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Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade

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Antonia Pereira, Marta lsaacsson 
e Walter Lima Torres (org.) 
A dramaturgia. ligada ao texto teatral em seu 
sentido clássico, expande-se, na contempo-
raneidade. para abranger a materialização 
cênica. em suas formas e estruturas, seja no 
campo do teatro, seja no campo da dança. A 
explosão e proliferação de dramaturgias 
poss1b1lita englobar, na atualidade. diferen-
tes visões de realidade numa mesma criação 
cênica, por meto de procedimentos que, 
desconstrumdo a dramaturgia de partida ou 
gerando uma autoria colaborativa, abraçam 
a heterogeneidade de princípios estéticos e 
1deológ1cos, que outrora eram estruturados, 
priori tariamente. pelo discurso poético do 
autor dramático. 
A contemporaneidade coloca em jogo as 
escrituras cênicas como mediações presen-
c1a1s entre a cena e o espectador. engen-
drando outros "modos de percepção", como 
lembra Josette Féral. O termo utilizado por 
Ennco P1tozz1. "Corposgráficos", nos remete 
ainda a uma d1vers1dade de procedimentos 
emprestados de outras artes, como a do 
vídeo. para esta escri tura cênica. que. em 
sua edição, compõe linguagens híbridas. ao 
promover o Jogo entre diversos suportes, 
entre eles o corpo e as chamadas "novas 
tecnologias". 
Em sua célebre discussão sobre o contem-
porâneo, G1orgio Agamben já apontava para 
a importância de um certo anacronismo, ao 
aderir-se ao tempo em que se vive, por meio 
de um distanciamento do mesmo. Em conso-
nância com esta relação entre tempos distin-
tos, o presente livro. Cena, Corpo e Drama-
turgia: entre tradição e contemporanei-
dade. convida o leitor a transitar por diferen-
te:; perspectivas das artes da cena que 
apontam para o hibridismo de lmguagens. 
composto pelo jogo de suas intermedialida-
des. 
Luciana Barone 
Doutora em Multimeios pela UNICAMP, com 
pesquisa focada na poética de Robert Lepage. 
Atualmente é pr_ofessora do Bacharelado em 
Artes Cênic.a_s da Faculdade de Artes do Paraná . 
• 
Cena, Corpo e Dramaturgia: 
entre tradição e contemporaneidade 
Cena, Corpo e Dramaturgia: 
entre tradição e contemporaneidade 
(Org Anton,a Pereira, Marta lsaacsson e Walter Lima Torres) 
Ili P/\0 E 
=ROS/\S 
Rio de Janeiro 
2012 
Editora Pão e Rosas 
Caixa Postal 
Rio de Janeiro - RJ - Brasil 
Tel.. (21) 3549 1874 
Equipe de produção 
Copidesque 
Victor Almeida 
Revisão 
Vanta Santiago 
Capa e projeto grafico 
Bruno Cruz 
Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico. 
Realização 
PPGAC/UFBA. PPGAC/ UFRGS e PPGL/ UFPR 
DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) 
C395 Cena, corpo e dramaturgia . entre tradição e contemporJne1dade / org. Anton1a 
Pereira. Marta lsaacsson e Walter Lima Torres - Rio de Janeiro Pão e Rosas.2012 
312 p tl;23cm 
Inclui b1bliograí1a. 
ISBM 978-85-62501-06-7 
1 Artes cênicas. 2 Teatro 3 DançJ I Pereira. Antonta, 1968- 11 . ls.:iac~son. 
Marta. 1961 Ili Torres. Walter Lima. 1961, 
coo 790:, 
Ficha catalo.'!ráí1ca elr1l.,CJrada rcl.1 b1bl101cc.ir1rJ L1ot1r,1 Mando1u ( Rf{ / 'J l lJ 
sumário 
Apresentação 
Anton,a Pereira. Marta lsaacsson e Wt.1lte1 Lima Torres 
PARTE 1: CENA E TECNOLOGIA 
Corposgráficos 
Enr1co P1tozz1 
9 Evenings, Theatre & Engineering 
Clar,sse Bard1ot 
Configurações da dança na cultura digital: relatos sobre experimentações e 
reflexões da dança com mediação tecnológica 
Ivan, Santana 
. 9 
19 
43 
55 
Mídias digitais na cena de fsadora. Orb - A metá{omf11inl e a U111 cato po11to ela 1·1c/, 1 
vocé del't:ria to11s1dc:rar 5c:r,amr?11tc: deixar de: bancar o ridículo 
)dqu,:linc: Pin10n 
(ena multimídia, poéti cas tecnológica s e efeitos intermediais 
IÃ,Jíl~ l·,:1JC'/,Oíl 
71 
85 
6 
Maquinações teatrais contemporâneas 
Clarisse Bard1ot 
R.:: \Valcfr11 de Jean-François Peyret: da cabana à máquina 
Julie Valero 
PARTE 2 : CORPO E MOVIMENTO 
Um corpo no espaço: percepção e projeção 
Josette Féral .. . .. .. . . 
101 
115 
129 
Andrew de Lotbiniere Harwood: um "velho lobo" do contato-improvisação 
Suz1 Weber . . . . ... ... .. . . ... . . . ....... 149 
Condições climáticas do contato-improvisação 
Andrew Hardwood e Paula Zacharias . . 
Aspectos da criação em dança contemporânea: 
o corpo atualizador, a cena e a tecnologia 
Cnst1ane Wosn1ak 
Movimentos de um processo de criação coreográfica 
Cinth1a Kun1f as e Mónica lnf ante .. . . .... . 
Combinações performativas intempestivas para dançar 
Nirvana Marinho 
PARTE 3: DRAMATURGIA: MEMÓRIA E NARRATIVA 
Trilog1c1111e111onas: do texto à cena 
Anton1J Pereira e Ka rina de Fana 
Entrevista sobre o trabalho vocal com Mônica Montenegro 
A voz, o texto, o interprete: um inventário 
Fl5v10 Ste1n 
.157 
... 167 
.. 181 
. . 189 
199 
.. ... 213 
223 
Entrevista sobre dramaturgia com Sarnir Yazbek 
Entre gritos e risos: os mascarados da marujada de São Benedito de 
Quatipuru (PA) como performance 
.... ........ .. 243 
Thales Branche . ...... ... ... . ..................... ........................... .......... . .. ..... .............. .. 251 
O direito ao teatro 
Walter Lima Torres Neto .. 
. . ....... .. .. . .. ... ...... .. ............ .. ......... ··•· . 261 
Otelo da Mangueira: Shakespeare no carnaval carioca 
Célia Arns . . .. .. ...... ...... .... .. .. .. .... . .. . . ...... . .. ..... ....... ......... ..... .. ........... .. ........... . ... ...... 273 
Colaboradores .. . . .... ... ... .. ..................... ........... ... .. .. . ..................................... .. 295 
Program~ção completa dos eventos do projeto .. ....................... . .. ....... . ..... . . 305 
7 
8 
Estudos da Cena, da Dramaturgia e do Movimento entre 
Tradição e Contemporaneidade 
Apresentação 
Antonia Pereira; Marta lsaacsson e Walter Lima Torres 
O presente livro que o leitor tem em mãos é o resultado de uma série de 
ações e atividades integradas. O Projeto Intercultural: Estudos da Cena, da 
Dramaturgia e do Movimento entre Tradição e Contemporaneidade foi 
concebido e realizado com o financiamento do Programa de Apoio ao Ensino e 
à Pesquisa Científica em Cultura Capes-.Minc - Edital Pró-Cultura N2 7/2008. 
De maneira conjunta e colaborativa, esse projeto encontrou sua 
realização e os seus resultados mais expressiYos devido às ações 
coordenadas entre: o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas 
da Universidade Federal da Bahia, que funciona na Escola de Teatro da 
UFBA (Grupo de Pesquisa Poéticas Tecnológicas, Dramatis e Gipe-CIT); 
o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal 
do Rio Grande do Sul, que está associado ao Instituto de Artes da UFRGS 
(Grupo de Pesquisa Processos de Criação Cênica); conjuntamente com 
o Programa de Pós-Graduação em Letras do Setor de Ciências Humanas 
Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná (Grupo de Estudos 
Interartes, Literatura e outras Artes). 
Os textos aqui enfeixados, todos inéditos no Brasil, foram escritos por 
pesquisadores e artistas brasileiros e estrangeiros de reconhecida competência 
no âmbito dos estudos sobre as práticas dramatúrgicas, corporais e tecnológicas 
com suas respectivas interfaces com a dança, o teatro e a performance. 
9 
10 
Os capítulos foram compostos graças às contribuições de: Josette Féral,. I~:111i 
Santana, Clarisse Bardiot, Enrico Pitozzi, Paula Zacharias, Andrew de Lotbtruere 
Harwood, Célia Arns, Nirvana Marinho, Cinthia Kunifas, Mônica Infante, 
Cristiane Wosniak, Suzi Weber, Marta Jsaacsson, Antonia Pereira e Julie Valero. 
O livro também oferece ao leitor duas entrevistas de singular 
relevância. A primeira com Mônica Montenegro, reconhecida professora 
e preparadora vocal atuante junto a diversos grupos teatrais brasileiros. 
Nessa entrevista, Mônica
nos fala sobre a voz e a oralidade. A segunda 
entrevista é com Sarnir Yazbek, premiado autor com reconhecimento da 
crítica teatral brasileira e estrangeira, que apresenta suas concepções sobre 
a dramaturgia, o ofício do autor teatral e o processo criativo. 
A publicação ainda abriga as colaborações de três bolsistas pró-cultura, de 
cada um dos Programas de Pós-Graduação participantes do projeto, que aqui 
apresentam considerações provisórias originárias de suas pesquisas de mestrado: 
Thales Branche (UFBA), Jaqueline Pinzon (UFRGS) e Flávio Stein (UFPR). 
Ao término do volume, o leitor encontrará um DVD com a encenação 
da Trilogia da memória, de autoria da pesquisadora e autora teatral Antonia 
Pereira, que inclui as peças A morte nos olhos, A memória ferida e Na outra 
margem. No mesmo DVD, o leitor também pode se debruçar sobre as 
etapas acerca do projeto de pesquisa idealizado por Antonia Pereira, bem 
como observar detalhes e particularidades do processo criativo que levou 
à realização das encenações que circularam igualmente pelas três capitais 
que abraçaram o projeto. 
Originalmente, os capítulos aqui apresentados foram objeto de 
comunicações orais que geraram debates e discussões com a comunidade 
científica e artística de cada uma das três capitais onde ocorreram os 
respectivos eventos que concentraram as ações do projeto. O projeto, para 
o seu êxito, teve sempre a colaboração de entidades afins, na condição 
de parceiros e colaboradores, onde se destacam aqui a contribuição das 
seguintes instituições e organizações: em Salvador foram parceiros o Hospital 
das Clínicas, Complexo Hupes/UFBA, a Secretaria de Cultura e a Fundação 
Cultural do Estado da Bahia - Secult e Funceb; em Curitiba houve a parceria 
com a Cia Senhas de Teatro (http:/ /www. ciasenhas. art. br) e, em Porto AJegre, 
a contribuição da Coordenação de Dança da Secretaria Municipal de Cultura 
da cidade de Porto AJegre, do Hospital Sanatório Pathem on e dos grupos 
teatrais Cia Rústica (http://ciarustica.com) e Terreira da Tribo _ Tribo <le 
Atuadores Ôi nóis aqui traveiz (http:/ /www.oinoisaquitraveiz.com.hr). 
Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade 
Conforme fora previsto no projeto inicial e aperfeiçoado ao longo da sua 
execução e da experiência com as distintas realidades físico-financeiras, 
aconteceram nas três capitais, em formatos específicos, os eventos que 
concentraram as atividades fins propostas inicialmente. 
Essas atividades, sempre públicas e gratuitas, contribuíram para a 
discussão e o aprofundamento de questões teóricas e práticas relacionadas 
tanto às técnicas de criação e montagem de espetáculos ditos convencionais, 
quanto às inquietações metodológicas mais diversas reveladas pelas 
pesquisas contemporâneas em artes cênicas acerca da dança-teatro e do 
teatro-físico; da performance intercultural e da performance instalação; 
das relações entre a interatividade e a performatividade; a teatralidade e o 
efeito de real; a dramaturgia do corpo e a dramaturgia do ator; bem como 
a condição das artes cênicas mediadas pelas novas tecnologias. 
O primeiro evento realizado pelo projeto, que deu origem a alguns 
dos textos que aqui se encontram, foi concebido pelo Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas da UFRGS, juntamente com a participação 
da Coordenação de Dança da Secretaria Municipal de Cultura de Porto 
Alegre e intitulou-se Semillário Corpo, Performance e Tecnologia, e aconteceu 
do dia 28 ao dia 30 de abril de 2010. 
O segundo evento foi intitulado Poéticas Tecnológicas III Seminário 
Internacional sobre Dança Teatro e Performallce, que teve lugar em 
Salvador, na Escola de Teatro da UFBA, sob a organização da Coordenação 
do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, do dia 3 ao dia 7 de 
novembro de 2010. Estes dois eventos reuniram além de professores 
brasileiros, artistas e pesquisadores estrangeiros, especialmente convidados 
,que discutiram questões pontuais que na atualidade permeiam a prática 
das artes cênicas dentro da cultura digital e dos estudos culturais. 
Finalmente, o terceiro evento, que teve lugar em Curitiba de 14 a 17 de 
junho de 2011, denominou-se / Ciclo de Estudos da cena, da dranwt11rgia 
e do movimento entre tradição e contemporaneidade, foi promovido pelo 
Grupo de Estudos Interartes, Literatura e outras Artes do Programa de 
Pós-Graduação em Letras da UFPR, com o apoio da CiaSenhas de Teatro 
e da Fundação Teatro Guaíra. 1 
1 A programação completa dos três eventos que constituíram as três etapas que concentrou 
as atividades e ações do projeto pode ser consultada no anexo desta publicação. 
1,ntu111.r f.'Pll'll.t, t/t.111.1 l•,,1,H. ', ,1111 L'. W.ilt1•1 L1r11.1 lu111•', 11 
12 
Desta maneira, criação cênica, prática teatral e reflexão crítica brasileira 
e estrangeira se somaram para integrar aqui um mosaico, um conjunto 
de conhecimentos e experiências dos mais relevantes que gera ram esses 
fecundos estudos sobre a cena, a dramaturgia e o movimento entre 
tradição e contemporaneidade. 
Esses estudos nesta publicação tomaram a forma de capítulos e foram 
organizados sob três partes, a saber: Cena e Tecnologia; Corpo e 
Movimento e Dramaturgia: memória e narrativa. 
*** 
Parte significativa da produção cênica contemporânea, tanto brasileira 
quanto estrangeira, seja do ponto de vista criativo seja do ponto de vista 
crítico reflexivo, vem dedicando grandes esforços na tentativa de pensar as 
implicações criativas e estéticas entre a cena e a tecnologia. 
De maneira geral e do ponto de vista histórico e cultural, pode-se afirmar 
que três grandes revoluções marcaram a atividade teatral no Ocidente: a 
criação da caixa de ilusão cênica, que veio se aperfeiçoando desde os seus 
primórdios, no século XVI; a introdução da iluminação elétrica na virada 
do século XIX para o XX e, mais recentemente, em nossa era digital, o 
emprego das novas mídias oriundas da tecnologia da informática. 
Não há dúvida de que a evolução da arquitetura cênica, isto é, do edifício 
teatral e das suas funcionalidades, contribuíram para o aperfeiçoamento 
tanto das condições de visão e de audição dos espectadores quanto das 
condições de acessibilidade e de conforto para os agentes criativos envolvidos 
com a realização da cena. 
Entretanto, sobressai desses três grandes marcos, que na ve rdade não 
se esgotaram, mas que estão em permanente movimento, o aspecto visual 
da cena: a perspectiva frontal ou a l'angolo, com seu ponto de fuga a gerar 
o ilusionismo; a capacidade da iluminação elétrica de decupa r e colorir 
o espaço cênico propiciando uma atmosfera espiritual e simbólica que a 
cena teatral ainda não conhecera naquele período, o ferecendo assim, ao 
espectador, diversos lugares sobre o mesmo plano frontal ; as tecnologias 
digitais a problematizarem o efeito de presença do ator e o jogo que implica 
não mais a presença/ausência d e um personagem, mas sim a relação de 
distanciamento físico atinente à ausência/presença do próprio ator sobre 
a cena. 
Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade 
Assim, se por um lado, esses três marcos da tecnologia aplicada às artes 
cênicas não cessam de in_spirar o comportamento criativo dos criadores cênicos, 
desde o advento das vanguardas artísticas ditas históricas, por outro lado, 
eles demandam do espectador um esforço. O esforço de refocar sua visão, 
refinar o seu olhar. 
Tratar-se-ia, assim, da predominância agora da opsis sobre o mithos 
como essas categorias foram sendo pensadas desde Aristóteles? Seria 
agora o momento da substituição dos atores por robores ou efeitos de 
presença? A arte teatral contemporânea estaria fadada à supremacia 
dos elementos visuais sobre os escombros e os vestígios do que fora 
uma narrativa convencional? Essas são questões que não chegam a ser 
totalmente respondidas, mas que são vivamente
discutidas nos capítulos 
aqui reunidos. Por meio de descrições e de análises detalhadas de 
espetáculos e processos criativos, tanto em dança quanto em teatro, as 
relações entre a teoria e a prática convidam, nesta primeira parte de nossa 
publicação, o leitor a apreciar um panorama dos mais atualizados sobre 
as principais questões atinentes às inquietações do teatro contemporâneo. 
Se no princípio era o verbo, como nos lembra a narrativa bíblica, o 
verbo só se tornou ação porque pôde se encarnar em um corpo que se 
manifestava. O verbo é enunciado pelo corpo. E o corpo, por sua vez, é 
traduzido pelo movimento que dele emana, consciente ou inconsciente, 
devotado às tarefas cotidianas ou em estado de representação e/ ou de 
exibição. Essa discussão acerca das diversas expressões do corpo e sua 
condição nos processos criativos em dança e teatro na contemporaneidade 
pode ser constada à leitura dos trabalhos apresentados na segunda parte 
do livro, Corpo e Movimento. 
Os ensaios que integram essa segunda parte se dedicam a perscrutar 
a condição do corpo e seu lugar na criação coreográfica e teatral. Nesse 
sentido, o leitor pode passar em revista estudos que vão desde técnicas 
como o contato-improvisação até os exercícios poéticos-imagéticos que 
contam com o subsídio da tecnologia e das novas mídias como parceiras 
da criação coreográfica. Estudar os afetos, as intensidades e os estados dos 
corpos e as suas respectivas manifestações, implica na percepção de uma 
nova teia de relações entre sujeito e objeto, que se trama em rede e não 
mais de forma linear. 
Entre palco e plateia a mediação pode ser estabelecida pelas forças 
criativas advindas da tecnologia? Este é o desafio que encontramos aqui. 
/\n lO(tl,J P <·11·11o1 , M;111J l <,r)i)( C,r,o n (' W,'l llcr L 11nJ Tol lt" , 1 3 
' 
- d ' · d corpo? Por quais caminhos Como sintonizar as expressoes a matena e o · 
sensibilizar este mesmo corpo? De que maneira associar o corpo do 
intérprete à câmera, aos microfones, às imagens projetadas, ~os sensores 
de movimentos, enfim às ferramentas mais variadas que amphficam e que 
modificam as escalas expressivas? E que, inclusive, do ponto de vista da 
recepção, alteram a percepção convencional daquele que age sobre o palco? 
A criação coreográfica, que já havia integrado certos elementos que 
acabaram por configurar o que denominamos dança-teatro, encontra 
novos estímulos na tecnologia digital, que revigoram o próprio pensamento 
sobre a arte coreográfica. Com estes estudos, pode-se perceber como as 
soluções para uma nova poética das tecnologias operam desde o interior 
da criação com câmeras, até projeções e todo o aparato que a tecnologia 
da visualidade digital propicia na contemporaneidade. 
Esse pensar desde o interior da criação cênica está subordinado tanto 
ao pensamento filosófico pós-moderno quanto às matrizes fundadoras da 
própria arte da dança e do teatro. Esses diversos olhares, graças ao atrito entre 
o moderno e o arcaico, são discutidos sem o intuito de colocar uma palavra 
final sobre o assunto. O intuito é o de provocar tanto os espíritos criativos 
quanto os espíritos críticos reflexivos na direção de uma ressignificação 
acerca dos novos lugares para o corpo no teatro e na dança contemporânea. 
Finalmente, a terceira parte do livro se atém às questões referentes 
à dramaturgia: memória e narrativa. Como sabemos, o teatro é uma 
arte mnemônica por excelência. É a arte que sobrevive na memória do 
espectador, na memória de quem é conivente com o ato de exibição e 
apresentação. Apesar dos tempos pós-modernos chamarem atenção 
para a morte das grandes narrativas, narrar ainda é preciso. E aqui são 
confrontadas experiências narrativas diversas que englobam desde um 
possível inventário sobre o gesto narrativo até as condições dos limites 
físicos do ator na exploração da sua expressão vocal. 
Etimologicamente, como sabemos, a palavra drama é oriunda do 
grego e significa ação. Dramaturgia, corno classicamente ~ entendida 
seria "a arte ou a técnica da composição dramática". Mas qual composição 
dramática possível em tempos predominantemente pós-dramúticos? 
Essa é uma questão central que aqui é colocada com o cuidado dr n:to 
se estabelecer uma apologia sobre qual se ria a melhor dramaturgia. Mas 
sim instaurar o debate sobre o comportamento criativo dos artistas que 
procuram rever o termo dramaturgia tk sde outros Jngulos: "dra maturgia 
Cena, Corpo e Dr,,matu1 gia: ent re tradiçao e contemporaneidade 
do corpo", "dramaturgia da luz", "dramaturgia da cena", "dramaturgia do 
ator", "dramaturgia do figurino" e "dramaturgia da voz". 
O emprego da palavra dramaturgia, sempre seguida de um complemento, 
nos faz pensar acerca de novas lógicas criativas, isto é, novas atitudes e 
dinâmicas criativas referentes aos agentes da cena, que não dependeriam 
de um autor teatral tradicional. Os textos aqui apresentados procuram 
estudar tanto os estímulos ancorados nas memórias coletivas e individuais 
quanto a necessidade de expressão dessa dramaturgia contemporânea, em 
seu compromisso comunicacional de narrar. 
*** 
Finalmente, esta publicação encerra, como foi dito, o ciclo de atividades 
oriundas do Projeto Intercultural: Estudos da Cena, da Dramaturgia e do 
Movimento entre Tradição e Contemporaneidade. Ao mesmo tempo em que 
possibilitou aos diversos pesquisadores confrontarem e compartilharem 
entre si suas inquietações, análises, descrições e hipóteses acerca de 
matéria tão mutante quanto fugaz. 
