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CAPÍTULO 12 JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO Ivan T. Blazen JUSTIFICAÇÃO PEIA FÉ/JUÍZO SEGUNDO AS OBRAS Sinopse editorial. Nesta e na próxima seção, o autor examina duas doutrinas bíblicas enfatizadas pelo apóstolo Paulo de modo especial: (1) justificação pela fé, e (2) juízo segundo as obras. Estudiosos da Bíblia têm oferecido várias expli, cações para reconciliar o que parece ser um conflito entre essas duas posições doutrinárias da fé cristã. Alguns argumentam que o conceito do juízo final é um vestígio do judaísmo de Paulo, sendo irrelevante para os cristãos. Outros sugerem que as passagens sobre o juízo no Novo Testamento têm a função apenas de incentivar o pecador a se voltar para Cristo em busca de justificação, e que não possuem nenhum significado maior para os crentes. Alguns ensinam que, inicialmente, o pecador é justificado pela fé, mas que, no final, é justificado ao alcançar, por meio da graça, o padrão de perfeição. Ainda outros veem o juízo como algo que não está relacionado com sua salvação ou ruína, mas apenas como uma designação de recompensas entre o povo de Deus. Porém, nenhum desses pontos de vista confere o valor real a esses dois ensina, mentos bíblicos. Visto que fazem parte da revelação inspirada, nenhuma das duas doutrinas pode ser minimizada ou enfraquecida em favor da outra. A conclusão do autor sobre essas duas verdades pode ser chamada de "a concepção histórico,redentora dinâmica". Ela enfatiza que o "já" da salvação começa no aqui e agora e que o "ainda não" se dá na plenitude da salvação. A essência dessa concepção é que há apenas uma justificação que acompanha o crente desde o início da fé (o "já") até o juízo final, onde sua realidade e vitali, dade são testadas e atestadas por meio de seus frutos (o "ainda não"). No fim - no juízo - Deus indaga sobre a justificação com o seu fruto. Ele não faz isso no sentido da fórmula "fé + obras = salvação", mas no sentido de que a justificação é a fonte do fruto santificado. Apesar de a benção da absolvição no juízo futuro ser desfrutada desde já, a Bíblia deixa claro que o que Deus deseja ver no juízo final são crentes justificados JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO que, por meio de sua graça, tiveram genuína união com Ele e que produziram fruto para sua glória. ESBOÇO DA SEÇÃO 1. Introdução 2. Razão e revelação 3. Justificação pela fé e juízo segundo as obras 4. Justificação e certeza 5. Juízo e certeza 6. Um conflito solucionado INTRODUÇÃO Este estudo tem o objetivo de esclarecer a relação entre a justificação so, mente pela fé, que traz a certeza da salvação, e o juízo segundo as obras. Foram 238 feitas várias tentativas de se solucionar o que é visto como um conflito ou contradição entre essas duas doutrinas. Com frequência, essas tentativas costu, mam minimizar ou negar um desses ensinamentos. Afirmo que ambas devem ser mantidas firmemente, pois a Bíblia ensina as duas; e também que existe uma profunda união entre elas, como a união que existe entre Cristo como Salvador e Cristo como Senhor. Uma vez que a maior parte da discussão sobre justificação e juízo é conduzida com respeito ao pensamento do apóstolo Paulo, minha atenção será voltada a ele. Po, rém, há referências a outras passagens e a certas declarações no Espírito de Profecia. Como um pressuposto para a discussão, este estudo considera primeiramen, te a relação entre razão e revelação. Em seguida, discute a ocorrência e o signi, ficado em Paulo de (1) justificação pela fé, independente das obras, e (2) juízo segundo as obras. Isso nos leva a uma avaliação de várias tentativas de conciliar as duas doutrinas. Finalmente, examinaremos a relação entre Cristo como Sal, vador e Cristo como Senhor, entre o dom de Deus e a reivindicação de Deus (seção 2). Nosso objetivo é dar um novo enfoque ao debate sobre a relação entre justificação e juízo. O estudo se encerra com uma aplicação da controvérsia ao ensinamento da Igreja Adventista do Sétimo Dia sobre o juízo e com uma con, sideração dos aspectos do juízo na teologia de João. 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA RAZÃO E REVELAÇÃO De início, é necessário, com base na Bíblia, considerar uma forma falaciosa de raciocínio que interpreta de maneira errada a revelação divina. Se esse raciocínio não é contestado e se é permitido que se mantenha, pode tornar impossível uma conclusão bíblica equilibrada para a relação entre justificação e juízo. Um texto apropriado para essa discussão, relevante à temática deste estudo, é Romanos 3: 1,8. Nessa passagem, Paulo está argumentando com o judaísmo sobre a questão da fidelidade de Deus. Em Romanos 1 e 2, Paulo mostrou que os seres humanos são infiéis a Deus. Todas as pessoas, não só os gentios como também os judeus, muitos dos quais condenavam os gentios, são pecadores pe, rante Deus, e estão sob o seu juízo (Rm 2:2), sujeitos à sua ira. Levanta,se uma pergunta com relevância especial relativamente aos judeus, aos quais foram confiados os oráculos divinos (Rm 3: 1,2): a infidelidade dos homens anula a fidelidade de Deus (v. 3)? Ou seja, o pecado dos homens, principalmente o dos judeus, anula as promessas de Deus? A resposta de Paulo é um enfático NÃO! Deus é verdadeiro, embora todo ser humano seja falso. Ele prevalece quando é julgado a respeito de sua palavra e fidelidade (v. 4). Com isso, a questão toma um novo rumo, uma direção contrária. Ela não mais tem a ver com a fidelidade de Deus - que agora se presume ser verdadeira - e, sim, com a infidelidade do homem. O ponto agora não é sobre o juízo do homem sobre Deus, mas sobre o juízo de Deus sobre o homem. Se não é possível anular a fidelidade divina, não deveria a infidelidade humana ser anulada como algo suscetível ao juízo? Se a fidelidade divina permanece, muito embora todos sejam infiéis, então talvez a infidelidade humana não deva ser rejeitada, mas desejável, uma vez que não é não punível de fato, já que tal infidelidade apenas ressalta a fidelidade de Deus. Deus não estaria sendo injusto por aplicar a sua ira (v. 5) ou julgar como pecador alguém cuja mentira elevou a verdade de Deus para sua glória (v. 7)? De fato, não é recomendável fazer o que é mal de modo que "venham bens" (v. 8)? O "bem" nesse caso provavelmente se refere em primeiro lugar à luz favorável na qual a maldade humana coloca a bondade divina e, em segundo lugar, ao bem ou à graça que vem de Deus aos seres humanos que peca, ram (veja Rm 5:20 e 6: 1). Esse tipo de argumentação foi designado, por aqueles que o empregaram, para desacreditar a doutrina de Paulo da justificação dos pecadores mostrando que isso levaria a uma perpetuação do pecado, sendo até mesmo um convite para ele, em vez de sua extinção. 