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# FICHAMENTO FANON, Frantz. Os condenados da terra

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FICHAMENTO
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução José Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S. A., 1968.
	Com prefácio de Jean-Paul Sartre, “Os condenados da terra” (1961), com título original “Les damnés de la terre” inspirado na primeira estrofe de L’INTERNATIONALE, hino do movimento comunista internacional, chama à ação o povo subjugado no sistema colonial, que não era o povo proletariado, e sim os negros, os indígenas, aqueles que foram massacrados por esse sistema. 
	No prefácio de Sartre, o francês discursa sobre a violência e chama a atenção da comunidade europeia para as mazelas sofridas fora da Europa. Admite a culpa e a hipocrisia do europeu diante deste cenário, além de admitir que o Terceiro Mundo não é uma categoria homogênea, mas sim que sofre impactos do colonialismo em diferentes níveis, abarcando povos ainda subjugados, outros libertos, porém sob a ameaça imperialista, etc. (p. 6). 
Em termos gerais, o livro trata, entre outros assuntos, dos conflitos implícitos ao colonialismo e à luta anticolonial. Alerta que a violência é parte fundante da sociedade colonial, estando presente em todas as suas expressões materiais e simbólicas. Fanon, portanto, escreve principalmente aos filhos da colonização, expondo os mecanismos geradores da alienação do sujeito no sistema. Ainda no prefácio, Sartre apresenta um desses mecanismos, que é a violência: “A violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens subjugados; procura desumanizá-los” (SARTRE, 1968, p. 9). Essa desumanização penetrará a categoria psíquica do sujeito, como Fanon falará mais adiante. Além disso, a violência caracterizará o inconsciente coletivo dos colonizados, fazendo com que eles passem a explodir com fúria, principalmente entre eles mesmos. A violência passa a ser uma virtude (?) caracterizadora dos povos subjugados, e eles passam a agir dessa forma.
O primeiro capítulo do livro é intitulado “Da Violência” e abordará justamente esse mecanismo de penetração da violência no inconsciente coletivo dos povos oprimidos. Primeiro, falando sobre a descolonização, o autor diz que não há meios de ela se dar através de algo amigável, a partir de um acordo, e sim através de uma ruptura bruta e radical. Isso porque a descolonização não é compreensível em si mesmo, e sim na medida em que se compreende o movimento histórico que lhe dá forma e conteúdo, a saber, a relação do colono com o colonizado permeada por violência. 
Fanon leva em consideração, ao evidenciar o processo de formação do inconsciente coletivo do colonizado, a construção das relações de poder. De acordo com ele (1968, p. 28), nas sociedades capitalistas, os povos oprimidos são assim constituídos a partir de mentores morais, perpassado por gerações a gerações através do ensino religioso, ou até mesmo leigo. Já nos países coloniais, a inferioridade é imposta através da violência, exercida pelos militares em sua maioria, mostrando que “o intermediário do poder utiliza uma linguagem de pura violência. O intermediário não torna mais leve a opressão, não dissimula a dominação. Exibe-as, manifesta-as com a boa consciência das forças da ordem. O intermediário leva a violência à casa e ao cérebro do colonizado” (FANON, 1968, p. 28). É dessa forma que a violência penetra o inconsciente coletivo do grupo colonizado. Essa forma de construção estrutural do inconsciente a partir da linguagem, de um real que é simbólico, é uma ideia de Lacan que Fanon revisita. Além disso tudo, podemos perceber que quanto mais bem estruturada e sólida é a base do opressor, o oprimido se vê mais inibido, tornando os meios de opressão mais "fáceis" de serem executados – através dos complexos criados: o da superioridade/autoridade e inferioridade.
Fanon também lembra que as divisões, a diferenciação, inclusive espacial, entre colonos e colonizados não são em função de uma “unidade superior”. Na verdade, a lógica que rege essa dicotomização é a lógica aristotélica, que também será apontada por Todorov, em A conquista da América, quando o autor explica, através de registros escritos pelos próprios colonizadores espanhóis, o pensamento da diferença que gera o superior e o inferior dentro da perspectiva de Aristóteles, adotada por eles como meio de justificativa à exploração. Nessa lógica, “não há conciliação possível, um dos termos é demais” (FANON, 1968, p. 28).