A presente publicação que o leitor vai ler também cumpre seu papel 
igualmente social. O papel de disponibilizar aos estudiosos da matéria 
e aos interessados em artes cênicas uma sorte de atualização. Não uma 
atualização prescritiva com palavras definitivas eivadas de falsa erudição. 
Nosso propósito é singelo, porém não menos rigoroso, e consiste na 
tentativa de apresentar uma sincera contribuição, tão híbrida quanto 
diversificada, que certamente pode vir a promover um ganho de 
consciência e, por que não dizer, um aperfeiçoamento do exercício do 
olhar do espectador contemporâneo, sujeito, com quem no fundo, a arte 
por mais conceituai que seja, há de se relacionar. 
15 
; 
PARTE 1: 
CENA E TECNOLOGIA 
'· 
l / 
• 
Corposgráficos 
Enrice PitOZZI 
Universidade de Bolonha 
Irei apresentar aqui algumas pistas que venho adotando em minha pesquisa 
acerca da relação entre o corpo físico e o corpo digital. Para compreender 
esta relação, tal qual se vê construída nas artes cênicas contemporâneas, 
faz-se necessário adotar uma definição de corpo. Devemos compreender 
de que corpo estamos falando e, sobretudo, quais são suas características e 
potencialidades. Para responder a essa demanda, precisa-se modificar o ponto 
de vista tradicional da abordagem do corpo, concentrando-se mais sobre os 
fatores envolvidos no movimento do que no corpo propriamente dito. 
Ao voltarmos nossa atenção sobre o movimento, temos, então, condições 
de encontrar um ponto de convergência entre o corpo físico e o corpo digital e 
traçar um elo de continuidade, na medida em que reconhecemos as diferentes 
etapas envolvidas na passagem de uma forma para outra. Lembro as palavras de 
uni fisiologista francês do século XIX, Etienne-Jules Marey, que afirmava não 
ser necessário estudar, analisar o corpo em movimento, e sim, o movimento no 
corpo, 1 para então criar novas formas de corporeidade. A mesma perspectiva 
~e aplica - como veremos - à captura digital do movimento do corpo, cada 
vez mais empregada na cena atual, pois nos permite trabalhar sobre dados 
1 E.J. Marey. /,c m11111·c111c111. Nímcs: Êditions jacqueline Chambon, 2002 [1894). Ver também sobre 
es~e tema E. Manning. Ri.:la11on,wpc, Mm•1·11w111, Ar/, /J/11/0,ophy. Cambridge: MIT, 2009. 
) ( ) 
musculares muito sutis, medir os graus de atividade e.
a partir dele\, pa~\ar 
à rumensão digital do corpo. Em outras palavras, meu intcrc\\C é dahorar e 
encontr.lI estratégias que nos permitam sair da dimensão simhólica do corpo 
e mergulhar na materialidade de sua dinâmica. 
Antes de discutir a intervenção das tecnologias na composição de um 
corpo digital, aproveito para apresentar a ideia central de toda minha 
reflexão. Em primeiro lugar, urge que se discuta a seguinte questão: o que 
significa para um performer compor um movimento original e como a~ 
tecnologias podem auxiliar neste processo? 
Em princípio, um corpo possui carne, nervos e ossos. Ma~ esse corpo 
encontra ~ua (onsistt:ncia - t'. portanto, sua manifestação visível - em um 
proces~o invi~ívd, de caráter neurofisiológico, que ~e apoia sobre a faculdade 
antecipatória do cérebro cm rclaç.io à ação. De forma simplificada, pode-
~l' dizer que na (omposição do movimento tem-se um corpo em vária~ 
Jimcmüc~: uma 111rtual - l', portanto, cm potência - , que se refere à projeção 
antc\.·1p . .lliv,1 JJ ação, e uma at11al. que consiste no desenvolvimento do curso 
JJ ação 2 \e o corpo dt: carnt: e osso constitui a dimensão atual do corpo, ou 
-,c_ia, J Jimt:mâo vi~ívcl do movimento, nosso interesse será centrado sobre 
J diml'n-,ão antecipativa, lá onde a ação - antes de ser incorporada pelo 
corpo - é definida "internamente" e projetada sobre o mundo. 3 
E~clarecido C'>lc aspecto de ordem conceituai sobre o qual rcpous,1 .1 
questão do virtual na ação, podemos propor uma nov,1 comprccnsáo d.1 
corporeidade, envolvendo o uso da tecnologia de captura de movitnl'nto. 
Uma forma de corporeidade c..1ut: chamaremos de sintt'.·ti(a, dabor.1d.1 .1 
2 Isso significa atribuir ao conceito virtual uma outra compreensão, definindo-o como 
uma poténcla do movimento que pode ser desenvolvido de dlvf'rsas formas. Entende-se. 
conforme Deleuze, que o virtual não""' opõe ao real ma,; muito mais ao alu.il. G. Deleu tt> 
l:ucJuel ,:/ li' 1·1rt11c. ln : C. Parnet. /Jialog 11, ·., Paris: Flammarion , 199611977!; )· l. Welssberg. 
Le concept réel /virtue. ln ' '/,1·111111~ i/11 rn111.-I. Paris: tdltlon :-. d11 (('11t1e Georges Pompldou, 
1989, p. 60; P. Lévy. 1)1,i,,1 e,· •!"" 1 .. 1·1r111,·I ~ Paris: tdllion,; La Découverh•. 199r; P,11.111111.1 
aplicação desta perspectiva examinar o esqut•m,1 
3 Ressalto - reml'tendo ao primeiro parágrafo dt• '.eu dt>,rnvolvlm,•n l n ,1 t t>ori 11 d,1 pc.>1 • 
cepção elaborada pelo h slo loglsl ,1 Al,lin Berlho, , qu,· dti1m<1 qur O r#-,Phro t, 11111 ,; lmul,1 
dor da ação que Pmprrr,a a mPmo,la p,11 ,1 ;1n1t•v1•1 ., , con.,f'qu ,.nci t1 , 0,1 A{,,o . o ctrt>bro, 
ne'>IJ perspecliva, n.10 {: um,1 máquln,1 H•,1 IIV(l '> n,., ~ p1n<1llv,1, q 11 r µrojrt.1 , obrr 11 mundn 
,ua'-. in1C'rroga( Õt", . 1, 10 ,lg111flc,1 qu.- u Cl'•lf•b10 11 ,\0 11,11 ,1 ,onu•nl r ,1, lnlcirmÁ(llt>, prove> 
ni1-nlf''> do'. '>f'n1Ido, , m.i, lnlltrPndd, dltl i,< r ,1 ,1 l l11l,t.1di, rio<. -.r1111c1o, r 111 flll l\ o 11.I ll(âO 
quP P<,tá motivando. A. Hrrlho, l 1· 11·11 , ,/,, 111u111·011, 111 Potl, lld1lr l ,ll oh, 1-:,Q i PI A Bt> r 
1 ho, /., ,1,11,,/,·, 11,• P,11 I•, : r Jcl/11• 1,,roh, 1ooc>. 
l orposgr4flc O'i l 
partir da manipulação de dados provenientes da captura da atividade dos 
músculos do corpo físico do performer. 
Evidentemente, se há uma presença do corpo em vários níveis - fisico 
e sintético -, existem também vários efeitos produzidos por ela. O efeito 
atesta a passagem de um "corpo" físico ou digital que se inscreve e encontra 
lugar na rec~!)çâo do espectador: o corpo em ação torna-se sobrevivente, 
algo que permanece, sob forma de impressão, na mente do espectador. 
O -efeito, CO(llO produto da presença do corpo, corresponde então a 
uma combinação de sensações que a presença produz e imprime sobre 
a placa sensível do cérebro do espectador, suscitando uma ressonância 
em seus músculos, uma dimensão compartilhada, empática. Discutir os 
efeitos produzidos pelo corpo sobre a cena significa então interrogar as 
modalidades de organização da percepção do espectador. 
1. O corpo como a fibra sensível 
Par~ aprofundar este aspecto crucial de minha investigação, devo esclarecer 
o funcionamento que regula, sobre o nível fisiológico, as relações entre o 
cérebro e o movimento, e que aponta para a codeterminação recíproca 
entre o corpo sutil e o corpo atual. 
1.1. Notas sobre a definição do corpo físico 
Ao introduzir a questão da percepção no processo de composição do movimento, 
lembro1 o conceito de ficção proposto por Ivtichel Bernard, que, em primeiro 
lugar, define a projeção da corporalidade em direção ao exterior.4 Ou seja, antes 
de agir fisicamente, o sujeito imagina e projeta sua anatomia no espaço. Para 
fazer isso, ele ativa todos os seus canais proprioceptivos: reconhece o espaço, 
4 Retorno, neste contexto, às pesquisas de Michel Bernard e ~ambém de 'Hube~t Godard 
sobre as relações entre O cérebro, o sistema nervoso e o movimento, para aquilo que ~e 
refere ao processo de ficção (Bernard), o pré-movimento (Godard). M. B~rnard. De /11 crca-
1 ., pi · Par·,s· Pant,·n 2001 · H Godard Le geste et sa percept1on ln La dm,sc ,111 t,on e 10ri:gra 11q11e. . , , • · 
.XX· s,ecle (org. de 1. Ginot et M. Michel). Paris: Larousse, 2002, P·/36. P. Kuypers. Des trous 
noirs. Un entretien avec Hubert Godard. ln : No 11vdlcs de d,111sc, n 53, 2006, P· 80. 
Ennro P,tou, 21 
categoriza-o, dimensiona o ambiente, definindo então seu movimento antes de 
realizá-lo. Dentro deste esquema, em uma operação denominada categorização 
perceptiva do ambiente, o cérebro não processa de maneira passiva as resposta-. 
aos estímulos, às sensações vindas do eÃierior. Suas suposições de movimento 
se fazem a partir de um repertório interno de ações memorizadas, cuja 
disponibilidade torna - como aponta Jean-Luc Petit - o sujeito um simulador 
capaz de avaliar "no interior" as interações entre as ações que prevê necessárias 
para alcançar determinado objetivo e as suas possíveis consequências. Isso 
pern1ite que o sujeito jogue, aposte em uma ação particular. 
Significa também que o cérebro não processa as informações dos sentido, 
de forma independente umas das outras. Sempre que o sujeito concebe um 
partitura de ações para desenvolver no espaço, ele formula suposições sobre .. 
atividade de todos os seus receptores sensoriais ao longo do desenvolvimento 
da ação. Isto é, não ocorre somente um tratamento das informações recebidas 
e a definição da trajetória ou das modalidades musculares, há também o 
de!->envolvimento "interno" da partitura, no qual o sujeito prevê suas etapas 
e a !-> ituação dos receptores sensoriais. Ele antevê possíveis soluções e gestos 
originais. É preciso preparar o gesto, é preciso antecipá-lo.5 
Nesse processo de composição do movimento,
1
constata-se que a memóri ;:i 
tem um papel preponderante, pois constitui um banco de dados, oferecendo 
padrões corporais de ação às operações do cérebro. Ou seja, é no banco de 
dados da memória que o cérebro toma as informações para antecipar a ação. 