239 240 JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO PAULO RESPONDE Paulo responde dizendo que se o referido raciocínio de deixar humanos peca, dores livres fosse válido, então "como julgará Deus o mundo?" (Rm 3:6). Com essa pergunta, Paulo nega a lógica de seus oponentes, não com uma discussão - que virá em Romanos 6, após Paulo ter desenvolvido completamente seu ponto de vista sobre a justificação pela fé (Rm 3:21-4:25) e suas consequências (Rm 5) -, mas com um apelo à revelação divina: Deus julgará o mundo. Se isso é verdade, conforme creem ele e seus oponentes judeus, então nenhum tipo de raciocínio que minimize ou elimine esse juízo pode ser válido. A revelação divina suplanta a lógica humana comum. (Observe como a objeção dos judeus apre, sentada em Romanos 3:5 é seguida pelo comentário de Paulo: "Falo como homem.") A razão deve ser a serva da revelação. É a revelação que ilumina a razão, e, portanto, é tarefa da razão explicar a revelação, não contradizê,la. Visto que a realidade do juízo é estabelecida com base na revelação, a razão deve explicar seu significado, não minimizar ou destruir suaimportância. )USTIFICAÇÃO PELA FÉ E JUÍZO SEGUNDO AS OBRAS Dois elementos inerentes em Romanos 3: 1,8 emergem de forma clara. Primeiro Deus é fiel, isto é, Ele cumpre suas promessas aos seres humanos, embora tenham quebrado suas promessas para com Ele (v. 1,4). Segundo, não há desculpa na fidelidade de Deus para o pecado do homem, nenhum encorajamento à sua continuidade (v. 5,8). Esses dois pontos podem parecer estar em conflito, mas para Paulo formam uma unidade e devem estar juntos. Paulo irá desenvolver o primeiro ponto em seu ensino sobre a justificação di, vina dos pecadores pela fé, e o segundo ponto com base em seu ensino sobre a justificação segundo as obras. Esses dois elementos são os pilares da teologia paulina. Para Paulo, eles estão juntos, e um explica o completo significado do outro, protegendo,o de más interpretações e falsas deduções. A justificação pela fé ajuda a salvaguardar o juízo das ideias falsas de que os seres humanos nunca serão capazes de ficar em pé no juízo de Deus ou que a justiça própria colocará em débito a justiça de Deus. Em outras palavras, a jus, tificação contradiz o conceito de que os seres humanos não podem sobreviver ao juízo ou que podem sobreviver a ele por si próprios. Por outro lado, o juízo segundo as obras protege a doutrina da justificação dos ímpios de significar a justificação da impiedade. Se existe um juízo segundo as obras, 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA então a justificação deve significar que a vida dos justificados é reivindicada por Cristo e eles são chamados a viver para Ele que morreu por eles (2Co 5: 14, 15). Quando qualquer um desses pilares é enfraquecido ou removido pelo anseio de uma unidade de pensamento fácil, rápida, terminamos não com uma meia ver, dade, mas com verdade nenhuma. Com base na revelação da Bíblia, é ficção crer que a justificação não nos relaciona ao governo de Cristo como Senhor ou que o juízo não nos relaciona à obra de Cristo como Salvador. Paulo ficou muito enraivecido com os que tentaram de todas as maneiras, fosse por pensamento ou ação, mover um desses pilares. Conforme vemos em Gálatas 1:8,9 e Romanos 3:8, aqueles que advogam qualquer uma dessas posições - trabalhar pela justificação ou o justificado não trabalhar - foram da mesma for, ma condenados por Paulo severamente. Se, como lemos em Hebreus: "Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo" (Hb 10:31), pode,se também estar certo de que era algo terrível cair nas mãos do servo de Deus, Paulo! Visto que tanto a justificação pela fé e o juízo segundo as obras são elementos da revelação divina, o cristão deve aceitar a ambas, proclamar a ambas, interpretar a ambas, e buscar correlacionar ambas. Um ensino não deve ser feito para resistir ao outro de forma que a sua essência e contribuição única sejam negadas. Conquanto seja possível dar apenas uma breve sugestão, afirmamos que a ne, cessidade e a unidade entre justificação e juízo não devem ser buscadas por meio de 241 lógica dedutiva, formal; esses pilares estão ligados com a história da salvação. Falar de justificação é falar sobre realidades que existem no contínuo da história da salvação. Somente no cenário do revelado drama da salvação, conforme nos descrevem as Escrituras, a justificação e o juízo podem ser avaliados de forma correta. Sepa, rados da história da salvação, e como objetos de debate lógico, a justificação e o juízo podem se contradizer. É papel do raciocínio cristão estimar o lugar e a função que a justificação e o juízo têm no plano redentor de Deus. De acordo com esse plano, Deus veio à Terra na pessoa de Jesus Cristo, seu filho, e ofereceu a justificação, um rela, cionamento consigo mesmo, a todo que colocasse sua fé no Cristo crucificado e ressureto. Aqueles que Deus justificou por meio de Jesus Cristo, Ele chamou para testemunhar de Jesus Cristo em palavra e ação até a consumação de todas as coisas. Quando o fim chegar, o juízo avalia e testifica da realidade da jus, tificação evidenciada pelo fiel testemunho do povo de Deus. Nessa corrente, a justificação e o juízo não estão em conflito ou contradição, mas significam começo e consumação. O plano de Deus terá se completado quando o seu povo, os justificados, esti, ver diante dele no fim dos tempos com o fruto de sua obra pessoal e evangelística por meio do poder do Espírito. Não ter fruto é não fazer parte do processo reden, tivo de Deus neste mundo. 242 JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO Nossa consideração sobre a relação entre a justificação e o juízo, como a rela, ção entre o começo e a consumação, encontra apoio em Filipenses 1 :5, 11. Paulo diz que está agradecido "pela vossa cooperação no evangelho, desde o primeiro dia até agora. Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá,la até ao Dia de Cristo Jesus. Aliás, é justo que eu assim pense de todos vós ... , pois todos sois participantes da graça comigo ... e também faço esta oração: que o vosso amor aumente mais e mais em pleno conhecimento e toda a percepção, para aprovardes as coisas excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o Dia de Cristo, cheios do fruto da justiça, o qual é mediante Jesus Cristo, para a glória e louvor de Deus." Afirmamos que a direção e conteúdo de nossa teologia devem ser amplos o suficiente para acomodar toda a informação da revelação divina. A esse respeito, a justificação e o juízo devem ser considerados elementos integrais do movimento contínuo da história da salvação. Nenhum deve ser enfraquecido ou rejeitado. Ambos devem ser aceitos e integrados. Esses pilares devem estar juntos, apoiando o edifício da atividade e propósito redentivo de Deus. }USTIFICAÇÃO E CERTEZA A justificação é pela fé, separada das obras. Isso é declarado com tanta frequência por Paulo que não é necessário listar os textos. Só Gálatas 2: 16 con, sidera esse tema várias vezes. Entretanto, dois textos merecem atenção especial porque suprem o raciocínio e a perspectiva a partir dos quais muitas declara, ções de Paulo são feitas. Refiro,me a Gálatas 2:21 e a Romanos 3:27. Com base nesses textos, se fosse perguntado a Paulo como ele sabia que a justificação não poderia ser pelas obras, sua primeira resposta não seria: "porque as obras dos seres humanos são más", embora, de fato, Paulo descreva um quadro bem sombrio da pecaminosidade das ações humanas, como o faz em Romanos 1: 18-3:20. Em vez disso, sua resposta básica seria dada com base em Gálatas 2:21. A lógica de Paulo nesse texto é cristológica: "Se a justiça é mediante a lei, segue,se que morreu Cristo em vão." E indica indiretamente o seguinte: "Mas é in, concebível que Cristo tenha morrido por nada; Ele morreu para salvar. Portanto, a justiça não pode ser pela lei." Em outras palavras, a justiça não pode vir pelas obras da lei porque a revelação indica, e a fé confessa, que a justiça vem de Cristo. O mesmo ponto básico é registrado em Romanos 3:27. Quando Paulo nega que as obras excluem a jactância, não é esse o argumento que esperávamos, após ter lido a história das más obras da humanidade em Romanos 1: 18-3:20. Mas então, Romanos 3:21,26, que enfatiza a manifestação da graça de Deus e justiça na 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA cruz, vem antes da pergunta proposta no versículo 27. Paulo responde que o que no final das contas exclui a jactância não é a presença dos feitos malignos, mas a fé nos feitos expiatórios de Cristo. O ensino de que a justiça não é pelas obras é, por conseguinte, uma dedução cristológica. Tendo feito essa observação, podemos achar útil resumir alguns dos elementos principais sobre o entendimento de Paulo com relação à justificação. Romanos, com outros textos relacionados, é o melhor guia. Frente ao espectro vil da injustiça humana descrita em Romanos 1: 18-3:20, com todaa humanidade "debaixo do pecado" (Rm 3:9), toda boca calada, e todo o mun, do culpável perante o tribunal de Deus (v. 19), a justiça de Deus (sua atividade reden, tora mediante a qual Ele restaura os seres humanos para uma relação correta com Ele), que conduz à salvação, está sendo revelada pela proclamação do evangelho (veja o cap. 1: 16) e é eficaz pela fé e fé somente (o significado de "de fé em fé" [v. 17]). O que é anunciado nos versículos 16 e 17 é desenvolvido de forma mais com, pleta em Romanos 3:21,26. A justiça de Deus que está sendo revelada ou oferecida pessoalmente no evangelho (Rm 1:17) foi revelada (Rm 3:21) historicamente no sacrifício de sangue de Cristo na cruz (v. 25). Os seres humanos, os quais todos pecaram e carecem da glória de Deus, são justificados (postos em correta relação com Deus) pela graça de Deus por meio da redenção (liberação ou liberdade do pecado) efetuada pelo sacrifício de Cristo (v. 24,25). Esse ato de justificação por 243 Deus cria um novo "agora" para os crentes (v. 21), em contraste com a velha era de pecado e morte (Rm 1: 18,3:20). A compreensão da natureza da justificação é esclarecida em outras seções de Romanos. Romanos 5: 16, 18 e 8:33,34 são de grande ajuda, pois nessas passagens se contrastam justificação e condenação (veja 2Co 3:9) e as acusações contra os eleitos de Deus. Está claro que a justificação do pecador significa que sua conde, nação é removida e todas as acusações contra ele, retiradas. Isso acontece porque Deus é "por nós", não "contra nós", como evidenciado pelo fato de que "Ele ... não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou" (Rm 8:31,32). Esse significado para a justificação pela fé está de acordo com o que está revelado em Romanos 4: 1,8, provavelmente a passagem mais importante para se entender a justificação. Nela, depois de mostrar o que Abraão não encontrou uma razão para se gloriar perante Deus devido à justificação pelas obras (v. 2), Paulo mostra, citando Gê, nesis 15:6, o que de fato Abraão encontrou: uma atribuição de justiça baseada na fé. O que envolve essa atribuição é explicado com mais detalhes em Romanos 4:6,8 pela aplicação do segundo princípio de interpretação bíblica do Rabi Hillel, gezerah shawah ("equivalência de expressões"). De acordo com esse princípio, uma palavra ou frase encontrada em um texto das Escrituras pode ser explicada pelo significado que expressa em outro texto bíblico. Sendo que a palavra atribuição apa, rece não apenas em Gênesis 15:6, mas também em Salmos 32:2, Paulo, ao estilo JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO rabínico, mas em harmonia com o evangelho, usa o último texto para esclarecer o primeiro. Ao se fazer isso, justificação, ou atribuição de justiça, significa o perdão do pecado ou, o que dá no mesmo, a ocultação do pecado ou sua não atribuição ao crente (para a última ideia, veja 2Cr 5: 19). Perdão completo e gratuito, isso é justificação. A realidade disso é tão maravilhosa que aquele que a experimentou é chamado "abençoado", ou bem-aventurado (Rm 4:7). Em Romanos 5:9-10, dois versículos paralelos, justificação se equivale à reconci- liação. Ambos os termos referem-se à mesma realidade e se tornam possíveis pelo mesmo modo - a morte de Cristo - e conduzem ao mesmo resultado: a salvação. A sinonímia entre justificação e reconciliação é vista também em 2 Coríntios 5: 18-21, onde reconciliação está unida à não atribuição do pecado, como em Romanos 4:8, e com a justiça de Deus. O interessante é que esses conceitos estão, por sua vez, re- lacionados à ideia de nova criatura mencionada em 2 Coríntios 5:17, que também é encontrada em Romanos 4: 17, onde Deus, que justifica, é descrito como aquele que "vivifica os mortos, e chama à existência as coisas que não existem". De modo geral, quando o conceito de nova criação é introduzido, as pessoas pensam primeiramente em santificação, no sentido de crescimento moral. Mas, como vemos em 2 Coríntios 5 e Romanos 4, a nova criação é relacionada de imediato com a justificação e reconciliação. Entretanto, como mostra 2 Coríntios 244 5: 14-17, o propósito da morte reconciliadora de Cristo é que aqueles que vivem em resultado dela não vivem mais por si mesmos, mas por Ele que morreu e res- suscitou. A nova criação não envolve qualquer separação entre a nova vida conce- dida e a nova vida vivida. Há outros conceitos e realidades que esclarecem o conceito da justificação. Na argumentação de Paulo quanto à justificação em Gálatas, ele explica a nova situação criada pelo ato divino de justificação em termos de adoção ou filiação (Gl 4:5-7; veja Gl 3:24-26). O significado da