O autor martiniquense propõe a extensão da análise marxista, numa certa releitura para o contexto colonial, onde a infraestrutura econômica é igualmente uma superestrutura, isto é, a causa já é a consequência, porque não existe um modo de produção que leva o rico a ser rico, como a acumulação de capital através da exploração. Não. No sistema colonial o rico é rico porque é branco, e é branco justamente porque é rico. Nas sociedades pré-capitalistas, era o divino o juiz daquele que seria rico ou pobre; era pela vontade de Deus. Nas colônias, o indivíduo detentor do poder o é, primeiramente, porque assim se entende e faz com que o outro entenda através da violência. Ele tem poder porque é diferente, é estrangeiro. Nas palavras de Fanon, “não são as fábricas nem as propriedades nem a conta no banco que caracterizam em primeiro lugar a ‘classe dirigente’. A espécie dirigente é antes de tudo a que vem de fora, a que não se parece com os autóctones, ‘os outros’” (FANON, 1968, p. 30). 
Outra forma de fazer penetrar a inferiorização na psique do colonizado (FANON, 1968, p. 31) – o chamado complexo de inferioridade – é a diminuição, ridicularização, demonização daquela cultura. É uma maneira de desumanizar o colonizado, de animaliza-lo, que perverte o os valores do povo, como se fossem depravados ou inexistentes só por serem diferentes. O colono nega a existência de seus valores no colonizado, acreditados serem os seus os únicos valores do mundo e assim caracterizando o Outro como o mal em absoluto. De maneira análoga se dá a depravação da mulher, do corpo da mulher, de tudo que caracteriza o feminino, a nível social ou psicológico. A mulher colonizada, então, pode ser entendida como duplamente oprimida, sofrendo as consequências desses mecanismos por ser colonizada e por ser mulher. [1: Devo procurar alguma teórica para referenciar essa afirmação. ]
Voltando ao texto, Fanon comenta (1968, p. 39) sobre o extremo confinamento do ser oprimido, que é lembrado, através da violência, o tempo todo a manter-se recluso em seu lugar, nunca ultrapassando os limites impostos pelo colono. Essa contenção gera uma repressão energética muscular muito forte, que acaba explodindo entre os próprios colonos, gerando brigas entre os mesmos. O sistema colonial faz com que o colonizado viva sob um estado de tensão constante. Ele só vislumbra uma forma de não ser mais o colonizado, que é tomar o lugar do colonizador. Nas palavras de Fanon, “o colonizado é um perseguido que sonha permanentemente em se tornar perseguidor” (1968, p. 40). Assim, o oprimido passa a exercer esse seu “ódio muscular" em outros grupos, que considera mais fracos, mas que são tão colonizados quanto eles, como outras tribos, mulheres, etc. Tudo isso porque a única coisa que lhe resta é a tentativa de proteger sua própria personalidade, ele mesmo enquanto indíviduo. Essa personalidade é permeada por mitos e magias característicos das sociedades pré-coloniais, e acaba que essa onda de mistério e explosões musculares entre os mesmos esconde o real problema, que é o colonialismo. Além das brigas, as descargas emocionais dos colonizados podem ser observadas através das danças e das possessões, rituais altamente ligados com essa atmosfera de magia mencionada anteriormente. 
Com o curso do sistema colonial, o colonizado cada vez mais subjugado e violentado pelo colono passa a vislumbrar o real inimigo, deixando de lado seus mitos, fábulas e fantasmas, para perceber que o problema era palpável e estava na mesma dimensão que ele. Há, após essa espécie de conscientização, uma reorientação da violência do colonizado; novas vias que são dadasa partir de partidos políticos e da elite intelectual e comercial. Os partidos políticos nacionalistas são claramente voltados à burguesia colonialista; não propõem palavras de ordem porque não querem destruir completamente a ordem, e sim adquirir mais poder aos burgueses. Fanon lembra ainda que, “quanto ao problema específico da violência, as elites são ambíguas. São violentas nas palavras e reformistas nas atitudes” (1968, p. 45). Os intelectuais colonizados investiram sua agressividade em uma tentativa de assimilação do mundo colonial, concentrando-a em interesses próprios e individuais, visando a ocupação do lugar do colono. A burguesia colonial, então, cria um outro patamar para as relações: a não-violência. 