Este é o verdadeiro laboratório da composição do gesto performativo. Neste 
esquema, o diálogo com o mundo físico serve ao cérebro para Clllnprovar 
5 Este processo de antecipação motora encontra-se na base da ação. Alain Berthoz tem. junto 
com outros, defendido a ideia de que a intenção motora exerce sobre a atividade dos fusos neu-
romusculares - receptores sensoriais de base da cinestesia concebidos como sextos sentidos 
- uma modulação permitindo regular a rigidez dos músculos, prevendo a tens.io à qual eles 
serão submetidos em cada ciclo de caminhada. O cérebro deve, então, a part ir dos sentidos, 
reconstruir uma percepção única e coerente das relações do corpo e do esp..-1ço. NestJ situação 
- para propor uma primeira relação entre a dimensão projetiva da ação l' su,1-,. co11elações no 
corpo físico - , como demonstrou M. Jeannerod
em suas experimentações lislológlc,1~. J duraç ào 
de uma ação imaginada implicando um certo esforço corresponde à durílÇdo da aç-'o t>Mivada; 
as mesmas estruturas cerebralc; são ativadas no ca~o d,, ação projetdda " da açào efetuadc1. 
A. Ber1hoz. l .c , ,·ti\ ,/11 11111111·c 111(·11/. Parb: t dltions Odile lacob, 1997 l' l ·l. Petlt torg.) / ,, 11c11, ," 
oc11u·., d/,, pl11/o,01,J11l' ili' li11 ''""· Paris: , Vrin, 1Q97, p 2",J . Sobre o temc1 ainda: r. Corin. «l e ~ens du 
mouvement lnterview d'Alaln Bt>rtho1» N11111'd/, ·, ,/r ,/,111,, ·, n•" 48/ 49, automnt>-hlver 2001. p. 80. 
Ver também : M. Jeannetod. «Thf' representing bralw. : tH' U1,1l corrt'l ill t' c; oi motor intt>nt lon élnd 
imagery». Htf ,, ,1·11111111/ """" \ , ,..,,., -' • vol. 17, p. 187-:;,02. 
> , Corposgráfkos 
. , 
suas hipóteses e previsões, comparando-as com a ação atualizada.1 E para 
compreender a importância da composição do gesto performático, é preciso 
entender que este, para nós, diz respeito à transposição de limites, ao não 
acomodamento aos padrões corporais habituais.7 
A antecipação da ação constitui a capacidade de virtualização do organismo. 
Ela cc ,r.stitui um aspecto determinante para pensar o processo de composição 
· do movimento no contexto das artes do espetáculo. Nele se reconhece 
inequi"VOcamente que a imaginação já está na sensação, e que esta última 
traz uma série de potenciais ações. No entanto, reduzir a complexidade da 
organização do movimento em projeção unidimensional é um equívoco. Deve 
ser entendido que a projeção, que acabei de mencionar, é apenas um aspecto 
das operações necessárias à realização de um movimento. A estrutura da ação 
proativa que faz com que o corpo esteja, regularmente, à frente de si mesmo 
(a projeção da anatomia antes da ação material) precisa ser compreendida na 
sua correlação com uma dimensão complementar que faz com que este corpo 
esteja também atrasado em relação a si mesmo, na medida em que retém sua 
experiência (projeção atualizada nos músculos involuntários, ou o que se 
chama de pré-movimento )8 para dar uma forma ao movimento no espaço e -
sobre a base desta conexão - dar forma a uma nova ação.9 
IE,stamos diante de um duplo processo, no qual o corpo apresenta uma 
dimensão que chamo de corpo sutil, expressão do processo fisiológico 
6 Mais precisamente, pode-se dizer que o cérebro-simulador é capaz de inventar soluções de 
ação sempre inéditas;A «simulação interna» como modelo de projeção de ação prevista permite 
corrigir antes de sua realização ou quase ao mesmo tempo em que é realizada. O corpo toma 
então decisões antes mesmo ,que tenha consciência: o corpo vê as coisas que a consciência não 
vê ainda, como ressalta Petit.' Isso é atribuído às «pequenas percepções»: percepções sublimi-
nares - no limite do poder de decisão dos órgãos sensoriais - mas cuja progressiva aglomera-
ção promove uma nítida diferença. «A existência destas pequenas percepções joga uma ponte 
entre a descontinuidade aparente da experiência consciente e a continuidade fundamental do 
ser, tornando obsoleta a dicotomia entre consciência e inconsciência «, como afirmam Berthoz 
e Petit. Phénoménologie ct physiologie de lactíon. Paris: Odile Jacob, 2006, p. 123. Sobre a noção de 
« pequenas percepções «, ver: Leibniz. No111-ea11x cssai.s s11r li:ntcndc111c11t /r11m11in. Paris: Flamma-
rion, 1993, L. li, cap. X «De la perception». 
7 A questão da transposição dos limites do corpo indica uma passagem central de minha proposi-
ção em relação à discussão das relações entre corpo, percepção e intervenção das tecnologias. 
8 H. Godard ln A. Menicacci , E. Quinz. «Conversation avec Hubert Godard». Q ,111111 ,) /u """~e. 
nº 2, juin 2005. 
9 J·L. Petit (org.). Lc~ nmro~c,c11ct'., d /11 phil1Hoph1c dt' foclion, op. cit., p. 23. 
[ llfll U f'l fOl/1 23 
-~ 
Jt" prot«.io e um.1 d1men :n qtU" &hno .:omo úl,.r, ,1tu,,J. rebdon~d .i 
.1 m.inlf ta .10. a ancorpor u o º'" mu· ·ulo d.i pro1<~,.io nrtu.il. De 
;uordo lOm e te t'~~m • . o Ct")rpo. e .:on~quenlt'm t'nt~ d qudhddde;• de 
, u .1 prc º".. n.10 ( Olít{. ide nt'm com .l rro,e o virtu I rn:,Ju11d., pelo 
l.Crehro nem u,m .1 .itu.l tn<orpor Ç.Í<• J('-u ,m.i~~~m n,), mu,'"ulo~ qut> 
{' fltr ..im lrn aç.in ,od ... e ent · o . dut'r qu<" l' (orpo t1,1 \l t··ustt' e ,u., 
rrc ... <" O\d (. ()ffi de ap,en.14 º"' tt'n~. (1 t'nfrt· um.i pro1n.ât> (u> j'<, ,ut ,/) t · 
11m,1 r1•ft•n(J<> e ,nrpo atual). no m~ç,mo .:1r .:u1to que lag~ t' determin., 
mutuJment c J d1men,._.o,. 1rtu.J e ..atu l d.a corp lT('td..idc (\ e r F •~r.t 1) 
IPo\o dos 
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P.u.s rrl ::Jer m_i, ... larm m~ ~')te: ?r°'-e-s.s.o, dt',·t:·x: reconht:cer qu~ 
J rrt' , n .1 - ~.n n~ ,r - nã(. "'- .n.:- 1t' :om o .:- qx,. ma.\ ">lm. ')Ur~c na 
lcT ... ll 'lL.t' ~ p!1.-u..i~ cOlrc .t rr 't' . O \ Htua.. ,.h: ..t.m muVtmt'nt o fu;uro e 
.1 ~(. t':-c-,., r.: ,.1 J'--- f!'ll•'1.mt'n!o ú h:v atual desa pare -1do. 
(o~COS 
1.2 . Corposgráficos 1 
Para ilustrar este processo de fi cção que mencionei, escolhi examinar o 
trabalho de alguns artistas: • 
a) Saburo Teshigawara.1º 
Analisando o trabalho desse coreógrafo japonês, observa-se que, através de 
seu movimento, seu corpo não desenha linhas: a linha - suspensa e fluida -
continua para além de seu movimento, ultrapassa o ponto mesmo onde o corpo 
para. Deste modo, podemos falar de um corpo-espaço, capaz de concentrar 
em si todas as possíveis dimensões temporais: desprender o busto da bacia, em 
uma torção, balançando-se sobre o centro de gravidade e atribuindo assim a 
cada diferente parte do corpo um tempo independente, uma trajetória distinta. 
Em Absolute Zero (2005) ou Miroku (2007), por exemplo, a coreografia de 
Teshigawara aparece sempre como uma forma de resistência ou de apoio 
sobre o ar. O ar se toma matéria sólida na qual o corpo em movimento se 
inscreve como um traço. A presença do movimento - porque é o movimento 
que faz a presença e não o corpo - é então estimulada pela complexidade 
das percepções: contração, relaxamento, natureza dos deslocamentos no 
figura 2. Saburo Teshigawara, M1rvk11, 2007, photo <t' Bengt Wansdius (courtoisie Epidemie). 
1o Saburo Teshigawara criou em 1985, corr. Kei Miyata, a Companhia Karas, no âmbito da 
qual exploram a interação entre a dança, as artes plásticas e a música, em busca de cria-
ções de novos espaços poéticos. http://www.st-karas.com/. Ver DVD S. Teshigawara, 
Bound - Der Gefesselte / Absolute Zero, Parsmedia, 2008. Cf. C. Berger, Korper denken in 
Bewegung: Zur Wahrnchmung tan::a ,schctt Sinns bt'l W1 /lia111 Forsytlte rmd Saburu Teshignwar,,, 
Bielefeld, Transcript Verlag, 2006. 
Enr1c.o P1tolll 25 
espaço cênico. O movimento talha o ar, tocando cada uma de suas partículas: 
reconhecendo não só a consistência da matéria, mas também suas variações 
de estados, sua temperatura, seu grau de umidade, o instante em que o ar sofre 
transformações. É desta forma que a composição de Teshigawara se torna 
· uma verdadeira coreografia da matéria, na qual o movimento aparece como 
um vapor que vem do solo com diferentes densidades. Seu corpo encontra-
se no corpo do ar, ele o habita. Sua presença tem o poder e a consistência de 
um sopro. Neste processo de mudança contínua, cada movimento - o mais 
imperceptível - se torna visível como exposto por uma lupa. É neste momentc 
que os efeitos de presença se produzem. 
Figura 3 Saburo Teshigawa.ra, ,\f,ro/w, 2007, photo © Takashi Shikama / N1'.1TT (courtoisie 
Epidemie) 
b) William Forsythe. 11 Em um projeto junto ao Centro de Arte e Mídia 
de Karlsruhe, Forsyte produz em DVD Improvisation Technologies, com 
fragmentos de suas coreográficas, com o intuito de evídenciar os fatores 
envolvidos na composição do movimento. Neste documento,
para mim, 
evidencia-se o papel da imaginação, por meio da sobreposição entre 
imagem e traço gráfico torna-se visível o processo do pensan1ento que leva à 
composição do movimento. 
11 Y'illiam Forsythe é uma das figuras de ponta da dança contemporânea . Em 1984, Forsythe 
e nomeado diretor do Ballet de Frankfurt. Em 2004, após o fechamento do ballet de Frankfurt, 
William Forsythe funda uma companhia independente, a Forsythe Company. http: //www. 
theforsythecompany.com/. lniprov,sation tcchnologies, Karlsuhe, ZKM, 1999-2003. 
Corposgráficos 
É preciso considerar que o movimento se organiza a partir da espacialização 
de seus membros, a partir das articulações. Isso significa que o corpo é 
submetido a um processo gradual de extinção, para dar espaço à vibração 
do movimento: refiro-me particularmente a Solo (1997) ou a You Made Me 
a Monster (2005) ou Campaign (2008). Examinando atentamente os detalhes 
da composição do movimento, observa-se que Forsythe trabalha dentro de 
uma estética molecular - estamos exatamente colocando em prática o campo 
da física quântica - em torno de uma dinâmica de intervalo que regula a 
disposição e o encaixe de cada fragmento. Seu movimento começa com os 
quadris, mas logo após surge sempre um movimento, em direção oposta. A 
oposição se dá em direção à cabeça ou em direção aos pés. Forsythe move o 
corpo inteiro e, em vez de criar uma situação de hiponímia, o movimento 
modifica o corpo, ele o atravessa. O corpo torna-se uma dobra, uma 
articulação se dobra no sentido contrário à direção habitual do movimento. 
