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162 R e v is t a d o A d v o g a d o Oreste Nestor de Souza Laspro Advogado. Professor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP. Da expressa proibição à “decisão- -surpresa” no Novo CPC. Sumário 1. Introdução 2. A disciplina do Novo CPC relacionada à veda- ção da “decisão-surpresa” 3. Alcance do art. 10 do Novo CPC às questões cognoscíveis de ofício 4. Consagração da visão contemporânea do princí- pio do contraditório 5. Previsões semelhantes no Direito estrangeiro 6. Repercussões da expressa vedação à “decisão- -surpresa” 7. Considerações finais Bibliografia 1 Introdução Era mesmo de se esperar que o Novo Código de Processo Civil (NCPC) brasileiro expressa- mente contemplasse o direito de os litigantes não serem surpreendidos, na decisão judicial, por fun- damento que não foi por eles anteriormente venti- lado, ou, ainda, de que não lhes foi dado conheci- mento prévio para se manifestarem. Além de se tratar de uma orientação alinhada a avançados ordenamentos estrangeiros, é con- sentânea com o princípio do contraditório (um dos pilares do processo civil brasileiro). Ademais, numa época em que ainda muito se preconiza a efetividade do processo, a previsibilidade da deci- são judicial assume destaque, inclusive, pelo seu /LYURB����LQGE������ ��������������������� D a e x p re ss a p ro ib iç ã o à “ d e c is ã o - su rp re sa ” n o N o v o C P C . 163 R e v is t a d o A d v o g a d o entrelaçamento com a segurança jurídica e pelo seu fundamental papel quanto à própria credibilidade do Poder Judiciário (OLIVEIRA, 2003, p. 194). É nesse contexto que o presente ensaio se de- bruça: com o escopo de elucidar a sistemática do assunto pelo NCPC, quer-se avaliar o alcance e a conveniência da disciplina ali contemplada, além de apontar algumas de suas repercussões no cenário jurídico atual – mas tudo sem pretensão exaustiva, diante dos estreitos limites propostos para este trabalho. 2 A disciplina do Novo CPC relacionada à vedação da “decisão-surpresa” O art. 10 do NCPC1 estabelece: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”. A regra em comento veda o que doutrinaria- mente se chama de “decisão-surpresa”2 ou “decisão de terceira via” – como mais usualmente se refere a processualística italiana (GRADI, 2010, p. 827). Não se tolera um pronunciamento judicial que adota premissas não alvitradas no processo e a res- peito das quais os litigantes não tomaram conhe- cimento para viabilizar o debate. A regra, que se aplica também em âmbito recursal (a lei fala em “grau algum de jurisdição”), alcança as hipóteses em que a decisão se alicerça sobre questões cog- noscíveis de ofício pelo julgador. Com efeito, os fundamentos sobre os quais a “decisão-surpresa” se ampara podem correspon- der a questões de fato ou de direito (SOUZA, 2014, p. 136), envolvendo matéria de direito pro- cessual ou de direito material. Ilustram isso: a declaração incidental de inconstitucionalidade de uma norma,3 o reconhecimento de ofício da prescrição, o reconhecimento de matérias relati- vas a ausência das condições da ação, nulidades ou de pressupostos processuais. Desse modo, vis- lumbrando qualquer uma dessas hipóteses antes de prolatar sua decisão, o juiz deve propiciar a oportunidade para as partes se manifestarem. À proibição de uma “decisão-surpresa” se har- monizam, ainda, outras disposições do NCPC, tais como: o art. 9º, caput (“Não se proferirá deci- são contra uma das partes sem que esta seja previa- mente ouvida”); o parágrafo único do art. 484 (“a prescrição e a decadência não serão reconhecidas sem que antes seja dada às partes oportunidade de manifestar-se”, ressalvada a hipótese do § 1º do art. 3304); o parágrafo único do art. 490 (“Se cons- tatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir”); o § 4º do art. 919 (que condiciona extinção da execução pela pronúncia da prescrição intercorrente à prévia oitiva das par- tes).5 Além disso, o art. 7º assegura aos litigantes a A regra em comento veda o que doutrinariamente se chama de “decisão-surpresa”. 