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Coleção Teoria e História 13
I. I. RUBIN
A TEORIA MARXISTA
DO VALOR
Tradução
José Bonifácio de S. Amaral Filho
Prefácio
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
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Prefácio à
Edicão Brasileira
"
Nada pode causar mais desavenças entre os economistas do que
a palavra valor. Em torno desta questão já se derreteu muita massa
cinzenta e já se esgrimiram argumentos do mais variado calibre, sem
que a controvérsia tenha arrefecido. Alguém poderia indagar se a
vitalidade. desta disputa seria, em si mesma, reveladora de sua impor-
tância para os cânones científicos da Economia Política, ou se, pelo
contrário, denotaria o vezo particular dos economistas pela irrele-
vância. Afinal a fatuidade teve momentos gloriosos na história da
inventiva e do pensamento humanos. Não cremos, porém, que a ques-
tão do valor possa ser despejada nesta vala de inutilidades.
A batalha que fere os estuçliosos em torno da problemática do
valor envolve, na verdade, a própria constituição do objeto da Eco-
nomia Politica.
O nascimento da Economia Política, como disciplina autônoma,
está amplamente comprometido com as transformações ocorridas na
Europa Ocidental que culminaram com a Revolução Industrial, na
Inglaterra, e a Revolução Francesa, no Continente. As três últimas
décadas do século XVIII assistiram à eclosão de uma dupla revolução
- econômica e política -, cujos contornos foram sendo esboçados ao
longo dos seis séculos anteriores. O renascimento do comércio havia
comprometido as bases econômicas do feudalismo, já desgastadas desde
as Cruzadas pelo depauperamento e extermínio físico da mão-de-obra.
O procésso de formação dos Estados Nacionais subtraiu o poder polí-
tico dos senhores feudais, centralizando-o, cada vez mais, nas mãos do
soberano: as monarquias nacionais cimentavam pouco a pouco o mo-
saico inarticulado do poder feudal. A Reforma religiosa dispensou a
10 ISAAK ILLICH RUBIN
mediação da Igreja nas relações entre Deus e os Homens e conciliou o
trabalho secular com a salvação da alma. Finalmente a dúvida carte-
siana libertou a razão e despertou o indivíduo de sua submissão à
"ordem revelada".
O nascimento da Economia Política, no final do século XVIII,
responde, quer às modificações ocorridas no "impessoal subsolo da
história, quer às transformações operadas na consciência dos povos.
Surge como uma tentativa de explicação de um mundo abarrotado de
mercadorias onde os homens trocavam seus produtos não para con-
sumir, senão para trocar de novo amanhã". A aceleração destas trans-
formações reclamava uma explicação sobre a natureza da sociedade
emergente e precipitava indagações sobre os caminhos que poderia
seguir. A concepção de "ordem revelada" cedeu lugar à idéia de
"ordem natural", cujos fundamentos estavam à mercê da análise
racional. Neste sentido, também a sociedade estaria submetida a leis de
funcionamento semelhante àquelas que presidiam o reino da natureza.
O impulso de perseguir os próprios interesses dispunha o indi-
víduo ao relacionamento cbm os demais e o complexo destas relações
voluntárias constituía a sociedade global e ditava as normas de seu
funcionamento. A Economia Política nasce com a responsabilidade de
desvendar a "lei natural" que cimentava uma sociedade econômica
dilacerada pela busca permanente do ganho privado. Incumbia-lhe
enunciar a "lei invisível" que guiava o particularismo dos interesses na
direção do interesse geral.
Daí o conceito de valor surgir como pedra angular da investigação
clássica. Adam Smith e Ricardo, quaisquer que sejam as diferenças
entre eles, perseguem, através do conceito de valor, a essência da '."naturalidade" da sociedade que viam nascer. A generalização da
produção para a troca parecia-lhes um fenômeno crucial e essa consta-
tação os levou a investigar o conteúdo natural da troca generalizada e
permanente, como forma de existência da sociedade econômica. Isto
equivale a dizer que lhes parecia decisivo desvelar o critério social que
permitia a validação da troca reiterada e, portanto, determinava as
razões de troca entre as mercadorias produzidas. A determinação do
valor de troca ou do valor relativo das mercadorias passaria, assim, a se
constituir no passo mais importante da caminhada em busca da reve-
lação do caráter natural da nova sociedade.
Smith e Ricardo, ao sustentarem que o trabalho é a medida real
do valor de troca de todas as classes de bens, estão afirmando que o
trabalho é, na verdade, o conteúdo natural das relações sociais fun-
dadas na troca. E que estas relações só podem ser explicadas a partir de
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A TEORIA MARXISTA DO VALOR 11
uma equivalência estabelecida em termos de quantidades de trabalho.
Assim, a teoria do valor trabalho, proposta por Smith e Ricardo, ao dar
solução para o problema da determinação do valor relativo das merca-
dorias, cumpre simultaneamente o papel de assegurar o caráter
"natural" da troca e da sociedade que s~ desenv~lve a partir dela. A
"ordem natural" reaparece na análise de Smith e Ricardo metamor-
foseada no "valor de troca", enquanto expressão do trabalho, o eterno
castigo dos homens.
*
* *
O livro de Rubin, A Teoria Marxista do Valor, é a mais bem
sucedida tentativa de diferenciar a problemática marxista do valor
daquela proposta pelos economistas clássicos. "Antes de Marx", diz
ele, "a atenção dos economistas clássicos e de seusepígonos se concen-
trou no conteúdo do valor, principalmente em seu aspecto quantitativo
(quantidade de trabalho), ou no valor de troca relativo, quer dizer, nas
proporções quantitativas da troca. Submeteram à análise os dois
extremos da teoria do valor: o desenvolvimento da produtividade do
trabalho e a técnica como causa interna da variação de valor, e as
mudanças relativas do valor das mercadorias. Mas faltava a vinculação
direta entre estes dois fatos: a forma do valor, isto é, o valor como a
forma que se caracteriza pela coisificação das relações deprodução e a
transformação do trabalho social em uma propriedade dos produtos do
trabalho". '
A t:Jarx, ao co~trário dos ~lássicos, não. toma o valor como a \
essencia da naturalzdade da SOCIedade, mas SIm como a expressão de)
uma sociedade em que o indivíduo só existe enquanto produtor de valor
de troca, o que implica a negação absoluta de sua existência natural.
Assim, a produção de valor de troca já inclui em si a coerção ao
indivíduo. A atividade particular de cada produtor só adquire sentido
quando sancionada pela forma geral do valor de troca, isto é, pelo
dinheiro. A mercadoria só se confirma como valor no momento em que
se transforma em mercadoria geral, em dinheiro. E o trabalho concreto
de cada um só é validado como trabalho social quando seu produto é
acolhido pelo dinheiro como representante do trabalho em geral.
Neste sentido, a teoria do valor de Marx é, sim, uma teoria do \1'
valor absoluto ou uma fenomenologia da absolutização do valor., Rubin II
exprime esta idéia, afirmando que "desde o momento em que a troca se
12 ISAAK ILLlCH RUBIN
converte na forma dominante do trabalho social e as pessoas produzem
especialmente para a troca, o caráter do produto do trabalho como valor
é tomado em consideração na fase de produção direta. Mas este caráter
do produto do trabalho não é ainda aquele que adquire quando de fato é
trocado por dinheiro, quando, nas palavras de Marx, seu valor ideal se
transforma em seu valor real e a forma social das mercadorias é substi-
tuída pela forma social do dinheiro". Desta forma, já nesta sociedade de
produtores independentes, o dinheiro se ergue frente a seu trabalho
como uma potência autonomizada que regula seus movimentos e
ordena seus desejos.
Na sociedade capitalista, o dinheiro, funcionando como capital,
não se contrapõe mais ao trabalhador apenas como algo estranho, senão
hostil e antagônico. O capital, como personificação da riqueza abstrata,
exige de formaradical e avassaladora a submissão do trabalhador e
impõe a redução de todo o trabalho a mero suporte do processo de
valorização. O valor, aqui, não se revela apenas uma potência autono-
mizada, reclamando a todo o momento a vassalagem dos produtores de
mercadorias, senão assume a forma de um "fetiche automático" que
aniquila a independência dos produtores diretos, os coloca sob seu
comando, impõem-lhes a disciplina da fábrica e, ao cabo, os subjuga
material e espiritualmente, ao entregá-los aos movimentos da máquina,
sempre no afã incessante de se acrescentar a si mesmo.
Este processo de valorização do capital é, ao mesmo tempo, um
processo de desvalorização do trabalho. Não só porque o capitalismo
"desqualifica" sistematicamente a força de trabalho, dispensando as
habilidades do trabalhador, até transforrná-lo num mero supervisor da
operação da maquinaria, mas também porque o emprego crescente da
máquina torna sua presença cada vez mais dispensável. Marx, , nos
Gundrisse, chegou a vislumbrar o momento em que o avanço dos
métodos capitalistas de produção tornariam o tempo de trabalho uma
"base miserável" para a valorização da imensa massa de valor que
deverá funcionar como capital.
A teoria do valor trabalho proposta por Marx - e Rubin o
demonstra cabalmente - está longe de se constituir numa investigação
sobre a determinação dos valores relativos, isto é, numa inútil perse-
guição dos "valores de equilíbrio" de um sistema de produção que se
move continuamente no sentido de aniquilar sua base de valorização e
de "desvalorizar" sua própria medida. E, portanto, no sentido de
negar sua própria "natureza".
Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
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