Como explica Fanon, “essa não-violência significa para as elites intelectuais e econômicas colonizadas que a burguesia colonialista tem os mesmos interesses que elas têm e que se torna, portanto, indispensável, urgente, chegar a um acordo para a salvação comum. A não-violência é uma tentativa de equacionar o problema colonial, em torno de uma mesa de reunião, antes de qualquer gesto irreversível, de qualquer efusão de sangue, de qualquer ato deplorável” (1968, p. 47). 
Os membros dos partidos nacionalistas e os intelectuais colonizados se dizem objetivos em seu imobilismo, mas pouco o são. Na realidade, eles aceitam e dão-se por perdidos em um confronto violento contra o colono; sentem-se muito mais ameaçados do que capazes de vencer. Logo, acomoda-se em suas posições e busca com que os demais se acomodem também. Fanon diz que “a burguesia colonialista é ajudada em seu trabalho de tranquilização das massas pela inevitável religião” (1968, p. 51). 
Houve, entretanto, o lado da resistência nacional à conquista. Nas lutas de libertação, as figuras que mais resistiram a dominação colonialista são revividas nos povos momentos antes da ação. E é a violência que permeará essas ações, posto que “o aparecimento da nova nação e a demolição das estruturas coloniais são o resultado, ou de uma luta violenta do povo independente ou da ação, constritora para o regime colonial, da violência periférica adotada por outros povos colonizados” (FANON, 1968, p. 53). Há, portanto, uma passagem da atmosfera de violência para a ação violenta de fato. Claro que a ação gera uma repressão também violenta, e assim sucessivamente, pairando no ar a ideia de que entre oprimidos e opressores tudo se resolve a base da violência. Em um contexto geral, podemos afirmar que o imaginário colonial é constituído por relações de poder que apenas se resolvem a base da violência. Isso gera movimentos violentos não só nas lutas pela libertação, mas após elas também, entre o povo supostamente descolonizado. Porque psiquicamente falando, sua formação foi essa. Logo, as relações de poder dos novos povos também tendem a ser baseadas em formas de violência, ainda que velada, como aprenderam nos partidos políticos e com os intelectuais nacionalistas – a burguesia colonial em geral. 
Isso é só mais um sintoma que mostra que, infelizmente, a independência não traz mudanças imediatas (FANON, 1968, p. 57). Nem mesmo econômicas, muito menos estruturais. Ou pelo menos foi o que aconteceu na maioria dos casos de países subdesenvolvidos. De acordo com o autor, “a atmosfera de violência, depois de ter impregnado a fase colonial, continua a dominar a vida nacional. Porque, já o dissemos, o Terceiro Mundo não está excluído. Ao contrário, está no centro da tormenta. Por isso é que, em seus discursos, os homens de Estado dos países subdesenvolvidos mantêm indefinidamente o tom de agressividade e exasperação que normalmente deveria ter desaparecido” (FANON, 1968, p. 59). Assim, a violência é a única forma de ação que o colonizado enxerga. Ela é “compreendida como mediação régia. O homem colonizado liberta-se na e pela violência. Esta práxis ilumina o agente porque lhe indica os meios e os fins” (FANON, 1968, p. 66). 
A prática da violência até mesmo na construção de uma nação acaba por unificar as massas, porque agora todos se sentem elos de uma grande cadeia violenta. O colonizado não para de lutar nunca; quando sob os domínios da metrópole, era convidado a lutar por sua libertação, contra a opressão. Depois, deve lutar contra a miséria, o analfabetismo, o subdesenvolvimento. Como diz Fanon, “o povo verifica que a vida é um combate sem fim” (1968, p. 73). Entretanto, apesar da violência do colonizado ser unificadora, o próprio sistema colonial é separatista e procura sempre reforçar as diferenças de grupos específicos dentro do contexto da colônia. Essa diferenciação, é claro, também perdurará depois da libertação, gerando os ataques dentro do país já supostamente descolonizado. 
A relação entre os países que foram colonizados com o resto do mundo é, ainda, de pobreza, miséria, falta de infraestrutura, etc. A libertação vira quase um castigo nessa situação de desigualdade. E Fanon atenta para a injustiça desse cenário: segundo ele, a Europa é uma criação do Terceiro Mundo, posto que ela só é o que é devido a extração de riquezas e exploração dos solos hoje miseráveis. Em suas palavras, “durante séculos os capitalistas comportaram-se no mundo subdesenvolvido como verdadeiros criminosos de guerra. As deportações, os massacres, o trabalho forçado, a escravidão forma os principais meios empregados pelo capitalismo para aumentar suas reservas de ouro e diamante, suas riquezas, e para firmar seu poderio” (FANON, 1968, p. 80). Logo, o que se espera não é empurrar a pobreza aos europeus, e sim contar com a ajuda daqueles que se construíram justamente em cima da destruição dos outros. 
Após as considerações sobre a violência, Fanon nos atenta sobre a distância que se impõe entre os partidos nacionalistas e as massas. Isso porque elas exigem uma melhoria total e imediata da situação, enquanto as organizações políticas limitam e restringem as reivindicações. Esse conflito se dá porque a estrutura de partido não se aplica ao contexto colonial. Conforme explica Fanon, “a noção de partido é uma noção importada da metrópole. Esse instrumento das lutas modernas é aplicado sem alteração alguma numa realidade proteiforme, desequilibrada, onde coexistem, a um só tempo, a escravatura, a servidão, o escambo, o artesanato e as operações da bolsa” (1968, p. 90). Esse impasse mostra o quão necessário é um programa social que interesse e integre o conjunto da nação, por mais complexo que seja, sem que nenhum grupo tente ocupar o lugar de destaque. Mas a burguesia colonial pedia para si o poder, ao passo que fez grandes concessões ao sistema colonial. Isso afetou diretamente a consciência nacional desses países após a libertação.
Nas palavras do autor, “a fraqueza clássica, quase congênita da consciência nacional dos países subdesenvolvidos não é somente a consequência da mutilação do homem colonizado pelo regime colonial. É também o resultado da preguiça da burguesia nacional, e da sua indigência, da formação profundamente cosmopolita de seu espírito” (FANON, 1968, p. 124). É sabido que a burguesia que se eleva ao poder logo ao fim do regime colonial é uma burguesia subdesenvolvida; seu poder econômico não chega aos pés do poder econômico da burguesia metropolitana, aquela à qual pretendeu substituir. É uma burguesia que não visa investimentos produtivos, inventivos, construtivos. Ela é imediatista e serve apenas como intermediária dos negócios da grande burguesia, a real detentora do poder econômico mundial. É uma burguesia que “tem uma psicologia de homem de negócios e não de capitães de indústria” (FANON, 1968, p. 124). 
A burguesia nacional é estagnada e não possui meios de exercer o papel de uma burguesia. Ela simplesmente representa um papel que não é seu, existe somente para assegurar o sistema de poder. É o que Fanon chama de “função de biscateiro” (1968, p. 127). A burguesia nacional não consegue ser aquilo que as burguesias são historicamente, posto que “o aspecto dinâmico e pioneiro, o aspecto inventivo e descobridor de mundos, que se nota em toda burguesianacional está aqui lamentavelmente ausente” (FANON, 1968, p. 127). 
É a própria burguesia nacional, do alto da sua decadência e fomentada pelas burguesias ocidentais que criam nos países subdesenvolvidos a característica de parque de diversões. Ela organiza locais de repouso e recreação para o gozo das burguesias ocidentais, atividade que originará o turismo, um elemento que tomará conta da indústria nacional. Fanon dá o exemplo da América Latina, local onde a burguesia nacional oferece seus próprios bens e seu próprio povo para o divertimento dos europeus. As praias do Rio e os cassinos de Havana são citados, mas o mais problemático é quando o humano se torna um elemento turístico. E um exemplo disso são as mulheres latinas, brasileiras, mexicanas, negras e mestiças. Essas mulheres são fetichizadas como produtos, objetos que integram a paisagem e a indústria turística. Fanon chega a comentar sobre “mestiças de treze anos” (1968, p. 127), aludindo à exploração infantil e ao turismo sexual que ocorre nesses países. É como se as nações latino-americanas e o próprio povo tivessem sido convertidos a simples elementos de diversão para as burguesias ocidentais; tudo isso porque a burguesia nacional “não tem ideias, porque está encerrada em si mesma, separada do povo, minada por sua incapacidade congênita para pensar no conjunto dos problemas em função da totalidade da nação” (FANON, 1968, p. 128). Assim, a burguesia nacional age como se fosse gerente das empresas do Ocidente. 