1. Ao longo deste trabalho, as referências aos dispositivos do NCPC levam em conta a numeração do texto consolidado com os ajustes promovidos pela Comissão Temporária do Código de Processo Ci- vil e aprovada pelo Senado Federal em 17/12/2014. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_ mate=116731>. Acesso em: 23 jan. 2015. 2. Em obra específica sobre o tema, conceitua-se: “decisão-surpresa é uma decisão fundada em premissas que não foram objeto de prévio debate ou a respeito das quais não se tomou prévio conhecimento no processo em que é proferida” (SOUZA, 2014, p. 136). Ademais, “Tudo o que o juiz decidir fora do debate ensejado pelas partes corresponde a surpreendê-las” (THEODORO JÚNIOR; NUNES, 2009, p. 125). 3. Reconhecendo que a declaração incidental de inconstitucionali- dade pode se dar ex officio, no controle concreto, vide: SILVA, 2004, p. 15-16. 4. Tal dispositivo prevê expressamente a possibilidade de o magis- trado julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição. 5. A exemplo do teor do art. 40, § 4º, da Lei de Execuções Fiscais, pelo qual o juiz poderá reconhecer de ofício a prescrição intercor- rente somente após ouvir a Fazenda Pública. /LYURB����LQGE������ ��������������������� D a e x p re ss a p ro ib iç ã o à “ d e c is ã o - su rp re sa ” n o N o v o C P C . 164 R e v is t a d o A d v o g a d o paridade de tratamento no processo, “competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. Advirta-se, ainda, que a vedação constante do art. 10 não é absoluta. Nada obstante tal dispo- sitivo não contemple expressa exceção, uma in- terpretação sistemática orientada pelas garantias constitucionais do processo (como a do art. 5º, inciso XXXV) autoriza a conclusão de que situa- ções de urgência com risco de dano irreparável ou de difícil reparação excepcionam a vedação à decisão judicial baseada em fundamento não submetido ao debate das partes (ALMEIDA; GOMES JUNIOR, 2012, p. 163); não há aí qual- quer vulneração ao contraditório e à ampla defe- sa até mesmo porque não se exclui do litigante a possibilidade de se alterar posteriormente aquela decisão (o exercício do contraditório é postergado ou diferido). Ademais, a própria sistemática do NCPC re- força a ideia de que a proibição da decisão-sur- presa tem ressalvas, eis que, no art. 9º, parágrafo único, incisos I a III, se estabelece que nenhuma decisão judicial será proferida contra uma das par- tes sem que esta seja previamente ouvida, exceto nas hipóteses de tutela de urgência e de tutela de evidência ali previstas. 3 Alcance do art. 10 do Novo CPC às questões cognoscíveis de ofício A vedação contida no art. 10 do NCPC se tra- duz na necessidade de oitiva prévia dos litigantes sobre aquelas questões inferidas pelo julgador como possíveis argumentos da decisão, ainda que sejam apreciáveis de ofício ou ainda que se trate de matéria deordem pública. Apesar de a prática forense revelar que as ques- tões de ordem pública são usualmente decididas sem a prévia oitiva das partes, a pretexto de serem matérias apreciáveis de ofício (e, por isso, prescin- direm da manifestação dos litigantes), tal orien- tação – já repudiada pela doutrina antes mesmo do advento do novo Código6 – efetivamente não se sustenta à luz do mencionado art. 10. Com efeito, o exercício do contraditório e a cognição oficiosa do magistrado não se excluem: o juiz age sem o prévio requerimento da parte, mas o con- traditório prévio não pode ser desprezado,7 seja por se tratar de inafastável garantia constitucional (Constituição Federal – CF, art. 5º, inciso LV), seja porque a coleta de informações pelo juiz ou tribunal pode ser proveitosa, convencendo-o – por exemplo – da desnecessidade, inadequação ou im- procedência da decisão que iria tomar (OLIVEIRA, 1993, p. 35). Somente após efetivo contraditório, portanto, a matéria de ordem pública (ou a questão apreciá- vel sem o requerimento da parte) pode ser adotada como motivo da decisão judicial. Essa providên- cia deve ser observada pelo magistrado, inclusive, na hipótese de embargos de declaração recebidos excepcionalmente com efeito modificativo (BEDAQUE, 2011). 4 Consagração da visão contemporânea do princípio do contraditório A concepção moderna que a ciência processual tem do princípio do contraditório vai além do bi- nômio “informação e reação” – explorado por La China (1970, p. 394); agrega-se também a ideia de que a participação dos litigantes deve ser incenti- vada pelo juiz, o qual, de sua vez, deve zelar para que haja um diálogo entre ele e as partes, a influir no resultado do julgamento (e a culminar, inclusi- ve, no que parte da doutrina processual referencia como um modelo de “cooperação” ou “colabora- ção” no processo) (BUENO, 2008, p. 55). 6. Cf. NERY JUNIOR, 2009, p. 227; OLIVEIRA, 1993, p. 35, entre outros. 7. A propósito, a Exposição de Motivos da comissão de juristas encar- regada da redação do Anteprojeto do Novo Código já explicitava tal ordem de ideias: “Está expressamente formulada a regra no sentido de que o fato de o juiz estar diante de matéria de ordem pública não dispensa a obediência ao princípio do contraditório”. /LYURB����LQGE������ ��������������������� D a e x p re ss a p ro ib iç ã o à “ d e c is ã o - su rp re sa ” n o N o v o C P C . 165 R e v is t a d o A d v o g a d o Nessa perspectiva, desdobra-se a ideia de que os litigantes têm o direito de influenciar na pre- paração da decisão que será prolatada e o juiz tem o dever de consultar as partes, chamando-as para se manifestarem sobre pontos que ele vislumbra como relevantes para a decisão a ser tomada. O contraditório, nesses termos, coloca-se para o liti- gante como uma garantia de influência e também uma garantia de “não surpresa” (já que o julgador não decidirá fora do que foi submetido ao debate). É acertado concluir, nesse contexto, que o art. 10 do NCPC dá concretude ao princípio do contra- ditório e consagra a perspectiva atual que se tem do postulado, já que aquela norma, ao fomentar um de- bate prévio sobre os fundamentos da futura decisão, impõe o “dever de consulta” ao magistrado, além de assegurar à parte a garantia de influência (na livre convicção do juiz) e a garantia de “não surpresa”. Conquanto autorizada doutrina afirme que a orientação do art. 10 tenha sabor de novidade (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 74; WAMBIER, 2013), deve ser lembrado que outras prestigiosas vozes (THEODORO JÚNIOR; NUNES, 2009, p. 125; NERY JUNIOR, 2009, p. 227) já susten- tavam existir a vedação à “decisão-surpresa” em nosso sistema, mesmo sem uma lei específica, pois se trata de uma decorrência direta do prin- cípio do contraditório (como garantia constitu- cional prevista no art. 5º, inciso LV, combinado com o art. 5, § 1º, da CF), cuja concepção mais moderna não tolera que o litigante seja surpreen- dido por decisão embasada em dados estranhos à dialética travada no processo. Entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também acompanham tal linha de pensamento.8 Nesse contexto, a regra contida no art. 10 do NCPC não seria exatamente uma inovação.9 De qualquer maneira, temos que o art. 10 do NCPC consolida um avanço em nosso ordena- mento, seja por se harmonizar com a moderna ótica que a ciência processual tem do contraditó- rio, seja por reforçar no plano infraconstitucional a existência de direitos e deveres dos participantes do contraditório (no que se inclui o juiz), a ponto de espancar dúvidas existentes quanto à delicada questão de se fomentar o debate prévio sobre ma- téria apreciável de ofício pelo julgador. 5 Previsões semelhantes no Direito estrangeiro O teor do art. 10 do NCPC segue o que orde- namentos processuais de vanguarda contemplam sobre a proteção contra a “decisão-surpresa”. Des- taque-se: i) no sistema francês, o art. 16 do Noveau Code de Procédure Civile estabelece que o juiz não pode fundamentar sua decisão sobre uma ques- tão de direito que ele próprio suscitou de ofício, sem conceder oportunidade de manifestação às 8. A título exemplificativo, vide caso em que o STJ repudiou a decisão ex officio tomada no âmbito de expropriatória indireta sem suporte em pedido expresso da parte interessada e sem assegurar ao interes- sado o contraditório e a ampla defesa “apanhando-o de surpresa” (REsp nº 153828-SP, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 1º/3/1999). Em outro julgado, deparou-se o STJ com sentença fundamentada com base na impossibilidade legal de o