justificação é expresso na comovente exclamação de Gálatas 4:6, "Aba, Pai!" ("Meu Pai, meu Pai"). Essa exclamação só é possível quando o Espírito do Filho inunda o coração do crente. · De fato, a justificação envolve o recebimento do Espírito, como está expresso de forma clara em Gálatas 3: 1-5, onde, imediatamente após uma das maiores argumentações de Paulo da justificação pela fé e não por obras da lei (Gl 2: 15-21), Paulo pergunta aos gálatas se receberam "o Espírito pelas obras da lei ou pela pre- gação da fé". Sem dúvida, o recebimento do Espírito acontece com a justificação. Relacionado a isso, devemos observar 2 Coríntios 3 novamente. Não apenas é o "ministério da justiça" contrastado com "o ministério da condenação" (v. 9, KJV), mas também "o ministério do espírito [Espírito]" é contrastado com o "ministério da morte" (v. 7-8, KJV). É óbvio que o ministério da justiça de Deus (referindo-se aqui ao seu ato de justificação) é feito na presença do Espírito. Em Romanos 5:5, a esperança futura dos cristãos de compartilhar a glória de Deus é baseada na pre- 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA sente experiência do amor de Deus, outorgado pelo Espírito. O que esse amor do Espírito demonstra aos crentes é que enquanto nós ainda éramos ímpios e fracos (v. 6), pecadores (v. 8), inimigos (v. 10) Jesus morreu por nós (v. 8), e isso tornou possível a justificação (v. 9) ou reconciliação (v. 10). CERTEZA Como consequência do recebimento da justificação de Deus, com todas as suas facetas e todas as metáforas e realidades associadas a ela (redenção, expia, ção, graça, perdão, ocultação do pecado, não atribuição do pecado, reconciliação, criação, adoção, filiação, Espírito, liberdade, vida, paz e alegria), o cristão tem a confiante esperança da salvação final. Isso está claro em Romanos 5. Esse capítulo é construído na concepção do "muito mais". A frase "muito mais" aparece três vezes (v. 9,10, 17), mas a ideia se expande ao longo do capítulo. Resumindo a primeira parte do capítulo (v. 1, 11), se os crentes são justificados agora, serão salvos finalmente e completamente no juízo final. Na segunda parte do capítulo (v. 12,21), o argumento é que se a raça humana foi afetada, por intermédio de Adão, pelo pecado, injustiça e morte, muito mais por intermédio de Cristo é afetada pela graça, justiça e vida. Se Adão trouxe a ruína, muito mais Cristo trouxe a vitória. Com a lei dada no Sinai, o pecado somente abundou (v. 20) ao invés de diminuir, como defendeu o judaísmo. Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça "a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor" (v. 20,21). Assim, a ordem em Romanos 5 conduz da realidade da justificação para o "muito mais" da glorificação (veja v. 1,2). Tal movimento harmoniza,se com a corrente progressiva da salvação mencionada em Romanos 8:29,30. Aqui, mais uma vez, a justificação é seguida pela glorificação. E, assim como em Romanos 5, a tribulação antecede a glória. De acordo com Romanos 8:17,18, "se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co,herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também comele seremos glorificados". Ademais, Paulo diz: "porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós." As aflições ocorrem para que sejamos confiantes de que "todas as coisas cooperam para o bem da, queles que amam a Deus" (v. 28). A nós é dada a certeza da promessa, por meio da entrega do Filho de Deus e da justificação que resulta dela (v. 32,34), de que nada no Céu ou na terra poderá separar,nos do amor de Deus, que está em Jesus Cristo, nosso Senhor (v. 35,39). Desse modo, a realidade da justificação envolve a realidade da certeza plena e eterna. A justiça que traz a certeza da salvação àquele que crê está baseada na fé. A doutrina de Paulo refere,se à justificação pela fé, e não pelo destino. Devemos nos 245 246 }USTlFICAÇÃO E JUÍZO apoderar daquilo que Cristo fez por toda a humanidade. A justiça de Deus, que é acessível a todos por meio de Jesus Cristo, é pessoalmente eficaz apenas pela fé. E qual é o significado fundamental da fé? Embora muitas afirmações de Paulo sejam preciosas, talvez não haja resposta melhor do que aquele que encontra, mos em Romanos 4: 19,21. A partir desse texto, em que ele discorre sobre a fé de Abraão, podemos encontrar claramente os elementos da fé verdadeira. De acordo com Paulo, não obstante a idade avançada de Abraão e a esterilidade de Sara, este "não duvidou, por incredulidade, da promessa de Deus". Ao contrário, Abraão, "pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus, estando plenamente convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera". Ao invés de duvidar da promessa, devido à aparente impossibilidade da situa, ção, Abraão acreditou que a palavra de Deus manifestada em sua promessa era a única realidade possível, e isso fez com que ele crescesse, e "pela fé, se fortaleceu". Usando as palavras de outro escritor bíblico, Abraão não viveu só "de pão", mas, de uma forma empírica, "de toda palavra que procede da boca de Deus" (Mt 4:4). GLORIFICARAM A DEUS Finalmente, o resultado da fé pode ser resumido, e encontra seu verdadeiro sentido e propósito no fato de Abraão ter dado glória a Deus (Rm 4:20). No poder da promessa divina, a fé de Abraão cresceu vigorosa à medida que ele dava glória a Deus. Essa glorificação a Deus contrasta totalmente e se opõe (1) à realidade pecaminosa dos gentios que, de acordo com Romanos 1, se negaram a glorificar ou reconhecer a Deus (v. 21), "adorando e servindo a criatura em lugar do Criador" (v. 25); e (2) à realidade pecaminosa dos judeus que, segundo as implicações de Romanos 2, gloriavam,se em sua própria justiça. A postura da fé de Abraão, assumida antes de sua circuncisão, criou a possibilidade de uma nova humanidade, e tornou Abraão o pai tanto dos gentios quanto dos judeus que seguem o seu exemplo (Rm 4:9, 12). Vemos, pelo exemplo de Abraão, que a fé reconhece a Deus como Deus, e confia e depende totalmente de sua Palavra. Essa palavra é, segundo a linha de ra, ciocínio de Romanos 4, a palavra do evangelho, que fala sobre Jesus. Assim como a fé de Abraão na promessa de Deus foi imputada para a justiça, "a nós igualmente nos será imputado, a saber, a nós que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor" (v. 22, 24,25). A fé é a aceitação e confiança no evangelho. A fé também é a confissão do evangelho, como Romanos 10:9, 19 deixa claro: "se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Porque com o coração se crê para justiça e com a boca se confessa a respeito da salvação." Tendo em vista as informações bíblicas a respeito do significado da fé, é corre, to, mas incompleto, como alguns fazem, chamar de fé, o ter uma atitude passiva. 