Sem forças para criar uma nova realidade nacional, a burguesia, tendo assimilado as bases do pensamento colonialista, “favorece a implantação e o reforço do racismo que caracterizava a era colonial” (FANON, 1968, p. 134). E outras formas de opressão e submissão de uma categoria social, como as mulheres em relação ao patriarcado. 
A burguesia nacional desconfia do próprio sistema implantado; não investe economicamente no próprio país e nem cria condições para que o Ocidente fomente uma evolução a nível tecnológico e industrial. Retardando o progresso do país, a burguesia só consegue multiplicar oficinas de montagem em seus países, reforçando um novo sistema, chamado por Fanon de neocolonialismo. A burguesia nos países subdesenvolvidos, portanto, faz com que sejam eles estagnados, e pouco se anda desde o período colonial até o momento em que elas são detentoras do poder. Na opinião de Fanon, “quando esta casta se aniquilar, devorada por suas próprias contradições, perceber-se-á que nada aconteceu desde a independência, que é necessário retomar tudo, que é preciso tornar a partir do zero. A reconversão não será operada ao nível das estruturas estabelecidas pela burguesia no decurso de seu reino, uma vez que essa casta não fez senão apropriar-se sem alteração da herança da economia, do pensamento e das instituições coloniais” (1968, p. 145). Dessa maneira, o autor insiste que não existiu de fato uma burguesia nos países que foram colonizados; isso porque uma burguesia necessita de realidades econômicas precisas para se desenvolver. 
Essa mania de simplesmente sobrepor a realidade descolonial à colonial, de forma a utilizar mecanismos para se ter o sentimento de pertencimento à liberdade da nação é dada por muitos outros diversos mecanismos. Por exemplo, o divertimento oferecido aos jovens. Fanon destaca que, nos países subdesenvolvidos, a oferta de diversão para os jovens são as mesmas utilizadas pela juventude dos países capitalistas: pornografia, álcool, jogos de azar, etc., entretanto, o filósofo afirma que o quadro familiar e o nível de escolaridade no Ocidente impedem, em parte, muitos dos efeitos nocivos dessas “diversões”, enquanto que nos países subjugados a falta de estrutura familiar e educacional, bem como todo o imaginário herdado do colonialismo, faz com que os jovens sejam vítimas desses elementos. Consequentemente, a afetividade e os sentimentos dos jovens outrora colonizados “estão à mercê das diversas agressões contidas na cultura ocidental” (FANON, 1968, p. 160). Torna-se visível, a partir disso, que o maior desafio de um país subdesenvolvido é o investimento na educação das massas, única saída para uma transformação do pensamento colonizado. [2: Ver: http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2012/04/mortalidade-de-jovens-e-quatro-vezes-maior-nos-paises-pobres-diz-estudo.html. ]
Essa educação das massas pode ser chamada, em um primeiro momento, de politização. Fanon explica que “politizar as massas não é, não pode ser, fazer um discurso político. É obstinar-se com fúria em fazer com que as massas compreendam que tudo depende delas, que se estagnamos é culpa sua, que não há demiurgo, que não há homem ilustre e responsável por tudo, mas que o demiurgo é o povo e que as mãos mágicas são em última análise as mãos do povo. Para realizar essas coisas, para as corporificar verdadeiramente, repetimos, é preciso descentralizar ao máximo” (1968, p. 162). E completa: “politizar as massas é tornar a nação global presente em cada cidadão. É fazer da experiência da nação a experiência de cada cidadão” (FANON, 1968, p. 164). 
Descentralizando o poder e considerando cada indivíduo um elemento chave para a nação, temos a equidade de gênero, por exemplo. Fanon alerta que “num país subdesenvolvido é mister realizar com a maior rapidez a mobilização dos homens e das mulheres. O país subdesenvolvido deve abster-se de perpetuar as tradições feudais que consagram a prioridade do elemento masculino sobre o elemento feminino” (1968, p. 165). Logo, a pauta das mulheres passa a ser a pauta de todos. Fanon evidencia, portanto, seu pensamento de que não há uma verdadeira libertação de uma sociedade enquanto existir classes e categorias privilegiadas; enquanto não houver uma equivalência de sujeitos, o pensamento colonial ainda fará da nação e de deus membros suas eternas marionetes. 
Mais adiante em sua obra, Fanon discute os esforços que muitos intelectuais colonizados fazem em prol de reviver e resgatar uma cultura anterior ao período colonial. Isso decorre do medo de se ver submergido e diminuído diante da cultura do Ocidente. Esses intelectuais, assombrados pelo perigo de perderem-se para seu povo, buscam retomar um contato com as raízes pré-coloniais de sua nação. O autor ainda se aventura a ir mais longe na busca do entendimento desse movimento dos intelectuais e propõe que “talvez essas paixões e essa fúria sejam alimentadas ou pelo menos orientadas pela secreta esperança de descobrir, para além da miséria atual, do desprezo por nós mesmos, dessa demissão e dessa renúncia, uma era extraordinariamente bela e resplandecente que nos reabilite ao mesmo tempo aos nossos próprios olhos e aos olhos dos outros” (FANON, 1968, p. 174). Indo mais longe ainda, Fanon diz que “inconscientemente, talvez os intelectuais colonizados, não podendo enamorar-se da história atual de seu povo oprimido, não podendo admirar sua presente barbárie, deliberaram ir mais longe, mais fundo, e foi com alegria excepcional que descobriram que o passado não era de vergonha, mas de dignidade, de glória, de solenidade” (1968, p. 174-175). Esse desespero de moldar uma cultura nacional baseada nas raízes ignoradas é uma tentativa, portanto, de escapar da supremacia da cultura branca. 
Entretanto, não se trata somente de buscar no passado do povo elementos que possam ir contra os estereótipos e as mentiras contadas pelos colonizadores. O intelectual, para fazer com que o povo se sinta capaz, deve lutar junto a eles, dando-lhes esperança para a construção de um novo futuro. Nas palavras de Fanon, “não é suficiente, portanto, mergulhar no passado do povo para encontrar aí elementos de coesão em face dos empreendimentos falsificadores e negativos do colonialismo. É necessário trabalhar, lutar no mesmo ritmo do povo a fim de determinar o futuro, preparar o terreno onde já se manifestam impulsos vigorosos” (1968, p. 194). 
Segundo Fanon (1968, p. 197-198), o colonizador desarticulou o modo de viver do colonizado, massacrando sua cultura das mais diversas formas, taiscomo negando uma realidade nacional, escravizando homens e mulheres, empurrando os povos autóctones para a periferia, construindo novas relações jurídicas, etc. São todos esforços para que o colonizado se admita inferior, perceba sua cultura como fruto do puro instinto, não veja sua comunidade como uma nação e até mesmo pense que sua própria estrutura biológica seja subalterna. 
Mesmo após a libertação, da tomada de consciência dos povos e das lutas engendradas, a cultura do branco, a cultura ocidental, ainda é sinônimo de cultura, ainda é universalizada. O imaginário sobrevive graças ao imperialismo, grande impedidor de uma autentica libertação, principalmente a nível cultural e propagador da mentalidade colonial. 
Para finalizar, Fanon lembra as consequências do colonialismo na esfera psíquica do colonizado. Para ele, “por ser uma negação sistematizada do outro, uma decisão furiosa de recusar ao outro qualquer atributo de humanidade, o colonialismo compele o povo dominado a se interrogar constantemente: ‘quem sou eu na realidade? ’. As posições defensivas nascidas desse confronto violento do colonizado e do sistema colonial organizam-se numa estrutura que revela então a personalidade colonizada. [...] É preciso recordar, em todo caso, que um povo colonizado não é somente um povo dominado” (FANON, 1968, p. 212). 
Nesse ponto, portanto, Fanon lembra que não é suficiente que se lute apenas pela liberdade do um povo. É necessário, em todo o tempo em que dure o combate, reensinar ao povo e a si mesmo a dimensão do ser humano. O autor diz que “é preciso percorrer os caminhos da história do homem condenado pelos homens e provocar, tornar possível, o encontro de seu povo e dos outros homens” (FANON, 1968, p. 253). Isso tudo porque o colonialismo despersonalizou o sujeito colonizado e essa despersonalização é sentida inclusive coletivamente, afetando as estruturas sociais. É como se o povo colonizado passasse a somente encontrar fundamento na existência quando na presença dos colonizadores; torna-se uma relação de dependência, por mais estranho que possa parecer.

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