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' , I 1 ' __ ....;-.-=e...__ - --..., Antonia Pereira, Marta lsaacsson e Walter Lima Torres (org.) A dramaturgia. ligada ao texto teatral em seu sentido clássico, expande-se, na contempo- raneidade. para abranger a materialização cênica. em suas formas e estruturas, seja no campo do teatro, seja no campo da dança. A explosão e proliferação de dramaturgias poss1b1lita englobar, na atualidade. diferen- tes visões de realidade numa mesma criação cênica, por meto de procedimentos que, desconstrumdo a dramaturgia de partida ou gerando uma autoria colaborativa, abraçam a heterogeneidade de princípios estéticos e 1deológ1cos, que outrora eram estruturados, priori tariamente. pelo discurso poético do autor dramático. A contemporaneidade coloca em jogo as escrituras cênicas como mediações presen- c1a1s entre a cena e o espectador. engen- drando outros "modos de percepção", como lembra Josette Féral. O termo utilizado por Ennco P1tozz1. "Corposgráficos", nos remete ainda a uma d1vers1dade de procedimentos emprestados de outras artes, como a do vídeo. para esta escri tura cênica. que. em sua edição, compõe linguagens híbridas. ao promover o Jogo entre diversos suportes, entre eles o corpo e as chamadas "novas tecnologias". Em sua célebre discussão sobre o contem- porâneo, G1orgio Agamben já apontava para a importância de um certo anacronismo, ao aderir-se ao tempo em que se vive, por meio de um distanciamento do mesmo. Em conso- nância com esta relação entre tempos distin- tos, o presente livro. Cena, Corpo e Drama- turgia: entre tradição e contemporanei- dade. convida o leitor a transitar por diferen- te:; perspectivas das artes da cena que apontam para o hibridismo de lmguagens. composto pelo jogo de suas intermedialida- des. Luciana Barone Doutora em Multimeios pela UNICAMP, com pesquisa focada na poética de Robert Lepage. Atualmente é pr_ofessora do Bacharelado em Artes Cênic.a_s da Faculdade de Artes do Paraná . • Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade (Org Anton,a Pereira, Marta lsaacsson e Walter Lima Torres) Ili P/\0 E =ROS/\S Rio de Janeiro 2012 Editora Pão e Rosas Caixa Postal Rio de Janeiro - RJ - Brasil Tel.. (21) 3549 1874 Equipe de produção Copidesque Victor Almeida Revisão Vanta Santiago Capa e projeto grafico Bruno Cruz Texto revisto pelo novo Acordo Ortográfico. Realização PPGAC/UFBA. PPGAC/ UFRGS e PPGL/ UFPR DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) C395 Cena, corpo e dramaturgia . entre tradição e contemporJne1dade / org. Anton1a Pereira. Marta lsaacsson e Walter Lima Torres - Rio de Janeiro Pão e Rosas.2012 312 p tl;23cm Inclui b1bliograí1a. ISBM 978-85-62501-06-7 1 Artes cênicas. 2 Teatro 3 DançJ I Pereira. Antonta, 1968- 11 . ls.:iac~son. Marta. 1961 Ili Torres. Walter Lima. 1961, coo 790:, Ficha catalo.'!ráí1ca elr1l.,CJrada rcl.1 b1bl101cc.ir1rJ L1ot1r,1 Mando1u ( Rf{ / 'J l lJ sumário Apresentação Anton,a Pereira. Marta lsaacsson e Wt.1lte1 Lima Torres PARTE 1: CENA E TECNOLOGIA Corposgráficos Enr1co P1tozz1 9 Evenings, Theatre & Engineering Clar,sse Bard1ot Configurações da dança na cultura digital: relatos sobre experimentações e reflexões da dança com mediação tecnológica Ivan, Santana . 9 19 43 55 Mídias digitais na cena de fsadora. Orb - A metá{omf11inl e a U111 cato po11to ela 1·1c/, 1 vocé del't:ria to11s1dc:rar 5c:r,amr?11tc: deixar de: bancar o ridículo )dqu,:linc: Pin10n (ena multimídia, poéti cas tecnológica s e efeitos intermediais IÃ,Jíl~ l·,:1JC'/,Oíl 71 85 6 Maquinações teatrais contemporâneas Clarisse Bard1ot R.:: \Valcfr11 de Jean-François Peyret: da cabana à máquina Julie Valero PARTE 2 : CORPO E MOVIMENTO Um corpo no espaço: percepção e projeção Josette Féral .. . .. .. . . 101 115 129 Andrew de Lotbiniere Harwood: um "velho lobo" do contato-improvisação Suz1 Weber . . . . ... ... .. . . ... . . . ....... 149 Condições climáticas do contato-improvisação Andrew Hardwood e Paula Zacharias . . Aspectos da criação em dança contemporânea: o corpo atualizador, a cena e a tecnologia Cnst1ane Wosn1ak Movimentos de um processo de criação coreográfica Cinth1a Kun1f as e Mónica lnf ante .. . . .... . Combinações performativas intempestivas para dançar Nirvana Marinho PARTE 3: DRAMATURGIA: MEMÓRIA E NARRATIVA Trilog1c1111e111onas: do texto à cena Anton1J Pereira e Ka rina de Fana Entrevista sobre o trabalho vocal com Mônica Montenegro A voz, o texto, o interprete: um inventário Fl5v10 Ste1n .157 ... 167 .. 181 . . 189 199 .. ... 213 223 Entrevista sobre dramaturgia com Sarnir Yazbek Entre gritos e risos: os mascarados da marujada de São Benedito de Quatipuru (PA) como performance .... ........ .. 243 Thales Branche . ...... ... ... . ..................... ........................... .......... . .. ..... .............. .. 251 O direito ao teatro Walter Lima Torres Neto .. . . ....... .. .. . .. ... ...... .. ............ .. ......... ··•· . 261 Otelo da Mangueira: Shakespeare no carnaval carioca Célia Arns . . .. .. ...... ...... .... .. .. .. .... . .. . . ...... . .. ..... ....... ......... ..... .. ........... .. ........... . ... ...... 273 Colaboradores .. . . .... ... ... .. ..................... ........... ... .. .. . ..................................... .. 295 Program~ção completa dos eventos do projeto .. ....................... . .. ....... . ..... . . 305 7 8 Estudos da Cena, da Dramaturgia e do Movimento entre Tradição e Contemporaneidade Apresentação Antonia Pereira; Marta lsaacsson e Walter Lima Torres O presente livro que o leitor tem em mãos é o resultado de uma série de ações e atividades integradas. O Projeto Intercultural: Estudos da Cena, da Dramaturgia e do Movimento entre Tradição e Contemporaneidade foi concebido e realizado com o financiamento do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica em Cultura Capes-.Minc - Edital Pró-Cultura N2 7/2008. De maneira conjunta e colaborativa, esse projeto encontrou sua realização e os seus resultados mais expressiYos devido às ações coordenadas entre: o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, que funciona na Escola de Teatro da UFBA (Grupo de Pesquisa Poéticas Tecnológicas, Dramatis e Gipe-CIT); o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que está associado ao Instituto de Artes da UFRGS (Grupo de Pesquisa Processos de Criação Cênica); conjuntamente com o Programa de Pós-Graduação em Letras do Setor de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná (Grupo de Estudos Interartes, Literatura e outras Artes). Os textos aqui enfeixados, todos inéditos no Brasil, foram escritos por pesquisadores e artistas brasileiros e estrangeiros de reconhecida competência no âmbito dos estudos sobre as práticas dramatúrgicas, corporais e tecnológicas com suas respectivas interfaces com a dança, o teatro e a performance. 9 10 Os capítulos foram compostos graças às contribuições de: Josette Féral,. I~:111i Santana, Clarisse Bardiot, Enrico Pitozzi, Paula Zacharias, Andrew de Lotbtruere Harwood, Célia Arns, Nirvana Marinho, Cinthia Kunifas, Mônica Infante, Cristiane Wosniak, Suzi Weber, Marta Jsaacsson, Antonia Pereira e Julie Valero. O livro também oferece ao leitor duas entrevistas de singular relevância. A primeira com Mônica Montenegro, reconhecida professora e preparadora vocal atuante junto a diversos grupos teatrais brasileiros. Nessa entrevista, Mônica nos fala sobre a voz e a oralidade. A segunda entrevista é com Sarnir Yazbek, premiado autor com reconhecimento da crítica teatral brasileira e estrangeira, que apresenta suas concepções sobre a dramaturgia, o ofício do autor teatral e o processo criativo. A publicação ainda abriga as colaborações de três bolsistas pró-cultura, de cada um dos Programas de Pós-Graduação participantes do projeto, que aqui apresentam considerações provisórias originárias de suas pesquisas de mestrado: Thales Branche (UFBA), Jaqueline Pinzon (UFRGS) e Flávio Stein (UFPR). Ao término do volume, o leitor encontrará um DVD com a encenação da Trilogia da memória, de autoria da pesquisadora e autora teatral Antonia Pereira, que inclui as peças A morte nos olhos, A memória ferida e Na outra margem. No mesmo DVD, o leitor também pode se debruçar sobre as etapas acerca do projeto de pesquisa idealizado por Antonia Pereira, bem como observar detalhes e particularidades do processo criativo que levou à realização das encenações que circularam igualmente pelas três capitais que abraçaram o projeto. Originalmente, os capítulos aqui apresentados foram objeto de comunicações orais que geraram debates e discussões com a comunidade científica e artística de cada uma das três capitais onde ocorreram os respectivos eventos que concentraram as ações do projeto. O projeto, para o seu êxito, teve sempre a colaboração de entidades afins, na condição de parceiros e colaboradores, onde se destacam aqui a contribuição das seguintes instituições e organizações: em Salvador foram parceiros o Hospital das Clínicas, Complexo Hupes/UFBA, a Secretaria de Cultura e a Fundação Cultural do Estado da Bahia - Secult e Funceb; em Curitiba houve a parceria com a Cia Senhas de Teatro (http:/ /www. ciasenhas. art. br) e, em Porto AJegre, a contribuição da Coordenação de Dança da Secretaria Municipal de Cultura da cidade de Porto AJegre, do Hospital Sanatório Pathem on e dos grupos teatrais Cia Rústica (http://ciarustica.com) e Terreira da Tribo _ Tribo <le Atuadores Ôi nóis aqui traveiz (http:/ /www.oinoisaquitraveiz.com.hr). Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade Conforme fora previsto no projeto inicial e aperfeiçoado ao longo da sua execução e da experiência com as distintas realidades físico-financeiras, aconteceram nas três capitais, em formatos específicos, os eventos que concentraram as atividades fins propostas inicialmente. Essas atividades, sempre públicas e gratuitas, contribuíram para a discussão e o aprofundamento de questões teóricas e práticas relacionadas tanto às técnicas de criação e montagem de espetáculos ditos convencionais, quanto às inquietações metodológicas mais diversas reveladas pelas pesquisas contemporâneas em artes cênicas acerca da dança-teatro e do teatro-físico; da performance intercultural e da performance instalação; das relações entre a interatividade e a performatividade; a teatralidade e o efeito de real; a dramaturgia do corpo e a dramaturgia do ator; bem como a condição das artes cênicas mediadas pelas novas tecnologias. O primeiro evento realizado pelo projeto, que deu origem a alguns dos textos que aqui se encontram, foi concebido pelo Programa de Pós- Graduação em Artes Cênicas da UFRGS, juntamente com a participação da Coordenação de Dança da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre e intitulou-se Semillário Corpo, Performance e Tecnologia, e aconteceu do dia 28 ao dia 30 de abril de 2010. O segundo evento foi intitulado Poéticas Tecnológicas III Seminário Internacional sobre Dança Teatro e Performallce, que teve lugar em Salvador, na Escola de Teatro da UFBA, sob a organização da Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, do dia 3 ao dia 7 de novembro de 2010. Estes dois eventos reuniram além de professores brasileiros, artistas e pesquisadores estrangeiros, especialmente convidados ,que discutiram questões pontuais que na atualidade permeiam a prática das artes cênicas dentro da cultura digital e dos estudos culturais. Finalmente, o terceiro evento, que teve lugar em Curitiba de 14 a 17 de junho de 2011, denominou-se / Ciclo de Estudos da cena, da dranwt11rgia e do movimento entre tradição e contemporaneidade, foi promovido pelo Grupo de Estudos Interartes, Literatura e outras Artes do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPR, com o apoio da CiaSenhas de Teatro e da Fundação Teatro Guaíra. 1 1 A programação completa dos três eventos que constituíram as três etapas que concentrou as atividades e ações do projeto pode ser consultada no anexo desta publicação. 1,ntu111.r f.'Pll'll.t, t/t.111.1 l•,,1,H. ', ,1111 L'. W.ilt1•1 L1r11.1 lu111•', 11 12 Desta maneira, criação cênica, prática teatral e reflexão crítica brasileira e estrangeira se somaram para integrar aqui um mosaico, um conjunto de conhecimentos e experiências dos mais relevantes que gera ram esses fecundos estudos sobre a cena, a dramaturgia e o movimento entre tradição e contemporaneidade. Esses estudos nesta publicação tomaram a forma de capítulos e foram organizados sob três partes, a saber: Cena e Tecnologia; Corpo e Movimento e Dramaturgia: memória e narrativa. *** Parte significativa da produção cênica contemporânea, tanto brasileira quanto estrangeira, seja do ponto de vista criativo seja do ponto de vista crítico reflexivo, vem dedicando grandes esforços na tentativa de pensar as implicações criativas e estéticas entre a cena e a tecnologia. De maneira geral e do ponto de vista histórico e cultural, pode-se afirmar que três grandes revoluções marcaram a atividade teatral no Ocidente: a criação da caixa de ilusão cênica, que veio se aperfeiçoando desde os seus primórdios, no século XVI; a introdução da iluminação elétrica na virada do século XIX para o XX e, mais recentemente, em nossa era digital, o emprego das novas mídias oriundas da tecnologia da informática. Não há dúvida de que a evolução da arquitetura cênica, isto é, do edifício teatral e das suas funcionalidades, contribuíram para o aperfeiçoamento tanto das condições de visão e de audição dos espectadores quanto das condições de acessibilidade e de conforto para os agentes criativos envolvidos com a realização da cena. Entretanto, sobressai desses três grandes marcos, que na ve rdade não se esgotaram, mas que estão em permanente movimento, o aspecto visual da cena: a perspectiva frontal ou a l'angolo, com seu ponto de fuga a gerar o ilusionismo; a capacidade da iluminação elétrica de decupa r e colorir o espaço cênico propiciando uma atmosfera espiritual e simbólica que a cena teatral ainda não conhecera naquele período, o ferecendo assim, ao espectador, diversos lugares sobre o mesmo plano frontal ; as tecnologias digitais a problematizarem o efeito de presença do ator e o jogo que implica não mais a presença/ausência d e um personagem, mas sim a relação de distanciamento físico atinente à ausência/presença do próprio ator sobre a cena. Cena, Corpo e Dramaturgia: entre tradição e contemporaneidade Assim, se por um lado, esses três marcos da tecnologia aplicada às artes cênicas não cessam de in_spirar o comportamento criativo dos criadores cênicos, desde o advento das vanguardas artísticas ditas históricas, por outro lado, eles demandam do espectador um esforço. O esforço de refocar sua visão, refinar o seu olhar. Tratar-se-ia, assim, da predominância agora da opsis sobre o mithos como essas categorias foram sendo pensadas desde Aristóteles? Seria agora o momento da substituição dos atores por robores ou efeitos de presença? A arte teatral contemporânea estaria fadada à supremacia dos elementos visuais sobre os escombros e os vestígios do que fora uma narrativa convencional? Essas são questões que não chegam a ser totalmente respondidas, mas que são vivamente discutidas nos capítulos aqui reunidos. Por meio de descrições e de análises detalhadas de espetáculos e processos criativos, tanto em dança quanto em teatro, as relações entre a teoria e a prática convidam, nesta primeira parte de nossa publicação, o leitor a apreciar um panorama dos mais atualizados sobre as principais questões atinentes às inquietações do teatro contemporâneo. Se no princípio era o verbo, como nos lembra a narrativa bíblica, o verbo só se tornou ação porque pôde se encarnar em um corpo que se manifestava. O verbo é enunciado pelo corpo. E o corpo, por sua vez, é traduzido pelo movimento que dele emana, consciente ou inconsciente, devotado às tarefas cotidianas ou em estado de representação e/ ou de exibição. Essa discussão acerca das diversas expressões do corpo e sua condição nos processos criativos em dança e teatro na contemporaneidade pode ser constada à leitura dos trabalhos apresentados na segunda parte do livro, Corpo e Movimento. Os ensaios que integram essa segunda parte se dedicam a perscrutar a condição do corpo e seu lugar na criação coreográfica e teatral. Nesse sentido, o leitor pode passar em revista estudos que vão desde técnicas como o contato-improvisação até os exercícios poéticos-imagéticos que contam com o subsídio da tecnologia e das novas mídias como parceiras da criação coreográfica. Estudar os afetos, as intensidades e os estados dos corpos e as suas respectivas manifestações, implica na percepção de uma nova teia de relações entre sujeito e objeto, que se trama em rede e não mais de forma linear. Entre palco e plateia a mediação pode ser estabelecida pelas forças criativas advindas da tecnologia? Este é o desafio que encontramos aqui. /\n lO(tl,J P <·11·11o1 , M;111J l <,r)i)( C,r,o n (' W,'l llcr L 11nJ Tol lt" , 1 3 ' - d ' · d corpo? Por quais caminhos Como sintonizar as expressoes a matena e o · sensibilizar este mesmo corpo? De que maneira associar o corpo do intérprete à câmera, aos microfones, às imagens projetadas, ~os sensores de movimentos, enfim às ferramentas mais variadas que amphficam e que modificam as escalas expressivas? E que, inclusive, do ponto de vista da recepção, alteram a percepção convencional daquele que age sobre o palco? A criação coreográfica, que já havia integrado certos elementos que acabaram por configurar o que denominamos dança-teatro, encontra novos estímulos na tecnologia digital, que revigoram o próprio pensamento sobre a arte coreográfica. Com estes estudos, pode-se perceber como as soluções para uma nova poética das tecnologias operam desde o interior da criação com câmeras, até projeções e todo o aparato que a tecnologia da visualidade digital propicia na contemporaneidade. Esse pensar desde o interior da criação cênica está subordinado tanto ao pensamento filosófico pós-moderno quanto às matrizes fundadoras da própria arte da dança e do teatro. Esses diversos olhares, graças ao atrito entre o moderno e o arcaico, são discutidos sem o intuito de colocar uma palavra final sobre o assunto. O intuito é o de provocar tanto os espíritos criativos quanto os espíritos críticos reflexivos na direção de uma ressignificação acerca dos novos lugares para o corpo no teatro e na dança contemporânea. Finalmente, a terceira parte do livro se atém às questões referentes à dramaturgia: memória e narrativa. Como sabemos, o teatro é uma arte mnemônica por excelência. É a arte que sobrevive na memória do espectador, na memória de quem é conivente com o ato de exibição e apresentação. Apesar dos tempos pós-modernos chamarem atenção para a morte das grandes narrativas, narrar ainda é preciso. E aqui são confrontadas experiências narrativas diversas que englobam desde um possível inventário sobre o gesto narrativo até as condições dos limites físicos do ator na exploração da sua expressão vocal. Etimologicamente, como sabemos, a palavra drama é oriunda do grego e significa ação. Dramaturgia, corno classicamente ~ entendida seria "a arte ou a técnica da composição dramática". Mas qual composição dramática possível em tempos predominantemente pós-dramúticos? Essa é uma questão central que aqui é colocada com o cuidado