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA A importância dessa concepção é que ela enfatiza nossa aceitação das obras divinas, mas nega nossas obras como meios de justificação. Depois de essa verdade ter sido admitida, ainda precisamos completar o quadro, e enfatizar o elemento dinâmico da fé. A fé é a reação à ação e promessa inicial de Deus. A fé é divinamente estimulada ao se ouvir sobre Cristo (v. 17), mas deve ser exercitada por aquele que recebe essa palavra. Que Abraão não enfraqueceu na fé (Rm 4: 19), que "não duvidou" ... "dando glória a Deus" (v. 20), que estava plenamente convicto (v. 21), que o cristão deve confessar a Cristo como o Senhor ressuscitado (Rm 10:9) - todas essas são ações nas quais a energia da fé está enfatizada. Na fé, as pessoas estão envolvidas diretamente e pessoalmente com a promessa de Deus. De fato, Paulo entende a fé como algo tão dinâmico que pode descrevê,la como obediência, significando se render à palavra de Deus no evangelho. Ouvir o chamado do evangelho pela fé é obedecer a Deus. Esse é o caso em Romanos 1:5 (cf. Rm 16:26), onde Paulo declara que o próprio propósito de seu apostolado é trazer todas as nações à "obediência por fé", significando a obediência que é fé. Em outras palavras, o propósito da comissão do evangelho é levar todas as nações a crerem em Cristo. Quando creem em Cristo estão fazendo o que Deus, por meio do evangelho, deseja que façam. Essa ideia é corroborada pelas palavras de Jesus em João 6. Em resposta à pergunta: "Que faremos para realizar as obras de Deus?" (v. 28), Jesus respondeu: ''A obra de Deus é esta: que creiais naquele que por ele foi enviado." (v. 29). 247 Outras evidências de que a fé é obediência aparecem em Romanos 10:3 onde se diz dos judeus incrédulos: "porquanto desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabe, lecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus." O mesmo é verdade sobre Romanos 10:16, que novamente fala do Israel incrédulo: "Mas nem todos obedeceram [deram ouvidos]ao evangelho; pois Isaías diz: 'quem acreditou na nossa pregação?"' Ro, manos 10 é o grande capítulo da fé e, contudo, fala de um Israel desobediente ao evan, gelho. Pode,se também comparar Romanos 11:23 com Romanos 11:31,32, o primeiro texto enfatizando a descrença e o outro a desobediência. Compare também Romanos 1:8 com Romanos 15:18, o primeiro enfatizando a fé e o outro a obediência. O caráter dinâmico da fé também é visto em 1 Tessalonicenses 1:3, onde Pau, lo louva os tessalonicenses pela "operosidade da vossa fé, da abnegação do vosso amor e da firmeza da vossa esperança". Fé, esperança e amor é o que Deus pede do homem por meio do evangelho. De acordo com Gálatas 5:6, o que realmente importa para Deus é a "fé que atua pelo amor". Isso faz da fé um ato meritório? De modo algum. A fé é possível apenas por meio de Cristo, e tem importância apenas porque é direcionada a Cristo. Assim, a possibilidade e a eficácia da fé é Cristo. É por isso que a salvação pela fé significa salvação pela graça. A fé nos leva a Cristo e se apodera da graça. Toda a teologia paulina da fé pode ser resumida no conceito de que a fé é o render,se ao veredito, dom e reivindicação de Deus. A fé se rende ao veredito de 248 }USTIFICAÇÃO E JUÍZO Deus sobre o homem: "pois todos pecaram e carecem da glória de Deus" (Rm 3:23). Ela se rende ao dom de Deus ao homem: "sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus" (v. 24). E se rende à reivindicação de Deus ao homem: "porque se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos ... para esse fim que Cristo morreu e ressur- giu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos" (cap. 14:8-9). Juízo E CERTEZA O apóstolo Paulo apoiou fortemente a crença num juízo iminente. Vejamos suas principais passagens: 2 Coríntios 5:9-10. "É por isso que também nos esforçamos, quer presentes, quer ausentes, para lhe sermos agradáveis. Porque importa que todos nós compa- reçamos perante o tribunal de Cristo,para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo." Romanos 14: 10, 12. Aqui é declarado que os cristãos devem comparecer pe- rante o tribunal divino e é dada uma aplicação particular. No importante contexto da morte e ressurreição de Cristo para ser Senhor de mortos e de vivos (v. 9), Paulo pergunta: "por que julgas teu irmão? ... ou ... por que desprezas o teu irmão? Pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus" (v. 10). Assim como o destino último do cristão é afetado pelo juízo em 2 Coríntios 5: 10 - aqueles que são julga- dos recebem o "bem ou o mal" -, do mesmo modo aqui. A implicação é óbvia: julgar ou desprezar os outros (ou, como Romanos 14: 15, fazer "perecer aquele a favor de quem Cristo morreu") afeta o destino no julga- mento. Isso é uma reafirmação do ensinamento de Cristo de que da forma como julgamos seremos julgados. O crente, ao invés de julgar e desprezar o próximo, deve seguir o conselho: "Ora, nós que somos fortes devemos suportar as debi- lidades dos fracos e não agradar-nos a nós mesmos. Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para a edificação. Porque também Cristo não se agradou a si mesmo; antes, como está escrito: As injúrias dos que te ultrajavam caíram sobre mim" (Rm 15: 1-3). De qualquer forma, Paulo aconselha os fiéis a não fazer juízos negativos contra o próximo, porque "cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus" (Rm 14: 12). Romanos 2: 16. Esse texto fala do dia em que, como ensina o evangelho de Paulo, Deus, por meio de Cristo Jesus, julgará os segredos dos homens. E, como Romanos 2:6-10 retrata, Deus retribuirá a cada um segundo suas obras. Haverá ira e indignação aos que desobedeceram à verdade e obedeceram à injustiça; e vida eterna para aqueles que, perseverando em fazer o bem, mostraram que buscaram glória, honra e imortalidade. Porque a verdade é que não se deve buscar a justiça 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA em simplesmente ouvir da lei, pois somente "os que praticam a lei hão de ser jus, tificados" (v. 13). Embora o propósito de Romanos 2 seja mostrar que os judeus que têm justiça própria e que condenam as atitudes dos gentios, mas fazem o mesmo, (1,3, 21,24) não podem ser justificados por suas obras, o capítulo fala do verdadeiro padrão para o juízo. O padrão para o juízo, no entanto, não deve ser confundido com o método pelo qual o padrão é alcançado. Paulo passa o restante do livro, a partir de Romanos 3:21, explicando o método. Afirmamos que sua explicação abrange não só a parte teológi, ca do livro (em Romanos 11), onde o indicativo da graça divina salvadora é apresen, tado como o fundamento da redenção, como também a parte ética do livro, a partir do capítulo 12, onde o imperativo divino, que se origina da redenção proporcionada pelo evangelho, é apresentado. Não