamento topográfico destinadas a investigar as consequências sensoriais e EMG da DMIT foram investigadas 24 e 48 h após o exercício excêntrico em múltiplas localizações do músculo quadríceps. Uma DMIT mais intensa ocorria na região distal do músculo quadríceps, indicando maior tendência dessa região em sofrer uma lesão adicional após o exercício excêntrico juntamente com a capacidade de força reduzida.102 A suplementação com vitamina E, e talvez com vitamina C e selênio, protege contra a ruptura da membrana celular e a perda de enzimas após o dano muscular induzido pelo exercício de resistência (ver Capítulo 2).86,159 A suplementação proteica pós-exercício também pode proteger contra dor muscular nos indivíduos profundamente estressados pelo exercício.75 Em contrapartida, a suplementação diária, seja com óleo de peixe (rico em ácidos graxos ômega-3 e ômega-6), seja com isoflavonas (soja) por 30 dias antes e no decorrer da semana dos testes, com a finalidade de reduzir a resposta inflamatória, não produziu nenhum benefício sobre a DMIT (força, classificação da dor, circunferência dos membros e mensurações hematológicas relacionadas com o dano muscular, a inflamação e a peroxidação lipídica) em comparação ao tratamento com um placebo.141 A suplementação com 750 mg/dia de fosfatidilserinadurante 10 dias não proporcionou proteção adicional contra a DMIT nem contra os marcadores de dano muscular, inflamação e estresse oxidativo que acompanham uma corrida prolongada em declive.130 De maneira semelhante, a administração de um suplemento de protease não influenciou a percepção da dor associada à DMIT nem os marcadores hematológicos de dano muscular.20 Modelo atual de DMIT A FIGURA 22.27 apresenta, em forma de diagrama, as prováveis etapas no surgimento de DMIT e a subsequente recuperação. QUESTÃO DISCURSIVA Responda ao seguinte: “Corro e me exercito com pesos livres regularmente, porém a cada primavera meus músculos ficam doloridos por 1 ou 2 dias após algumas horas de trabalho no quintal.” 1. 2. 3. 4. 5. 6. FIGURA 22.27 Sequência proposta de seis fases para a dor muscular de início tardio após um exercício para o qual o indivíduo não estava habituado. As adaptações celulares ao exercício de curta duração proporcionam maior resistência ao dano e à dor subsequentes. Resumo O tamanho e o tipo das fibras musculares e o arranjo anatômico das alavancas do osso e do músculo (fatores fisiológicos) determinam, em grande parte, o limite superior da força muscular. As influências do sistema nervoso central ativam os agonistas em uma ação específica afetando a capacidade de gerar força máxima. Seis fatores – genéticos, relacionados com o exercício, nutricionais, hormonais, ambientais e neurais – interagem para regular a massa de músculo esquelético e o desenvolvimento correspondente da força com o treinamento de resistência. Três fatores contribuem para o aumento da força muscular que ocorre com o treinamento de resistência: maior capacidade para o recrutamento das unidades motoras, modificações na eficiência dos padrões de acionamento dos motoneurônios e alterações dentro dos elementos contráteis das fibras musculares. A sobrecarga muscular faz aumentar a força e estimula seletivamente a hipertrofia das fibras musculares. A hipertrofia muscular inclui maior síntese proteica com espessamento das miofibrilas, proliferação das células do tecido conjuntivo e maior número de células-satélite ao redor de cada fibra. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. A hipertrofia muscular envolve modificações estruturais no aparelho contrátil das fibras individuais, particularmente as fibras de contração rápida, e aumento nas reservas de energia aeróbica. O código genético exerce a maior influência sobre a distribuição dos tipos de fibras musculares; a composição de um músculo em termos de fibras é fixada, em grande parte, antes do nascimento ou durante os primeiros anos de vida. As fibras musculares humanas adaptam-se às maiores demandas funcionais pela ação de células-tronco miogênicas (células-satélite) que proliferam e se diferenciam a fim de remodelar o músculo. Períodos relativamente curtos de treinamento de resistência geram aprimoramentos semelhantes de força (em bases percentuais) para mulheres e homens. A fraqueza muscular nas regiões abdominais e lombar (core), incluindo flexibilidade insatisfatória na região lombar e nos membros inferiores, representa os fatores primários relacionados com a síndrome de lombalgia. O fortalecimento dos músculos centrais, a flexibilidade e os exercícios de equilíbrio protegem efetivamente e permitem reabilitar a síndrome da lombalgia. As mulheres com risco de osteoporose ou com essa doença reduzem o risco de fraturas aumentando a densidade óssea e evitando atividades que aumentam a compressão vertebral e o estresse ósseo. O treinamento de resistência convencional não aprimora a aptidão aeróbica. Essas sessões de trabalho não afetam a perda de peso, por causa de seu custo calórico relativamente baixo. O treinamento de resistência em circuito, desempenhado de maneira contínua, por utilizar menor resistência e maior número de repetições, combina efetivamente os benefícios do treinamento muscular do exercício de resistência com os benefícios cardiovasculares de queima de calorias do exercício dinâmico contínuo. As ações musculares excêntricas induzem DMIT mais intensa que as contrações apenas concêntricas ou isométricas. Os marcadores séricos de dano muscular (CK e M) aumentam com cada forma de contração muscular. Uma única sessão de exercícios protege contra DMIT e dano muscular do exercício subsequente. O mecanismo de proteção apoia a ideia de iniciar um programa de treinamento que torna necessária a aplicação de uma força muscular considerável para progredir gradualmente a uma baixa intensidade a fim de minimizar contrações excêntricas. O corpo inicia vários eventos celulares adaptativos, basicamente uma resposta inflamatória à atividade física para a qual não estava acostumado e que provoca DMIT. As referências estão disponíveis para download em http://gen-io.grupogen.com.br, na