dr n:to se estabelecer uma apologia sobre qual se ria a melhor dramaturgia. Mas sim instaurar o debate sobre o comportamento criativo dos artistas que procuram rever o termo dramaturgia tk sde outros Jngulos: "dra maturgia Cena, Corpo e Dr,,matu1 gia: ent re tradiçao e contemporaneidade do corpo", "dramaturgia da luz", "dramaturgia da cena", "dramaturgia do ator", "dramaturgia do figurino" e "dramaturgia da voz". O emprego da palavra dramaturgia, sempre seguida de um complemento, nos faz pensar acerca de novas lógicas criativas, isto é, novas atitudes e dinâmicas criativas referentes aos agentes da cena, que não dependeriam de um autor teatral tradicional. Os textos aqui apresentados procuram estudar tanto os estímulos ancorados nas memórias coletivas e individuais quanto a necessidade de expressão dessa dramaturgia contemporânea, em seu compromisso comunicacional de narrar. *** Finalmente, esta publicação encerra, como foi dito, o ciclo de atividades oriundas do Projeto Intercultural: Estudos da Cena, da Dramaturgia e do Movimento entre Tradição e Contemporaneidade. Ao mesmo tempo em que possibilitou aos diversos pesquisadores confrontarem e compartilharem entre si suas inquietações, análises, descrições e hipóteses acerca de matéria tão mutante quanto fugaz. A presente publicação que o leitor vai ler também cumpre seu papel igualmente social. O papel de disponibilizar aos estudiosos da matéria e aos interessados em artes cênicas uma sorte de atualização. Não uma atualização prescritiva com palavras definitivas eivadas de falsa erudição. Nosso propósito é singelo, porém não menos rigoroso, e consiste na tentativa de apresentar uma sincera contribuição, tão híbrida quanto diversificada, que certamente pode vir a promover um ganho de consciência e, por que não dizer, um aperfeiçoamento do exercício do olhar do espectador contemporâneo, sujeito, com quem no fundo, a arte por mais conceituai que seja, há de se relacionar. 15 ; PARTE 1: CENA E TECNOLOGIA '· l / • Corposgráficos Enrice PitOZZI Universidade de Bolonha Irei apresentar aqui algumas pistas que venho adotando em minha pesquisa acerca da relação entre o corpo físico e o corpo digital. Para compreender esta relação, tal qual se vê construída nas artes cênicas contemporâneas, faz-se necessário adotar uma definição de corpo. Devemos compreender de que corpo estamos falando e, sobretudo, quais são suas características e potencialidades. Para responder a essa demanda, precisa-se modificar o ponto de vista tradicional da abordagem do corpo, concentrando-se mais sobre os fatores envolvidos no movimento do que no corpo propriamente dito. Ao voltarmos nossa atenção sobre o movimento, temos, então, condições de encontrar um ponto de convergência entre o corpo físico e o corpo digital e traçar um elo de continuidade, na medida em que reconhecemos as diferentes etapas envolvidas na passagem de uma forma para outra. Lembro as palavras de uni fisiologista francês do século XIX, Etienne-Jules Marey, que afirmava não ser necessário estudar, analisar o corpo em movimento, e sim, o movimento no corpo, 1 para então criar novas formas de corporeidade. A mesma perspectiva ~e aplica - como veremos - à captura digital do movimento do corpo, cada vez mais empregada na cena atual, pois nos permite trabalhar sobre dados 1 E.J. Marey. /,c m11111·c111c111. Nímcs: Êditions jacqueline Chambon, 2002 [1894). Ver também sobre es~e tema E. Manning. Ri.:la11on,wpc, Mm•1·11w111, Ar/, /J/11/0,ophy. Cambridge: MIT, 2009. ) ( ) musculares muito sutis, medir os graus de atividade e. a partir dele\, pa~\ar à rumensão digital do corpo. Em outras palavras, meu intcrc\\C é dahorar e encontr.lI estratégias que nos permitam sair da dimensão simhólica do corpo e mergulhar na materialidade de sua dinâmica. Antes de discutir a intervenção das tecnologias na composição de um corpo digital, aproveito para apresentar a ideia central de toda minha reflexão. Em primeiro lugar, urge que se discuta a seguinte questão: o que significa para um performer compor um movimento original e como a~ tecnologias podem auxiliar neste processo? Em princípio, um corpo possui carne, nervos e ossos. Ma~ esse corpo encontra ~ua (onsistt:ncia - t'. portanto, sua manifestação visível - em um proces~o invi~ívd, de caráter neurofisiológico, que ~e apoia sobre a faculdade antecipatória do cérebro cm rclaç.io à ação. De forma simplificada, pode- ~l' dizer que na (omposição do movimento tem-se um corpo em vária~ Jimcmüc~: uma 111rtual - l', portanto, cm potência - , que se refere à projeção antc\.·1p . .lliv,1 JJ ação, e uma at11al. que consiste no desenvolvimento do curso JJ ação 2 \e o corpo dt: carnt: e osso constitui a dimensão atual do corpo, ou -,c_ia, J Jimt:mâo vi~ívcl do movimento, nosso interesse será centrado sobre J diml'n-,ão antecipativa, lá onde a ação - antes de ser incorporada pelo corpo - é definida "internamente" e projetada sobre o mundo. 3 E~clarecido C'>lc aspecto de ordem conceituai sobre o qual rcpous,1 .1 questão do virtual na ação, podemos propor uma nov,1 comprccnsáo d.1 corporeidade, envolvendo o uso da tecnologia de captura de movitnl'nto. Uma forma de corporeidade c..1ut: chamaremos de sintt'.·ti(a, dabor.1d.1 .1 2 Isso significa atribuir ao conceito virtual uma outra compreensão, definindo-o como uma poténcla do movimento que pode ser desenvolvido de dlvf'rsas formas. Entende-se. conforme Deleuze, que o virtual não""' opõe ao real ma,; muito mais ao alu.il. G. Deleu tt> l:ucJuel ,:/ li' 1·1rt11c. ln : C. Parnet. /Jialog 11, ·., Paris: Flammarion , 199611977!; )· l. Welssberg. Le concept réel /virtue. ln ' '/,1·111111~ i/11 rn111.-I. Paris: tdltlon :-. d11 (('11t1e Georges Pompldou, 1989, p. 60; P. Lévy. 1)1,i,,1 e,· •!"" 1 .. 1·1r111,·I ~ Paris: tdllion,; La Découverh•. 199r; P,11.111111.1 aplicação desta perspectiva examinar o esqut•m,1 3 Ressalto - reml'tendo ao primeiro parágrafo dt• '.eu dt>,rnvolvlm,•n l n ,1 t t>ori 11 d,1 pc.>1 • cepção elaborada pelo h slo loglsl ,1 Al,lin Berlho, , qu,· dti1m<1 qur O r#-,Phro t, 11111 ,; lmul,1 dor da ação que Pmprrr,a a mPmo,la p,11 ,1 ;1n1t•v1•1 ., , con.,f'qu ,.nci t1 , 0,1 A{,,o . o ctrt>bro, ne'>IJ perspecliva, n.10 {: um,1 máquln,1 H•,1 IIV(l '> n,., ~ p1n<1llv,1, q 11 r µrojrt.1 , obrr 11 mundn ,ua'-. in1C'rroga( Õt", . 1, 10 ,lg111flc,1 qu.- u Cl'•lf•b10 11 ,\0 11,11 ,1 ,onu•nl r ,1, lnlcirmÁ(llt>, prove> ni1-nlf''> do'. '>f'n1Ido, , m.i, lnlltrPndd, dltl i,< r ,1 ,1 l l11l,t.1di, rio<. -.r1111c1o, r 111 flll l\ o 11.I ll(âO quP P<,tá motivando. A. Hrrlho, l 1· 11·11 , ,/,, 111u111·011, 111 Potl, lld1lr l ,ll oh, 1-:,Q i PI A Bt> r 1 ho, /., ,1,11,,/,·, 11,• P,11 I•, : r Jcl/11• 1,,roh, 1ooc>. l orposgr4flc O'i l partir da manipulação de dados provenientes da captura da atividade dos músculos do corpo físico do performer. Evidentemente, se há uma presença do corpo em vários níveis - fisico e sintético -, existem também vários efeitos produzidos por ela. O efeito atesta a passagem de um "corpo" físico ou digital que se inscreve e encontra lugar na rec~!)çâo do espectador: o corpo em ação torna-se sobrevivente, algo que permanece, sob forma de impressão, na mente do espectador. O -efeito, CO(llO produto da presença do corpo, corresponde então a uma combinação de sensações que a presença produz e imprime sobre a placa sensível do cérebro do espectador, suscitando uma ressonância em seus músculos, uma dimensão compartilhada, empática. Discutir os efeitos produzidos pelo corpo sobre a cena significa então interrogar as modalidades de organização da percepção do espectador. 1. O corpo como a fibra sensível Par~ aprofundar este aspecto crucial de minha investigação, devo esclarecer o funcionamento que regula, sobre o nível fisiológico, as relações entre o cérebro e o movimento, e que aponta para a codeterminação recíproca entre o corpo sutil e o corpo atual. 1.1. Notas sobre a definição do corpo físico Ao introduzir a questão da percepção no processo de composição do movimento, lembro1 o conceito de ficção proposto por Ivtichel Bernard, que, em primeiro lugar, define a projeção da corporalidade em direção ao exterior.4 Ou seja, antes de agir fisicamente, o sujeito imagina e projeta sua anatomia no espaço. Para fazer isso, ele ativa todos os seus canais proprioceptivos: reconhece o espaço, 4 Retorno, neste contexto, às pesquisas de Michel Bernard e ~ambém de 'Hube~t Godard sobre as relações entre O cérebro, o sistema nervoso e o movimento, para aquilo que ~e refere ao processo de ficção (Bernard), o pré-movimento (Godard). M. B~rnard. De /11 crca- 1 ., pi · Par·,s· Pant,·n 2001 · H Godard Le geste et sa percept1on ln La dm,sc ,111 t,on e 10ri:gra 11q11e. . , , • · .XX· s,ecle (org. de 1. Ginot et M. Michel). Paris: Larousse, 2002, P·/36. P. Kuypers. Des trous noirs. Un entretien avec Hubert Godard. ln : No 11vdlcs de d,111sc, n 53, 2006, P· 80. Ennro P,tou, 21 categoriza-o, dimensiona o ambiente, definindo então seu movimento antes de realizá-lo. Dentro deste esquema, em uma operação denominada categorização perceptiva do ambiente, o cérebro não processa de maneira passiva as resposta-. aos estímulos, às sensações vindas do eÃierior. Suas suposições de movimento se fazem a partir de um repertório interno de ações memorizadas, cuja disponibilidade torna - como aponta Jean-Luc Petit - o sujeito um simulador capaz de avaliar "no interior" as interações entre as ações que prevê necessárias para alcançar determinado objetivo e as suas possíveis consequências. Isso pern1ite que o sujeito jogue, aposte em uma ação particular. Significa também que o cérebro não processa as informações dos sentido, de forma independente umas das outras. Sempre que o sujeito concebe um partitura de ações para desenvolver no espaço, ele formula suposições sobre .. atividade de todos os seus receptores sensoriais ao longo do desenvolvimento da ação. Isto é, não ocorre somente um tratamento das informações recebidas e a definição da trajetória ou das modalidades musculares, há também o de!