para misturar justificação e santificação, mas para mostrar que a verdadeira justificação sempre resulta em santificação. NovA VIDA Apenas quando a graça de Deus, que até o fim é a base para a vida eterna, conduz a uma nova vida com Ele (Rm 12: 1,2) é que o cristão está preparado para ficar de pé no juízo. A parte ética de Romanos não é irrelevante, ou um mero complemento à descrição das misericórdias de Deus em Romanos 1-11. A graça sempre se revela e se interpreta numa nova maneira de se viver, e para ser aceita por Deus, a mudança deve ser total. Não há dúvida de que o cristão irá carecer da misericórdia divina até o fim, mas essa misericórdia deve produzir frutos sempre. A vida recebida por Deus deve ser uma vida vivida para Deus. A mensagem do evangelho de Romanos deve ser ouvida em sua totalidade entre os adventistas do sétimo dia e por eles, tanto como indicativo (a realidade do dom de Deus) como imperativo (a realidade da reivindicação de Deus). (Observe novamente como Paulo menciona em Romanos 2: 16 que sua pregação do evan, gelho inclui a mensagem do juízo). Apenas na união do dom e da reivindicação é que é alcançada toda a potencialidade de "ser restaurado para uma relação plena com Deus" (veja Rm 2: 17). 1 Coríntios 3: 13. "Manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia a demons, trará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o próprio fogo o provará." Logo mais veremos a função desse texto em seu contexto. 1 Coríntios 4:5. "Portanto, nada julgueis antes do tempo, até que venha o senhor, o qual não somente trará à plena luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e, então, cada um receberá o seu louvor da parte de Deus." Embora Paulo enfatize "louvor" na última parte do versículo, fica claro que a revelação das "coisas ocultas" pode, no caso de algumas pessoas, trazer o resultado 249 JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO contrário. Não é o propósito de Paulo deixar isso explícito, mas sua linguagem torna essa ideia uma suposição legítima. A razão para que ele enfatizasse o louvor apenas é pessoal. Esse louvor contrasta com a preocupação de Paulo no versículo 3 de que fosse julgado pelos coríntios, ou por tribunal humano. Ele não está pre, ocupado com o louvor deles, mas com o de Deus. Sendo assim, o ponto principal do versículo tem a ver com a justificativa do ministério apostólico de Paulo. No entanto, as implicações do fato de que Deus "trará à plena luz as coisas ocultas" estendem,se de um modo mais amplo. De for, ma notória, Paulo aplicou a seu próprio ministério uma linguagem pertencente a um conceito mais amplo do juízo (veja Rm 2: 16). Colossenses 3:5,6. "Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena : prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria; por estas coisas é que vem a ira de Deus." 1 Tessalonicenses 4:6. Com respeito às exortações sobre pureza sexual, Paulo diz: "e que, nesta matéria, ninguém ofenda nem defraude a seu irmão; porque o Senhor, contra todas estas coisas, como antes vos avisamos e testificamos claramente, é o vingador." Gálatas 5:21. A forte ênfase sobre a advertência em 1 Tessalonicenses 4:6 é também feita aqui. Após outra lista de vícios, Paulo diz: "a respeito das quais eu 250 vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam." 1 Coríntios 6:9. Esse é outro texto com uma lista de vícios. A ênfase de Paulo é instrutiva: "Ou não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis." Vocês devem saber isso, diz Paulo. Mas essa é uma questão, admite ele, na qual se pode ser enganado. Ele adverte quanto a isso. Efésios 5:5'6. Esse texto contém uma advertência similar com respeito a não ser enganado. "Sabei, pois, isto: nenhum incontinente, ou impuro, ou avarento, que é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por essas coisas vem a ira de deus sobre os filhos da desobediência." Gálatas 6:7,8. Nesse texto, não ser enganado está junto com outra ideia. "Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia para a sua própria carne da carne colherá corrupção; mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá a vida eterna." Esse texto traz uma importante contribuição ao dizer que "de Deus não se zomba". Certamente seria zombar de Deus uma pessoa receber sua aceitação e então recusar,se a viver por meio de seu Espírito. Uma vida deliberada vivida pela carne não pode estar em harmonia com a realidade e intento da graça justificadora de Deus. Todo cristão deve perguntar,se a si mesmo se seu modo de vida zomba de Deus que lhe deu a vida. A ênfase em Gálatas sobre ser enganado e zombar de 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA Deus encontra um notório paralelo em Jeremias 7:8,10: "Eis que vós confiais em palavras falsas, que paranada vos aproveitam. Que é isso? Furtais e matai, cometeis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal e andais após outros deuses que não conheceis, e depois vindes, e vos pondes diante de mim nesta casa que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos salvos; sim, só para continuardes a praticar estas abominações!" Romanos 8:5-13. Esse texto faz o mesmo contraste entre a carne e o Espírito. O versículo 13 diz: "Porque o pendor da carne é para a morte, mas o do Espírito, para a vida e paz." Hebreus 2: 1-3. "Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois se tornou firme a palavra falada por meio de anos, e toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?" Hebreus 10:26-31. O que é mencionado brevemente em Hebreus 2:1,3 é desenvolvido de modo completo nesse texto de Hebreus 10. O texto fala por si: "Porque se vivermos deliberadamente em pecado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados; pelo contrário, certa expectação horrível de juízo e fogo vingador prestes a consumir os adversários. Sem misericórdia, morre pelo depoimento de duas ou três tes, temunhas quem tiver rejeitado a lei de Moisés. De quanto mais severo castigo 251 julgais vós será considerado digno aquele que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da graça? Ora, nós conhecemos aquele que disse: A mim pertence a vingança; eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo. Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo." RESUMO DAS PRINCIPAIS VERDADES DOS TEXTOS SOBRE O JUÍZO Ao passo que aqueles que permanecem comprometidos com Cristo não pre, cisam temer o juízo de Deus ou preocupar,se acerca da salvação, pelo menos três coisas estão claras a partir dessas passagens sobre o juízo. O que é dito aqui será esclarecido mais tarde neste ensaio e relacionado à salvação. (1) Os cristãos, todos os justificados pela fé, vão a julgamento. (2) O juízo é feito segundo suas obras. (3) Dois destinos são possíveis àqueles que professam a Cristo: de um lado a vida eterna, e do outro, a morte eterna. Em outras palavras, as pessoas podem se salvar ou se perder, como resultado desse juízo. Ninguém precisa se perder - prevenir isso é a razão de todas as advertências nos textos sobre o juízo - mas é possível se perder se o indivíduo for indiferente à palavra de Deus e à sua vontade. Assim como os textos bíblicos sobre a graça não abrem espaço para falsas ideias do tipo "nunca salvo por completo, a despeito do que Cristo fez", tam, 252 jUSTlFICAÇÃO E JUÍZO bém os textos sobre o juízo não permitem o ponto de vista errôneo "uma vez salvo, sempre salvo, independente do que eu faça". A salvação é sempre um dom, mas o dom não perdura quando o Doador, que é Cristo, é rejeitado como Senhor de nossa vida. ÜM CONFLITO SOLUCIONADO Várias tentativas têm sido feitas para solucionar a tensão existente entre justi, ficação e juízo. Algumas pessoas afirmam que os textos sobre o juízo segundo as obras são um complemento do passado judeu de Paulo, no qual a apocalíptica desempenhou um importante papel. Para eles, os textos sobre o juízo são um tipo de ressaca apo, calíptica, devendo, portanto, interferir na visão de Paulo sobre a justificação. De acordo com essa posição, há realmente apenas um e não dois focos nos ensi, namentos de Paulo. Afirma,se, assim, que o conceito paulino de juízo não é funcio, nal. Essa visão apocalíptica discriminatória é completamente inaceitável como uma interpretação de Paulo. Ela vai contra a frequência dos textos de Paulo a respeito do juízo, a firmeza de seu pensamento, e a centralidade de seus argumentos. Alguns defendem o que pode ser chamada de visão não perfeccionista. Ar, gumentam que uma vez que as pessoas nunca poderão ser perfeitas por causa do pecado que habita nelas, a fé é o único princípio operante no juízo, assim como na justificação. Por essa razão, a única função verdadeira das declarações bíblicas sobre o juízo segundo as obras é levar as pessoas a se refugiarem na justificação pela fé, onde a misericórdia necessária pode ser encontrada. Desse modo, o juízo segundo as obras na verdade não é uma realidade futura, exceto para aqueles que não creem em Cristo. Para o cristão, o juízo segundo as obras passa a significar juízo segundo as obras de Cristo ao invés de segundo as obras do cristão. Esse posicionamento contém um elemento positivo quando enfatiza a primazia da justiça pela fé, mas num esforço para se harmonizar facilmente com a justifica, ção, não leva em conta os textos sobre o juízo. Os dados bíblicos revelam claramen, te que as obras do cristão - possíveis somente por meio de Jesus Cristo - estão em pauta nesse juízo e que a perda da vida eterna pode acontecer se a graça não tiver produzido o discipulado. Além disso, esse ponto de vista não leva a sério a temática do cumprimento da lei, encontrada nos escritos de Paulo (Rm 8:4; 13:8, 10; Gl 5: 13, 14; 6:2). A ocorrência dessa temática não se refere à atribuição da justiça da lei, mas à materialização de sua justiça na vida do cristão por meio do poder do Espírito. Reconhecemos que falta a esse cumprimento o caráter da perfeição abso, luta, mas afirmamos que a vontade de Deus alcança a expressão concreta na vida do cristão. Além disso, esse ponto de vista mal interpreta o imperativo em Paulo, 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA ao compreender que ele trata apenas do que não fazemos ao invés do nosso fazer de acordo com a vontade de Dele - o que realmente está em Paulo e em outras passagens da Bíblia. De fato, as Escrituras exigem tanto de nós, de modo tão intransigente, que muitas vezes nos tira o fôlego. No entanto, é bem verdade que pelo poder do Espírito (que é dado aos crentes junto com a justificação pela graça em primeiro lugar; cf. Gl 2: 16, 21 e 3: 1,3) os crentes podem realmente "andar em novidade de vida" (Rm 6:4). Por meio de Cristo e como Ele, pode,se dizer do cristão que a vida que ele vive, vive para Deus (veja Rm 6:11). A ética bíblica não somente conduz uma pessoa de volta à justificação, mas é o fruto vivo da justificação. Se devemos nos refugiar continuamente na cruz por causa do rigor da exigência de Deus, é também verda, de que devemos caminhar pelo mundo com a cruz, como discípulos de Cristo que seguem seu caminho. 3. Um terceiro ponto de vista pode ser chamado de visão perfeccionista. (Deve, mos distinguir "perfeição", à qual a Bíblia sempre nos direciona, de "perfeccionis, mo", que é a afirmação de se ter chegado à perfeição). De acordo com esse ponto de vista, a justificação pela fé se refere ao início da existência cristã, enquanto no final encontramos a justificação segundo as obras. Somos justificados inicialmente pela fé, mas finalmente por alcançar, por meio da graça, o padrão de perfeição. 253 De acordo com essa idéia, não há necessidade de misericórdia no juízo, porque o crente deixou de cometer pecado. A visão perfeccionista tem pontos positivos: reconhece que Deus nos chama à perfeição, leva a sério o discipulado e salienta o propósito divino de cumprir a lei na prática, não destruí,la. No entanto, tem também sérias deficiências. Em primeiro lugar, deixa justificação e fé para trás, enquanto Paulo, não. Para Paulo, a fé que se apodera da justiça de Deus é o fundamento de um relacionamento harmônico com Deus em todos os tempos - passado, presente e futuro. Isso é inerente à frase "de fé em fé" em Romanos 1:17 e é explicitamente ensinado em Gálatas 5:5, onde é por meio do Espírito, pela fé, que "aguardamos a esperança da justiça" (que significa a justiça que esperamos). Em outraspalavras, a fé se apodera da justiça furura de Deus, bem como de sua presente manifes, tação. De acordo com Romanos 5:1,2, a justificação pela fé nos conduz à glória. Mais uma vez, Paulo, que poderosamente apresenta tanto a justificação pela fé como o juízo segundo as obras, recusa,se a ser chamado de perfeito, até mesmo na iminência de sua morte, como pode ser visto em Filipenses 3:12,14. Ele sabia que era totalmente de Cristo, mas que ele ainda não tinha conquistado plenamente as infinitas riquezas de Cristo (3: 12b) 254 JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO COMPREENSÃO SUPERFICIAL DA PERFEIÇÃO Finalmente, essa visão tem uma compreensão superficial da perfeição. Ela parece não compreender adequadamente o significado de "muito mais" dos en, .. sinos de Paulo. Segundo Paulo, podemos agradar a Deus e amar uns aos outros, assim como Cristo nos ensinou, mas não devemos nos contentar com isso, mas progredir mais e mais (1 Ts 4: 1,9, 10). O padrão de perfeição está sempre à frente do cristão e nunca poderá ser alcançado completamente. Assim, o dom de Cristo é tão infinito que sua reivindicação deve ser da mesma forma infinita. Assim como Ele se deu completamente por nós, também reivindica a nossa vida ao seu serviço. Dizer que alguém está a caminho, como Paulo (Fl 3:12,14), é uma coisa, mas dizer que alguém já chegou à perfeição, outra. Paulo rejeita essa posição mesmo quando nos aconselha que "andemos de acordo com o que já alcançamos" (v. 16). Algo já foi alcançado, porém há mais a atingir. O próprio Céu foi descrito como uma contínua aproximação de Deus. 4. Outro ponto de vista declara que o juízo só avalia categorias de santidade para os remidos, mas não determina a salvação ou a perdição. Uma legenda de um recente artigo de um periódico religioso chama a atenção para esse ponto de vista: "A causa dos crentes não corre perigo no dia do juízo, pois seu representante já selou sua justi, ficação." A seguinte explicação e apoio encontram,se no texto desse artigo: "E quanto aos textos que indicam que os crentes serão julgados segundo suas obras? A Bíblia não ensina que os crentes prestarão contas da maneira como vive, ram? É verdade que deveremos comparecer perante o tribunal de Cristo (2Co 5: 10). Mas embora a Bíblia ensine que seremos julgados segundo as nossas obras, não ensi, na que seremos justificados devido às nossas boas obras (Rm 3:20). Os crentes serão recompensados naquela ocasião pelo bem que fizeram mediante a graça de Deus (Ef 6:8; Mt 25:32,40). Pelo fato de já termos sido justificados em Cristo, essa avaliação final não irá prejudicar nossa aceitação por parte de Deus. Georg Ladd, em Theology of the New Testament (Teologia do Novo Testamento), explica isso da seguinte forma: "O crente será julgado segundo as suas obras. Nossa vida será exposta diante do tribunal divino, onde cada um receberá a justa recompensa pelo que fez por meio do corpo, de acordo com o que fez, seja esse registro bom ou mal. Esse juízo não é "uma declaração de condenação, mas uma avaliação de valores", não envolvendo uma condenação ou absolvição, mas recompensa ou perda com base na dignidade ou inutilidade da vida do cristão. O mesmo princípio está exposto em 1 Coríntios 3: 12, 15. Paulo está falando sobre a obra de líderes cristãos, mas o princípio é válido para todos os crentes. O único fundamento sobre o qual qualquer coisa permanente pode ser edificada é Jesus Cristo. Entretanto, nem todos constroem da mesma forma. Alguns erigem estruturas com ouro, prata ou pedras precio, sas; outros constroem casas indignas de madeira, feno ou restolho ... suas obras, como madeira, feno e restolho serão consumidas nas chamas do juízo a fim de 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA que nada reste como resultado de sua vida na terra. Isso não significa perda da salvação: "mas esse mesmo será salvo", mas não se ouvirá "muito bem, servo bom ~ fiel". Aqueles que construíram com confiança e eficácia serão recom, pensados por seu amor e devoção. Paulo não diz qual será a recompensa. O princípio envolvido nesse juízo é que conquanto a salvação esteja ligada à graça, ao cristão não restam dúvidas de que ele é responsável diante de Deus pela qua, lidade de sua vida presente.1 O principal problema desse ponto de vista, além do fato de parecer implicar que haverá um tipo de sistema de casta no reino vindouro, é que não está em harmonia com o significado evidente das passagens bíblicas sobre o juízo. Ele não considera a relevância de todos esses textos. É claro, a partir das declarações sobre o juízo, que o destino último é de fato determinado no juízo, e as obras (obras que resultam da fé, evidentemente) desempenham um papel importante nessa determinação. Esse ponto de vista, representado no artigo citado acima, não apenas omite muito da evidência bíblica, como também comete o erro de usar de forma errada algumas das passagens que cita. Por exemplo, é dito que Mateus 25:32A0 apoia o argumento, feito apenas do lado positivo, de que "os crentes serão recompen, sados ... pelo bem que tiverem feito por meio da graça de Deus" (E o que dizer do mal que fizeram separados da graça de Deus?). A menos que a suposição seja que entre os perdidos dessa parábola nenhum 255 tenha sido crente, a parábola ensina de modo inequívoco que uma mera profis, são de fé não é aprovada no juízo, mas somente fazer a vontade do Pai em termos de atos de misericórdia. A menos que Cristo tenha contado essa parábola para justificar a nação judaica e condenar todos os gentios - e parece, ao contrário, ter sido para mostrar que ser um judeu, um crente professo, sem atos de bondade não significa vantagem, mas só perdas em comparação com gentios "não crentes" que fazem a vontade de Deus -, ela claramente ensina o princípio de que "crentes" podem estar perdidos quando não representam o caráter essencial do reino. SEM O "MUITO BEM" NINGUÉM HERDA O REINO Também usando Mateus 25 - nesse caso, o versículo 23 - George Ladd diz que "muito bem, servo bom e fiel" não será dito àqueles que, de acordo com 1 Coríntios 3: 12, 15, edificaram de forma imprópria sobre os fundamentos de Cristo. Essas pessoas serão salvas, mas perderão a recompensa que a salvação oferece àqueles que edificaram bem. Ladd usa de forma imprópria tanto a passagem de Mateus como a de Coríntios. Deve,se observar que em Mateus 25:23, "muito bem" é seguido por e é a premissa para "entra no gozo do teu senhor". Esse gozo não é apenas um aspecto do reino reservado para algumas pessoas (bons edificadores) que entram no reino. Ao invés disso, gozo é um termo que resume o reino como um todo. Sem "muito bem", ninguém, de modo algum, entra no reino ou tem participação em qua"/quer de suas alegrias. JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO Assim como em 1 Coríntios 3: 12, 15, essa passagem é mal compreendida quan, do usada para ensinar que não importa o que um crente faça em sua vida pessoal, ele ainda será salvo no fim. A declaração "esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo", não é uma promessa notória, mas uma advertência implícita. Ela desafia aqueles em posições de liderança que podem estar edificando o templo de Deus de maneira inadequada, encorajando facções no lugar de unidade na igre, ja - esse é o tema de 1 Coríntios 3, não os pecados pessoais de cada membro da congregação, como Ladd gostaria que crêssemos. Essa passagem desafia os líderes a serem cuidadosos, pois das chamas do juízo divino escaparão somente "como que através do fogo", ou seja, "por um fio de cabelo". A descrição é de alguém correndo por uma construção em chamas que ele próprio edificou para escapar com vida. Nenhum líder da igreja responsável pode descansar em vista de tal concepção. A intensidade da declaração de Paulo e a inevitabilidade do juízo atingem o ponto alto quando Paulo diz nos versículos se, guintesque a igreja é o santuário de Deus e que "se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá". Aqui não há um incondicional "será salvo"! