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LEITURA Dossiê SISTEMA CARCERÁRIO

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TERCEIRA SÉRIE 
A crise no sistema carcerário (Professora Mônica)
Data: _____/_____/2017
COLETÂNEA
LEITURA 1: O país da barbárie
Vivemos em uma guerra civil?
Mino Carta
Revista Carta Capital, 08.01.2017 
http://www.cartacapital.com.br/revista/934/o-pais-da-barbarie
O massacre amazônico espanta o mundo. Os jornais europeus e norte-americanos dedicam manchetes aos terrificantes eventos do remoto Brasil, cada vez mais remoto. Não percebem que a barbárie tem sua origem, definida e detectável. Comovem-se com a chance de multiplicar as tiragens e as audiências. O golpe de 2016, que leva ao poder um governo ilegítimo e celebra a falência das instituições, não logrou despertar o mesmo interesse da mídia internacional. É o momento das cabeças cortadas, e não são aquelas de Luís XVI e Maria Antonieta.
Não esperemos, ao menos por ora, por maiores atenções por parte de quem é incapaz de se dar conta da singularidade brasileira, de um país, de resto, onde há muito tempo a criminalidade mata mais do que a guerra civil na Síria. Mas não seria a nossa, também e a seu modo, uma guerra civil? E quem haveria de importar-se, se os próprios brasileiros não se importam?
A barbárie começa pela traição cometida pelos donos do poder em relação às dádivas com que a natureza nos premiou como nenhum outro país. E não é barbárie a indiferença de ricos e remediados diante da miséria que os rodeia? E não o são as condições deploráveis da saúde e da educação públicas? Ou, para chegar ao detalhe, não é barbárie o sofrimento de metade da população privada até hoje de saneamento básico?
A barbárie está no singular, maligno golpe de 2016 e nos resultados, no desastre institucional, no comportamento de uma mídia entregue à propaganda em lugar do jornalismo. E bárbaro é o caos em que os golpistas nos mergulharam, a névoa cada vez mais densa a nos cercar. É tanta barbárie que, na qualidade de campeões mundiais da criminalidade, em pleno caos certamente elevaremos nossos índices terrificantes.
E não são bárbaros os juros de 14% para fazer do Brasil o paraíso da usura enquanto a indústria implode? E não é bárbara a rendição ao mais torpe neoliberalismo? E que dizer da ignorância geral e irrestrita, do ódio de classe, da impossibilidade de diálogo, do racismo negado embora evidente?
Nossa bárbara unicidade, nossa inexorável medievalidade são próprias do país onde, a rigor, a dicotomia direita-esquerda nunca teve sentido. A verdadeira é outra, casa-grande e senzala.
LEITURA 2: Do Carandiru a Manaus, Brasil lota presídios para combater tráfico sem sucesso
Política de encarceramento em massa decorrente da guerra às drogas vai na contramão da tendência mundial
São Paulo, 03.01.2017
Revista ElPaís
http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/03/politica/1483466339_899512.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM
A realidade medieval do sistema penitenciário nacional, invisível para parte da população, por vezes explode como uma bomba e traz à tona a indiferença com que o Brasil trata a questão. O país, que já foi citado em diversos relatórios de Direitos Humanos da ONU pelas condições deploráveis de seus cárceres, tem um histórico de tragédias ocorridas atrás das grades. A maior delas no Carandiru, em 2 de outubro de 1992, quando a intervenção desastrosa da Polícia de São Paulo para conter uma rebelião na Casa de Detenção, na capital paulista, terminou com 111 presos assassinados.
Mais de 24 anos depois, no primeiro dia de 2017, ocorre o segundo maior massacre do sistema carcerário: uma briga de facções deixou 56 detentos mortos no Complexo Penitenciária Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. Esquartejados e decapitados. Apesar destas tragédias de larga escala que ganham manchetes quando aparecem imagens chocantes de cabeças degoladas e corações erguidos como troféus nos presídios, especialistas apontam que o sistema penitenciário brasileiro é uma "máquina de moer pobres" que opera todos os dias. A maioria dos 622.202 detentos que lotam os presídios brasileiros tem um perfil semelhante. Mais de 60% são negros, a maioria jovens, e 75% deles têm até o ensino fundamental completo, segundo dados do Ministério da Justiça.
“Não só nada mudou do Carandiru para o Compaj, mas a situação piorou”, afirma André Bezerra, presidente da Associação Juízes Pela Democracia. “O sistema penitenciário é uma máquina de moer pobres”, afirma Bezerra, numa menção ao perfil dos encarcerados no país. Segundo ele, o Brasil “mergulhou de cabeça” nas políticas de encarceramento em massa e guerra às drogas importadas dos Estados Unidos. “Foram as maneiras adotadas aqui para lidar com a violência e a criminalidade”, diz. “Só que você vai construindo prisões e elas vão enchendo. E isso não acarretou uma redução da violência ou do tráfico. Pelo contrário. Favorece quem? O crime organizado. É combustível para o crime”, afirma.
São Paulo tem a maior população carcerária do país. Desde os anos de 1990 o Estado investiu pesado na ampliação de vagas no sistema carcerário. Apesar da construção de 22 unidades prisionais nos últimos seis anos (a grande maioria delas já lotadas), o Primeiro Comando da Capital, facção criminosa paulista, apenas se fortaleceu e se espalhou por todo o país – e até para vizinhos da América do Sul. Das oito unidades recém-construídas em São Paulo pelo Governo de Geraldo Alckmin (PSDB), cinco já estão superlotadas. A penitenciária de Piracicaba, por exemplo, inaugurada em julho de 2016 para abrigar até 847 presos já tem uma população de 1213 pessoas. Os dados são da Secretaria de Administração Penitenciária. “A Constituição de 1988 priorizava as liberdades da população sobre o poder punitivo do Estado. Mas desde sua promulgação até hoje, este poder punitivo apenas cresceu”, diz o magistrado.
Para Bezerra o mais alarmante é que o Brasil anda na contramão do mundo no que diz respeito à política carcerária. “Os Estados Unidos, país que criou a política de guerra às drogas e que possui a maior população carcerária do mundo, já começa a rever a estratégia, com flexibilização de penas e descriminalização das drogas”, diz. Mas no Brasil, “o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, quer aprofundar ainda mais o punitivismo, e fala até em erradicar a maconha do continente”. Dados do Ministério da Justiça apontam que a maioria dos presos do país foi detido por tráfico de drogas (28%), ante 25% por roubo, 13% por furto e 10% por homicídio.
Dentre os países com maior população carcerária, o Brasil é o campeão de superlotação
Atualmente o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo - 622.202 pessoas atrás das grades. Mas em algumas décadas o país pode superar Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237) se continuar a prender nesse ritmo. De acordo com o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgado pelo Ministério da Justiça em abril de 2016, a taxa de aprisionamento no Brasil cresceu 67% entre 2004 e 2014. Segundo o estudo, o Brasil vai na contramão dos demais países com grande população carcerária, que vem diminuindo a taxa de prisões.
As condições de detenção aqui também são piores. De acordo com dados do International Centre for Prison Studies, dentre os países com maior população carcerária, o Brasil é o campeão de superlotação: a taxa de ocupação dos presídios aqui é de 147%. Nos Estados Unidos é de 102,7%, na Rússia de 82,2% e na China é desconhecida. Parte dessa superlotação se explica pela lentidão na Justiça para analisar os processos dos réus. Entre os detentos brasileiros, 40% são provisórios, ou seja, não foram condenados em primeiro grau e ainda aguardam julgamento. O diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato De Vitto, afirmou que “dessas pessoas que ficam presas provisoriamente, 37% delas, quando são sentenciadas, são soltas”. Ou seja, mais de um terço dos presos provisórios são julgados inocentes. “Isso indica que temos de fato um excessivo uso da prisão provisória no Brasil”, diz. De acordo com o Depen, em todos os Estados do país há presosaguardando julgamento há mais de 90 dias.
A atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia, já admitiu que há uma violação flagrante nas prisões brasileiras em relação ao que está previsto na lei: “É um problema mesmo de número excessivo, sem condições de, portanto, dar cumprimento integral ao que foi determinado pelo Supremo, qual seja, fazer com que as pessoas estejam lá em condições de dignidade". Seu colega Gilmar Mendes, já fez alerta semelhante, chamando as cadeias de “escolas de crime”. “Se o Estado não propicia o mínimo de garantia, alguém propicia. A seu modo. E exige contrapartida”, disse ele em 2014, em referência às facções que dominam o sistema prisional brasileiro.
Se o Estado não propicia o mínimo de garantia, alguém propicia
Mendes chamou a atenção, ainda, para o fato de os brasileiros se mostrarem “indiferentes” e “anestesiados” com a barbárie que ocorre dentro dos muros. Bezerra concorda. “Para uma parcela da sociedade e para o Estado, os presos são a ralé: pessoas que não estão no mercado de trabalho nem consumo, logo são jogadas dentro destas masmorras”, diz Bezerra. Ricardo André de Souza, subcoordenador de defesa criminal da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, afirma que o sistema de Justiça Criminal e o decorrente processo do encarceramento em massa agem de “forma seletiva”. “O impacto maior é sentido nas camadas mais vulneráveis, nos estratos sociais mais baixos”, que acabam tendo que lidar com o “o estigma que paira sobre ex-presidiários e seus familiares”.
Além do impacto social de aprisionar milhares de pessoas, Souza lembra que "existe também uma questão orçamentária: a prisão custa caro aos cofres públicos”. No final de 2016 a ministra Cármen Lúcia afirmou que um preso custa 13 vezes mais do que um estudante no Brasil. “Um preso no Brasil custa 2.400 por mês e um estudante do ensino médio custa 2.200 por ano”, disse a magistrada. Ela concluiu, citando uma frase do antropólogo Darcy Ribeiro, que afirmou em 1982 que “se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios”. “O fato se cumpriu. Estamos aqui reunidos diante de uma situação urgente, de um descaso feito lá atrás”, disse a ministra. 
LEITURA 3: Lobistas do massacre
Leandro Fortes
Revista Fórum, 05/01/2017
http://www.revistaforum.com.br/2017/01/05/leandro-fortes/
A Umanizzare Gestão Prisional Privada, empresa responsável pelo presídio privado onde ocorreu o recente massacre de presos, em Manaus, mantém um lobista de plantão no Congresso Nacional: o deputado Silas Câmara, do PSD do Amazonas.
Em 2014, ela doou 200 mil reais para a campanha a deputado federal de Silas. Expoente da chamada “bancada da bala”, Silas foi um dos 43 parlamentares responsáveis, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, pela aprovação da admissibilidade da PEC 171/1993 – que prevê a redução da maioridade penal para 16 anos. Ou seja, o nobre parlamentar trabalha para garantir carne fresca para os presídios privados da Umanizzare – ao todo, seis, no Amazonas, e dois, em Tocantins.
Também em 2014, a esposa de Silas, a bispa da Assembleia de Deus Antônia Lúcia Câmara (PSC-AC), candidata a deputada federal, recebeu 400 mil reais da Umanizzare. No mesmo ano, a filha do casal, Gabriela Ramos Câmara (PTC-AC), então candidata a deputada estadual, recebeu 150 mil reais. Então, apenas com a família Câmara, a Umanizzare investiu nada menos que 750 mil reais!
Detalhe: ano passado, o Supremo Tribunal Federal – STF condenou Silas Câmara a 8 ANOS DE PRISÃO por uso de documento falso e falsidade ideológica. Ele só não está em cana porque o crime prescreveu antes da condenação. A bispa Antônia Lucia, mulher de Silas, eleita deputada federal em 2010, foi CASSADA, em 2011, também por falsidade ideológica, formação de caixa dois e compra de votos, no Acre. Ela é do mesmo partido de Marco Feliciano e Jair Messias Bolsonaro.
É esse o nível dos políticos que estão por trás dos interesses do bilionário negócio de presídios privados, no Brasil. E estão todos com as mãos sujas de sangue, impunemente, pelo menos até agora.
LEITURA 4: “As facções criminosas são subprodutos do aprisionamento em massa”
Para Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a prisão só deveria ser aplicada para crimes mais graves. 
Rodrigo Martins
Carta Capital, 06.01.2017
http://www.cartacapital.com.br/politica/201cas-faccoes-criminosas-sao-subprodutos-do-aprisionamento-em-massa201d
No Brasil, a população carcerária não para de crescer: passou de 232,7 mil presos no início dos anos 2000 para 622,2 mil em 2014. Desse total, 40% são detentos provisórios, isto é, que ainda nem sequer foram julgados. Entre os sentenciados, 46% estão encarcerados por crimes contra o patrimônio e 28% por infringir a Lei de Drogas.
Se o encarceramento em massa resolvesse o problema da violência, o País seria considerado um dos mais seguros, pois possui a quarta maior população carcerária do planeta, atrás apenas de EUA, Rússia e China. Em vez disso, é um dos recordistas mundiais em número de homicídios: 59,6 mil por ano, atesta o Mapa da Violência 2016.
“Na verdade, o PCC é subproduto do aprisionamento em massa de São Paulo, assim como o Comando Vermelho é fruto do inchaço das cadeias no Rio de Janeiro. Graças à ineficiência das políticas públicas, esses grupos conseguiram transformar as prisões em escritórios do crime, nos quais são tomadas as decisões de seus negócios ilícitos”, afirma Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
CartaCapital: O que move essa disputa entre as facções criminosas?

Renato Sérgio de Lima: O PCC, o Comando Vermelho, todos esses grupos criminosos visam o lucro. A questão das facções é econômica. Eles disputam espaços, rotas de tráfico de drogas e armas, este último um negócio até mais lucrativo. Ou seja, as facções só crescem porque há mercado.  E também porque o Brasil não enfrenta problemas estruturais, como a adoção de uma politica de drogas mais moderna, como os Estados Unidos fez recentemente, ou a questão das penas alternativas ao encarceramento. Na verdade, o PCC é subproduto do aprisionamento em massa de São Paulo, assim como o Comando Vermelho é fruto do inchaço das cadeias no Rio de Janeiro. Graças à ineficiência das políticas públicas, esses grupos conseguiram transformar as prisões em escritórios do crime, nos quais são tomadas as decisões de seus negócios ilícitos.
CC: Então, no fundo, a origem desse problema está no sistema carcerário?

RSL: Sim. Lamentavelmente, o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público atuam de forma descoordenada e pouco planejada. O crime organizado cresce nessa margem e só se desestabiliza quando há alguma disputa entre essas facções pelo domínio do comércio de drogas em determinada região ou pelo controle de uma rota do tráfico. Então temos uma guerra, como a que o País está vivenciando agora, em que os modelos do PCC estão tensionando os arranjos anteriores.
CC: Separar as facções em alas ou presídios diferentes pode amenizar o problema ou é apenas um paliativo?
RSL: É uma medida de curtíssimo prazo, não pode ser encarada como uma política penitenciária. Precisa ser adotada em caráter emergencial porque é a única forma para evitar novas matanças. Contudo, quando reduzimos a política prisional a isso, reconhecemos o fracasso do Estado. Precisamos avançar em outros pontos. Deixar preso quem realmente precisa estar preso. Ou seja, prender melhor, aqueles que cometem crimes mais graves, e pensar em medidas alternativas para os demais.
CC: Os Estados Unidos estão revendo aspectos da sua política de encarceramento em massa e da chamada “guerra às drogas”. O que eles estão mudando e que poderia servir de inspiração para o Brasil?