->envolvimento "interno" da partitura, no qual o sujeito prevê suas etapas e a !-> ituação dos receptores sensoriais. Ele antevê possíveis soluções e gestos originais. É preciso preparar o gesto, é preciso antecipá-lo.5 Nesse processo de composição do movimento, 1 constata-se que a memóri ;:i tem um papel preponderante, pois constitui um banco de dados, oferecendo padrões corporais de ação às operações do cérebro. Ou seja, é no banco de dados da memória que o cérebro toma as informações para antecipar a ação. Este é o verdadeiro laboratório da composição do gesto performativo. Neste esquema, o diálogo com o mundo físico serve ao cérebro para Clllnprovar 5 Este processo de antecipação motora encontra-se na base da ação. Alain Berthoz tem. junto com outros, defendido a ideia de que a intenção motora exerce sobre a atividade dos fusos neu- romusculares - receptores sensoriais de base da cinestesia concebidos como sextos sentidos - uma modulação permitindo regular a rigidez dos músculos, prevendo a tens.io à qual eles serão submetidos em cada ciclo de caminhada. O cérebro deve, então, a part ir dos sentidos, reconstruir uma percepção única e coerente das relações do corpo e do esp..-1ço. NestJ situação - para propor uma primeira relação entre a dimensão projetiva da ação l' su,1-,. co11elações no corpo físico - , como demonstrou M. Jeannerod em suas experimentações lislológlc,1~. J duraç ào de uma ação imaginada implicando um certo esforço corresponde à durílÇdo da aç-'o t>Mivada; as mesmas estruturas cerebralc; são ativadas no ca~o d,, ação projetdda " da açào efetuadc1. A. Ber1hoz. l .c , ,·ti\ ,/11 11111111·c 111(·11/. Parb: t dltions Odile lacob, 1997 l' l ·l. Petlt torg.) / ,, 11c11, ," oc11u·., d/,, pl11/o,01,J11l' ili' li11 ''""· Paris: , Vrin, 1Q97, p 2",J . Sobre o temc1 ainda: r. Corin. «l e ~ens du mouvement lnterview d'Alaln Bt>rtho1» N11111'd/, ·, ,/r ,/,111,, ·, n•" 48/ 49, automnt>-hlver 2001. p. 80. Ver também : M. Jeannetod. «Thf' representing bralw. : tH' U1,1l corrt'l ill t' c; oi motor intt>nt lon élnd imagery». Htf ,, ,1·11111111/ """" \ , ,..,,., -' • vol. 17, p. 187-:;,02. > , Corposgráfkos . , suas hipóteses e previsões, comparando-as com a ação atualizada.1 E para compreender a importância da composição do gesto performático, é preciso entender que este, para nós, diz respeito à transposição de limites, ao não acomodamento aos padrões corporais habituais.7 A antecipação da ação constitui a capacidade de virtualização do organismo. Ela cc ,r.stitui um aspecto determinante para pensar o processo de composição · do movimento no contexto das artes do espetáculo. Nele se reconhece inequi"VOcamente que a imaginação já está na sensação, e que esta última traz uma série de potenciais ações. No entanto, reduzir a complexidade da organização do movimento em projeção unidimensional é um equívoco. Deve ser entendido que a projeção, que acabei de mencionar, é apenas um aspecto das operações necessárias à realização de um movimento. A estrutura da ação proativa que faz com que o corpo esteja, regularmente, à frente de si mesmo (a projeção da anatomia antes da ação material) precisa ser compreendida na sua correlação com uma dimensão complementar que faz com que este corpo esteja também atrasado em relação a si mesmo, na medida em que retém sua experiência (projeção atualizada nos músculos involuntários, ou o que se chama de pré-movimento )8 para dar uma forma ao movimento no espaço e - sobre a base desta conexão - dar forma a uma nova ação.9 IE,stamos diante de um duplo processo, no qual o corpo apresenta uma dimensão que chamo de corpo sutil, expressão do processo fisiológico 6 Mais precisamente, pode-se dizer que o cérebro-simulador é capaz de inventar soluções de ação sempre inéditas;A «simulação interna» como modelo de projeção de ação prevista permite corrigir antes de sua realização ou quase ao mesmo tempo em que é realizada. O corpo toma então decisões antes mesmo ,que tenha consciência: o corpo vê as coisas que a consciência não vê ainda, como ressalta Petit.' Isso é atribuído às «pequenas percepções»: percepções sublimi- nares - no limite do poder de decisão dos órgãos sensoriais - mas cuja progressiva aglomera- ção promove uma nítida diferença. «A existência destas pequenas percepções joga uma ponte entre a descontinuidade aparente da experiência consciente e a continuidade fundamental do ser, tornando obsoleta a dicotomia entre consciência e inconsciência «, como afirmam Berthoz e Petit. Phénoménologie ct physiologie de lactíon. Paris: Odile Jacob, 2006, p. 123. Sobre a noção de « pequenas percepções «, ver: Leibniz. No111-ea11x cssai.s s11r li:ntcndc111c11t /r11m11in. Paris: Flamma- rion, 1993, L. li, cap. X «De la perception». 7 A questão da transposição dos limites do corpo indica uma passagem central de minha proposi- ção em relação à discussão das relações entre corpo, percepção e intervenção das tecnologias. 8 H. Godard ln A. Menicacci , E. Quinz. «Conversation avec Hubert Godard». Q ,111111 ,) /u """~e. nº 2, juin 2005. 9 J·L. Petit (org.). Lc~ nmro~c,c11ct'., d /11 phil1Hoph1c dt' foclion, op. cit., p. 23. [ llfll U f'l fOl/1 23 -~ Jt" prot«.io e um.1 d1men :n qtU" &hno .:omo úl,.r, ,1tu,,J. rebdon~d .i .1 m.inlf ta .10. a ancorpor u o º'" mu· ·ulo d.i pro1<~,.io nrtu.il. De ;uordo lOm e te t'~~m • . o Ct")rpo. e .:on~quenlt'm t'nt~ d qudhddde;• de , u .1 prc º".. n.10 ( Olít{. ide nt'm com .l rro,e o virtu I rn:,Ju11d., pelo l.Crehro nem u,m .1 .itu.l tn<orpor Ç.Í<• J('-u ,m.i~~~m n,), mu,'"ulo~ qut> {' fltr ..im lrn aç.in ,od ... e ent · o . dut'r qu<" l' (orpo t1,1 \l t··ustt' e ,u., rrc ... <" O\d (. ()ffi de ap,en.14 º"' tt'n~. (1 t'nfrt· um.i pro1n.ât> (u> j'<, ,ut ,/) t · 11m,1 r1•ft•n(J<> e ,nrpo atual). no m~ç,mo .:1r .:u1to que lag~ t' determin., mutuJment c J d1men,._.o,. 1rtu.J e ..atu l d.a corp lT('td..idc (\ e r F •~r.t 1) IPo\o dos pot•ftcials l S1mulaçio . . Pot•ne1~I 1 .... I:' (~Htll .. ~,u ...-~a<lol loC1<~ • do -nav1m.-nto • ,. P.u.s rrl ::Jer m_i, ... larm m~ ~')te: ?r°'-e-s.s.o, dt',·t:·x: reconht:cer qu~ J rrt' , n .1 - ~.n n~ ,r - nã(. "'- .n.:- 1t' :om o .:- qx,. ma.\ ">lm. ')Ur~c na lcT ... ll 'lL.t' ~ p!1.-u..i~ cOlrc .t rr 't' . O \ Htua.. ,.h: ..t.m muVtmt'nt o fu;uro e .1 ~(. t':-c-,., r.: ,.1 J'--- f!'ll•'1.mt'n!o ú h:v atual desa pare -1do. (o~COS 1.2 . Corposgráficos 1 Para ilustrar este processo de fi cção que mencionei, escolhi examinar o trabalho de alguns artistas: • a) Saburo Teshigawara.1º Analisando o trabalho desse coreógrafo japonês, observa-se que, através de seu movimento, seu corpo não desenha linhas: a linha - suspensa e fluida - continua para além de seu movimento, ultrapassa o ponto mesmo onde o corpo para. Deste modo, podemos falar de um corpo-espaço, capaz de concentrar em si todas as possíveis dimensões temporais: desprender o busto da bacia, em uma torção, balançando-se sobre o centro de gravidade e atribuindo assim a cada diferente parte do corpo um tempo independente, uma trajetória distinta. Em Absolute Zero (2005) ou Miroku (2007), por exemplo, a coreografia de Teshigawara aparece sempre como uma forma de resistência ou de apoio sobre o ar. O ar se toma matéria sólida na qual o corpo em movimento se inscreve como um traço. A presença do movimento - porque é o movimento que faz a presença e não o corpo - é então estimulada pela complexidade das percepções: contração, relaxamento, natureza dos deslocamentos no figura 2. Saburo Teshigawara, M1rvk11, 2007, photo <t' Bengt Wansdius (courtoisie Epidemie). 1o Saburo Teshigawara criou em 1985, corr. Kei Miyata, a Companhia Karas, no âmbito da qual exploram a interação entre a dança, as artes plásticas e a música, em busca de cria- ções de novos espaços poéticos. http://www.st-karas.com/. Ver DVD S. Teshigawara, Bound - Der Gefesselte / Absolute Zero, Parsmedia, 2008. Cf. C. Berger, Korper denken in Bewegung: Zur Wahrnchmung tan::a ,schctt Sinns bt'l W1 /lia111 Forsytlte rmd Saburu Teshignwar,,, Bielefeld, Transcript Verlag, 2006. Enr1c.o P1tolll 25 espaço cênico. O movimento talha o ar, tocando cada uma de suas partículas: reconhecendo não só a consistência da matéria, mas também suas variações de estados, sua temperatura, seu grau de umidade, o instante em que o ar sofre transformações. É desta forma que a composição de Teshigawara se torna · uma verdadeira coreografia da matéria, na qual o movimento aparece como um vapor que vem do solo com diferentes densidades. Seu corpo encontra- se no corpo do ar, ele o habita. Sua presença tem o poder e a consistência de um sopro. Neste processo de mudança contínua, cada movimento - o mais imperceptível - se torna visível como exposto por uma lupa. É neste momentc que os efeitos de presença se produzem. Figura 3 Saburo Teshigawa.ra, ,\f,ro/w, 2007, photo © Takashi Shikama / N1'.1TT (courtoisie Epidemie) b) William Forsythe. 11 Em um projeto junto ao Centro de Arte e Mídia de Karlsruhe, Forsyte produz em DVD Improvisation Technologies, com fragmentos de suas coreográficas, com o intuito de evídenciar os fatores envolvidos na composição do movimento. Neste documento, para mim, evidencia-se o papel da imaginação, por meio da sobreposição entre imagem e traço gráfico torna-se visível o processo do pensan1ento que leva à composição do movimento. 