Inmetro impor multa; todavia, tal premissa não foi previamente debatida entre os litigantes, o que levou o STJ a reconhecer que o juiz impôs surpresa às partes, anu- lando o decisum (REsp nº 496348-PR, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 10/12/2010). Registre-se, todavia, em sentido divergente, situação em que o STJ já permitiu que o magistrado tomasse decisão ex officio sem a necessidade de propiciar o prévio debate ou sem qualquer prévia advertência às partes: “Inexiste surpresa na inversão do ônus da prova apenas no julgamento da ação consumerista. Essa possibilidade está presente desde o ajuizamento da ação e nenhuma das partes pode ale- gar desconhecimento quanto à sua existência” (REsp nº 1125621-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 7/2/2011). 9. Didier Jr. (2014, p. 236) trata o art. 10 do NCPC como uma “pseu- donovidade normativa”, por se incluir no rol de enunciados que “reforçam, ratificam, confirmam, corroboram etc. a compreensão atual do direito processual civil brasileiro, construída antes da vigên- cia do novo CPC”. Os litigantes têm o direito de influenciar na preparação da decisão que será prolatada. /LYURB����LQGE������ ��������������������� D a e x p re ss a p ro ib iç ã o à “ d e c is ã o - su rp re sa ” n o N o v o C P C . 166 R e v is t a d o A d v o g a d o partes;10 trata-se de disposição aplaudida já há um certo tempo pela doutrina brasileira, rotulando-a como “sábia” e “inspiradora” (DINAMARCO, 2000, p. 135); ii) o art. 3º, n. 3, do CPC português dispõe que não é lícito ao magistrado, “salvo caso de manifes- ta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Com tom crítico, a doutrina lusitana aponta que, à míngua de umcritério legal objetivo, a jurisprudência acaba deli- berando as situações que se enquadram como de “manifesta desnecessidade” (FREITAS; REDINHA; PINTO, 2008, p. 10); iii) o § 139 do CPC alemão (ZPO) proíbe qualquer decisão que se apresente como surpre- sa aos litigantes, sob pena de nulidade (CRUZ E TUCCI, 2005, p. 12-22); há registro de que o legislador alemão, ao instituir a regra, tinha o ob- jetivo da redução do número de recursos, na linha de que a previsibilidade sobre o provável desfecho do processo poderia propiciar satisfação às partes com a sentença proferida (BARBOSA MOREIRA, 2004, p. 201); iv) o art. 183, § 4º, do CPC italiano prevê o dever de o magistrado indicar às partes as ques- tões cognoscíveis de ofício que pretende utilizar como fundamento da decisão; no mesmo senti- do, o art. 384, § 4º, disciplina o tema no juízo de cassação; mais recentemente, a reforma italiana levada a efeito pela Lei nº 69/2009 alterou o art. 101 do CPC, autorizando o juiz a utilizar uma questão conhecida de ofício como fundamento de sua decisão, desde que ouça as partes previa- mente – e tudo sob pena de nulidade; ao fixar tal sanção (ou consequência) para a decisão- surpresa, o teor do art. 101 eliminou boa parte de inflamadas discussões doutrinárias e jurispru- denciais até então existentes (sobre ser nulo – ou não – tal pronunciamento judicial) (GRADI, 2010, p. 828-833). Embora não seja o caso, nos limites deste tra- balho, de tecer comparações, registre-se que o ca- minho já trilhado por legislações estrangeiras (so- bre o tema aqui tratado) anuncia a possível vinda de dúvidas sobre o que pode ou não ser considera- do “surpreendente”, bem como a constatação de eventuais imperfeições da sistemática do NCPC, traduzindo-se em discussões a serem pacificadas pela jurisprudência. De outra parte, a experiên- cia estrangeira também nos mostra que a direção adotada pelo novo Código brasileiro (consolidan- do o princípio do contraditório em sua moderna acepção e a confirmar que o reconhecimento de questões de ordem pública deve ser precedido de consulta às partes) não nos afasta da busca do pro- cesso justo e efetivo. 6 Repercussões da expressa vedação à “decisão-surpresa” Dentre outras repercussões que o teor do art. 10 do NCPC pode trazer, cabe mencionar em apertadíssimas linhas: i) a releitura da aplicação do aforismo iura novit curia: o brocardo, que confere ao magistrado a possibilidade de se valer de norma não invoca- da pelas partes para aplicá-la ao caso concreto, deve ser redimensionado, a ele se acrescentando a noção de que tal possibilidade não dispensa a prévia manifestação das partes sobre a qua- lificação jurídica que pretende dar aos fatos e fundamentos do pedido – e tudo como forma de concretizar o contraditório e evitar surpresas ao jurisdicionado;11 ii) há críticas no sentido de que o NCPC deveria especificar qual a consequência ou sanção para a prolação da decisão desconforme com o art. 10: a ineficácia (MARINONI; MITIDIERO, 10. Cf. GRADI, 2010, p. 827; LEONEL, 2010, p. 126-127. 11. O entendimento endossado por Oliveira (1993, p. 135) e Trocker (1974, p. 369), que trataram do princípio do contraditório pelo prisma da cooperação, é também hoje confirmado por Souza (2014, p. 173). /LYURB����LQGE������ ��������������������� D a e x p re ss a p ro ib iç ã o à “ d e c is ã o - su rp re sa ” n o N o v o C P C . 167 R e v is t a d o A d v o g a d o 2010, p. 76). Em nosso sentir, todavia, a prolação da decisão-surpresa conduz ao decreto de nulida- de, por violar o princípio do contraditório e pro- piciar cerceamento de defesa (o grave vício dessa decisão consiste justamente no afastamento de um modelo previsto na CF). De toda maneira, a crítica ora em comento prenuncia o que ocorreu no sistema italiano: o surgimento de variadas dis- cussões sobre ser nula – ou não – a “decisão de terceira via” (o que culminou com a alteração do CPC daquele país, com o acréscimo, no art. 101, da sanção da nulidade para a “decisão-surpresa”); iii) alegação de “prejulgamento” e de impar- cialidade do juiz: não se sustenta a ideia de que a intimação prévia das partes – para falarem sobre matéria de ofício – seria indicativo de prejulga- mento da causa, pois aí se vislumbra a oportunida- de para o juiz verificar se a decisão que iria tomar é acertada – ou não; tampouco existe parcialidade nesta postura, já que o juiz age sem armadilhas ou surpresas para com todos os litigantes do processo. Ad argumentandum, um magistrado que detecta uma decisão de ofício e não previne os litigantes a tal respeito também correria o risco de beneficiar uma parte em detrimento da outra; e se ele corre o risco de ser parcial viabilizando o debate prévio ou sendo omisso, é preferível aquela primeira op- ção, mais alinhada à segurança jurídica (SOUZA, 2014, p. 166); iv) a celeridade e o princípio da duração razoá- vel do processo podem ceder espaço para o princí- pio do contraditório: forçoso reconhecer que retar- damentos podem acontecer quando o juiz viabiliza o debate prévio sobre questões ainda não ventiladas no processo; mas tal situação não se traduz em ine- fetividade e nem pode autorizar o sacrifício do con- traditório, pilar do processo civil brasileiro. 7 Considerações finais Sem prejuízo das reflexões pontuais trazidas a este ensaio, cumpre finalizar com o destaque de que o art. 10 do NCPC regulou o exercício do con- traditório, encampando o que já preconizava pres- tigiosa doutrina, alinhando-se, ainda, com julgados do STJ e com a vanguarda da legislação processual civil estrangeira. A despeito de críticas e aspectos negativos, maiores são os benefícios com a postura de sempre ouvir todos aqueles que, de algum modo, podem contribuir para uma melhor decisão. /LYURB����LQGE������ ��������������������� D a e x p re ss a p ro ib iç ã o à “ d e c is ã o - su rp re sa ” n o N o v o C P C . 168 R e v is t a d o A d v o g a d o Bibliografia ALMEIDA, Gregório Assagra de; GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. Um Novo Código de Processo Civil para o Brasil: análise teórica e prática apresentada ao Senado Federal. Rio de Janeiro: GZ, 2012. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Breve notícia sobre a reforma do processo civil alemão. In: ______. Temas de direito processual: oitava série. Rio de Janeiro: Forense, 2004. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Novo CPC: expectati- va favorável. Carta Forense, 2011. Disponível em: <http:// www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/novo-cpc- expectativa-favoravel/7877>. Acesso em: 23 jan. 2015. BUENO, Cassio Scarpinella. 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