RSL: Para começar, vários estados americanos decidiram legalizar a maconha, deixando de lado a criminalização do consumo de drogas. Passaram a tratar a questão comoum problema de saúde pública.  É um passo fenomenal. Uma quantidade enorme de pessoas deixaria de ser presas com essa nova abordagem, aliviaria o sistema carcerário. O Conselho Nacional de Justiça poderia instruir os magistrados a priorizar a prisão para crimes mais graves, como homicídio ou estupro. É preciso mudar a política criminal, a forma como as instituições interpretam a legislação. É algo perfeitamente cambiável, basta ter vontade política.
LEITURA 5: Plano nacional de segurança é “mais do mesmo”, dizem especialistas
Kiko Nogueira
Diário do Centro do Mundo (DCM), em 07.01.2017
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/plano-nacional-de-seguranca-e-mais-do-mesmo-dizem-especialistas/
Após duas matanças em presídios que deixaram ao menos 89 mortos nesta semana, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, apresentou detalhes do Plano Nacional de Segurança, uma iniciativa que começou a ser gestada no governo Dilma. A ideia original do governo era anunciar a íntegra do plano somente no final do mês, junto com secretários de segurança estaduais, mas as dezenas de mortes no massacre que ocorreram em presídios do Amazonas e de Roraima e as críticas à forma como presidente Michel Temer lidou com o primeiro episódio acabaram antecipando o lançamento.
Em cerca de duas horas de explicação, Moraes usou palavras-chave como “integração”, “cooperação” e “colaboração” para sintetizar o plano, que contém 62 páginas, todas organizadas como uma apresentação de PowerPoint. O ministro também afirmou que o plano pretende reduzir homicídios e a violência contra mulheres; combater o crime organizado; e modernizar sistema penitenciário.
A ideia é começar a implementar alguns pontos do plano, como uma meta para a redução de homicídios, já a partir de fevereiro nas cidades de Natal, Porto Alegre e Aracaju. Em relação a ações específicas, Moraes disse que o governo vai investir na construção de mais presídios estaduais e cinco federais e na modernização de outro; no aumento do efetivo da Força Nacional de Segurança; e na criação de unidades de inteligência integradas em todos os estados brasileiros (com representantes das polícias Federal, Rodoviária Federal, Militar, Civil e da Força Nacional de cada estado).
O ministro citou ainda a realização de novos mutirões carcerários para tentar diminuir nas penitenciárias a quantidade de presos provisórios (pessoas detidas sem julgamento). O governo também afirmou que pretende aumentar a cooperação com países vizinhos para reforçar o controle de fronteiras. O plano, no entanto, não apresenta prazos definidos para implementação de várias medidas. O ministro também disse que os Estados que devem receber os novos presídios federais ainda não foram escolhidos. Tampouco se falou quanto eles vão custar. Não há detalhamento de como será feita a colaboração com outros países.
Várias medidas também já constavam em planos anteriores apresentados nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2010-2016), que pouco fizeram para frear o crescimento de homicídios e outros crimes no país. O incentivo a mutirões de audiências de custódia em presídios também já foi posto em prática no passado com a ajuda do Conselho Nacional de Justiça, mas a iniciativa perdeu força quando os tribunais de Justiça estaduais assumiram a responsabilidade. Atualmente, 42% da população carcerária do país é formada por presos provisórios.
“Cortina de fumaça”
Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, o plano apresentado pelo governo Temer é “mais do mesmo” do que já vem sendo feito há décadas no Brasil, sem resultados construtivos. Eles também criticaram a forma como o documento foi divulgado – a apresentação ocorreu um dia após o presidente Temer ter provocado reprovação ao classificar o massacre no Amazonas como um “acidente pavoroso”.
“Ampliar vagas e construir presídios sem pensar em reformar todo o sistema de Justiça é ineficaz. Esses planos sempre apresentam objetivos ambiciosos, mas não passam de cartas de intenção. É mais do mesmo”, afirma Pedro Bodê, coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná. “Claro que alocar mais recursos para a segurança é positivo, mas os estados já gastam bastante na área e não conseguem ser eficientes. Não é uma questão quantitativa, mas qualitativa. Planos mais ambiciosos como as UPPs no Rio de Janeiro fracassaram”. 
O especialista também duvida da força do governo Temer para implementar o plano. “Se governos como o de Dilma e Lula fracassaram nessa área, por que um governo encarado como provisório, que tem problemas de legitimidade, vai ser bem-sucedido?”, questiona. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, Martim Sampaio, concorda que o plano parece mais uma ação midiática. “O anúncio tem apenas um efeito pirotécnico, que ajuda a criar uma cortina de fumaça. Muitas dessas coisas já foram anunciadas ou já existem, como as agências de inteligência, que na prática acabam servindo para espionar cidadãos, e não combater o crime”. 
Sampaio também critica outras medidas do plano. “Todos os governos anunciam a criação de novos presídios, o aumento de efetivo e o endurecimento de penas. Estamos criando um país de encarcerados. Os governos não levam em consideração as questões sociais que resultam em tanta criminalidade”, diz. “Já o mutirão carcerário, apesar de útil, e também uma admissão do fracasso do sistema penal. Eles não seriam necessários se não ocorressem tantas distorções.”
“Guerra às drogas”
Para Juana Kweitel, diretora-executiva da ONG de direitos humanos, a Conectas, o plano do governo Temer também falha ao não apresentar uma nova abordagem para o problema do encarceramento em massa provocado pelo combate ao tráfico. “O ministro apresentou tudo isso como uma nova filosofia, mas não há nada inovador. Não foi falado de soluções novas para a falida ‘guerra às drogas’, uma das causas da explosão do sistema carcerário. A principal medida parece ser a construção de novos presídios”, critica. “Também se falou da criação de um laboratório nacional, mas não se discutiu retirar os institutos médicos legais da alçada das secretarias de segurança, tornando-os independentes, o que poderia ajudar a combater a ocultação de violência policial”, conclui.
LEITURA 6: Para especialistas, caos no sistema penitenciário é regra em todo o país
Presos são transferidos após rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM
Fernanda Mena
Folha de São Paulo, 03.01.2017
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/01/1846549-para-especialistas-caos-nas-prisoes-e-regra-em-todo-o-pais.shtml
Superlotação, condições precárias de instalações e domínio do local por facções criminosas, o que gerava "um contexto de fortes disputas e tensionamentos". Relatório de janeiro de 2016 do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura, que visitou o Complexo Penitenciário Anísio Jobim, já apontava o caos onde nesta segunda (2) 56 presos foram assassinados.
Segundo especialistas ouvidos pela Folha, essa matança em Manaus (AM) é uma tragédia anunciada. E essa conjuntura não é exclusividade do Estado. Pelo contrário, é quase regra nacional. "Nos últimos cinco anos, a população carcerária cresceu de maneira absurda [são mais de 600 mil pessoas] a partir de prisões provisórias, via de regra por crime de tráfico", aponta o sociólogo Arthur Trindade, ex-secretário da Segurança Pública do DF. A prisão provisória é aquela em que o sujeito vai preso antes de ser julgado, em geral a partir de um flagrante policial, isto é, quando é preso no ato do delito.
Por isso, a maior parte dos presos em flagrante são aqueles que estão traficando ou que foram pegos após furto ou roubo. No Amazonas, 58% dos presos no sistema são provisórios, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, o Depen, ligado ao Ministério da Justiça. "Não dá pra discutir o problema prisional sem discutir o problema da segurança pública. Enquanto houver uma política de aumentar as detenções,não vamos resolver ou administrar a questão penitenciária nem diminuir a criminalidade", afirma. Isso porque, segundo o sociólogo, estamos lotando nossos presídios com pequenos traficantes ou batedores de celular, o que "traz resultados pífios na redução da criminalidade e da violência" e torna o sistema "inadministrável".