Figura 4 William Forsythe, l 111pro1·visal io11 tec/1110/0~1es, Karlsuhe, ZKM, 1999-2003, slill vidfo. 
1 111 li l / 111111// I 27 
28 
Quanto ao espaço, ele é somente definido pelas tensões existentes 
entre os músculos, osso s e pele, e esta relação de tensões é mediada 
pelos nervos. Assim, se eu mexo meus músculos, meus ossos e, 
consequentemente, a superfície de minha pele, componho ao redor de 
mim uma tensão no espaço. 12 
Assim, compor o movimento é sempre reagir e interagir com o espaço, 
traçar linhas, desenhar diagramas sobre o corpo: witch a spider inside, 
posso dizer. Nesta forma de organização do movimento, o corpo muda, 
perde seus automatismos, reinventa uma nova geografia da pPrcepção. 
c) How long does the subject ginger on the edge of tl me 
(2005 ), uma produção da coreógrafa americana Trisha Bro n a 
colaboração dos artistas visuais Paul Kaiser, Shelly Eshkeri, N[ai JWnie 
e do compositor Curtis Bahn.13 Do ponto de vista da compos ição do 
n1ovimento, a trajetória do corpo e sua projeção no espaço derivam, 
conforn1e depoimento de Trisha Brown, da desarticulação e da 
combinação, encaixe, acomodação dos ossos; fala-se então de un1a 
ação "dos ossos" que relega a segundo plano o papel dos músculos. O 
movimento nasce do funcionamento das articulações que se transfere 
para os membros, de acordo con1 os princípios da inércia - absorção 
da força da gravidade - ou da liberação do fluxo, condição própria do 
estado relaxado. Os dois fatores encaix.e e peso são as duas variáveis 
físicas às quais se son1a a in1aginação motora. Segundo a concepção de 
Trisha Bro-wn acerca do movimento, a cabeça, o pescoço e o tronco são 
partes móveis e independentes, mas que mantêm uma relação dinâmica 
na integridade global do corpo, integridade ditada pela estrutura 
do esqueleto, notadamente pela coluna vertebral. Neste esquema, a 
imaginação - fator muito in1portante en1 meu estudo - está relacionada 
à capacidade de induzir sensações físicas. Mais precisan1ente, pode-se 
falar de um trabalho que explora as potencialidades do corpo e in1põe 
12 W. Forsythe. ln: «A-S. Vergne. Forsythe, révolution de principe», Mouvemi:nt , nº 18, set-out, 
2002, p. 56. 
13 http: //www.trishabrowncompany.org/. Ver R. Mazzaglia. Trisha Brown . Palermo: l'Epos, 
2007. 
Corposgráflcos 
uma alteração formal do esqueleto. 11 Em termos de intervenção tecnológica, 
os sensores dispostos nos corpos dos bailarinos ativam sinais gerados pelo 
computador e transformados em traços de luz e som. A cenografia decorre 
do fluxo da coreografia e compõe "imagens de pensamento': produzidas 
pela combinação de três sistemas: captura de movimento, algoritmos 
de inteligência artificial e elaboração gráfica dos dados. Examinando a 
arquitetura do espaço composto pelas relações entre bailarinos, o computador 
armazena as informações e compõe, em tempo real, trajetórias visuais no 
palco. Assim, é por este processo de composição que a visualização do gesto, 
através dos algoritmos da computação gráfica, torna-se um instrumento 
importante para ligar os dois níveis de composição: o arranjo dos membros 
no movimento e o desenho do espaço-tempo do dispositivo cênico, aspecto 
que se traduz em novas formas de presença entre o físico e o digital. 
Figura 5. Trisha Brown, how long ... , 2005; animação: Paul Kaiser, Shelley Eshkar, Marc Downie, 
foto © Stephanie Berger, 2005. 
,,, 
14 Este aspecto é muito importante para nossa abordagem, pois aponta que o «esquema 
corporal» não é fixo, mas pode ser modificado segundo a experiência motora e sob a In-
tervenção da imaginação do movimento. Aqui os estudos de neurofisiologia confirmam 
que o corpo não está enclausurado em sua forma convencional de corpo físico e, então, 
pode-se falar de um corpo vivido e não somente de um corpo percebido. Sua forma pode 
então ser variável, sendo modulada em particul.ar pelas antecipações associadas às nos-
sas Intenções de ação, ãs nossas projeções. Ou seja, cada vez que temos uma intenção de 
agir sobre o ambiente externo, modificamos o sentido que temos da geometria de nosso 
próprio corpo. A. Berthoz, ).l. Petlt (org.). P/1c110111ú rnlog1c ct pl111sit1logie de li1t t1011 , clt., p. 
226. Ver também L. Swelgard, «Le mouvement imaglné: un facllitateur ldeokinetlque», 
No11w/lcs Jc d11nsc, nº 28, 1996, p. 31-42, 
1 ltfl/ () f 'll {J//1 
HJ 
Todos os exemplos aqui apresentados são - cm d iferen te, nívci, _ 
produções que revelam as projeções do imaginá rio que ~u, tenta 0 
m ovim ento e sua continuidade.( Retornando então à no~.\a reflexão ,obre 
a ~orporeidade, podemos afirn1ar que a qualidade do movimento dt: um 
corpo deriva da capacidade do perform er de p enetrar no esqut:ma de!-icrito 
e dar conscientemente forma à tensão entre a projeção do movimento e 
sua atualização. 1:-flsso significa mate rializar o espaço à sua volta, antes de ,e 
n1over, o u seja, m edir, imaginar, ocupar, da r um volume, uma consi-.tencia. 
Este processo se organiza e se compõe a partir de uma renovação da 
percepção, intervindo sobre as modalidades de produção d ·ção 
(a imagem projetada d o corpo antes de se m over) . Reorgan izar a pc 10 
de fo rma distinta significa dar ao cérebro - através da ativic. o~ 
sentidos - estímulos para elaborar novas hipóteses de m oviment, JVas 
configurações da anatomia e, consequentem ente, novas fo rmas Jc presenç.i. 
H ú, todavia, uma dificuldade em virtualizar - imaginar o espaço, 
topografá lo e dinamizá-lo, ou seja, projetar hipó teses de movimento~ 
de,conhecidos - que é fruto da dificuldade de sentir. , Como ohsen ·am 
l Iuhert Godard e Armando Menicacci, é certamente um desafio rcva e 
renovar a~ sensações, encontrar o utra anatomia, um gesto int~dito ou um 
e~paço fluido. O que to rna isso difícil não é a complexidade dos comando, 
de ativação mu -cuJa r, mas a dificuldade de renovar a m aneira J c org.iniz.n ,1 
pe rcepção. 1" Se esta modalidade é sempre a mesma, as suposi1J>es corpnr., i~ 
formuJad as pelo cérebro serão sempre as m esmas. () corpo entra, a~sim. 
em um loop; ele repete ~emprc os m esmos m odelos de ( ompt):o-i1; ,,1.l e Jc 
dinâmica espaciaJ. O corpo gira no vazio: ele perde a cticienc ia .,o olh.n Jo 
espectador, é p revisível, perde a tensão, cm suma, elcycrJc a prcscnç,1. 
É exatamente aqui que as
tecnologias pode m ~c r úlL'i~. p,1r.1 org.1n11.lr 
de fo rma dife rente a pe rcepção do pcrformc r. par~, lhe dar llll\,lS ~lllu,;óc, 
na composição do m ovi m ento con:ogdft (O o u (01111..·o nn ~1..· ntid ll ,11nph, 
d a palavra. É nc.'.tl'. -"CntiJo que .'.C vislumbra o inlL're~sc do c111prq .~l1 d., 
tecnologia, ou ~cja, como suporte para uma i nll'rroga~ :w '- og 11 it iv., ~1 lb1 l ' •' 
15 Mas antes de continuar, é preciso ressaltar q111• a lislolugl,1, .1,-; lm 1 01110 ,1 !11111t>i . 11 4' 0 i' um 
mod,el o para a composição do movim<'nl o Pm cen.1. (omprN· n dt·r 'l' II p,1pcl "f."~fHll id<'n 
li ftcá - lo como ponto de partida, pPrmlllndo ,, fompoc,l~ ,\o d1'"' p 1od111il 101110 l111~uag.-m 
autônoma, como dP!>Vlo, v;,irlaçào. 
16 A. Menicacci, E. Qulnz., ,,111•,·, ,"'"''' ,11·,·, l /11/1, ,' ( ,.,, /,,,,/, op. t lt 
( 0 1 posgrético<; 
o rganiz.aç.:io dJ (orporeid.iJe. permitindo ,w paformer, .w nH·,nw ll'mpo. 
(Orrigir J4..lui lo que Hubat God,trd Jdiniu (onw '\:~dcro~l' d,1 repct11/ 10", 
referindo-st' à rt'utilizaç.io d.t mt'sma cstrutur., do nwvimento.1• 
2. A anatomia 
Para aprofundar .i 1Je1.1 ,cgundo .i qu,\I ns niwis dt• prcst·nç,1 do pcrformer 
nn palco njo (L>1 n(idem tot.ilmenlf t"t)lll n~ limite~ fískos de seu (orpo -
comt) ,e \'l' t'm For~\·thl' e Tc~h•~~n" Jr,\ - . ~ pret"iso esboçar uma tl'oria Ja 
JnatornrJ LJUt' ,rrq ( lllllll pr111,·1pio c p1:-.tcmnlógko. t•: rnhora os exemplos 
Jrt1~t1(0, Jprr,cntadn, rchr.lm 'l' .1 dikrcnll's modalidades de presença 
- r, tahd t·t1d.l, J partir d.1 rcl.11,,IO l' tllrc ., prnit·\·ão de um,, "imagem" 
Jo torpn n11 t"lt fl.lÇO (tnrpo ,uti l) e., enc.,rnaç."to na estrutura navosa l' 
rnU\(UIJr (u, rpo JIU,l l ) 11 mnntnl'nto. nao m,1i :-. o (orpo, alkcr,·a todos 
ele<, . ·J vcn.l.tdt cm toJn, 1" t·u.·mplo,, 11 movi nH·nto parece (nntinu.,r 
onde p,HJ o t<>rpo t .,,,1m. ,llnpli., J Ji111l'n :-..10 dl' presença. 
P.trJ tomprecnc.kr .1 J1, t1n1,.1u rnt rL· L11rpo L' nwvimt·nto aqui sugerida faz 
~ nt'..t'"'"-ino rc\L r llO\ào Jl' .1n .1tomi.1. 'fi,manJo .i l'limologia Jo vudhulo 
anatorrn c1. lemhrn yut.· o tamo \l'm do grl'go t111,, (r.ir,1 cima) t· /nmt; {(orll'. 