11 Y'illiam Forsythe é uma das figuras de ponta da dança contemporânea . Em 1984, Forsythe e nomeado diretor do Ballet de Frankfurt. Em 2004, após o fechamento do ballet de Frankfurt, William Forsythe funda uma companhia independente, a Forsythe Company. http: //www. theforsythecompany.com/. lniprov,sation tcchnologies, Karlsuhe, ZKM, 1999-2003. Corposgráficos É preciso considerar que o movimento se organiza a partir da espacialização de seus membros, a partir das articulações. Isso significa que o corpo é submetido a um processo gradual de extinção, para dar espaço à vibração do movimento: refiro-me particularmente a Solo (1997) ou a You Made Me a Monster (2005) ou Campaign (2008). Examinando atentamente os detalhes da composição do movimento, observa-se que Forsythe trabalha dentro de uma estética molecular - estamos exatamente colocando em prática o campo da física quântica - em torno de uma dinâmica de intervalo que regula a disposição e o encaixe de cada fragmento. Seu movimento começa com os quadris, mas logo após surge sempre um movimento, em direção oposta. A oposição se dá em direção à cabeça ou em direção aos pés. Forsythe move o corpo inteiro e, em vez de criar uma situação de hiponímia, o movimento modifica o corpo, ele o atravessa. O corpo torna-se uma dobra, uma articulação se dobra no sentido contrário à direção habitual do movimento. Figura 4 William Forsythe, l 111pro1·visal io11 tec/1110/0~1es, Karlsuhe, ZKM, 1999-2003, slill vidfo. 1 111 li l / 111111// I 27 28 Quanto ao espaço, ele é somente definido pelas tensões existentes entre os músculos, osso s e pele, e esta relação de tensões é mediada pelos nervos. Assim, se eu mexo meus músculos, meus ossos e, consequentemente, a superfície de minha pele, componho ao redor de mim uma tensão no espaço. 12 Assim, compor o movimento é sempre reagir e interagir com o espaço, traçar linhas, desenhar diagramas sobre o corpo: witch a spider inside, posso dizer. Nesta forma de organização do movimento, o corpo muda, perde seus automatismos, reinventa uma nova geografia da pPrcepção. c) How long does the subject ginger on the edge of tl me (2005 ), uma produção da coreógrafa americana Trisha Bro n a colaboração dos artistas visuais Paul Kaiser, Shelly Eshkeri, N[ai JWnie e do compositor Curtis Bahn.13 Do ponto de vista da compos ição do n1ovimento, a trajetória do corpo e sua projeção no espaço derivam, conforn1e depoimento de Trisha Brown, da desarticulação e da combinação, encaixe, acomodação dos ossos; fala-se então de un1a ação "dos ossos" que relega a segundo plano o papel dos músculos. O movimento nasce do funcionamento das articulações que se transfere para os membros, de acordo con1 os princípios da inércia - absorção da força da gravidade - ou da liberação do fluxo, condição própria do estado relaxado. Os dois fatores encaix.e e peso são as duas variáveis físicas às quais se son1a a in1aginação motora. Segundo a concepção de Trisha Bro-wn acerca do movimento, a cabeça, o pescoço e o tronco são partes móveis e independentes, mas que mantêm uma relação dinâmica na integridade global do corpo, integridade ditada pela estrutura do esqueleto, notadamente pela coluna vertebral. Neste esquema, a imaginação - fator muito in1portante en1 meu estudo - está relacionada à capacidade de induzir sensações físicas. Mais precisan1ente, pode-se falar de um trabalho que explora as potencialidades do corpo e in1põe 12 W. Forsythe. ln: «A-S. Vergne. Forsythe, révolution de principe», Mouvemi:nt , nº 18, set-out, 2002, p. 56. 13 http: //www.trishabrowncompany.org/. Ver R. Mazzaglia. Trisha Brown . Palermo: l'Epos, 2007. Corposgráflcos uma alteração formal do esqueleto. 11 Em termos de intervenção tecnológica, os sensores dispostos nos corpos dos bailarinos ativam sinais gerados pelo computador e transformados em traços de luz e som. A cenografia decorre do fluxo da coreografia e compõe "imagens de pensamento': produzidas pela combinação de três sistemas: captura de movimento, algoritmos de inteligência artificial e elaboração gráfica dos dados. Examinando a arquitetura do espaço composto pelas relações entre bailarinos, o computador armazena as informações e compõe, em tempo real, trajetórias visuais no palco. Assim, é por este processo de composição que a visualização do gesto, através dos algoritmos da computação gráfica, torna-se um instrumento importante para ligar os dois níveis de composição: o arranjo dos membros no movimento e o desenho do espaço-tempo do dispositivo cênico, aspecto que se traduz em novas formas de presença entre o físico e o digital. Figura 5. Trisha Brown, how long ... , 2005; animação: Paul Kaiser, Shelley Eshkar, Marc Downie, foto © Stephanie Berger, 2005. ,,, 14 Este aspecto é muito importante para nossa abordagem, pois aponta que o «esquema corporal» não é fixo, mas pode ser modificado segundo a experiência motora e sob a In- tervenção da imaginação do movimento. Aqui os estudos de neurofisiologia confirmam que o corpo não está enclausurado em sua forma convencional de corpo físico e, então, pode-se falar de um corpo vivido e não somente de um corpo percebido. Sua forma pode então ser variável, sendo modulada em particul.ar pelas antecipações associadas às nos- sas Intenções de ação, ãs nossas projeções. Ou seja, cada vez que temos uma intenção de agir sobre o ambiente externo, modificamos o sentido que temos da geometria de nosso próprio corpo. A. Berthoz, ).l. Petlt (org.). P/1c110111ú rnlog1c ct pl111sit1logie de li1t t1011 , clt., p. 226. Ver também L. Swelgard, «Le mouvement imaglné: un facllitateur ldeokinetlque», No11w/lcs Jc d11nsc, nº 28, 1996, p. 31-42, 1 ltfl/ () f 'll {J//1 HJ Todos os exemplos aqui apresentados são - cm d iferen te, nívci, _ produções que revelam as projeções do imaginá rio que ~u, tenta 0 m ovim ento e sua continuidade.( Retornando então à no~.\a reflexão ,obre a ~orporeidade, podemos afirn1ar que a qualidade do movimento dt: um corpo deriva da capacidade do perform er de p enetrar no esqut:ma de!-icrito e dar conscientemente forma à tensão entre a projeção do movimento e sua atualização. 1:-flsso significa mate rializar o espaço à sua volta, antes de ,e n1over, o u seja, m edir, imaginar, ocupar, da r um volume, uma consi-.tencia. Este processo se organiza e se compõe a partir de uma renovação da percepção, intervindo sobre as modalidades de produção d ·ção (a imagem projetada d o corpo antes de se m over) . Reorgan izar a pc 10 de fo rma distinta significa dar ao cérebro - através da ativic. o~ sentidos - estímulos para elaborar novas hipóteses de m oviment, JVas configurações da anatomia e, consequentem ente, novas fo rmas Jc presenç.i. H ú, todavia, uma dificuldade em virtualizar - imaginar o espaço, topografá lo e dinamizá-lo, ou seja, projetar hipó teses de movimento~ de,conhecidos - que é fruto da dificuldade de sentir. , Como ohsen ·am l Iuhert Godard e Armando Menicacci, é certamente um desafio rcva e renovar a~ sensações, encontrar o utra anatomia, um gesto int~dito ou um e~paço fluido. O que to rna isso difícil não é a complexidade dos comando, de ativação mu -cuJa r, mas a dificuldade de renovar a m aneira J c org.iniz.n ,1 pe rcepção. 1" Se esta modalidade é sempre a mesma, as suposi1J>es corpnr., i~ formuJad as pelo cérebro serão sempre as m esmas. () corpo entra, a~sim. em um loop; ele repete ~emprc os m esmos m odelos de ( ompt):o-i1; ,,1.l e Jc dinâmica espaciaJ. O corpo gira no vazio: ele perde a cticienc ia .,o olh.n Jo espectador, é p revisível, perde a tensão, cm suma, elcycrJc a prcscnç,1. É exatamente aqui que as tecnologias pode m ~c r úlL'i~. p,1r.1 org.1n11.lr de fo rma dife rente a pe rcepção do pcrformc r. par~, lhe dar llll\,lS ~lllu,;óc, na composição do m ovi m ento con:ogdft (O o u (01111..·o nn ~1..· ntid ll ,11nph, d a palavra. É nc.'.tl'. -"CntiJo que .'.C vislumbra o inlL're~sc do c111prq .~l1 d., tecnologia, ou ~cja, como suporte para uma i nll'rroga~ :w '- og 11 it iv., ~1 lb1 l ' •' 15 Mas antes de continuar, é preciso ressaltar q111• a lislolugl,1, .1,-; lm 1 01110 ,1 !11111t>i . 11 4' 0 i' um mod,el o para a composição do movim<'nl o Pm cen.1. (omprN· n dt·r 'l' II p,1pcl "f."~fHll id<'n li ftcá - lo como ponto de partida, pPrmlllndo ,, fompoc,l~ ,\o d1'"' p 1od111il 101110 l111~uag.-m autônoma, como dP!>Vlo, v;,irlaçào. 16 A. Menicacci, E. Qulnz., ,,111•,·, ,"'"''' ,11·,·, l /11/1, ,' ( ,.,, /,,,,/, op. t lt ( 0 1 posgrético<; o rganiz.aç.:io dJ (orporeid.iJe. permitindo ,w paformer, .w nH·,nw ll'mpo. (Orrigir J4..lui lo que Hubat God,trd Jdiniu (onw '\:~dcro~l' d,1 repct11/ 10", referindo-st' à rt'utilizaç.io d.t mt'sma cstrutur., do nwvimento.1• 2. A anatomia Para aprofundar .i 1Je1.1 ,cgundo .i qu,\I ns niwis dt• prcst·nç,1 do pcrformer nn palco njo (L>1 n(idem tot.ilmenlf t"t)lll n~ limite~ fískos de seu (orpo - comt) ,e \'l' t'm For~\·thl' e Tc~h•~~n" Jr,\ - . ~ pret"iso esboçar uma tl'oria Ja JnatornrJ LJUt' ,rrq ( lllllll pr111,·1pio c p1:-.tcmnlógko. t•: rnhora os exemplos Jrt1~t1(0, Jprr,cntadn, rchr.lm 'l' .1 dikrcnll's modalidades de presença - r, tahd t·t1d.l, J partir d.1 rcl.11,,IO l' tllrc ., prnit·\·ão de um,, "imagem" Jo torpn n11 t"lt fl.lÇO (tnrpo ,uti l) e., enc.,rnaç."to na estrutura navosa l' rnU\(UIJr (u, rpo JIU,l l ) 11 mnntnl'nto. nao m,1i :-. o (orpo, alkcr,·a todos ele<, . ·J vcn.l.tdt cm toJn, 1" t·u.·mplo,, 11 movi nH·nto parece (nntinu.,r onde p,HJ o t<>rpo t .,,,1m. ,llnpli., J Ji111l'n :-..10 dl' presença. P.trJ tomprecnc.kr .1 J1, t1n1,.1u rnt rL· L11rpo L' nwvimt·nto aqui sugerida faz ~ nt'..t'"'"-ino rc\L r llO\ào Jl' .1n .1tomi.1. 'fi,manJo .i l'limologia Jo vudhulo anatorrn c1. lemhrn yut.· o tamo \l'm do grl'go t111,, (r.ir,1 cima) t· /nmt; {(orll'. Jn\.1--.lo) A,\lm, jn..1tom1J , 1~nt flLJ 11111a e,tr.itt:gia para abrir o corpo. f.: unL1 t:\trateg1a ck Jhnr o torpo L' olhdr u yue hj dentro, lllil'> C'>'-il cstrat l'.·gia de .,hrir o (orpo pcrm1fl' lc\M o movimento rara o priml'iro plano. ·1:,lveí' forçando um pouu> .1 intcrprl"l.1 .:io. po<lc-,c d1í'cr que ., anatomia rdál' -,t.· ,\ direç;to LldC. torça,, o, w ton.'\ do uJrpo18 ( ,onformc minha leitura, a anatomia st.· torn.1 umd m.meira <ll' ~ r. c.k u mduzir o t orpo. < >u St')<.l , el..1 um:-.titui uma opt.·ra,·ão. f:. l'm outr J~ pa.lavra.\, um...i pr .ítica cpi'>kmol<'>giLa dl' umsidaar II movi ntt·nto para alc:m J m Julorn.it1, mo, J11 L<>rpo. f.. dl'nlro <.fr ..,1.1 pnspn ti va que me .,irvo da ,1 n Jtorn1,t umw u ,nl.t:i l11 opc.:rat,'>no de toda minl1a rdkx,io. hllt'ndo yue Jna1t,r111J u>mt1tu1 urn.t e'-o lratégia de J eu,mpo..,i1.,úo t.' rl'org.mi1a, ,10 do t c,n<.1:ito <lL" <.orp<> u 1rno 1111 1\lít' t no, l'Xcn,plo, LilatL,.., . 11111,1 idci., que l"Thonlr.J re,..,cJn.ínLia 110 pemamenlo tk \ pino1,.1: 1/i v,-, ~ l ,1 tH,n . //11 ,\,fr1,1,, ,,f \ lo,,,,,.,,,, l'lymuulh , M,111l, 111 .1ld 11, 1 v11 11 1,. H)Ho, r M 1.i lrn 11 J /"'' ' /1 11,m11,1,,, N1J1111t' l11••, d«- 11 ,;n•u•, llr11 1trlo1-,, JOO 1 . l ( h corpoc; e d1c;tinguem ent rt' eles em relação ao mo\;mento e ao repou n .a rap1<le1 t a lentidão. e ná() em rcl Jçào à , ub, tância ( ... ). t_ m co r ro e m mo" 1ment0 0u 1:'m repou•-<"l .ich.1 -.se determinado pelo mov,mentn ou repou o de um outr 0 corpo que. por sua vez, foi determinado pdo mo..,,1mento ou re pou,o Je u m outro. e es e. por sua ve1 por um nut ro e .i,,,m intinitamente ,q í-. por 1, tn q u e n cor po ,e tornc1 u rn d d ina m h.::a: a anatom ia constitui uma e \ tra tcg,a de e tender a p re en(a. fazend o- .1 continuar o nde o corpo p ci ra A an atomia ,e to rn a um ohre\.OO ,ohn~ o corpo elc1 , onecta · ""das J '- \ Ua, parte\, todo, n, ,eu, egmento, ma, ncio p e rte n ce a nerj , ddc, . f· umJ linha que traça um d1.i r ma c,lmO t:m uma cons te' 1~ o ,ignitica ultrapas~r o, limite dn corro por m e io do movime nt< _ organ iza 0 5 m embro,, reYela um corpo tanta,magorú:o e fa7 intervi ,ua capacidade de produzir verti_ em pela rapidez ou. pelo contra rio. pela lentidão. O proce,,o expõe o (orpu a um.1 e,pecie d e morte pa ra a t ingir um co11 t i1111w11 de tnten ,1dc1de, aotonom .. i-. que J1,,nhem a -. fo rmas, o~ ~igniticado,. coloc.indo em pnmetro plano ,omente o m o'\ imento. As · im, n o exemplos citad o~. nàl) h.i m.ib um ..:orp,1 central, o ponto de partida d o m ovime nto não e mai, l) ..:entro do ..:1.,rpo ma, um.1 d e , ua, extre midad e , a~ ~u.,,._ p enferi .1, orelh.i. ú>to,do, m.io. qu.iJnl 3. Oa captura: sobr~ os graus de materialidade do corpo ~e u c,..l rp,, t'm m(1, 1mentl, '.'-e dekrmin.1 pela ten ão entre uma p ro_1eção e um,l rt' ft•rrpi(l ..i an.1wm1.1 e ,eu pnn..:1p10 de tunc1on am ento, que também l 'r~ .1n 11.11.l m,n 1mc.' ntü d," J.1d1..1-. d1g1t.11, n.i c m po 1ção d o co rpo. Depois ,.k ta aprt.' ,ent.1J,l o tr.ibalho de. \\·1U1am For '\1he t' o d e Te higawara ,:lm,n \.c.>m ph." J um "-orp1.., em pnxe,,o de de~locamento d e si mesmo l tcn,,h, c.>ntre rro1e ·.iú t' reten~ã0 na definição do mo,; m ento ), examino as m oJ.iltdaJe, n~b qu.11~ ú corpü e culo~ado em relação a diver so s sistemas tt.'.:-nt 10~1"-1..1 101..:lurndü .1 .:-aptur. Je moqmentol. , 1n, trumt'nll..h utiltz.id,.\ em ..:ena ,ão o rgan izad o d e acordo com doi '-' pnn.:-1p10::-. tc-.:-ni-.:-1.., ~ tconco .. -\ 1'1Ct?T_tu t'. - um filtro cap az de eleccionar as 19 Sp,noza. f:-.,., oo crt Prop XIII , tu.. 11 , Lemme 1, Prop . XIII , Ax. li . Lemme Il i. ~ ~ Corposgráficos informações e de gerar outros para tratá-los no processo de transformação digital - e o código digital que lhe permite transpor os sons, ímagcn~ e movimentos em informações que podem ser armazenadas e processadas por um computador. Através da aplicação dessas duas funções com uma tecnologia digital como a motion capture (mocap) - instrumentos de diferentes naturezas dispostos diretamente sobre o corpo dos performers - é possível perceber os dados do movimento que, em condições normais, não poderiam ser percebidos. 2 0 3.1. "Assinatura motora" e retorno da percepção Se as hipóteses do movimento, fo rmuladas pelo cérebro e que se encarnam no, nen·os e músculos, são baseadas na categorização perceptiva do ambiente, ao qual o corpo vai reagir em ação, transformar esse movimento imperceptível c.k dados na forma de luz e som - este é o sentido de minha reflexão - 1, igni lic\ da r ao performer um instrumento inédito para c~tcnder sua percepção (biofeedback) e, então, compor um movimento incomum para ascender a vá rios níveis de presença inexploradosl Gostaria de observar que, ao captarmos (com mution capture) a atividade muscular involuntária, no" aproximamos da possibilidade de manipular a passagem da "imagem" produzida pelo cérebro à forma incorporada nos músculos. Ne1,ta passagem pode-se pensar na questão da "assinatura motora", proposta por Martin Époque e Denis Poullin do LARTech da UQAM Montreal. 21 Isto é, tornar visível , graças a sistema~ de captura de 20 Ver o esquema do processo de captura de movimento elaborado por M. Époque e Denis Poult in no LARtech do Departamento de Dança da l'Universlté du Québec à Montréal. http: //www.lartech.ueiam.ca/extraits/ pages/ Making.htm Captura de movimento em es- túdio com câmeras lnfrarouge; Posicionamento dos sensores sobre o bailarino; Registro das capturas e identificação dos marcadores do computador; Transferência d.:i lnformaçào dos marcadores de um bailarino virtual extraído con forme o modelo da anat omlJ ; Final - mente, traduçào da dança específica e composição do traço gráHco. 21 Ver sobre esta questão o t rabalho desenvolvido por M.irlinf' Êpoquc el Dt>nl-. Puuli 11 no LAR - Tec.h . O LARTech foi fundado em de,ernbro d1• 1999 com o propósito dt• pr onwvt'r pt'<.qui sa'> r- criações em tecnocoreograHas e digltalízaç ilo do movlm1•ntu hum,111 0 . Vi, .indo ,1llti, ., dança ao•. f' '>paço'> e expressõe•, digital,;, ,, propo<.la IP!>l f'mu11h.i u111 pll' '> <.upo-.10 ,111 1 ... 11( 11 para um,, expre~'>,lO origina l qut' nonwara. 1•m :.> 004 , Hd dança""'º rnrp lm . Atu.ilm t• 11l t' 1, ., balham '!Obrt- ,, projeto ua<,•,lnalur,1 rnotnrd» f aqui quf' ,1 lrr,Hl lt1( l o d•, wrpo -.o lHP o plJ110 t ,, 1 '' 1 11 ,/, 1 • l l movimento, a essência interior de um corpo em movimento, o ponto onde a projeção da ação produzida pelo cérebro está presente e se encarna nos músculos. Isso significa ter acesso à singularidade de um corpo em movimento, à representação de habilidades motoras, e este é outro exemplo que aponta para o movin1ento além dos limites do corpo. Desta forma, na ausência do fisiológico, o movimento se coloca na tela revelando a presença humana por uma assinatura cinestésica. Quando reconheço este momento como determinante na organização e definição da presença, posso então supor que os sistemas de captura de movimento podem alargar a presença física, compondo representações mi •· ... <ias. Se afirmei antes que este momento é determinante, no tocante a· ') psicológico, por organizar e determinar a presença, pode-se afirm que o~ sistemas de captação do movimento propagam a presen~ a co.mpondQ figurações midíatizadas. Neste contexto, não é o corpo que estimula o recurso tecnológico, mas é estimulado por esse recurso. Com a introdução de captura de movimento sobre o palco, o performer se depara com a seguinte situação: concentrar- se somente sobre o nível "proprioceptivo'' - dados provenientes da ativação dos sentidos - ou canalizar sua atenção para o nível "exteroceptivo': dados externos transformados em som e imagens. Estes sinais, de retorno ao corpo do performer (biofeedback), lhe fornecen1 uma dimensão sensorial complexa útil para desenvolver um novo projeto de movimento. Este processo implica também uma transforn1ação, uma mudança radical na substância material do corpo: passa-se da carne ao digital, mas nessa passagem, há un1a continuidade que pode ser rastreada até a estrutura básica dos corpos. A física e a ciência nos ensinam que tudo se dá por meio da agregação de partículas: dos materiais vivos até os aparentemente inertes, todos são constituídos - assim também o corpo do :-,erformer- de um arranjo de partículas. O corpo sintético pode igualmente ser compreendido nessa perspectiva. No entanto, na transição do carnal físico se torna visível sobre o plano digital. Em minha proposição, a figura eletrônica do movimento é. sobre o plano digital. aquilo que a decomposição do movi mento é sobre o plano físico. Estas duas dimensões dividem um mesmo princípio: .1 anatomia corno vetor e direção das forças onde o corpo se torna uma constelação de pontos, com rapidez P lentidão de agenciamento. http: //www.lartech.uqam.ca /. M. tpoque e D. Poulin. No/,,,.fr 1 >,111.-r, 1111 rnac i/11 pn11tc1111,ç 3fJ 0 1 i11Jin hon:_i.;rt1f•l11t· tlc p,1rt,c11/c., ,,, ,11r ,;;..,.,,,, ln : L. Poi~sanl e P. Tremblay (org.). f:11 ,c111/1k ,\1/l,·111 , I / ,,gl'll1cr , /·1',.ll'l1nr, op. clt. p. 181•194. Corposgrãficos para o digital que aqui analiso, h .. i uma diferença cm te rmo.1, de organização. Enquanto a organização do corpo físico revela uma dinúmica contraJit6ria de partículas, o corpo digital (o corpo s intético) escapa desta contradição formal, sendo caracterizado por uma dinâmica de expansão das part ícula.