área relativa a este livro. • • • Recursos Especiais para o Treinamento Físico e o Desempenho OBJETIVOS DO CAPÍTULO Definir recursos ergogênicos e esboçar os possíveis mecanismos para seus hipotéticos efeitos Esboçar o procedimento para formular um estudo de pesquisa randomizado duplo-cego, controlado por placebo, e listar os benefícios desse tipo de projeto Enumerar as onze categorias de substâncias atualmente proibidas pelo Comitê Olímpico Internacional • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Fornecer cinco exemplos de substâncias ou procedimentos com hipotéticos benefícios ergogênicos Discutir a modalidade de ação de esteroides anabólicos, sua efetividade e seus riscos quando utilizados por homens e mulheres Resumir a “Declaração de Princípios sobre o Uso de Esteroides Anabólicos” do ACSM Fornecer achados positivos e negativos, com base na pesquisa em animais, sobre os efeitos de clembuterol e outros agonistas β2-adrenérgicos Discutir a indicação clínica do hormônio do crescimento humano e os perigos potenciais para os atletas sadios Esboçar a tendência geral para a produção endógena da desidroepiandrosterona (DHEA) durante as várias fases da vida Discutir a base lógica para usar DHEA como recurso ergogênico e seus riscos potenciais Resumir a controvérsia acerca da androstenediona ser suplemento nutricional benigno ou uma substância prejudicial Discutir os efeitos dos suplementos orais de aminoácidos, carboidratos-proteínas e apenas carboidratos sobre a secreção hormonal, a responsividade ao treinamento de resistência e o desempenho físico Resumir os achados gerais de pesquisa acerca dos benefícios ergogênicos e dos riscos de anfetaminas, cafeína, soluções de tamponamento, picolinato de cromo, L- carnitina, glutamina e β-hidroxi-β-metilbutirato Descrever a evolução temporal típica para reinfusão de hemácias e seu mecanismo para os efeitos ergogênicos sobre o desempenho de endurance e o O2máx Discutir a indicação clínica da eritropoetina e os dois perigos potenciais para os atletas sadios Definir aquecimento geral e aquecimento específico e os benefícios potenciais de cada um deles Descrever os possíveis benefícios cardiovasculares do aquecimento moderado antes de esforço físico extremo Dar um exemplo em que a inalação de misturas gasosas hiperóxicas aprimore o desempenho nos exercícios; quantificar seu potencial de aumentar a disponibilidade de oxigênio nos tecidos Esboçar o procedimento clássico de sobrecarga com carboidratos e o procedimento de sobrecarga modificado para aumentar o armazenamento de glicogênio Descrever o papel teórico do efeito ergogênico dos suplementos de creatina e duas atividades físicas que são beneficiadas pela suplementação Resumir a pesquisa e a base lógica para o consumo de triacilgliceróis de cadeia média com a finalidade de aumentar o desempenho de endurance Discutir os efeitos da suplementação com piruvato sobre a endurance e a perda de gordura corporal Há atualmente muitas publicações acerca de recursos ergogênicos e desempenho atlético – ergogênico referindo-seà aplicação de um procedimento ou recurso nutricional, físico, mecânico, psicológico ou farmacológico capaz de aprimorar a capacidade de realizar um trabalho físico ou um desempenho atlético. Essa literatura inclui estudos dos possíveis benefícios, em termos de desempenho, de elementos como álcool, anfetaminas, efedrina, hormônios, carboidratos, aminoácidos, ácidos graxos, hemácias adicionais, cafeína, carnitina, creatina, fosfatos, misturas respiratórias ricas em oxigênio, massagem, óleo de gérmen de trigo, vitaminas, minerais, ar ionizado, música, hipnose e, até mesmo, maconha e cocaína! Os atletas utilizam sistematicamente apenas alguns desses recursos e somente alguns deles despertam uma real controvérsia. Uma preocupação específica concentra-se no uso de esteroides anabólicos, hormônio do crescimento humano, desidroepiandrosterona (DHEA) e outros hormônios e pró-hormônios exógenos, alguns suplementos nutricionais, anfetaminas e “dopagem sanguínea”. O aquecimento e a inalação de um gás hiperóxico são procedimentos comuns, razão pela qual os incluímos em nossa discussão acerca da efetividade e das implicações práticas dos recursos ergogênicos para o treinamento físico e o desempenho. Abordamos as necessidades nutricionais dos macro e micronutrientes para os indivíduos ativos nos capítulos específicos que lidam com esses nutrientes. O uso indiscriminado de substâncias ergogênicas aumenta a probabilidade de efeitos colaterais adversos, que variam desde desconforto físico benigno até episódios potencialmente fatais. Muitos desses compostos não obedecem às exigências de rotulagem que permitiriam identificar corretamente o valor dos ingredientes do produto e seus contaminantes.113,139 Por exemplo, suplementos disponíveis na Internet e em lojas normalmente contêm esteroides e estimulantes proibidos para o uso em competições esportivas de elite.137 UM DESAFIO CADA VEZ MAIOR PARA UMA COMPETIÇÃO JUSTA Os exemplos do uso de recursos ergogênicos por parte de atletas remontam à Antiguidade. Muitos dos primeiros médicos voltados para o esporte incentivavam os atletas romanos e gregos a comer carne crua antes de competir a fim de exacerbar sua “competitividade animal”. Em épocas mais recentes, o vencedor dos Jogos Olímpicos de Verão de 1904 (oficialmente conhecidos como III Jogos Olímpicos da Era Moderna, sediados em Saint Louis, estado norte-americano), Thomas John Hicks, um inglês que corria pelos EUA (ver www.olympic.org/st-louis-1904-summer-olympics), consumiu uma pequena dose de conhaque e um estimulante do sistema nervoso – sulfato de estricnina (comumente usado como veneno para ratos) – administrados por seu médico diversas vezes durante a corrida para melhorar seu desempenho.290 Das 279 medalhas conquistadas pelas dez nações de melhor desempenho, os anfitriões EUA venceram 239 (78 de ouro, 82 de prata e 79 de bronze). Ao longo de 60 anos de competições olímpicas, um grande revés ocorreu na contagem de medalhas, principalmente por causa dos melhores métodos de treinamento, mas também