Jn\.1--.lo) A,\lm, jn..1tom1J , 1~nt flLJ 11111a e,tr.itt:gia para abrir o corpo. f.: unL1 
t:\trateg1a ck Jhnr o torpo L' olhdr u yue hj dentro, lllil'> C'>'-il cstrat l'.·gia de .,hrir 
o (orpo pcrm1fl' lc\M o movimento rara o priml'iro plano. ·1:,lveí' forçando 
um pouu> .1 intcrprl"l.1 .:io. po<lc-,c d1í'cr que ., anatomia rdál' -,t.· ,\ direç;to 
LldC. torça,, o, w ton.'\ do uJrpo18 ( ,onformc minha leitura, a anatomia st.· torn.1 
umd m.meira <ll' ~ r. c.k u mduzir o t orpo. < >u St')<.l , el..1 um:-.titui uma opt.·ra,·ão. 
f:. l'm outr J~ pa.lavra.\, um...i pr .ítica cpi'>kmol<'>giLa dl' umsidaar II movi ntt·nto 
para alc:m J m Julorn.it1, mo, J11 L<>rpo. f.. dl'nlro <.fr ..,1.1 pnspn ti va que me 
.,irvo da ,1 n Jtorn1,t umw u ,nl.t:i l11 opc.:rat,'>no de toda minl1a rdkx,io. hllt'ndo 
yue Jna1t,r111J u>mt1tu1 urn.t e'-o lratégia de J eu,mpo..,i1.,úo t.' rl'org.mi1a, ,10 do 
t c,n<.1:ito <lL" <.orp<> u 1rno 1111 1\lít' t no, l'Xcn,plo, LilatL,.., . 11111,1 idci., que 
l"Thonlr.J re,..,cJn.ínLia 110 pemamenlo tk \ pino1,.1: 
1/i v,-, ~ l ,1 tH,n . //11 ,\,fr1,1,, ,,f \ lo,,,,,.,,,, l'lymuulh , M,111l, 111 .1ld 11, 1 v11 11 1,. H)Ho, r M 1.i lrn 11 
J /"'' ' /1 11,m11,1,,, N1J1111t' l11••, d«- 11 ,;n•u•, llr11 1trlo1-,, JOO 1 
. l 
( h corpoc; e d1c;tinguem ent rt' eles em relação ao mo\;mento e ao 
repou n .a rap1<le1 t a lentidão. e ná() em rcl Jçào à , ub, tância ( ... ). 
t_ m co r ro e m mo" 1ment0 0u 1:'m repou•-<"l .ich.1 -.se determinado pelo 
mov,mentn ou repou o de um outr 0 corpo que. por sua vez, foi 
determinado pdo mo..,,1mento ou re pou,o Je u m outro. e es e. por sua 
ve1 por um nut ro e .i,,,m intinitamente ,q 
í-. por 1, tn q u e n cor po ,e tornc1 u rn d d ina m h.::a: a anatom ia constitui 
uma e \ tra tcg,a de e tender a p re en(a. fazend o- .1 continuar o nde o corpo 
p ci ra A an atomia ,e to rn a um ohre\.OO ,ohn~ o corpo elc1 , onecta · ""das 
J '- \ Ua, parte\, todo, n, ,eu, egmento, ma, ncio p e rte n ce a nerj , 
ddc, . f· umJ linha que traça um d1.i r ma c,lmO t:m uma cons te' 
1~ o ,ignitica ultrapas~r o, limite dn corro por m e io do movime nt< _ 
organ iza 0 5 m embro,, reYela um corpo tanta,magorú:o e fa7 intervi ,ua 
capacidade de produzir verti_ em pela rapidez ou. pelo contra rio. pela 
lentidão. O proce,,o expõe o (orpu a um.1 e,pecie d e morte pa ra a t ingir 
um co11 t i1111w11 de tnten ,1dc1de, aotonom .. i-. que J1,,nhem a -. fo rmas, o~ 
~igniticado,. coloc.indo em pnmetro plano ,omente o m o'\ imento. As · im, 
n o exemplos citad o~. nàl) h.i m.ib um ..:orp,1 central, o ponto de partida d o 
m ovime nto não e mai, l) ..:entro do ..:1.,rpo ma, um.1 d e , ua, extre midad e , 
a~ ~u.,,._ p enferi .1, orelh.i. ú>to,do, m.io. qu.iJnl 
3. Oa captura: sobr~ os graus de materialidade do corpo 
~e u c,..l rp,, t'm m(1, 1mentl, '.'-e dekrmin.1 pela ten ão entre uma p ro_1eção e 
um,l rt' ft•rrpi(l ..i an.1wm1.1 e ,eu pnn..:1p10 de tunc1on am ento, que também 
l 'r~ .1n 11.11.l m,n 1mc.' ntü d," J.1d1..1-. d1g1t.11, n.i c m po 1ção d o co rpo. Depois 
,.k ta aprt.' ,ent.1J,l o tr.ibalho de. \\·1U1am For '\1he t' o d e Te higawara 
,:lm,n \.c.>m ph." J um "-orp1.., em pnxe,,o de de~locamento d e si mesmo 
l tcn,,h, c.>ntre rro1e ·.iú t' reten~ã0 na definição do mo,; m ento ), examino as 
m oJ.iltdaJe, n~b qu.11~ ú corpü e culo~ado em relação a diver so s sistemas 
tt.'.:-nt 10~1"-1..1 101..:lurndü .1 .:-aptur. Je moqmentol. 
, 1n, trumt'nll..h utiltz.id,.\ em ..:ena ,ão o rgan izad o d e acordo com doi 
'-' 
pnn.:-1p10::-. tc-.:-ni-.:-1.., ~ tconco .. -\ 1'1Ct?T_tu t'. - um filtro cap az de eleccionar as 
19 Sp,noza. f:-.,., oo crt Prop XIII , tu.. 11 , Lemme 1, Prop . XIII , Ax. li . Lemme Il i. 
~ ~ Corposgráficos 
informações e de gerar outros para tratá-los no processo de transformação 
digital - e o código digital que lhe permite transpor os sons, ímagcn~ e 
movimentos em informações que podem ser armazenadas e processadas 
por um computador. Através da aplicação dessas duas funções com uma 
tecnologia digital como a motion capture (mocap) - instrumentos de 
diferentes naturezas dispostos diretamente sobre o corpo dos performers 
- é possível perceber os dados do movimento que, em condições normais, 
não poderiam ser percebidos. 2 0 
3.1. "Assinatura motora" e retorno da percepção 
Se as hipóteses do movimento, fo rmuladas pelo cérebro e que se encarnam 
no, nen·os e músculos, são baseadas na categorização perceptiva do 
ambiente, ao qual o corpo vai reagir em ação, transformar esse movimento 
imperceptível c.k dados na forma de luz e som - este é o sentido de minha 
reflexão - 1, igni lic\ da r ao performer um instrumento inédito para 
c~tcnder sua percepção (biofeedback) e, então, compor um movimento 
incomum para ascender a vá rios níveis de presença inexploradosl Gostaria 
de observar que, ao captarmos (com mution capture) a atividade muscular 
involuntária, no" aproximamos da possibilidade de manipular a passagem 
da "imagem" produzida pelo cérebro à forma incorporada nos músculos. 
Ne1,ta passagem pode-se pensar na questão da "assinatura motora", 
proposta por Martin Époque e Denis Poullin do LARTech da UQAM 
Montreal. 21 Isto é, tornar visível , graças a sistema~ de captura de 
20 Ver o esquema do processo de captura de movimento elaborado por M. Époque e Denis 
Poult in no LARtech do Departamento de Dança da l'Universlté du Québec à Montréal. 
http: //www.lartech.ueiam.ca/extraits/ pages/ Making.htm Captura de movimento em es-
túdio com câmeras lnfrarouge; Posicionamento dos sensores sobre o bailarino; Registro 
das capturas e identificação dos marcadores do computador; Transferência d.:i lnformaçào 
dos marcadores de um bailarino virtual extraído con forme o modelo da
anat omlJ ; Final -
mente, traduçào da dança específica e composição do traço gráHco. 
21 Ver sobre esta questão o t rabalho desenvolvido por M.irlinf' Êpoquc el Dt>nl-. Puuli 11 no LAR -
Tec.h . O LARTech foi fundado em de,ernbro d1• 1999 com o propósito dt• pr onwvt'r pt'<.qui 
sa'> r- criações em tecnocoreograHas e digltalízaç ilo do movlm1•ntu hum,111 0 . Vi, .indo ,1llti, ., 
dança ao•. f' '>paço'> e expressõe•, digital,;, ,, propo<.la IP!>l f'mu11h.i u111 pll' '> <.upo-.10 ,111 1 ... 11( 11 
para um,, expre~'>,lO origina l qut' nonwara. 1•m :.> 004 , Hd dança""'º rnrp lm . Atu.ilm t• 11l t' 1, ., 
balham '!Obrt- ,, projeto ua<,•,lnalur,1 rnotnrd» f aqui quf' ,1 lrr,Hl lt1( l o d•, wrpo -.o lHP o plJ110 
t ,, 1 '' 1 11 ,/, 1 • l l 
movimento, a essência interior de um corpo em movimento, o ponto 
onde a projeção da ação produzida pelo cérebro está presente e se 
encarna nos músculos. Isso significa ter acesso à singularidade de um 
corpo em movimento, à representação de habilidades motoras, e este é 
outro exemplo que aponta para o movin1ento além dos limites do corpo. 
Desta forma, na ausência do fisiológico, o movimento se coloca na tela 
revelando a presença humana por uma assinatura cinestésica. Quando 
reconheço este momento como determinante na organização e definição 
da presença, posso então supor que os sistemas de captura de movimento 
podem alargar a presença física, compondo representações mi •· ... <ias. 
Se afirmei antes que este momento é determinante, no tocante a· ') 
psicológico, por organizar e determinar a presença, pode-se afirm 
que o~ sistemas de captação do movimento propagam a presen~ a 
co.mpondQ figurações midíatizadas. 
Neste contexto, não é o corpo que estimula o recurso tecnológico, mas é 
estimulado por esse recurso. Com a introdução de captura de movimento 
sobre o palco, o performer se depara com a seguinte situação: concentrar-
se somente sobre o nível "proprioceptivo'' - dados provenientes da ativação 
dos sentidos - ou canalizar sua atenção para o nível "exteroceptivo': dados 
externos transformados em som e imagens. Estes sinais, de retorno ao 
corpo do performer (biofeedback), lhe fornecen1 uma dimensão sensorial 
complexa útil para desenvolver um novo projeto de movimento. 
Este processo implica também uma transforn1ação, uma mudança 
radical na substância material do corpo: passa-se da carne ao digital, 
mas nessa passagem, há un1a continuidade que pode ser rastreada até 
a estrutura básica dos corpos. A física e a ciência nos ensinam que tudo 
se dá por meio da agregação de partículas: dos materiais vivos até os 
aparentemente inertes, todos são constituídos - assim também o corpo do 
:-,erformer- de um arranjo de partículas. O corpo sintético pode igualmente 
ser compreendido nessa perspectiva. No entanto, na transição do carnal 
físico se torna visível sobre o plano digital. Em minha proposição, a figura eletrônica do 
movimento é. sobre o plano digital. aquilo que a decomposição do movi mento é sobre o 
plano físico. Estas duas dimensões dividem um mesmo princípio: .1 anatomia corno vetor e 
direção das forças onde o corpo se torna uma constelação de pontos, com rapidez P lentidão 
de agenciamento. http: //www.lartech.uqam.ca /. M. tpoque e D. Poulin. No/,,,.fr 1 >,111.-r, 1111 
rnac i/11 pn11tc1111,ç 3fJ 0 1 i11Jin hon:_i.;rt1f•l11t· tlc p,1rt,c11/c., ,,, ,11r ,;;..,.,,,, ln : L. Poi~sanl e P. Tremblay 
(org.). f:11 ,c111/1k ,\1/l,·111 , I / ,,gl'll1cr , /·1',.ll'l1nr, op. clt. p. 181•194. 
Corposgrãficos 
para o digital que aqui analiso, h .. i uma diferença cm te rmo.1, de organização. 
Enquanto a organização do corpo físico revela uma dinúmica contraJit6ria 
de partículas, o corpo digital (o corpo s intético) escapa desta contradição 
formal, sendo caracterizado por uma dinâmica de expansão das part ícula.-., 
um processo de exte nsão da forma, uma vez mais, para além dos limites 
do corpo, em direção a uma abstração (Figura 6) . 
Corpo físico 
Segundo nível de virtualidade 
(Mediação tecnológica) 
Corpo de síntese 
segundo n1vel 
do retorno 
c1 perci>pçiio 
fil(ura 6. < opro fí, iw e wrpo , íntt',e: ~ei;:undo nlvd de virtualidade ln Enrico Pilolli, 2011. 
O emprego , ,u .1 intervenção da'i tecnologias digitais sobre as tecnologias 
perceptiva.., (ticção), ª" quais mencionei, envolvem duas operações: simulação e 
deslocamento. A simulação .'>t: refere à modelagem digital, designa uma mudança 
de cxi<;téncia e consistência. A partir de uma ordem primária da realidade 
empírica - a ti .:; icalidade do performcr - , pa . .:;samos a uma realidade diferente, 
composta de regras de formalização matemMica. As interfaces de computador 
u~ada<; neste processo nada mai.-. são do que um circuito que torna possível 
ligar a rcabdadc de primeira ordem - o corpo físico (matriz) - e as presenças 
que se locaJizam na tela ou na paisagem sonora. J(1 o deslocamento significa a 
transposição do" sinai, sonoro\ e visuais da corporeidade física l', portanto. 
uma operação de nível .1,ecundário em relação ú simulaçtio. Neste nível. os sí11.tis 
~e tornam independent e~, ele\ '-l' reorganizam l'm um novo nívd de prcscn<;a . 
3.1. Corposgráficos li 
Para forn ecer refc réncia '> ..;ohrc a n ,mpos ição d o movirnl'nln do ,:orpo 
11.1 tela , inc u>r1<. c11 trarl' i l ' m algu n , <.'Xl'mplos, cxpli <.-.11Hlo .,, dikrc nl<.':-
modal idadn, d l.' t ralatnl'nlo digit a l l' lllJ) rl'gada~: 
"' ',, 1'111,111 'I l 1 
a) Ghostcatching (1999), uma criação coreográfica do american o BilJ 
T. Jones.22 Nesta obra, o coreógrafo busca, na composição do corpo de 
síntese, uma correspondência direta com os parâmetros do corpo físico. 
Neste sentido, a figura digital torna-se o "duplo" do corpo físico no espaço: 
ela assume suas características em termos de articulação do espaço, 
controle de peso, flexibilidade de movimento. Estamos diante de uma 
espécie de reprodução através de um material de consistência diferente. 
figura 7. Bill T. Jones, Gh ostrntcl1111g, 1999, foto ,,, Paul Kaiser, SheUcy Eshkar (sI11I video). 
b) Hand-drawn Spaces (1998) et Biped (1999) de Merce C unningham . 
realizados em colaboração com Paul Kaiser.~1 A proposta de Bipcd. 
22 P. Kaiser, «steps» dans (,hostc,1tchl!lg, Baltimolre, Cooper Union's Catalogue, 1999 . http:/ / 
openendedgroup.com/ 
23 R. Copeland. ,\lera· e ·,111n111,1•/1, 1111 : t!ic 11111,h·m, ::111.1: 1>/ ,11e1il, 111 il,11,u·. New York : RoutlPdge, 
2004. Ver també M. Boucher./ ,., ,_f)l"I , 1•111l,c.,,,,,,.., .I,· /,, ,/1111 ,, ,/,,,, , /,·, ,, ,·, , ,,_1:1,111/11,·, 11111 /11111, 
ti,,,,, « Archée « , Montréal, décembre 2009.http: / / archee.qc.ca / . http://www.mercc.org/ 
e http://openendedgroup.com/ 
Corposgràfi<OS 
particularmente, vainosentidoopostoao trabalho de BillT Joncs. Consta uma 
completa abstração da forma do corpo, mas existe uma tensão visível, uma 
"memória" do e queleto. Na verdade, o interes~ante no sistema desenvolvido 
é a possibilidade de intervir sobre os dados obtidos a partir da captação: 
conforme o tratamento, pode-se colocar na tela um corpo sintético quase 
idêntico (no nível dos paràmetros) à matriz que o produziu ou, ao contrário, 
pode organizar um corpo sintético distinto do corpo físico que o gerou. 
Enquanto o processo de intens[/icação produz uma correspondência formal 
(não de substância, como expliquei anteriormente) entre o corpo físico e o 
corpo sintético, o processo de deslornmento produz verdadeiras abstrações 
luminosas, em que os corpos dos bailarinos parecem se desmembrar, se 
deslocar, e os vestígios da memória do corpo físico, desaparecerem. 
Figura 8. Merce Cunningham, Biped, 1999, animação: Paul Kafaer e Shelley Eshkar, foto @ 
Stephanie Berger, 1999. 
c) O trabalho de Kondition Pluriel, Esquema li (2002), mais especificamente, 
o fragmento Corpsfixe el sans tête. Physiqucrnent ici ct mentalcn1e111 nillcurs.2 4
24 E. Pitozz,. E1e11drl /11 1•c,111 \1 01c. />cncpt11111, d1 ,po,111J, tcch11,1/ng11111c,. ln: Loulse Poissa nt e 
Pierre Tremblay (org.). f-11 , 111/,/1• A1//111r·. 'fog, tl,a J /,c11 h1·1 1. Ste-Foy: Press('s de l'Univer 
sité du Québec, 2010, p. 330-350; e também E. Pitozzi n, ,,,0,111/, ,/,· /, , ,,,·,11·,,,,,,,, ,111•1111111 1l. , 
jlíl \ U)(I.', 1nkr <1dlVlll' ( 111/l'l /\(// 1(11/ , 11•11 i\/11,,,. ( '/,111,I,· ,,,.,,1,,, ,., t\1111/111J,,. 11 ,1/1 1/(' ~º'"'''"'" r•/11 
nd, <cArchée», dez. 2010. 
1 r,, ,, , , 1•11, ,, , r 
' I 
) ' 
33 
No mencionado fragmento, uma das intérpretes encontra-se de bruços no 
chão. Ela pode agir, mas também "te]eagir". Ao mover a cabeça, controla 
a proJeção de imagens, representando uma versão esquemática do espaço 
cênico. Ela faz alternadamente movimentos com o peito, pernas e cabeça 
para controlar a arquitetura de luz sobre tela. Embora seu corpo esteja 
presente no palco, seu pensamento a projeta para fora dela mesma, em uma 
extensão que toma forma em linhas de luz e de som. O corpo encontra-se 
em relação sensível com os equipamentos: o corpo está imerso em um 
ambiente tecnológico cujas alterações constituem uma reação diretamente 
da sua ação e percepção. 
-~ ',/. i ;.: . ."? ~ ---1 ' ., 
~\, ·-'- / 
1. 
~t ~ 
-~ 
} .. 
~ r ... \.~ 
-'r , , 1 \ ,· 
f igura 9 . Kondition Pluriel. Es,1111?11111 II. 2002. Photos: Susanne Sellingcr, 2003. 1i:>kondition 
pl11..del. Interpretado por Marie-Claude Poulin 
Em todos os exemplos que examinamos, a imagem projetada na tela 
aparece como uma suspensão vibrante do corpo, registrada sob forma de 
movimento particularizado. 
4. Sobre a intervenção da tecnologia 
Afirmamo~ que as tecnologias intervem sobre o corpo para explorar 
suas potencialidades de composição, oferecendo uma possibilidade de 
organização diferente da percepção. Somente nessas condições pode-se 
atribuir à tecnologia uma função estética subjacente, afastar a tentação 
Corposgráficos 
tecnocrática. Na minha opinião, sobre o emprego da tecnologia em cena, 
retiro então as seguintes conclusões: 
1. As tecnologias não são uma "mídia", mas sim um ambiente; elas 
definem um processo de pensamento. Eles remetem a operações, ao 
mesmo tempo técnicas e estéticas, definindo uma lógica. 
2. As tecnologias contribuem para abolir a separação entre interior e 
exterior. Os micromovimentos ou movimentos involuntários podem ser 
capturados através do emprego de sensores. Assim, do ponto de vista 
estético e operacional, as tecnologias contribuem para tornar visível Q_ 
invisível. 
3. As tecnologias são instrumentos de conhecimento, porque permitem 
uma nova cartografia perceptiva e sensorial do corpo (biofeedback), 
possibilitando ao intérprete encontrar novas fórmulas de organização do 
movimento e ascender, então, a diferentes níveis de presença. 
4. As tecnologias permitem - do ponto de vista da análise de movimento -
conhecer as características específicas de um corpo e de seu m ovim ento: 
a "assinatura motora", sua essência íntima, o ponto onde a projeção da 
ação produzida pelo cérebro se torna atual e se encarna nos músculos. Isso 
significa ter acesso à originalidade de um corpo em movimento. 
5. Em consonância com o princípio acima, as tecnologias podem 
contribuir para qualificar as características do movimento. Em outras 
palavras, seu uso pode induzir uma qualidade específica de gesto em vez 
de outro (teoria da anatomia como prática epistemológica) . 
5. O cérebro é uma tela de projeção 
É exatamente neste contexto que essas modalidades de manifestação do 
corpo, por meio da composição do movimento, produzem efeitos sobre a 
recepção do espectador. Este efeito é a sobrevivência de um momento de 
um corpo (de um movimento), independentemente da sua qualidade ou 
consi5tê ncia m aterial. Eu usaria então a expressão "simulação encarnada': 
Enrico P1ton1 39 
empregada por Giacomo Rizzolatti e Vittorio Galle e, da equipe da 
Universidade de Panna, na Itália, que testaram o funcionamento dos 
"neurônios-espelhos'~ segundo os quais há uma correspondência empática, 
em termos de ativação neuronal, entre aquele que faz a ação e aquele que 
observa. 25 
Neste contexto, os estudos teatrais e coreográficos podem realizar um 
cruzamento muito interessante: as neurociências nos oferecem indicações 
(e não un1 modelo, é claro) sobre as modalidades d e recepção do 
espectador. Ou seja, pode-se dizer que há, em alguns níveis, uma relação 
empática entre artista e espectador. De outra forma, pode-se dizer que há 
uma espécie de "gesto de canibalismo"1" realizado pelo espectador: ele olha 
e sua percepção ecoa diretamente sobre sua corporeidade. O processo de 
empatia envolve, assim, uma transferência mútua de experiências sensoriais 
entre o performer e o espectador. Estamos traçando uma ligação muito 
sutil - a ser ainda explorada - que me leva a pensar sobre um fenômeno 
de correspondência entre a experiência sinestésica do "observador" e a 
cinestesia do performer, através do reconhecimento perceptivo de seus 
movimentos corporais. Mais precisamente, no contexto da composição 
cênica, ao corpo em movimento corresponde um efeito induzido sobre o 
plano da recepção; há uma forma de simulação (reconhecimento) do gesto 
emitido que ativa - no corpo do espectador - uma sobrevivência no nível 
da motricidade. Diante da aceleração de um movimento percebido, nossa 
respiração muda, porque a ação percebida ativa em nós um esquema corporal 
armazenado - ali se atesta a sobrevivência - em nossa memória motora, no 
"arquivo" de onde o cérebro extrai suas suposições de movimento. 