-., um processo de exte nsão da forma, uma vez mais, para além dos limites do corpo, em direção a uma abstração (Figura 6) . Corpo físico Segundo nível de virtualidade (Mediação tecnológica) Corpo de síntese segundo n1vel do retorno c1 perci>pçiio fil(ura 6. < opro fí, iw e wrpo , íntt',e: ~ei;:undo nlvd de virtualidade ln Enrico Pilolli, 2011. O emprego , ,u .1 intervenção da'i tecnologias digitais sobre as tecnologias perceptiva.., (ticção), ª" quais mencionei, envolvem duas operações: simulação e deslocamento. A simulação .'>t: refere à modelagem digital, designa uma mudança de cxi<;téncia e consistência. A partir de uma ordem primária da realidade empírica - a ti .:; icalidade do performcr - , pa . .:;samos a uma realidade diferente, composta de regras de formalização matemMica. As interfaces de computador u~ada<; neste processo nada mai.-. são do que um circuito que torna possível ligar a rcabdadc de primeira ordem - o corpo físico (matriz) - e as presenças que se locaJizam na tela ou na paisagem sonora. J(1 o deslocamento significa a transposição do" sinai, sonoro\ e visuais da corporeidade física l', portanto. uma operação de nível .1,ecundário em relação ú simulaçtio. Neste nível. os sí11.tis ~e tornam independent e~, ele\ '-l' reorganizam l'm um novo nívd de prcscn<;a . 3.1. Corposgráficos li Para forn ecer refc réncia '> ..;ohrc a n ,mpos ição d o movirnl'nln do ,:orpo 11.1 tela , inc u>r1<. c11 trarl' i l ' m algu n , <.'Xl'mplos, cxpli <.-.11Hlo .,, dikrc nl<.':- modal idadn, d l.' t ralatnl'nlo digit a l l' lllJ) rl'gada~: "' ',, 1'111,111 'I l 1 a) Ghostcatching (1999), uma criação coreográfica do american o BilJ T. Jones.22 Nesta obra, o coreógrafo busca, na composição do corpo de síntese, uma correspondência direta com os parâmetros do corpo físico. Neste sentido, a figura digital torna-se o "duplo" do corpo físico no espaço: ela assume suas características em termos de articulação do espaço, controle de peso, flexibilidade de movimento. Estamos diante de uma espécie de reprodução através de um material de consistência diferente. figura 7. Bill T. Jones, Gh ostrntcl1111g, 1999, foto ,,, Paul Kaiser, SheUcy Eshkar (sI11I video). b) Hand-drawn Spaces (1998) et Biped (1999) de Merce C unningham . realizados em colaboração com Paul Kaiser.~1 A proposta de Bipcd. 22 P. Kaiser, «steps» dans (,hostc,1tchl!lg, Baltimolre, Cooper Union's Catalogue, 1999 . http:/ / openendedgroup.com/ 23 R. Copeland. ,\lera· e ·,111n111,1•/1, 1111 : t!ic 11111,h·m, ::111.1: 1>/ ,11e1il, 111 il,11,u·. New York : RoutlPdge, 2004. Ver també M. Boucher./ ,., ,_f)l"I , 1•111l,c.,,,,,,.., .I,· /,, ,/1111 ,, ,/,,,, , /,·, ,, ,·, , ,,_1:1,111/11,·, 11111 /11111, ti,,,,, « Archée « , Montréal, décembre 2009.http: / / archee.qc.ca / . http://www.mercc.org/ e http://openendedgroup.com/ Corposgràfi<OS particularmente, vainosentidoopostoao trabalho de BillT Joncs. Consta uma completa abstração da forma do corpo, mas existe uma tensão visível, uma "memória" do e queleto. Na verdade, o interes~ante no sistema desenvolvido é a possibilidade de intervir sobre os dados obtidos a partir da captação: conforme o tratamento, pode-se colocar na tela um corpo sintético quase idêntico (no nível dos paràmetros) à matriz que o produziu ou, ao contrário, pode organizar um corpo sintético distinto do corpo físico que o gerou. Enquanto o processo de intens[/icação produz uma correspondência formal (não de substância, como expliquei anteriormente) entre o corpo físico e o corpo sintético, o processo de deslornmento produz verdadeiras abstrações luminosas, em que os corpos dos bailarinos parecem se desmembrar, se deslocar, e os vestígios da memória do corpo físico, desaparecerem. Figura 8. Merce Cunningham, Biped, 1999, animação: Paul Kafaer e Shelley Eshkar, foto @ Stephanie Berger, 1999. c) O trabalho de Kondition Pluriel, Esquema li (2002), mais especificamente, o fragmento Corpsfixe el sans tête. Physiqucrnent ici ct mentalcn1e111 nillcurs.2 4 24 E. Pitozz,. E1e11drl /11 1•c,111 \1 01c. />cncpt11111, d1 ,po,111J, tcch11,1/ng11111c,. ln: Loulse Poissa nt e Pierre Tremblay (org.). f-11 , 111/,/1• A1//111r·. 'fog, tl,a J /,c11 h1·1 1. Ste-Foy: Press('s de l'Univer sité du Québec, 2010, p. 330-350; e também E. Pitozzi n, ,,,0,111/, ,/,· /, , ,,,·,11·,,,,,,,, ,111•1111111 1l. , jlíl \ U)(I.', 1nkr <1dlVlll' ( 111/l'l /\(// 1(11/ , 11•11 i\/11,,,. ( '/,111,I,· ,,,.,,1,,, ,., t\1111/111J,,. 11 ,1/1 1/(' ~º'"'''"'" r•/11 nd, <cArchée», dez. 2010. 1 r,, ,, , , 1•11, ,, , r ' I ) ' 33 No mencionado fragmento, uma das intérpretes encontra-se de bruços no chão. Ela pode agir, mas também "te]eagir". Ao mover a cabeça, controla a proJeção de imagens, representando uma versão esquemática do espaço cênico. Ela faz alternadamente movimentos com o peito, pernas e cabeça para controlar a arquitetura de luz sobre tela. Embora seu corpo esteja presente no palco, seu pensamento a projeta para fora dela mesma, em uma extensão que toma forma em linhas de luz e de som. O corpo encontra-se em relação sensível com os equipamentos: o corpo está imerso em um ambiente tecnológico cujas alterações constituem uma reação diretamente da sua ação e percepção. -~ ',/. i ;.: . ."? ~ ---1 ' ., ~\, ·-'- / 1. ~t ~ -~ } .. ~ r ... \.~ -'r , , 1 \ ,· f igura 9 . Kondition Pluriel. Es,1111?11111 II. 2002. Photos: Susanne Sellingcr, 2003. 1i:>kondition pl11..del. Interpretado por Marie-Claude Poulin Em todos os exemplos que examinamos, a imagem projetada na tela aparece como uma suspensão vibrante do corpo, registrada sob forma de movimento particularizado. 4. Sobre a intervenção da tecnologia Afirmamo~ que as tecnologias intervem sobre o corpo para explorar suas potencialidades de composição, oferecendo uma possibilidade de organização diferente da percepção. Somente nessas condições pode-se atribuir à tecnologia uma função estética subjacente, afastar a tentação Corposgráficos tecnocrática. Na minha opinião, sobre o emprego da tecnologia em cena, retiro então as seguintes conclusões: 1. As tecnologias não são uma "mídia", mas sim um ambiente; elas definem um processo de pensamento. Eles remetem a operações, ao mesmo tempo técnicas e estéticas, definindo uma lógica. 2. As tecnologias contribuem para abolir a separação entre interior e exterior. Os micromovimentos ou movimentos involuntários podem ser capturados através do emprego de sensores. Assim, do ponto de vista estético e operacional, as tecnologias contribuem para tornar visível Q_ invisível. 3. As tecnologias são instrumentos de conhecimento, porque permitem uma nova cartografia perceptiva e sensorial do corpo (biofeedback), possibilitando ao intérprete encontrar novas fórmulas de organização do movimento e ascender, então, a diferentes níveis de presença. 4. As tecnologias permitem - do ponto de vista da análise de movimento - conhecer as características específicas de um corpo e de seu m ovim ento: a "assinatura motora", sua essência íntima, o ponto onde a projeção da ação produzida pelo cérebro se torna atual e se encarna nos músculos. Isso significa ter acesso à originalidade de um corpo em movimento. 5. Em consonância com o princípio acima, as tecnologias podem contribuir para qualificar as características do movimento. Em outras palavras, seu uso pode induzir uma qualidade específica de gesto em vez de outro (teoria da anatomia como prática epistemológica) . 5. O cérebro é uma tela de projeção É exatamente neste contexto que essas modalidades de manifestação do corpo, por meio da composição do movimento, produzem efeitos sobre a recepção do espectador. Este efeito é a sobrevivência de um momento de um corpo (de um movimento), independentemente da sua qualidade ou consi5tê ncia m aterial. Eu usaria então a expressão "simulação encarnada': Enrico P1ton1 39 empregada por Giacomo Rizzolatti e Vittorio Galle e, da equipe da Universidade de Panna, na Itália, que testaram o funcionamento dos "neurônios-espelhos'~ segundo os quais há uma correspondência empática, em termos de ativação neuronal, entre aquele que faz a ação e aquele que observa. 25 Neste contexto, os estudos teatrais e coreográficos podem realizar um cruzamento muito interessante: as neurociências nos oferecem indicações (e não un1 modelo, é claro) sobre as modalidades d e recepção do espectador. Ou seja, pode-se dizer que há, em alguns níveis, uma relação empática entre artista e espectador. De outra forma, pode-se dizer que há uma espécie de "gesto de canibalismo"1" realizado pelo espectador: ele olha e sua percepção ecoa diretamente sobre sua corporeidade. O processo de empatia envolve, assim, uma transferência mútua de experiências sensoriais entre o performer e o espectador. Estamos traçando uma ligação muito sutil - a ser ainda explorada - que me leva a pensar sobre um fenômeno de correspondência entre a experiência sinestésica do "observador" e a cinestesia do performer, através do reconhecimento perceptivo de seus movimentos corporais. Mais precisamente, no contexto da composição cênica, ao corpo em movimento corresponde um efeito induzido sobre o plano da recepção; há uma forma de simulação (reconhecimento) do gesto emitido que ativa - no corpo do espectador - uma sobrevivência no nível da motricidade. Diante da aceleração de um movimento percebido, nossa respiração muda, porque a ação percebida ativa em nós um esquema corporal armazenado - ali se atesta a sobrevivência - em nossa memória motora, no "arquivo" de onde o cérebro extrai suas suposições de movimento. Pode-se afirmar que a observação é, então, uma forma de decifrar mentalmente os projetos do outro ( do performer), definida por uma si mulaç.io - a simulação incorporada da qual fala Gallese - da ação observada.~- 25 G. Rizzolatti, C. Sinigaglia . So q11cl c/11: j,11 . Milão : Raffaello Cortina, 2006 (tr. fr., 1 . .-., ,1,•11n •11,·, 111,rom , Paris, Odiles Jacob, 2008). Mais exatamente, os neurônios descarregam tanto quando alguém faz um movimento quanto quando alguém vê um outro sujeito faze, 0 mesmo movimento. 26 A. Menicacci , E. Quinz. < ·unl'cni1I11111 "''l't. /-111/1, ·11 < ;"d,ml, op. clt. 27 V. Gallese. // tnr/'" I.·,1tral, ·. 1111I11,·tI , ,11P. 11,·11t1111I , ,,,.,, /110. ,1111 11 /,1 11111,· 111, , ,, 11 , 1/,1 , « Cullu1e Tea trali ((, nº 16, prlntemps 2007, p. 13 37. Corposgráttcos Assim, aquilo que costumamos denominar como "compreensão baseada na observação" torna-se ''reconhecimento fundado na simulação da ação': É aqui que a relação entre o corpo simbólico e o corpo sensível se coloca de forma radicalmente profunda. Dentro desta perspectiva e com alguma cautela, somos levados a pensar que esta operação vivenciada na situação de copresença física entre o performer e o espectador pode ocorrer também na situação da recepção de um corpo digital, de um corpo de síntese. Nas duas situações, há esse momento de passagem no qual a sobrevivência do corpo percebido torna-se efeito incorporado no corpo do espectador. Para concluir, levo ainda mais longe minha reflexão, dizendo que, na cena atual, o palco constitui somente o ponto de passagem - o lugar onde se compõem, de maneira subliminar, as intensidades que definem a atmosfera - para imprimir o movimento sobre a placa fotossensível do cérebro do espectador: a verdadeira cena, a mais escondida, a mais radical. l I fl( 'J 1'111 ,111 9 Evenings, Theatre & Engineering1 Clansse Bard1ot Université de Valencienne Minha comunicação tem por propósito apresentar fatos importantes que envolveram o evento histórico 9 Evenings, 1heatre & Engineering, realizado em 1966 em Nova Iorque, cujos documentos tive a oportunidade de pesquisar no acervo da Fondation Daniel Langlois - Montreal. A escolha sobre esse evento deve-se ao fato de ele ser considerado como o acontecimento de maior envergadura no nascimento das relações das artes com a tecnologia, embora experiências tenham sido realizadas bem antes. Na verdade, considera-se como primeiro espetáculo de Cena e Tecnologia uma produção de 1956, realizada por Nicolas Schoffer, denominada CYSP 1. Entretanto, 9 Evenings teve uma repercussão de público extraordinária - 1 O mil pessoas assistiram às performances nele reunidas. O evento resultou de uma iniciativa do engenheiro Billy Klüver e do artista plástico Robert Rauschenberg. Em 1965, os dois tiveram a ideia de reuni.r cerca de dez artistas e um grupo de cientistas do Bells Labs. Entre os artistas participantes encontravam-se Steve Paxton, John Cage, Lucinda Childs, Óyvind Fahlstrõm, Yvonnc Rainer, Deborah Hay, Robert R.a uschenberg, Alex Hay, David Tudor e Robert vVhitman. 1 Cabe dizer que o material de 9 f:1·(·11i11g) encontra-se disponível na Internet, no site da fundação Daniel Langlois : http://www.fondatlon-langlols.org/hl ml / f / index.php. ' I j Apresentando de forma breve, esclareço que boa parte desse artistas vinha da dança, eram bailarinos e coreógrafos, alguns tendo participado da fundação da famosa companhia Judson Dance Theatre, como Y. Rainer e L. Childs. A maioria deles era muito jovem, naquela época, tinham entre 20 e 30 anos. Havia, porém, artistas de outras gerações, como Cage e Rauschenberg; este último era um artista já bastante reconhecido, pois tinha, em 1964, sido premiado na Bienal de Veneza. No grupo encontravam -se também Alex Hay, artista plástico, David Tudor, pian ista e intérprete de Cage. Era, então, uma equipe bastante interdisciplinar, sendo Õyvind Fahlstrom o homem de teatro do grupo, ele vinha de uma experiência de dramaturgia, mas depois fez carreira em artes visuais. Trata-se então de uma reunião de artistas interdisciplinares que vêm, majoritariamente, da dança e que têm como figura de referência Merce Cunningham. Ainda que não participasse de 9 Evenings, o pensamento e a experiência de Cunningham estavam presentes, p ois a m aior parte dos bailarinos tinha trabalhado com ele ou sido seus alunos. Além disso, Cage era regularmente seu compositor e Tudor o intérprete musical de seus espetáculos, Rauschenberg fazia os cenários de suas coreografias com assistência de Alex Hay. O evento 9 E,•enings foi realizado de 13 a 24 de outubro de 1966. No fôlder de apresentação do acontecimento, lê-se: "Vocês vão ouvir o som emitido pelo corpo; vocês verão dançarinos flutuando no ar; o público se tornará mais do que espectadores, poderá realmente flutuar. É arte, tecnologia e um pouco de teatro. É importante que vocês estejam presentes." A cada noite ocorriam duas, três ou quatro performances representadas duas vezes, recebendo cerca de 2 mil espectadores por noite. Importante ressaltar que esse sucesso de público constituía uma mudança muito importante na vida artísti ca da maioria dos participantes. Os bailarinos e coreógrafos da Judson Dance, que faziam parte de um m ovimento underground, tinham por hábito reunir no m áximo 200, 300 pessoas em suas performances. O evento colocava aqueles a rtistas diante de uma nova realidade de público e também de expressão social. pois o evento despertou o interesse de toda a imprensa, inclus ive da televisão local. Ainda que, <le parte da imprensa, as críti cas fossem muito negativas. Antes de falarmos sobre as performances rcali:,,adas em 9 f:'i •t' ll ill,~~. é oportuno conhecer um pouco da históri~ dt' Hilly Klüvl'r, figura fundam ental na produção de todo evento. Trata -sl' dt· um L'ngenhciro 9 [ vf'n ing<, , Th1•alrt> í!. EnglneNlng elétrico. doutor pela Universidade de Berkeley (EUA) que, a partir de 1958, passou a trabalhar na Con11111111icatío11 a11d Rc:;can:h Dcpartmcnt de Bel/ Laboratories. Esse laboratório americano era um dos mais importantes centros de pesquisa tecnológica do mundo. Era ali, à época, que estavam sendo desenvolvidos o primeiro satélite, ,1 linguagem informática Unix e os primeiros trabalhos de imagem digital. Foi neste contexto de iniciativas inovadoras que surgiu a ideia de promover um acontecimento que permitisse o cruzamento da arte e da tecnologia. organizado sob a forma de dez performance . Importante apontar que essa nào era a primeira vez que Billy Klüver trabalha,·a com arti~ta~ de vanguarda. No início dos anos 1960, colaborou com jcJn Tinguely na reali zação de uma performance bastante famosa, Homagl' to ,\'cw fork ( 1960), 11,1 qual uma múquina se autode<.truía; com Y\'onnc RJincr. no ,imbito do Judson Dance, na performance At My Hody'. flowe ( 196.3), nJ qual microfones captavam e ampliavam a respi ração Ja hai!Jrin,\; Lom Andy \Varhol { 1966), na obra Si/ver Clouds ( 1966), par,l J ljU,d foi n~cc,,áno encontrar o gás perfeito, capaz de fazer flutuar o, tra,-c,,cirm (hojL' '.'>ahcmos qm.- é o gás hélio, ma.o; na época era preci,o um t:ngt:nheiro para encontrar o gás certo, de forma que ele<. flutua<-,ern durante um tempo bastante longo, sem e~vaziar rapidamente) _ Outra colaboração dt: Klüver 'ie dl.'u com Robert Rauschenbcrg, na cornpo~ição <la obra Oraclc ( 1962- 1965), fundada na ~clcção aleatoria de emÍ '.'-1'.'>ÓC, de rád10. Uma obra muito importante na hi\tÓria da dança e da artt: e tecnologia - \'ariations \/2 - , Je John Cagc, também contou com o apoio de Klüver. Intcres~ante ob..,crvar que esta obra reúne Cagc, Cunningham, que dança, ~tan Van Der Beck, para projcçôcs de vídeo e KJüvcr, na criação de um ,<, i<,tema de pequenas antenas com \l'nsorc,, que permitiam quL', à medida que"" bailarinos pas,asscm diante dac, anll'na..,, um ,om fosse disparado ou interrompido. Com cs<,c engenho, e<>locava <,C um;.i novJ lógica de organização na dança: é o movimento, a dançd, qul.' control..1 o '>om. Não é mais a coreografia que segue a música, ma, o con trário, (: ela que dell'rm ina o ,,1t11 a , cr transmitido. ( o <,11111 qt1L' é gerado cm funç5o Jo.., muvimcnto, do, hail,mnos. Isso, c nt ~w . t.'.· o objeto Jo lllÍCÍo Ja, l'Xr crit•nc1a , . , [Jl',ponivr l Pffi : hllp-//www youtube.com/w11trh ?v•fq9n-11MAD1K { JI I oJl'I • 1 Vou me concentrar na análise de três obras apresentadas em9 Evenings, de cujas imagens dispomos no filme de Alfons Schilling. Inicialmente, tomo Open Score/ de Robert Rauschenberg. Em princípio, trata-se de uma peça muito clássica, em três atos, que começa com uma partida de tênis. Algo interessante a observar é a inexistência de fios, o que permite a realização de um jogo normal. Entretanto, cada vez que a bola toca na raquete, o som da batida é amplificado. Outra coisa ocorre: quando a bola toca na raquete a luz baixa, até que a partida passa a ocorrer no escuro. Isso porque, a cada vez que a bola toca na raquete, um refletor se apaga. No segundo ato, SOO figurantes entram no escuro. Ali, acham-se câmeras infravermelhas, que na época tinham nos Estados Unidos seu uso restrito às ações militares e, assim, a equipe do evento teve de conseguir uma patente no Japão para a utilização des as câmeras. Por meio delas, a multidão era filmada- filmagem no escuro- e as imagens reproduzidas em três grandes tela .. dispostas acima dos espectadores. Ocorre, então, exatamente o que o programa do evento anunciava: "Vocês vão enxergar no escuro:• Os figurante impulsionam os espectadores a realizar uma série de ações que e encontram em um espaço cênico absolutamente imenso. No terceiro ato, Robert Rauschenberg transporta Simone Forti, que canta uma mu iquinha italiana, e nesta parte não há nenhuma tecnologia. O segundo exemplo que escolhi é o de Physical Things,3 de Steven Paxton. Ainda que essa criação seja anterior às experiências de contato- improvi ação, sua organização revela princípio análogo. Trata-se de um ambiente no qual o
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