pela introdução de substâncias para a melhoria de desempenho. Por exemplo, no início da década de 1960, levantadores de peso soviéticos e norte-americanos utilizavam esteroides anabolizantes antes das competições, o que rapidamente se espalhou para a maior parte dos atletas de levantamento de peso, esportes de pista e de campo. Isso foi antes de os esteroides serem proibidos, quando recordes mundiais se modificavam rapidamente91 e atletas de nível mundial reconheciam o uso de esteroides (p. ex., Harold Connolly, campeão olímpico de 1956 no lançamento de martelo; Dallas Long, campeão olímpico de 1964 no arremesso de peso; Randy Matson, campeão olímpico de 1968 no arremesso de peso; e Russ Hodge, detentor do recorde mundial de decátlon). Na década de 1970, atletas olímpicos eram aconselhados por seus “nutricionistas pessoais” a consumirem refeições ricas em carboidratos antes de competições sediadas na cidade de Olímpia (http://www.perseus.tufts.edu/Olympics/site_1q.html) para reduzir a fadiga muscular. Mesmo esse tipo de manipulação nutricional não foi um fenômeno único, foi praticado por atletas gregos nos antigos Jogos Olímpicos (776 a.C.–394 d.C.; http://www.olympic.org/ancient-olympic-games). Exemplos extremos incluíam organoterapia (ingestão de órgãos humanos e animais) para melhorar o vigor, a vitalidade e o desempenho nas competições atléticas.10 A incorporação de recursos ergogênicos, incluindo substâncias ilegais, para melhorar as conquistas competitivas em quase todos os esportes, tem sido assunto de manchetes em periódicos há mais de 60 anos. Infelizmente, o uso de substâncias proibidas de melhoria de desempenho (PED; do inglês, performance enhancing drugs) não diminui e as competições de ciclismo atuais (como no caso da desclassificação de alto nível de Lance Armstrong por admitir o uso de drogas na Tour de France de 2012), bem como de esportes de pista e campo, corridas de carro, lutas de boxe, artes marciais mistas, cricket, levantamento de peso, fisiculturismo, competições de basquete, beisebol, futebol e futebol americano não estão imunes a tais práticas (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1859606/). O preço da mentira e da trapaça | Ascensão, queda e desonra do ciclista Lance Armstrong Em 12 de junho de 2012, a US Anti-Doping Agency (USADA), uma agência semigovernamental que fiscaliza medidas antidoping nas modalidades esportivas nos EUA, entrou com queixas formais contra o ciclista de elite Lance Armstrong. As acusações alegavam que a USADA havia coletado amostras de sangue de Armstrong entre 2009 e 2010, as quais eram “completamente compatíveis com manipulação sanguínea, inclusive por uso de EPO (eritropoetina) e/ou transfusões de sangue”. As acusações também alegavam que “diversos corredores com conhecimento em primeira mão” testemunhariam que Armstrong teria usado eritropoetina, transfusões, testosterona e agentes de mascaramento, e que ele teria também distribuído e administrado substâncias proibidas em outros ciclistas de 1998 a 2005. Além das acusações específicas contra Armstrong, sua equipe também estaria envolvida em uma “conspiração de doping“, a qual incluía “oficiais da equipe, empregados, médicos e ciclistas de elite dos times de ciclismo dos correios dos EUA e do Discovery Channel”. Em junho de 2012, a USADA condenou oficialmente Amstrong pelo uso de substâncias de melhoria de desempenho e, em agosto, anunciou sua desqualificação de todos os seus resultados em corridas, desde agosto de 1998 (incluindo todos os sete títulos de Tour de France), além de um banimento vitalício de competições, o que se aplica a todo e qualquer esporte que siga o código da World Anti-Doping Agency. Nas palavras do chefe executivo da USADA: “É um exemplo de partir o coração em que vencer a qualquer custo se sobrepôs à opção honesta e segura. Não há sucesso na trapaça para a vitória.” Em 22 de outubro de 2012, a Union Cycliste Internationale (http://www.uci.ch/), organização que coordena as modalidades de ciclismo, endossou o veredito da USADA e confirmou tanto o banimento vitalício quanto a retirada dos títulos. Exame de urina para pesquisa de esteroides O método “padrão-ouro” para a detecção do uso de drogas ilícitas em atletas envolve exame de urina. Tal exame tem duas etapas, sendo a primeira um exame de triagem. Se essa parte for positiva para traços de substâncias de melhoria de desempenho, o segundo passo, conhecido como teste de confirmação, é então realizado nas amostras que apresentaram resultado positivo na triagem. Triagens são, em geral, realizadas por meio de métodos de imunoensaio. Nos EUA, o teste de confirmação é, na maioria dos laboratórios (e todos certificados pela SAMHSA – Substance Abuse and Mental Health Services Administration – uma seção do US Department of Health and Human Services; http://www.samhsa.gov), é realizado por meio de espectrômetro de massa. Essa metodologia analítica precisa avaliaa razão massa:carga de partículas carregadas em uma determinada substância química. A amostra, após ser vaporizada, cria partículas carregadas depois do bombardeamento por um feixe de elétrons, e é analisada na quantidade precisa de substância química presente. Esse padrão de “assinatura” feito pelas moléculas em uma substância química desviada pelo campo é comparado com padrões conhecidos de substâncias. Além de detectar esteroides, outras substâncias proibidas podem ser álcool, anfetaminas, metanfetaminas, MDMA (ectasy), barbitúricos, fenobarbitol, benzodiazepinas, cânabis, cocaína, cotinina (produto da degradação da nicotina), morfina, antidepressivos tricíclicos (TCA), ácido dietilamida lisérgico (LSD), metadona e fenciclidina (PCP). O tempo até a obtenção dos resultados pode variar de 1 dia para barbitúricos até 3 a 30 dias para esteroides (http://www.deadiversion.usdoj.gov/drugs_concern/pcp.htm). Lamentavelmente, os atletas Olímpicos altamente celebrados e idolatrados, porém agora desonrados, foram obrigados pelo Comitê Olímpico Internacional (COI; www.olympic.org/ioc) a devolver suas medalhas em virtude da dopagem ilegal durante os últimos quatro jogos olímpicos. A estrela das pistas Marion Jones, que ganhou cinco medalhas (ouro nos 100 m, 200 m e revezamento de 1.600 e bronze no salto em distância e no revezamento de 400 m), declarou-se culpada para duas acusações por ter mentido aos investigadores acerca de dopagem, cumpriu 6 meses em prisão federal, suspensão de 2 anos e prestação de serviços comunitários. Níveis de evidência O National Heart, Lung and Blood Institute (NHLBI; www.nhlbi.nih.gov, parte do National Institutes of Health [NIH; www.nih.gov]) elaborou diretrizes que devem ser levadas em conta ao julgar o valor da evidência proporcionada pela pesquisa. As diretrizes acerca da evidência apresentadas na TABELA 23.1 indicam que a evidência mais rigorosa e mais conclusiva é proporcionada por estudos randomizados, duplos-cegos e controlados por placebo publicados em periódicos com revisão por pares. Porém, até mesmo os resultados da pesquisa mais bem elaborada podem não ser suficientes. Os resultados reprodutíveis passam a constituir uma parte importante no processo de avaliação, de modo que a evidência mais concreta emerge da quantidade cumulativa de literatura científica, e não simplesmente do resultado de um único estudo. Obviamente, é altamente desejável que a evidência proporcionada pelas pesquisas seja rigorosa antes de se fazer recomendações acerca de determinado recurso ergogênico. Entretanto, isso nem sempre é possível, e as recomendações são feitas tendo como base apenas a evidência plausível ou limitada, na maioria das vezes de natureza empírica. Sustentamos que, até que uma evidência concreta apoie o uso de uma hipotética substância ergogênica, os atletas e aqueles envolvidos no treinamento, no coaching e no aconselhamento desses indivíduos devem compreender o valor relativo da pesquisa disponível nessa área, conforme mostrado na Tabela 23.1. TABELA 23.1 Níveis de evidência para julgar os achados de pesquisa. Categoria de evidência Fonte de evidência Definição e comentário I Ensaios controlados e randomizados (ECR) envolvendo numerosos dados As evidências derivam dos pontos terminais de ECR bem-elaborado (ou de ensaios que se afastam apenas minimamente da randomização) que proporcionam um padrão consistente de dados dos achados na população para a qual está sendo feita a recomendação. Exige um número considerável de participantes. Altíssima confiança nos achados. II ECR envolvendo limitados dados Evidências provenientes do ponto terminal de estudos intervencionais que incluem apenas um número limitado de ECR, uma análise post hoc ou dos subgrupos dos ECR, ou uma metanálise dos ECR. Em geral, essa linha de evidência é menos convincente que o nível I, por causa de alguma inconsistência nos resultados entre os estudos. III Ensaios não randomizados e estudos baseados na observação Evidências derivadas de desfechos de ensaios não controlados ou não randomizados ou de estudos baseados na observação. Julgamento de consenso de Julgamento qualificado derivado da pesquisa experimental descrita na literatura e/ou que deriva do consenso dos membros de um painel, com base na experiência clínica ou no conhecimento que não satisfaz os critérios já listados em outros níveis. Essa categoria é usada somente quando a • • • • • • • • IV painel provisão de alguma orientação foi considerada valiosa, mas uma literatura clínica suficientemente convincente acerca do assunto da recomendação foi considerada insuficiente para justificar a colocação em uma das outras categorias (I ou III). NA PRÁTICA Necessidade de Avaliar Criticamente as Evidências Científicas As companhias gastam muito dinheiro e esforço para mostrar um efeito benéfico de um “recurso”. Com frequência, porém, é um efeito placebo, e não o “recurso”, que aprimora o desempenho em virtude de fatores psicológicos – o indivíduo consegue realizar um desempenho em um nível mais alto por causa do poder sugestivo de acreditar que uma substância ou um procedimento funciona. Os que lidam com as ciências do exercício têm de avaliar o mérito científico de artigos e propagandas acerca dos produtos e dos procedimentos. Para separar a “publicidade” mercadológica do fato científico, propomos cinco áreas para questionar a validade das alegações de pesquisa acerca da eficácia dos recursos ergogênicos químicos, farmacológicos e nutricionais: JUSTIFICATIVA Base lógica científica: Será que o estudo representa uma investigação vaga, sem evidências ou existe uma base lógica confiável de que o tratamento específico deve produzir um efeito? Por exemplo, existe uma base teórica para acreditar que a ingestão de creatina eleva o nível intramuscular de creatina e de fosfocreatina para melhorar possivelmente a capacidade de produção de potência a curto prazo. Em contrapartida, não existe base lógica para aceitar a hipótese de que a hiper-hidratação, a inalação de um gás hiperóxico ou a ingestão de triacilgliceróis de cadeia média sejam capazes de melhorar o desempenho na corrida de 100 m. SUJEITOS DAS EXPERIÊNCIAS Animais ou seres humanos: muitos mamíferos diferentes exibem dinâmica fisiológica e metabólica semelhante, porém existem diferenças significativas próprias para cada espécie, que, com muita frequência, limitam as generalizações para os seres humanos. Por exemplo, os modelos para os processos patológicos, as necessidades de nutrientes, a dinâmica hormonal e o crescimento e o desenvolvimento costumam diferir acentuadamente entre os seres humanos e diferentes grupos animais Sexo: as respostas sexo-específicas para as interações de atividade física, treinamento e necessidades de nutrientes e sua suplementação limitam a possibilidade de generalização dos achados ao sexo estudado Idade: com frequência, a idade interage para influenciar o desfecho de um tratamento experimental. As intervenções efetivas para os idosos podem não se aplicar às crianças em crescimento e aos adultos jovens e de meia-idade Estado de treinamento: o estado de aptidão e o nível de treinamento podem influenciar a efetividade (ou a inefetividade) de determinada dieta ou intervenção com suplementos. Os tratamentos que beneficiam os indivíduos destreinados (p. ex., substâncias químicas ou procedimentos que melhoram a desinibição neurológica) exercem com frequência pouco efeito sobre os atletas de elite que se exercitam e competem sistematicamente com níveis máximos de alerta Nível basal de nutrição: a pesquisa deve estabelecer o estado nutricional do indivíduo antes do tratamento experimental. Claramente, um suplemento de nutrientes administrado a um grupo desnutrido melhora tipicamente o desempenho físico e a responsividade ao treinamento. Essas intervenções nutricionais não permitem demonstrar se os mesmos efeitos ocorrem quando os indivíduosreceberam o suplemento com sua ingestão basal de nutrientes nos níveis recomendados. Por exemplo, não é de surpreender que o ferro suplementar aprimore a aptidão aeróbica em um grupo com anemia ferropriva. No entanto, não se pode inferir que os suplementos de ferro proporcionem esses benefícios para todos os indivíduos Estado de saúde: as intervenções nutricionais, hormonais e farmacológicas afetam profundamente as pessoas doentes incapacitadas, porém sem influenciar os que gozam de boa saúde. Os achados de pesquisa obtidos em grupos enfermos não devem ser generalizados para populações sadias. AMOSTRA DESENHO DA PESQUISA Distribuição aleatória ou autosseleção: aplicar os achados de pesquisa somente aos grupos semelhantes à amostra estudada. Se o indivíduo realiza voluntariamente uma “autosseleção” para um grupo experimental, será que o tratamento experimental produz os resultados, ou será que a mudança ocorreu em virtude da motivação do indivíduo em tomar parte no estudo? Por exemplo, o desejo de ingressar em um estudo para perda de peso pode gerar comportamentos que produzem essa perda de peso independentemente do tratamento experimental propriamente dito. Há grande dificuldade em distribuir amostras verdadeiramente aleatórias de indivíduos em um grupo experimental e um grupo-controle. Quando os indivíduos se apresentam voluntariamente para tomarem parte em uma experiência, eles têm de ser distribuídos aleatoriamente para uma condição controle ou experimental, processo denominado randomização. Quando todos os indivíduos recebem o suplemento experimental e o tratamento placebo (ver adiante), a administração da suplementação é contrabalançada e 50% dos indivíduos recebem primeiro o suplemento, enquanto a outra metade toma primeiro o placebo • • • • • • Estudo duplo-cego controlado por placebo: a experiência ideal destinada a avaliar os efeitos intensificadores do desempenho de um suplemento exógeno exige que os indivíduos experimentais e controles ignorem ou “estejam cegos” para a substância administrada. Para conseguir esse objetivo, os indivíduos devem receber uma quantidade e/ou uma forma semelhante do recurso que esteja sendo proposto. Em contrapartida, os indivíduos do grupo-controle recebem um composto inerte ou placebo. O tratamento placebo avalia a possibilidade de os indivíduos terem um bom desempenho ou responderem melhor simplesmente porque estão recebendo uma substância que eles acreditam poder beneficiá-los (efeito psicológico ou placebo). Para reduzir ainda mais a tendenciosidade experimental que poderia influenciar o resultado, aqueles que recebem o tratamento e que registram a resposta não deverão saber quais são os indivíduos que recebem o tratamento ou o placebo. Nesse tipo de experiência duplo-cega, tanto o pesquisador quanto os indivíduos não conhecem a condição do tratamento. A figura ilustra o desenho de um estudo duplo-cego controlado por placebo com crossover subsequente em que as condições de tratamento e de placebo são invertidas Controle de fatores estranhos: em condições ideais, as experiências devem ser semelhantes para os grupos experimental e controle, exceto para a variável relacionada com o tratamento. A distribuição aleatória dos indivíduos para o grupo-controle ou experimental é por demais importante para igualar os fatores de controle que poderiam influenciar o desfecho do estudo Adequação das mensurações: ferramentas de mensuração reprodutíveis, objetivos e válidos precisam avaliar os desfechos da pesquisa. Por exemplo, o teste do degrau para prever a capacidade aeróbica, ou a interactância infravermelha para avaliar os componentes da composição corporal, representa um instrumento impreciso para responder a questões importantes acerca da eficácia de um recurso ergogênico proposto. Exemplo de um estudo cruzado, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Após a seleção apropriada dos indivíduos, os participantes são testados previamente e, a seguir, são distribuídos aleatoriamente para o grupo experimental (com tratamento) ou controle (com placebo). Após o tratamento é realizado pós-teste. A seguir os participantes são transferidos para o grupo oposto pelo mesmo período de tempo adotado na primeira condição. Segue-se segundo pós-teste. As comparações dos pós-testes determinam a extensão do “efeito devido ao tratamento”. CONCLUSÕES Os achados devem ditar as conclusões: as conclusões de um estudo de pesquisa devem ser uma consequência lógica dos achados dessa pesquisa. Com frequência, os pesquisadores que estudam os recursos ergogênicos extrapolam as conclusões além do alcance de seus dados. As implicações e generalizações dos achados da pesquisa devem permanecer dentro do contexto das mensurações feitas, dos indivíduos estudados e da magnitude da resposta. Por exemplo, aumentos dos níveis dos hormônios anabólicos em resposta a um suplemento dietético refletem apenas isso; eles não indicam necessariamente uma responsividade exacerbada ao treinamento nem um melhor nível de função muscular. De maneira semelhante, o aprimoramento na capacidade rápida da produção de potência anaeróbica pela suplementação com creatina não justifica a conclusão de que a creatina exógena tenha aprimorado a “aptidão física” efetiva Análise estatística apropriada: deve ser aplicada uma análise estatística inferencial apropriada para quantificar o potencial de que o simples acaso tenha sido responsável pelo resultado da pesquisa. Outros dados estatísticos terão de objetivar as médias, a variabilidade e o grau de associação entre as variáveis Significância estatística versus prática: a descoberta de significância estatística de um determinado tratamento experimental significa apenas que existe uma alta probabilidade de que o resultado não ocorreu por simples acaso. É crucial avaliar também a magnitude de um efeito para seu impacto real sobre a fisiologia • • 1. 2. 3. 4. 5. 6. e/ou o desempenho. Uma frequência cardíaca reduzida de três batimentos por minuto durante o esforço submáximo pode ter significância estatística, porém tem pouco efeito prático sobre a aptidão aeróbica ou a função cardiovascular. DISSEMINAÇÃO DOS ACHADOS Publicados com revisão pelos pares: A pesquisa de alta qualidade suporta as exigências de uma revisão crítica e da avaliação feita por colegas com experiência na área específica da investigação. A revisão feita por pares (revisão externa da qualidade) proporciona uma medida do controle de qualidade sobre o conhecimento e a interpretação dos achados da pesquisa. As publicações feitas em revistas populares ou em jornais quase profissionais não conseguem suportar o mesmo rigor de avaliação da revisão por pares. De fato, os “peritos” autodesignados em nutrição nos esportes e aptidão física pagam aos editores ansiosos pelo espaço nas revistas a fim de promover seu ponto de vista. Em alguns casos, o perito é o proprietário da revista! Achados reproduzidos por outros investigadores: os achados de um estudo não estabelecem necessariamente um fato científico. As conclusões tornam-se mais válidas e mais generalizáveis quando o apoio é proporcionado pelos laboratórios de outros pesquisadores independentes. O consenso reduz a influência do acaso, de falhas no projeto experimental e de tendenciosidade por parte do investigador. NO HORIZONTE Está próximo o dia em que os indivíduos nascidos sem certos genes “afortunados” que aprimoram o crescimento e o desenvolvimento assim como o desempenho nos exercícios irão simplesmente acrescentá-los, produzindo uma dopagem com o DNA impossível de ser detectada, não com substâncias ilícitas. Nessas circunstâncias, o uso da “dopagem genética” apropria- se indevidamente das aplicações clínicas da terapia gênica que trata a aterosclerose, a fibrose cística e outras doenças potencialmente debilitantes e fatais. A dopagem genética promete aumentar o tamanho, a velocidade e a força dos seres humanos sadios. Os genes que induzem o aumentodos músculos seriam ideais para velocistas, levantadores de pesos e outros atletas de potência. Os atletas de endurance seriam beneficiados pelos genes que estimulam a produção de hemácias (p. ex., gene para a eritropoetina) ou que estimulam o desenvolvimento de vasos sanguíneos (p. ex., gene para o fator de crescimento do endotélio vascular). O mundo da dopagem nos esportes mudou drasticamente nos últimos 20 anos e parece que o impulso continuará, porém agora os atletas terão acesso a um novo arsenal de substâncias produzidas pela engenharia genética. Seis mecanismos de ação hipotéticos dos recursos ergogênicos Agir como estimulante do sistema nervoso central ou periférico (p. ex., cafeína, colina, anfetaminas, álcool etílico). Aumentar o armazenamento e/ou a disponibilidade de um substrato limitante (p. ex., carboidrato, creatina, carnitina, cromo). Agir como fonte suplementar de energia (p. ex., glicose, triacilgliceróis de cadeia média). Reduzir ou neutralizar os subprodutos metabólicos que inibem o desempenho (p. ex., bicarbonato de sódio ou citrato de sódio, ácido pangâmico, fosfato). Facilitar a recuperação (p. ex., carboidratos com alto índice glicêmico, água). Intensificar a responsividade ao treinamento de resistência (esteroides anabólicos, hormônio do crescimento humano, suplementos de carboidrato-proteína imediatamente após o exercício). Diuréticos para mascarar o uso de substâncias ilícitas Diuréticos facilitam a produção de urina pelos rins. No uso clínico, são prescritos para controlar a hipertensão arterial e reduzir a retenção hídrica ou o edema por meio de redução do volume sanguíneo ou do volume total de água corporal. Para o atleta que deseja escapar da detecção do uso de drogas ilícitas, o aumento na produção de urina com um diurético reduz a concentração da substância produzida na urina, diminuindo a probabilidade de sua descoberta. AGENTES FARMACOLÓGICOS PARA EFEITOS ERGOGÊNICOS Os atletas esforçam-se ao máximo para promover todos os aspectos de sua saúde: eles treinam intensamente; fazem refeições bem-balanceadas; consomem as bebidas para esportes mais recentes com megadoses de vitaminas, minerais e aminoácidos; e procuram e recebem aconselhamento médico para várias lesões (por menores que sejam). Porém, ironicamente, ingerem agentes sintéticos, muitos dos quais desencadeiam efeitos que variam desde náuseas, queda de pelos (cabelo), prurido e irritabilidade nervosa até consequências graves, como esterilidade, doença hepática, dependência química e, até mesmo, a 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. morte causada por câncer do fígado e do sangue. A World Anti-Doping Agency (WADA; www.wadaama.org/en/prohibitedlist.ch2) – uma fundação independente criada para promover, coordenar e monitorar a guerra contra substâncias ilícitas no esporte ao redor do mundo – proíbe atualmente as 11 seguintes categorias de substâncias: Esteroides androgênicos anabólicos. Hormônios e substâncias correlatas. Agonistas beta-2. Antagonistas e moduladores dos hormônios. Diuréticos e outros agentes que mascarem os resultados dos exames. Estimulantes. Narcóticos. Canabinoides. Glicocorticoides. Álcool etílico (em determinados esportes). Betabloqueadores (em determinados esportes). Informações referentes ao ano de 2013 podem ser encontradas em http://www.wadaama.org/en/Resources/Q-and- A/2013-Prohibited-List/. Esteroides anabólicos Os esteroides anabólicos obtiveram proeminência no início da década de 1950 com finalidades médicas no tratamento de pacientes com deficiência nos estrogênios naturais ou com doenças caracterizadas por desgaste muscular. Outras indicações legítimas