Ele exemplifica o nó desta política com o caso do Distrito Federal: "Todos os dias, 30 pessoas são presas aqui em flagrante. Em um mês, são 600 presos. Ou seja, seria necessário construir uma nova unidade prisional por mês para dar conta desse fluxo". Para ele, a ênfase deveria ser na aplicação de penas alternativas nos casos em que ela é prevista.
Trindade aponta ainda para a retirada de recursos do Funpen (Fundo Penitenciário Nacional), por meio de medida provisória editada nos últimos dias de dezembro, como agravante do quadro geral do sistema prisional.
A MP destina até 30% do superávit dos recursos do Funpen para o Fundo Nacional da Segurança Pública, além de diminuir o repasse de recursos para o Funpen de 3% da arrecadação da loteria para 2,1%. A mesma medida repassou R$ 1,2 bilhão em recursos do fundo aos Estados.
FACÇÕES
Além da superlotação, o fluxo de presos provisórios no sistema penitenciário coloca réus primários e criminosos não-violentos em ambientes comandados por facções criminosas. "Essas organizações vendem proteção, portanto quem ingressa no presídio precisa se solidarizar com alguma facção para sobreviver", explica ele.
Camila Nunes Dias, professora da UFABC e autora do livro "PCC: Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência" (Saraiva, 2013), diz que o PCC tem se expandido pelo país, dentro e fora dos presídios.
A organização criminosa criada em São Paulo é hegemônica também nos Estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, onde controla rotas de tráfico de drogas do Paraguai e da Bolívia que abastecem o Sudeste brasileiro. "Já a Família do Norte é uma facção predominante no Amazonas e no Pará e, mesmo sendo um grupo regional, é muito importante na economia ilícita da droga porque tem o controle estratégico das fronteiras com a Colômbia e o Peru", explica Dias. "Essa característica a coloca em pé de igualdade na região com facções nacionais como o PCC e o Comando Vermelho (CV)."
Segundo a professora, PCC e CV, facções antes aliadas no mercado do crime, declararam guerra uma a outra em julho de 2016, o que agravou as disputas nos presídios brasileiros onde estão presentes. "A partir da ruptura entre PCC e CV, houve uma reconfiguração do xadrez prisional do Brasil. Nos Estados dominados pelo PCC, os presos aliados ao CV estão no seguro, a área do presídio em que os presos ficam isolados, sem contato com o restante da população carcerária. E, nos Estados com hegemonia dos demais grupos, é o PCC que está no seguro", explica Dias.
"Mas este seguro, embora seja separado do restante do presídio, é precário. Numa rebelião, é fácil acessá-lo." De acordo com Guaracy Mingardi, analista criminal que visitou presídios de todo o país numa pesquisa sobre inteligência prisional para o Depen, a tensão no sistema do AM já era conhecida.
Além disso, relatório do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura aponta que os presos denunciavam a fragilidade das instalações do "seguro" do Anísio Jobim, afirmando que "sentem muito receio de estarem em locais de fácil acesso e, assim, serem torturados e morrer nas mãos da massa carcerária". Para Dias, "os governos têm responsabilidade, mas casos como este não são vistos com preocupação por grande parcela da população. Não dá voto ter política penitenciária ligada a direitos humanos".
LEITURA 7: Quanto mais presos, maior o lucro
Na primeira penitenciária privada desde a licitação, o Estado garante 90% de lotação mínima e selciona os presos para facilitar o sucesso do projeto.
Paula Sacchetta
Agência de reportagem e jornalismo investigativo, 27.05.2014
http://apublica.org/2014/05/quanto-mais-presos-maior-o-lucro/
Em janeiro do ano passado (2013), assistimos ao anúncio da inauguração da “primeira penitenciária privada do país”, em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais. Porém, prisões “terceirizadas” já existem em pelo menos outras 22 localidades, a diferença é que esta de Ribeirão das Neves é uma PPP (parceria público-privada) desde sua licitação e projeto, e as outras eram unidades públicas que em algum momento passaram para as mãos de uma administração privada. Na prática, o modelo de Ribeirão das Neves cria penitenciárias privadas de fato, nos outros casos, a gestão ou determinados serviços são terceirizados, como a saúde dos presos e a alimentação.
Hoje existem no mundo aproximadamente 200 presídios privados, sendo metade deles nos Estados Unidos. O modelo começou a ser implantado naquele país ainda nos anos 1980, no governo Ronald Reagan, seguindo a lógica de aumentar o encarceramento e reduzir os custos, e hoje atende a 7% da população carcerária. O modelo também é bastante difundido na Inglaterra – lá implantado por Margareth Thatcher – e foi fonte de inspiração da PPP de Minas, segundo o governador do estado Antônio Anastasia. Em Ribeirão das Neves o contrato da PPP foi assinado em 2009, na gestão do então governador Aécio Neves.
O slogan do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é “menor custo e maior eficiência”, mas especialistas questionam sobretudo o que é tido como “eficiência”. Para Robson Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC-Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, essa eficiência pode caracterizar um aumento das prisões ou uma ressocialização de fato do preso. E ele acredita que a privatização tende para o primeiro caso. Entre as vantagens anunciadas está, também, a melhoria na qualidade de atendimento ao preso e na infraestrutura dos presídios.
Bruno Shimizu e Patrick Lemos Cacicedo, coordenadores do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo questionam a legalidade do modelo. Para Bruno “do ponto de vista da Constituição Federal, a privatização das penitenciárias é uma excrescência”, totalmente inconstitucional, afirma, já que o poder punitivo do Estado não é delegável. “Acontece que o que tem impulsionado isso é um argumento político e muito bem construído. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante muito tempo, como foi feito durante todo um período de privatizações, (…) para que então se atingisse uma argumentação que justificasse que esses serviços fossem entregues à iniciativa privada”, completa.
Laurindo Minhoto, professor de sociologia na USP e autor de Privatização de presídios e criminalidade, afirma que o Estado está delegando sua função mais primitiva, seu poder punitivo e o monopólio da violência. O Estado, sucateado e sobretudo saturado, assume sua ineficiência e transfere sua função mais básica para empresas que podem realizar o serviço de forma mais “prática”. E essa forma se dá através da obtenção de lucro.
Patrick afirma que o maior perigo desse modelo é o encarceramento em massa. Em um país como o Brasil, com mais de 550 mil presos, quarto lugar no ranking dos países com maior população carcerária do mundo e que em 20 anos (1992-2012) aumentou essa população em 380%, segundo dados do DEPEN, só tende a encarcerar mais e mais. Nos Estados Unidos, explica, o que ocorreu com a privatização desse setor foi um lobby fortíssimo pelo endurecimento das penas e uma repressão policial ainda mais ostensiva. Ou seja, começou a se prender mais e o tempo de permanência na prisão só aumentou. Hoje, as penitenciárias privadas nos EUA são um negócio bilionário que apenas no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares.
Como os presídios lucram 
	Nos documentos da PPP de Neves disponíveis no site do governo de Minas Gerais,  fala-se inclusive no “retorno ao investidor”, afinal, são empresas que passaram a cuidar do preso e empresas buscam o lucro. Mas como se dá esse retorno? Como se dá esse lucro?Um preso “custa” aproximadamente R$ 1.300,00 por mês, podendo variaraté R$ 1.700,00, conforme o estado, numa penitenciária pública. Na PPP de Neves, o consórcio de empresas recebe do governo estadual R$ 2.700,00 reais por preso por mês e tem a concessão do presídio por 27 anos, prorrogáveis por 35. Hamilton Mitre, diretor de operações do Gestores Prisionais Associados (GPA), o consórcio de empresas que ganhou a licitação, explica que o pagamento do investimento inicial na construção do presídio se dá gradualmente, dissolvido ao longo dos anos no repasse do estado. E o lucro também. Mitre insiste que com o investimento de R$ 280 milhões – total gasto até agora – na construção do complexo esse “payback”, ou retorno financeiro, só vem depois de alguns anos de funcionamento ou “pleno vôo”, como gosta de dizer.
Especialistas, porém, afirmam que o lucro se dá sobretudo no corte de gastos nas unidades. José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, explica: “entraram as empresas ligadas às privatizações das estradas, porque elas são capazes de reduzir custos onde o Estado não reduzia. Então ela [a empresa] ganha por aí e ganha muito mais, pois além de reduzir custos, percebeu, no sistema prisional, uma possibilidade de transformar o preso em fonte de lucro”.
Para Shimizu, em um país como o Brasil, “que tem uma das mais altas cargas tributárias do mundo”, não faz sentido cortar os gastos da população que é “justamente a mais vulnerável e a que menos goza de serviços públicos”. No complexo de Neves, os presos têm 3 minutos para tomar banho e os que trabalham, 3 minutos e meio. Detentos denunciaram que a água de dentro das celas chega a ser cortada durante algumas horas do dia.
O cúmulo da privatização
Outra crítica comum entre os entrevistados foi o fato de o próprio GPA oferecer assistência jurídica aos detentos. No marketing do complexo, essa é uma das bandeiras: “assistência médica, odontológica e jurídica”. Para Patrick, a função é constitucionalmente reservada à Defensoria, que presta assistência gratuita a pessoas que não podem pagar um advogado de confiança. “Diante de uma situação de tortura ou de violação de direitos, essa pessoa vai buscar um advogado contratado pela empresa A para demandar contra a empresa A. Evidentemente isso tudo está arquitetado de uma forma muito perversa”, alerta.
Segundo ele, interessa ao consórcio que, além de haver cada dia mais presos, os que já estão lá sejam mantidos por mais tempo. Uma das cláusulas do contrato da PPP de Neves estabelece como uma das “obrigações do poder público” a garantia “de demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal, durante o contrato”. Ou seja, durante os 27 anos do contrato pelo menos 90% das 3336 vagas devem estar sempre ocupadas. A lógica é a seguinte: se o país mudar muito em três décadas, parar de encarcerar e tiver cada dia menos presos, pessoas terão de ser presas para cumprir a cota estabelecida entre o Estado e seu parceiro privado. “Dentro de uma lógica da cidadania, você devia pensar sempre na possibilidade de se ter menos presos e o que acontece ali é exatamente o contrário”, afirma Robson Sávio.
Para ele, “na verdade não se está preocupado com o que vai acontecer depois, se está preocupado com a manutenção do sistema funcionando, e para ele funcionar tem que ter 90% de lotação, porque se não ele não dá lucro”.
Para garantir a lei, a origem, a imagem
Na foto, o complexo de Neves é realmente diferente das penitenciárias públicas. É limpo, organizado e altamente automatizado, repleto de câmeras, portões que são abertos por torres de controle, etc, etc, etc. Mas que tipo de preso vai pra lá? Hamilton Mitre, diretor do GPA afirma que “não dá pra falar que o Estado coloca os presos ali de forma a privilegiar o projeto”.
No entanto, Murilo Andrade de Oliveira, subsecretário de Administração Penitenciária do Estado de Minas, diz exatamente o contrário: “nós estabelecemos inicialmente o critério de que [pode ir para a PPP] qualquer preso, podemos dizer assim, do regime fechado, salvo preso de facção criminosa – que a gente não encaminha pra cá – e preso que tem crimes contra os costumes, estupradores. No nosso entendimento esse preso iria atrapalhar o projeto”.
Na visão dos outros entrevistados, a manipulação do perfil do preso pode ser uma maneira de camuflar os resultados da privatização dos presídios. “É muito fácil fazer desses presídios uma janela de visibilidade: ‘olha só como o presídio privado funciona’, claro que funciona, há todo um corte e uma seleção anterior”, diz Bruno Shimizu.
Robson Sávio explica que presos considerados de “maior periculosidade”, “pior comportamento” ou que não querem trabalhar ou estudar são mais difíceis de ressocializar, ou seja, exigiriam investimentos maiores nesse sentido. Na lógica do lucro, portanto, eles iriam mesmo atrapalhar o projeto.
Se há rebeliões, fugas ou qualquer manifestação do tipo, o consórcio é multado e perde parte do repassa de verba. Por isso principalmente o interesse em presos de “bom comportamento”. O subsecretário Murilo afirma ainda que os que não quiserem trabalhar nem estudar podem ser “devolvidos” às penitenciárias públicas: “o ideal seria ter 100% de presos trabalhando, esse é nosso entendimento. Agora, tem presos que realmente não querem estudar, não querem trabalhar, e se for o caso, posteriormente, a gente possa tirá-los (sic), colocar outros que queiram trabalhar e estudar porque a intenção nossa é ter essas 3336 vagas aqui preenchidas com pessoas que trabalhem e estudem”.
Hoje, na PPP de Ribeirão das Neves ainda não são todos os presos que trabalham e estudam e os que têm essa condição se sentem privilegiados em relação aos outros. A reportagem só pôde entrevistar presos no trabalho ou durante as aulas, não foi permitido falar com outros presos, escolhidos aleatoriamente. Foram mostradas todas as instalações da unidade 2 do complexo, tais como enfermaria, oficinas de trabalho, biblioteca e salas de aula, mas não pudemos conversar com presos que não trabalham nem estudam e muito menos andar pelos pavilhões, chamados, no eufemismo do luxo de Neves, de “vivências”.
O trabalho do preso: 54% mais barato
O Estado e o consórcio buscam empresas que se interessem com o trabalho do preso. As empresas do próprio consórcio não podem contratar o trabalho deles a não ser para cuidar das próprias instalações da unidade, como elétrica e limpeza. Então o lucro do consórcio não vem diretamente do trabalho dos presos, mas sim do repasse mensal do estado. Mas a que empresa não interessaria o trabalho de um preso? As condições de trabalho não são regidas pela CLT, mas sim pela Lei de Execução Penal (LEP), de 1984. Se a Constituição Federal de 1988 diz que nenhum trabalhador pode ganhar menos de um salário mínimo, a LEP afirma que os presos podem ganhar ¾ de um salário mínimo, sem benefícios. Um preso sai até 54% mais barato do que um trabalhador não preso assalariado e com registro em carteira.
O professor Laurindo Minhoto explica: “o lucro que as empresas auferem com esta onda de privatização não vem tanto do trabalho prisional, ou seja, da exploração da mão de obra cativa, mas vem do fato de que os presos se tornaram uma espécie de consumidores cativos dos produtos vendidos pela indústria da segurança e da infra-estrutura necessária à construção de complexos penitenciários”.
Helbert Pitorra, coordenador de atendimento do GPA, na prática, quem coordena o trabalho dos presos, orgulha-se que o complexo está virando um “pólo de EPIs” (equipamentos de proteção individual), ou seja, um pólo na fabricação de equipamentos de segurança. “Eles fabricam dentro da unidade prisional sirenes, alarmes, vários circuitos de segurança, (…) calçados de segurança como coturnos e botas de proteção (…), além de uniformes e artigos militares”.
O que é produzido ali dentro, em preços certamente mais competitivos no mercado alimenta a própria infra-estrutura da unidade. A capa dos coletes à prova de balas que os funcionários do GPA usam é fabricada ali dentro mesmo, a módicos preços, realizados por um preso que custa menos dametade de um trabalhador comum a seu empregador.
Em abril deste ano, o Governo de Minas Gerais foi condenado por terceirização ilícita no presídio de Neves. A Justiça do Trabalho confirmou a ação civil pública do Ministério Público do Trabalho e anulou várias das contratações feitas pelo GPA.
“Entre os postos de trabalho terceirizados estão atividades relacionadas com custódia, guarda, assistência material, jurídica e à saúde, uma afronta à Lei 11.078/04 que classifica como indelegável o poder de polícia e também a outros dispositivos legais. Além de ser uma medida extremamente onerosa para os cofres públicos, poderá dar azo a abusos sem precedentes”, disse o procurador que atuou no caso, Geraldo Emediato de Souza, ao portal mineiro Hoje em dia.
Panorama final
Como na maioria das penitenciárias, as visitas do Complexo passam por revista vexatória. A., mulher de um detento que preferiu não se identificar, entregou à reportagem uma carta dos presos e explicou como é feita a revista: “temos que tirar a roupa toda e fazer posição ginecológica, agachamos três vezes ou mais, de frente e de costas, temos que tapar a respiração e fazer força. Depois ainda sentamos num banco que detecta metais”. Na mesma carta entregue por A., os presos afirmam que os diretores do presídio já têm seus “beneficiados”, que sempre falam “bem da unidade” à imprensa, e são, invariavelmente, os que trabalham ou estudam.
Na carta, eles ainda afirmam que na unidade já há presos com penas vencidas que não foram soltos ainda. Fontes que também não quiseram se identificar insistem que o consórcio da PPP já “manda” na vara de execuções penais de Ribeirão das Neves.
José de Jesus filho, da Pastoral Carcerária, não vê explicação para a privatização de presídios que não a “corrupção”. Tem seus motivos. Em maio de 2013, a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) foram alvo de ações por corrupção e má utilização de recursos públicos. Na ação da CPTM foi citado o ex-diretor, Telmo Giolito Porto, hoje à frente do consórcio da PPP de Ribeirão das Neves, assim como a empresa Tejofran de Saneamento e Serviços Gerais LTDA., que faz parte do mesmo consórcio.
Nesse sentido, Robson Sávio alerta: “será que o estado quando usa de tanta propaganda para falar de um modelo privado ele não se coloca na condição de sócio interesseiro nos resultados e, portanto, se ele é sócio interesseiro ele também pode maquiar dados e esconder resultados, já que tudo é dado e planilha? Esse sistema ainda tem muita coisa que precisa ser mais transparente e melhor explicada”.
Pelo Brasil
O modelo mineiro de PPP já inspirou projetos semelhantes no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Distrito Federal. As licitações já aconteceram ou estão abertas e, em breve, as penitenciárias começarão a ser construídas. O governo do Estado de São Paulo e a Secretaria de Administração Penitenciária também pretendem lançar em breve um edital para a construção de um grande complexo no Estado, com capacidade para 10.500 presos. O governador Geraldo Alckmin já fez consultas públicas e empresas já se mostraram interessadas no projeto.
No Ceará, uma decisão judicial obrigou à iniciativa privada devolver a gestão de penitenciárias para o Governo do estado. No Paraná, o próprio Governo decidiu retomar a administração de uma série de penitenciárias, após avaliar duas questões: a jurídica e a financeira.
No Brasil, país do “bandido bom é bandido morto”, da “bancada da bala” e onde presos não têm direitos simplesmente por estarem presos, a privatização também assusta do ponto de vista da garantia dos direitos humanos dos presos. “Será que num sistema que a sociedade nem quer saber e não está preocupada, como é o prisional, haverá fiscalização e transparência suficiente? Ou será que agora estamos criando a indústria do preso brasileiro?”, pergunta Sávio. Os entrevistados dão um outro alerta: nesse primeiro momento, vai se investir muito em marketing para que modelos como o de Neves sejam replicados Brasil afora. Hamilton Mitre diz que a unidade será usada como um “cartão de visitas” e fontes afirmam que o modelo de privatização de presídios será plataforma de campanha de Aécio Neves, candidato à presidência nas eleições do fim deste ano.
Para Minhoto, a partir do momento em que você enraíza um interesse econômico e lucrativo na gestão do sistema penitenciário, “o estado cai numa armadilha de muitas vezes ter que abrir mão da melhor opção de política em troca da necessidade de garantir um retorno ao investimento que a iniciativa privada fez na área”, diz. E Bruno Shimizu completa “e isso pode fazer com que a gente crie um monstro do qual a gente talvez não vá mais conseguir se livrar”. “Para quem investe em determinado produto, no caso o produto humano, o preso, será interessante ter cada vez mais presos. Ou seja, segue-se a mesma lógica do encarceramento em massa. A mesma lógica que gerou o caos, que justificou a privatização dos presídios”, arremata Patrick.
Para entender: dados e números
Brasil
– Existem no Brasil aproximadamente 550 mil presos.
– São aproximadamente 340 mil vagas no sistema prisional.
– O Brasil está em 4o lugar no ranking dos países com maior população carcerária no mundo, atrás de EUA, China e Rússia.
– Entre 1992 e 2012 o Brasil aumentou sua população carcerária 380%.
– Empresas dividem a gestão de penitenciárias com o poder público em pelo menos 22 presídios de sete estados: Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Alagoas e Amazonas.
Minas Gerais
– Em 2003 o Estado de Minas tinha aproximadamente 23 mil presos.
– Em 10 anos essa população mais do que duplicou: hoje são 50 mil presos.
– Em 2003 eram 30 unidades prisionais no Estado, hoje são mais de 100.
– Em 2011 o Estado de Minas já gastava aproximadamente um bilhão de reais por ano com o sistema penitenciário.
 
O complexo de Ribeirão das Neves
– O consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA), que ganhou a licitação do complexo penitenciário de Ribeirão das Neves é formado por cinco empresas, são elas:
CCI Construções S/A
 Construtora Augusto Velloso S/A
Empresa Tejofran de Saneamento e Serviços LTDA
N. F. Motta Construções e Comércio
Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP)
– Em 18 de janeiro de 2013 começaram a ser transferidos os primeiros presos para o Complexo Penitenciário de Ribeirão das Neves.
– A inauguração aconteceu no dia 28 de janeiro de 2013, com uma ala já ocupada por 75 presos.
– Hoje (maio de 2014) estão funcionando duas das cinco unidades do complexo, cada uma com 672 presos.
– A capacidade do complexo é de 3336 vagas.
– O consórcio de empresas tem 27 anos da concessão do complexo, sendo dois para construção e 25 para operação.
– Já foram gastos 280 milhões de reais na construção do complexo até agora. O GPA estima que no total serão gastos 380 milhões.
– O Estado repassa R$2.700 por preso mensalmente; nas penitenciárias públicas o custo é de R$ 1.300,00 a R$ 1.700,00 por mê
– As celas têm capacidade máxima para quatro presos.
LEITURA 8: Darcy Ribeiro
LEITURA 9: EUA têm mais negros na prisão hoje do que escravizados no século XIX
No dia histórico do discurso “eu tenho um sonho”, de Martin Luther King, panorama social é dramático a negros nos EUA.
Dodô Calixto
OperaMundi, 28 de Junho de 2016 
https://www.brasildefato.com.br/2016/06/28/eua-tem-mais-negros-na-prisao-hoje-do-que-escravos-no-seculo-xix/
O presidente norte-americano, Barack Obama, participa nesta quarta-feira (28/08) em Washington de evento comemorativo pelo aniversário de 50 anos do emblemático discurso “Eu tenho um Sonho”, de Martin Luther King Jr. - considerado um marco da igualdade de direitos civis aos afro-americanos. Enquanto isso, entre becos e vielas dos EUA, os negros não vão ter muitos motivos para celebrar ou "sonhar com a esperança", como bradou Luther King em 1963.
De acordo com sociólogos e especialistas em estudos das camadas populares na América do Norte,os índices sociais - que incluem emprego, saúde e educação - entre os afrodescendentes norte-americanos são os piores em 25 anos. Por exemplo, um homem negro que não concluiu os estudos tem mais chances de ir para prisão do que conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Uma criança negra tem hoje menos chances de ser criada pelos seus pais que um filho de escravos no século XIX. E o dado mais assombroso: há mais negros na prisão atualmente do que escravos nos EUA em 1850, de acordo com estudo da socióloga da Universidade de Ohio, Michelle Alexander.
“Negar a cidadania aos negros norte-americanos foi a marca da construção dos EUA. Centenas de anos mais tarde, ainda não temos uma democracia igualitária. Os argumentos e racionalizações que foram pregadas em apoio da exclusão racial e da discriminação em suas várias formas mudaram e evoluíram, mas o resultado se manteve praticamente o mesmo da época da escravidão”, argumenta Alexander em seu livro The New Jim Crow.
No dia em que médicos brasileiros chamaram médicos cubanos de “escravos”, a situação real, comprovada por estudos de institutos como o centro de pesquisas sociais da Universidade de Oxford e o African American Reference Sources, mostra que os EUA têm mais características que lembram uma senzala aos afrodescendentes que qualquer outro país do mundo.
Em entrevista a Opera Mundi, a professora da Universidade de Washington e autora do livro “Invisible Men: Mass Incarceration and the Myth of Black Progress”, Becky Pettit, argumenta que os progressos sociais alcançados pelos negros nas últimas décadas são muito pequenos quando comparados à sociedade norte-americana como um todo. É a “estagnação social” que acaba trazendo as comparações com a época da escravidão.
“Quando Obama assumiu a Presidência, alguns jornalistas falaram em “sociedade pós-racial” com a ascensão do primeiro presidente negro. Veja bem, eles falaram na ocasião do sucesso profissional do presidente como exemplo que existem hoje mais afrodescendentes nas universidades e em melhores condições sociais. No entanto, esqueceram de dizer que a maioria esmagadora da população carcerária dos EUA é negra. Quando se realizam pesquisas sobre o aumento do número de jovens negros em melhores condições de vida se esquece que mais que dobrou o número de presos e mortos diariamente. Esses não entram na conta dos centros de pesquisas governamentais, promovendo o “mito do progresso entre nos negros”, argumenta.
Segundo Becky Pettit, não há desde o começo da década de 1990 aumento no índice de negros que conseguem concluir o ensino médio. Além disso, o padrão de vida também despencou. Além do aumento da pobreza, serviços básicos como alimentação, saúde, gasolina (utilidade considerada fundamental para os norte-americanos) e transportes público estão em preços inacessíveis para muitos negros de baixa renda. Mais de 70% dos moradores de rua são afrodescendentes.
Michelle Alexander, por sua vez, critica o sistema judiciário do país e a truculência que envia em massa às prisões os negros. “Em 2013, vimos o fechamento de centenas de escolas de ensino fundamental em bairros majoritariamente negros. Onde essas crianças vão estudar? É um círculo vicioso que promove a pobreza, distribui leis que criminalizam a pobreza e levam as comunidades de cor para prisão”, critica em entrevista ao jornal LA Progresive.
LEITURA 10: Chacinas - ninguém é inocente
Ninguém é inocente quando pessoas cumprindo pena sob a guarda do Estado tem a sua dignidade humana brutalmente atacada
Ruivo Lopes (educador, pedagogo e defensor dos direitos humanos)
Brasil de Fato, 03.01.2017
https://www.brasildefato.com.br/2017/01/03/artigo-or-chacinas-ninguem-e-inocente/
Não só Manaus, como também o Brasil e o mundo, sabiam que o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), o maior do estado e em condições desumanas, era um barril de pólvora prestes a explodir. A tragédia, que deixou ao menos 60 presos mortos - decapitados e mutilados -, era anunciada. Não é de hoje que os presídios brasileiros estão entre as piores instituições de privação de liberdade do mundo. Um verdadeiro inferno na Terra!
Há décadas, todos os anos, organizações nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos criticam o sistema prisional brasileiro, o aumento vertiginoso do encarceramento em massa, as péssimas condições das instituições dos presídios e as práticas sistemáticas de tortura, maus tratos e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.
É inaceitável, negligente e, portanto, criminosa a narrativa de que presos organizados em grupos dominem, rivalizem e promovam tantas mortes horríveis no seio de instituições inertes que pertencem ao sistema de Justiça e Segurança Pública brasileiros. Ninguém é inocente quando pessoas cumprindo pena sob a guarda do Estado - em qualquer circunstâncias - tem a sua dignidade humana brutalmente atacada.
Admitir que pessoas presas em condições desumanas e degradantes, que são regra nos presídios brasileiros, tem o controle das unidades é admitir a falência do Estado. Instituições de privação de liberdade são instituições totais e disciplinares, como diria Foucault, mas para o secretário de Segurança do Amazonas, que afirmou numa entrevista que, apesar do massacre, a situação já estava "sob controle", isso parece conveniência.
O sistema de Justiça, por pior e seletivo que seja - pessoas negras e pobres são regra nos presídios brasileiros -, deveria ser um anteparo da barbárie. É o sistema de Justiça que deveria exercer o controle sobre as unidades prisionais como previsto na Constituição, na Lei de Execuções Penais e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos assinados pelo Brasil. Quando negligente, o Estado brasileiro passa também a ser conivente com a barbárie e, portanto, também comete crime de responsabilidade.
Um juiz que participou da negociação com os presos para convencê-los a terminar a rebelião, disse, na ocasião, que nunca tinha visto nada parecido em sua vida, referindo-se aos corpos mutilados encontrados no presídio. Ora, no momento da rebelião, havia no presídio 1.224 pessoas presas, embora a lotação seja de 454. O juiz ainda não tinha visto, comunicado e alertado sobre a superlotação, como manda a Lei, causa de inúmeras rebeliões nos presídios brasileiros?
Desde o massacre de ao menos 111 pessoas presas, no extinto Carandiru, em 1992, em São Paulo, sucessivos governos fracassam e negligenciam o tratamento dado às pessoas presas no Brasil. Em 2002, 27 pessoas foram mortas no presídio Urso Branco, em Rondônia; em 2004, mais 30 mortos no presídio Benfica, no Rio de Janeiro; e em 2013, mais 13 mortos em Pedrinhas, no Maranhão. Agora, ao menos mais 60, em Manaus.
Enquanto o Judiciário parece determinar prisões e penas a atacado, o número de pessoas presas no Brasil só tem aumentado contando atualmente com 656 mil pessoas presas. E os números não param de crescer ano a ano, chamando atenção de organizações de defesa dos direitos humanos que pedem pelo fim do encarceramento em massa no País. Cada vez mais entorpecida por um sentimento de vingança, a sociedade brasileira parece anestesiada diante da gravidade de que em se tratando de mortes que ocorreram sob a guarda do Estado, ela também é responsável. Confundindo justiça com vingança, legitima e retroalimenta sua participação na barbárie.
Não importa os crimes que cometeram. Quando uma pessoa cumpre pena num presídio ela deve ter sua dignidade respeitada e protegida conforme a Lei. Não permitir a vingança é a melhor lição que o Estado e, portanto, a sociedade, pode oferecer às pessoas presas. Não se sabe quando, aonde nem quantos mais mortos em presídios brasileiros poderão vir na sequência. Enquanto o respeito aos direitos humanos não for realidade nos presídios e a Justiça brasileira não promover o desencarceramento em massa, a marcha fúnebre, infelizmente, prosseguirá!
LEITURA 11: Holanda enfrenta 'crise penitenciária': sobram celas, faltam condenados
População carcerária holandesa foi reduzida em 43% nos últimos 10 anosBBC BRASIL, 16.11.2016
Enquanto a maioria dos países do mundo enfrenta problemas de superlotação no sistema carcerário, a Holanda vive a situação oposta: gente de menos para trancafiar. Nos últimos anos, 19 prisões foram fechadas e mais deverão ser desativadas em 2017, obedecendo a um decréscimo agudo da população carcerária. Mas há quem veja nisso um problema.
O cheiro de cebolas fritas deixa a cozinha e se espalha pelo pavilhão. Detentos estão preparando o jantar. Um deles, usando uma longa faca, corta legumes.
"Tive seis anos de treino, então só posso melhorar", brinca ele. O prisioneiro fala alto, porque a faca está presa a uma longa corrente presa à bancada em que trabalha. "Eles não podem carregar a faca por aí", explica Jan Roelof van der Spoel, vice-diretor da prisão de segurança máxima de Norgerhaven, no norte da Holanda, que tem capacidade para 243 detentos.
		"Mas os detentos podem pegar emprestadas pequenas facas de cozinha. Para isso, precisam deixar conosco sua identificação para que possamos saber quem está com o que". Alguns dos homens em Norgerhaven cumprem sentenças por crimes violentos, então pode parecer algo perigoso deixá-los andar com facas pela prisão. Mas as aulas de culinária fazem parte das iniciativas de reabilitação dos detentos.
"Aqui na Holanda, nós olhamos para o indivíduo. Se alguém tem um problema com drogas, tratamos o vício. Se é agressivo, providenciamos gestão da raiva. Se tem dívidas, oferecemos consultoria de finanças. Tentamos remover o que realmente causou seu crime. É claro que o detento ou a detenta precisam querer mudar, mas nosso método tem sido bastante eficaz", explica Van der Spoel. O diretor acrescenta que alguns reincidentes normalmente recebem sentenças de dois anos e programas personalizados de reabilitação. Menos de 10% voltam à prisão. Em países como Reino Unido e EUA, por exemplo, cerca de 50% dos detentos cumprindo pequenas penas voltam a ser presos nos primeiros dois anos após a libertação (no Brasil, diversos estudos estimam que a taxa geral de reincidência é de 70%).
		Norgerhaven fica na cidade de Veenhuizen, onde também está situada outra prisão de segurança máxima - Esserheem. Ambas contam com bastante espaço. O pátio é do tamanho de quatro campos de futebol e têm carvalhos, mesas de piquenique e redes vôlei. Van der Spoel conta que o ar fresco reduz o estresse tanto para detentos quanto guardas. Detentos podem andar "a vontade por áreas comuns como biblioteca, departamento médico e cantina, e essa autonomia os ajuda na readaptação à vida em liberdade.
Não poderia ser uma situação mais diferente de 10 anos atrás, quando a Holanda tinha uma das maiores populações carcerárias da Europa. Hoje, a proporção é de 57 pessoas por cada 100 mil habitantes, comparada a 148 por 100 mil no Reino Unido e 193 no Brasil. Mas os programas de reabilitação não são a única razão para o declínio de 43% no número de pessoas atrás das grades na Holanda - que era de 14.468 em 2005 e caiu para 8.245 em 2015.
O ano de 2005, por sinal, foi o auge da população carcerária e especialistas acreditam que o salto se deu ao aumento na segurança do principal aeroporto de Amsterdã e a consequente explosão na prisão de "mulas" carregando cocaína. Mas, como explica Pauline Schuyt, professora de direito criminal, a polícia mudou suas prioridades. "Eles mudaram o foco das drogas para concentrar esforços no combate ao tráfico humano e ao terrorismo", explica.
Juízes holandeses também vêm aplicando cada vez mais penas alternativas à prisão, como trabalhos comunitários, multas e monitoramento eletrônico.
A diretora do serviço penitenciário da Holanda, Angeline van Dijk, diz que o encarceramento tem se tornado algo mais aplicado para casos de criminosos de alta periculosidade ou para detentos em situação vulnerável, que podem se beneficiar dos programas disponíveis. "Às vezes é melhor que pessoas fiquem em seus empregos e suas famílias, e que cumpram a pena de outra forma", explica Van Dijk. "Como temos penas mais curtas e uma taxa de criminalidade em queda, isso está levando a celas vazias".
Oficialmente, crimes caíram 25% na Holanda desde 2008, mas há quem alegue que isso é resultado de maiores problemas em registrar queixas - um efeito colateral do fechamento de delegacias, como parte de pacotes de cortes de gastos públicos.
		Ex-diretora de prisão e hoje porta-voz para assuntos de Justiça do partido de oposição Apelo Democrático Cristão, Madeleine Van Toorenburg diz que a escassez de prisioneiros está ligada a uma espécie de impunidade. "A polícia está sobrecarregada e não consegue lidar com seu trabalho. A resposta do governo é fechar prisões", critica. E agentes penitenciários tampouco se dizem satisfeitos com o que chamam de instabilidade profissional. Frans Carbo, líder sindical, diz que agentes estão frustrados e que a presente situação desestimula a renovação da força de trabalho. "Os jovens não querem trabalhar no sistema penitenciário porque não há mais futuro na profissão. Você nunca sabe quando sua prisão será fechada".
As prisões desativadas são normalmente convertidas em centros de triagem para refugiados e oferecem uma oportunidade de trabalho para guardas que perderam o emprego. Mas uma unidade nas imediações de Amsterdã foi convertida em um hotel de luxo.
Outra solução encontrada pelo governo para lidar com celas ociosas foi alugar espaço para prisioneiros de países com problemas de lotação, como a vizinha Bélgica e a Noruega. Norgerhaven, por exemplo, recebe prisioneiros noruegueses, a mesma nacionalidade do novo diretor da unidade Karl Hillesland. Mas os guardas são todos holandeses. O curioso é que o sistema penal norueguês é mais liberal que o holandês. Prisioneiros podem dar entrevistas e assistir aos DVDs que quiserem, porque o princípio básico é do da normalização - a vida na prisão deve ser o máximo possível parecida com a do mundo lá fora para ajudar a reintegração.
"Fazemos as coisas de maneiras diferentes. Aqui (na Holanda), tomamos ações disciplinares assim que um prisioneiro quebra as regras, ao passo que os noruegueses primeiro abrem inquérito e depois tomam providências. Esse estilo confundiu os guardas no começo", diz Van der Spoel. "Mas, no geral, compartilhamos os mesmos valores básicos sobre como administrar uma prisão", diz Hillesland.
O diretor diz que alguns prisioneiros do sistema norueguês foram transferidos unilateralmente para a Holanda, mas que a maioria se voluntariou porque artigos como tabaco, por exemplo, são mais baratos na Holanda. Mas a transferência criou problemas para parentes, que precisam custear do próprio bolso visitas à prisão - o que pode custar mais de R$ 2 mil em passagem aérea e acomodação. Por isso, Norgerhaven hoje contra com uma "sala de Skype". Mas a maioria dos prisioneiros "importados" é composta de estrangeiros que jã não viam suas famílias em pessoas quando estavam atrás das grades na Noruega.
O operário polonês Michael é um exemplo. Ele usa a internet para ver a esposa e os quatro filhos, algo que não tinha na Noruega - os parentes estão na Polônia. "Minha mulher está ocupada com a tarefa de cuidar das crianças e o trabalho. Então optei por vir para esta prisão para que não apenas ouvisse a voz da minha família. É difícil (controlar a emoção) depois de falar com eles, mas é melhor que nada", explica Michael.
Veenhuizen também esconde um passado sombrio e bem menos progressista que o do atual sistema penitenciário: um reformatório que ficou conhecido como a "Sibéria Holandesa" e que foi usado para a internação forçada de mendigos, órfãos e outros marginalizados no século 19. E que funcionou até os anos 70. De acordo com demógrafos, pelo menos um milhão dos 17 milhões de holandeses hoje vivos descende de alguém "exilado" em Veenhuizen. Hoje, o prédio do reformatório abriga o Museu Penitenciário.

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