Pode-se afirmar que a observação é, então, uma forma de decifrar 
mentalmente os projetos do outro ( do performer), definida por uma si mulaç.io 
- a simulação incorporada da qual fala Gallese - da ação observada.~-
25 G. Rizzolatti, C. Sinigaglia . So q11cl c/11: j,11 . Milão : Raffaello Cortina, 2006 (tr. fr., 1 . .-., ,1,•11n •11,·, 
111,rom , Paris, Odiles Jacob, 2008). Mais exatamente, os neurônios descarregam tanto 
quando alguém faz um movimento quanto quando alguém vê um outro sujeito faze, 0 
mesmo movimento. 
26 A. Menicacci , E. Quinz. < ·unl'cni1I11111 "''l't. /-111/1, ·11 < ;"d,ml, op. clt. 
27 V. Gallese. // tnr/'" I.·,1tral, ·. 1111I11,·tI , ,11P. 11,·11t1111I , ,,,.,, /110. ,1111 11 /,1 11111,· 111, , ,, 11 , 1/,1 , « Cullu1e Tea 
trali ((, nº 16, prlntemps 2007, p. 13 37. 
Corposgráttcos 
Assim, aquilo que costumamos denominar como "compreensão baseada 
na observação" torna-se ''reconhecimento fundado na simulação da ação': 
É aqui que a relação entre o corpo simbólico e o corpo sensível se coloca 
de forma radicalmente profunda. Dentro desta perspectiva e com alguma 
cautela, somos levados a pensar que esta operação vivenciada na situação 
de copresença física entre o performer e o espectador pode ocorrer também 
na situação da recepção de um corpo digital, de um corpo de síntese. Nas 
duas situações, há esse momento de passagem no qual a sobrevivência do 
corpo percebido torna-se efeito incorporado no corpo do espectador. 
Para concluir, levo ainda mais longe minha reflexão, dizendo que, 
na cena atual, o palco constitui somente o ponto de passagem - o lugar 
onde se compõem, de maneira subliminar, as intensidades que definem 
a atmosfera - para imprimir o movimento sobre a placa fotossensível 
do cérebro do espectador: a verdadeira cena, a mais escondida, a mais 
radical. 
l I fl( 'J 1'111 ,111 
9 Evenings, Theatre & Engineering1 
Clansse Bard1ot 
Université de Valencienne 
Minha comunicação tem por propósito apresentar fatos importantes 
que envolveram o evento histórico 9 Evenings, 1heatre & Engineering, 
realizado em 1966 em Nova Iorque, cujos documentos tive a oportunidade 
de pesquisar no acervo da Fondation Daniel Langlois - Montreal. A 
escolha sobre esse
evento deve-se ao fato de ele ser considerado como 
o acontecimento de maior envergadura no nascimento das relações das 
artes com a tecnologia, embora experiências tenham sido realizadas 
bem antes. Na verdade, considera-se como primeiro espetáculo de Cena 
e Tecnologia uma produção de 1956, realizada por Nicolas Schoffer, 
denominada CYSP 1. Entretanto, 9 Evenings teve uma repercussão de 
público extraordinária - 1 O mil pessoas assistiram às performances nele 
reunidas. 
O evento resultou de uma iniciativa do engenheiro Billy Klüver e do 
artista plástico Robert Rauschenberg. Em 1965, os dois tiveram a ideia 
de reuni.r cerca de dez artistas e um grupo de cientistas do Bells Labs. 
Entre os artistas participantes encontravam-se Steve Paxton, John Cage, 
Lucinda Childs, Óyvind Fahlstrõm, Yvonnc Rainer, Deborah Hay, Robert 
R.a uschenberg, Alex Hay, David Tudor e Robert vVhitman. 
1 Cabe dizer que o material de 9 f:1·(·11i11g) encontra-se disponível na Internet, no site da 
fundação Daniel Langlois : http://www.fondatlon-langlols.org/hl ml / f / index.php. 
' I j 
Apresentando de forma breve, esclareço que boa parte desse artistas 
vinha da dança, eram bailarinos e coreógrafos, alguns tendo participado 
da fundação da famosa companhia Judson Dance Theatre, como Y. Rainer 
e L. Childs. A maioria deles era muito jovem, naquela época, tinham 
entre 20 e 30 anos. Havia, porém, artistas de outras gerações, como Cage 
e Rauschenberg; este último era um artista já bastante reconhecido, 
pois tinha, em 1964, sido premiado na Bienal de Veneza. No grupo 
encontravam -se também Alex Hay, artista plástico, David Tudor, pian ista 
e intérprete de Cage. Era, então, uma equipe bastante interdisciplinar, 
sendo Õyvind Fahlstrom o homem de teatro do grupo, ele vinha de uma 
experiência de dramaturgia, mas depois fez carreira em artes visuais. 
Trata-se então de uma reunião de artistas interdisciplinares que vêm, 
majoritariamente, da dança e que têm como figura de referência Merce 
Cunningham. Ainda que não participasse de 9 Evenings, o pensamento 
e a experiência de Cunningham estavam presentes, p ois a m aior parte 
dos bailarinos tinha trabalhado com ele ou sido seus alunos. Além disso, 
Cage era regularmente seu compositor e Tudor o intérprete musical de 
seus espetáculos, Rauschenberg fazia os cenários de suas coreografias com 
assistência de Alex Hay. 
O evento 9 E,•enings foi realizado de 13 a 24 de outubro de 1966. No 
fôlder de apresentação do acontecimento, lê-se: "Vocês vão ouvir o som 
emitido pelo corpo; vocês verão dançarinos flutuando no ar; o público 
se tornará mais do que espectadores, poderá realmente flutuar. É 
arte, tecnologia e um pouco de teatro. É importante que vocês estejam 
presentes." A cada noite ocorriam duas, três ou quatro performances 
representadas duas vezes, recebendo cerca de 2 mil espectadores por 
noite. Importante ressaltar que esse sucesso de público constituía uma 
mudança muito importante na vida artísti ca da maioria dos participantes. 
Os bailarinos e coreógrafos da Judson Dance, que faziam parte de um 
m ovimento underground, tinham por hábito reunir no m áximo 200, 300 
pessoas em suas performances. O evento colocava aqueles a rtistas diante 
de uma nova realidade de público e também de expressão social. pois o 
evento despertou o interesse de toda a imprensa, inclus ive da televisão 
local. Ainda que, <le parte da imprensa, as críti cas fossem muito negativas. 
Antes de falarmos sobre as performances rcali:,,adas em 9 f:'i •t' ll ill,~~. 
é oportuno conhecer um pouco da históri~ dt' Hilly Klüvl'r, figura 
fundam ental na produção de todo evento. Trata -sl' dt· um L'ngenhciro 
9 [ vf'n ing<, , Th1•alrt> í!. EnglneNlng 
elétrico. doutor pela Universidade de Berkeley (EUA) que, a partir de 
1958, passou a trabalhar na Con11111111icatío11 a11d Rc:;can:h Dcpartmcnt de 
Bel/ Laboratories. Esse laboratório americano era um dos mais importantes 
centros de pesquisa tecnológica do mundo. Era ali, à época, que estavam 
sendo desenvolvidos o primeiro satélite, ,1 linguagem informática Unix e 
os primeiros trabalhos de imagem digital. Foi neste contexto de iniciativas 
inovadoras que surgiu a ideia de promover um acontecimento que permitisse 
o cruzamento da arte e da tecnologia. organizado sob a forma de dez 
performance . Importante apontar que essa nào era a primeira vez que 
Billy Klüver trabalha,·a com arti~ta~ de vanguarda. No início dos anos 
1960, colaborou com jcJn Tinguely na reali zação de uma performance 
bastante famosa, Homagl' to ,\'cw fork ( 1960), 11,1 qual uma múquina 
se autode<.truía; com Y\'onnc RJincr. no ,imbito do Judson Dance, na 
performance At My Hody'. flowe ( 196.3), nJ qual microfones captavam e 
ampliavam a respi ração Ja hai!Jrin,\; Lom Andy \Varhol { 1966), na obra 
Si/ver Clouds ( 1966), par,l J ljU,d foi n~cc,,áno encontrar o gás perfeito, 
capaz de fazer flutuar o, tra,-c,,cirm (hojL' '.'>ahcmos qm.- é o gás hélio, 
ma.o; na época era preci,o um t:ngt:nheiro para encontrar o gás certo, 
de forma que ele<. flutua<-,ern durante um tempo bastante longo, sem 
e~vaziar rapidamente) _ Outra colaboração dt: Klüver 'ie dl.'u com Robert 
Rauschenbcrg, na cornpo~ição <la obra Oraclc ( 1962- 1965), fundada na 
~clcção aleatoria de emÍ '.'-1'.'>ÓC, de rád10. Uma obra muito importante na 
hi\tÓria da dança e da artt: e tecnologia - \'ariations \/2 - , Je John Cagc, 
também contou com o apoio de Klüver. Intcres~ante ob..,crvar que esta obra 
reúne Cagc, Cunningham, que dança, ~tan Van Der Beck, para projcçôcs 
de vídeo e KJüvcr, na criação de um ,<, i<,tema de pequenas antenas com 
\l'nsorc,, que permitiam quL', à medida que"" bailarinos pas,asscm diante 
dac, anll'na..,, um ,om fosse disparado ou interrompido. Com cs<,c engenho, 
e<>locava <,C um;.i novJ lógica de organização na dança: é o movimento, a 
dançd, qul.' control..1 o '>om. Não é mais a coreografia que segue a música, 
ma, o con trário, (: ela que dell'rm ina o ,,1t11 a , cr transmitido. ( o <,11111 qt1L' 
é gerado cm funç5o Jo.., muvimcnto, do, hail,mnos. Isso, c nt ~w . t.'.· o objeto 
Jo lllÍCÍo Ja, l'Xr crit•nc1a , . 
, [Jl',ponivr l Pffi : hllp-//www youtube.com/w11trh ?v•fq9n-11MAD1K 
{ JI I oJl'I • 1 
Vou me concentrar na análise de três obras apresentadas em9 Evenings, 
de cujas imagens dispomos no filme de Alfons Schilling. Inicialmente, tomo 
Open Score/ de Robert Rauschenberg. Em princípio, trata-se de uma peça 
muito clássica, em três atos, que começa com uma partida de tênis. Algo 
interessante a observar é a inexistência de fios, o que permite a realização 
de um jogo normal. Entretanto, cada vez que a bola toca na raquete, o som 
da batida é amplificado. Outra coisa ocorre: quando a bola toca na raquete 
a luz baixa, até que a partida passa a ocorrer no escuro. Isso porque, a 
cada vez que a bola toca na raquete, um refletor se apaga. No segundo ato, 
SOO figurantes entram no escuro. Ali, acham-se câmeras infravermelhas, 
que na época tinham nos Estados Unidos seu uso restrito às ações 
militares e, assim, a equipe do evento teve de conseguir uma patente no 
Japão para a utilização des as câmeras. Por meio delas, a multidão era 
filmada- filmagem no escuro- e as imagens reproduzidas em três grandes 
tela .. dispostas acima dos espectadores. Ocorre, então, exatamente o que 
o programa do evento anunciava: "Vocês vão enxergar no escuro:• Os 
figurante impulsionam os espectadores a realizar uma série de ações que 
e encontram em um espaço cênico absolutamente imenso. No terceiro 
ato, Robert Rauschenberg transporta Simone Forti, que canta uma 
mu iquinha italiana, e nesta parte não há nenhuma tecnologia. 
O segundo exemplo que escolhi é o de Physical Things,3 de Steven 
Paxton. Ainda que essa criação seja anterior às experiências de contato-
improvi ação, sua organização revela princípio análogo. Trata-se de um 
ambiente no qual o

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