dos esteroides incluem o tratamento da osteoporose e do câncer da mama em fase avançada nas mulheres e para contrabalançar o declínio excessivo na massa corporal magra e o aumento na gordura corporal observado com frequência em homens idosos, pessoas com HIV e indivíduos submetidos à diálise renal. QUESTÃO DISCURSIVA Um estudante afirma que um composto químico acrescentado à dieta produziu acentuado aprimoramento no desempenho para levantamento de pesos. Sua revisão da literatura de pesquisa indica que não existem benefícios ergogênicos para esse composto. Como você consegue resolver essa discrepância? Estrutura e ação Os esteroides anabólicos funcionam de maneira semelhante à testosterona, o principal hormônio masculino. Ao unir-se com áreas receptoras nos músculos e em outros tecidos, a testosterona contribui para as características sexuais masculinas secundárias. Isso inclui as diferenças sexuais na massa e na força musculares que se manifestam no início da puberdade. A produção de testosterona ocorre principalmente nos testículos (95%), com as glândulas suprarrenais produzindo o restante. A manipulação sintética da estrutura química dos esteroides para aumentar o crescimento muscular (em virtude do acúmulo tecidual anabólico e da retenção de nitrogênio) induz os efeitos androgênicos ou masculinizantes do hormônio. Ainda há um efeito masculinizante dos esteroides obtidos sinteticamente, particularmente nas mulheres. Os atletas combinam tipicamente múltiplos preparados de esteroides na forma oral e injetável, pois acreditam que os vários androgênios diferem em sua ação fisiológica. Eles aumentam também progressivamente a posologia da substância – habitualmente em ciclos de 6 a 12 semanas. A dose da substância ultrapassa em muito a dose recomendada pelos médicos, com frequência em 40 vezes. A seguir, o atleta reduz progressivamente a posologia da substância nos meses que precedem a competição a fim de reduzir a probabilidade de identificação durante o teste medicamentoso. Uma substância com muitos adeptos Os atletas que abusam de esteroides são comumente imaginados como fisiculturistas extremamente musculosos, porém o uso abusivo ocorre também em atletas competitivos no ciclismo de estrada, tênis, atletismo (pista e campo), futebol americano universitário e profissional, canoagem, corridas de automóveis, natação e outras atividades esportivas altamente competitivas. As avaliações de membros da United States Powerlifting Team indicam que até 66% utilizam esteroides anabólico- androgênicos.68 Muitos atletas obtêm os esteroides no mercado negro. Infelizmente, os indivíduos desinformados frequentemente tomam doses maciças e prolongadas sem monitoramento médico e sofrem alterações prejudiciais à função fisiológica. O uso abusivo de esteroides por adolescentes e seus riscos inerentes, incluindo virilização extrema e parada prematura do crescimento ósseo, continua sendo particularmente lamentável. Rapazes e moças com apenas 11 anos de idade utilizam esteroides anabólico-androgênicos.90 Os adolescentes citam o melhor desempenho atlético como o motivo mais comum pelo qual tomam esteroides, porém muitos mencionam a melhor aparência como a principal razão. A esse respeito, um distúrbio na imagem corporal pode contribuir para o uso abusivo de esteroides anabólicos por adolescentes e adultos.101,197,288 Uma análise da literatura resume o uso e o uso abusivo de esteroides anabólicos e do hormônio do crescimento por atletas.123 Efetividade questionada Grande parte da confusão acerca da efetividade estrogênica dos esteroides anabólicos resulta de variações no desenho experimental, da falta de grupos-controle, de substâncias e posologias específicas, da duração do tratamento, da suplementação nutricional concomitante, da intensidade do treinamento, das técnicas de avaliação, da experiência prévia dos indivíduos e das diferenças individuais na responsividade ao efeito do medicamento. O efeito androgênico residual relativamente pequeno do esteroide facilita a ativação do sistema nervoso central, tornando o atleta mais agressivo, competitivo e resistente à fadiga. Esses efeitos de facilitação permitem ao indivíduo treinar mais intensamente por um período de tempo mais longo ou acreditar que ocorreram de fato maioresefeitos devido ao treinamento. Às vezes, alterações anormais do humor e disfunções psiquiátricas acompanham o uso dos androgênios.58,100 A pesquisa realizada com animais sugere que o tratamento com esteroides anabólicos combinado com o exercício e ingestão adequada de proteína estimula a síntese proteica e faz aumentar o conteúdo de proteína nos músculos (miosina, elementos miofibrilares, fatores sarcoplásmicos).223 Em contrapartida, outras pesquisas revelaram que o tratamento com esteroides não beneficia o peso dos músculos das pernas de ratos submetidos a sobrecarga funcional pela remoção cirúrgica do músculo sinergístico.171 O tratamento com esteroides anabólicos não complementava a sobrecarga funcional de modo a estimular um desenvolvimento muscular adicional. É difícil interpretar a situação em seres humanos. Alguns estudos mostram que o uso de esteroides por homens que treinam acelera os aumentos da massa corporal e reduz a gordura, enquanto outros estudos não mostram efeito sobre a força e a potência ou a composição corporal, apesar de um consumo suficiente de energia e de proteína capaz de facilitar um efeito anabólico.95 Quando a utilização de esteroides produz aumentos do peso corporal, continua sendo obscura a natureza dos aumentos no que concerne à sua composição (água, músculo, gordura). Os pacientes que estão recebendo diálise e aqueles infectados com HIV apresentam comumente desnutrição, massa muscular reduzida e fadiga crônica. Os pacientes em diálise que receberam 6 meses de suplementação com o esteroide anabólico decanoato de nandrolona aumentaram sua massa corporal magra e o nível de função diária.136 Em homens com HIV, um esquema androgênico moderadamente suprafisiológico que incluía o esteroide anabólico oxandrolona acelerava o acréscimo de tecido magro e os aumentos de força devidos ao treinamento de resistência de uma maneira muito mais substancial que a simples reposição fisiológica de testosterona.251 A posologia dos esteroides é importante A diferença entre as posologias usadas em pesquisas e aquelas utilizadas por atletas contribui para a lacuna de credibilidade entre os achados científicos (em geral, um pequeno efeito dos esteroides) e o que a maior parte da comunidade atlética “sabe” ser verdade por meio da autoexperimentação com tentativa e erro. Um estudo enfocou 43 homens sadios com alguma experiência em treinamento de resistência.14a Os controles experimentais representavam a dieta (ingestão de proteína e energia) e a atividade física (levantamento padrão de pesos, 3 vezes/semana) com a posologia do esteroide (600 mg de enantato de testosterona injetados por semana ou um placebo) ultrapassando os valores observados nos estudos precedentes realizados com seres humanos. Os homens que receberam o hormônio por 10 semanas enquanto continuavam treinando tiveram um ganho de aproximadamente 0,5 kg de tecido magro por semana, sem nenhum aumento na gordura corporal. O grupo que 1. 2. 3. 4. recebera o medicamento sem nenhum treinamento também aumentou a massa muscular em relação aos homens que receberam o placebo. Particularmente, seus aumentos foram em média menores que aqueles dos homens que treinavam enquanto estavam tomando testosterona. Os pesquisadores enfatizaram que não elaboraram o estudo com o intuito de justificar ou de defender o uso de esteroides com finalidades atléticas, por causa dos riscos para a saúde (ver próxima seção). No entanto, esses dados indicaram o potencial de o tratamento com esteroides anabólicos, sob supervisão médica, conseguir restaurar e aprimorar a massa muscular nos indivíduos que sofrem de doenças caracterizadas por desgaste tecidual. Os riscos são reais Ainda não foi esclarecido se o uso de esteroides anabólicos pelos atletas comporta riscos para a saúde, pois, em geral, a pesquisa sobre os riscos envolveu observações clínicas de pacientes hospitalizados que estão sendo tratados para anemia, insuficiência renal, disfunção erétil ou disfunção hipofisária. Alguns atletas fazem uso de esteroides ocasionalmente por anos em doses de 50 a 200 mg/d quando a dose terapêutica usual seria de 5 a 20 mg/d. As doses altas e prolongadas de esteroides podem dar origem a deterioração prolongada na função endócrina normal da testosterona. Por exemplo, em atletas de potência do sexo masculino, 26 semanas de administração de esteroides reduziam os níveis séricos de testosterona para menos de metade do nível existente quando o estudo começara, com o efeito persistindo por todo o período de acompanhamento de 12 a 16 semanas.95 Infertilidade, redução da contagem de espermatozoides (azospermia) e menor volume testicular representam problemas adicionais para o usuário de esteroides.104 Em geral, a função gonadal normaliza-se em alguns meses após a interrupção do uso de esteroides. Outras alterações hormonais observadas durante o uso de esteroides por homens incluem o aumento de 7 vezes na concentração de estradiol, que é o principal hormônio feminino. O nível mais alto de estradiol representava o valor médio para mulheres normais; isso explica possivelmente a ginecomastia (crescimento excessivo e irreversível das glândulas mamárias masculinas, que às vezes secretam leite) relatada com bastante frequência quando se administram esteroides anabólicos. O uso de esteroides associado ao treinamento pode lesionar o tecido conjuntivo elástico dos tendões.160 Os esteroides causam também os seguintes efeitos negativos:6,75,96,109,141 Estimulação crônica da próstata (com possível aumento de tamanho). Lesão e alterações na função cardiovascular e nas culturas de células miocárdicas. Alterações na estrutura e na função cardíacas que incluem movimento diastólico diminuído e exacerbação da hipertrofia cardíaca normal com o treinamento de resistência; alteração na função tireóidea normal e na ação hormonal. Maior agregação plaquetária, que poderia comprometer a saúde e a função do sistema cardiovascular e, possivelmente, aumentar o risco de acidente vascular encefálico e de infarto do miocárdio. Uso de esteroides e doença potencialmente fatal. A TABELA 23.2 enumera os efeitos adversos e os riscos médicos do uso de esteroides anabólicos. A preocupação concentra-se nas possíveis conexões entre o uso abusivo de androgênios e função hepática anormal. Como o fígado é responsável quase exclusivamente pelo metabolismo dos androgênios, esse órgão torna-se suscetível a danos devidos ao uso prolongado de esteroides e ao excesso tóxico. O surgimento de lesões localizadas preenchidas por sangue, uma séria condição clínica com potenciais consequências fatais, é denominada peliose do fígado. Nos casos extremos, ocorre insuficiência hepática e o paciente morre. Uso de esteroides e lipoproteínas plasmáticas. O uso de esteroides anabólicos (particularmente os androgênios 17- alquilados ativos por via oral) por homens e mulheres sadios reduz os níveis de colesterol ligado a lipoproteína de alta densidade (HDL-C), eleva os níveis tanto do colesterol ligado a lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) quanto do colesterol total e reduz a razão HDL-C:LDL-C.60 Os levantadores de pesos que tomam esteroides anabólicos alcançavam um nível de HDL-C de 26 mg/dℓ, em comparação com 50 mg/dℓ para os levantadores de pesos que não tomavam essa substância!140 Uma redução do HDL-C até esse nível acarreta aumento no risco de coronariopatia por parte do usuário de esteroides. Os níveis drasticamente baixos de HDL-C nos levantadores de pesos continuam baixos, até mesmo após se absterem por pelo menos 8 semanas entre os ciclos consecutivos de esteroides.228 Os efeitos a longo prazo do uso de esteroides sobre a morbidade cardiovascular e a mortalidade são desconhecidos. TABELA 23.2 Efeitos colaterais e riscos clínicos do uso de esteroides anabólicos. • • • • • Homens Mulheres Aumento Redução Aumento Redução Atrofia testicular Contagem de espermatozoides Alteração da voz (mais grave) Tecido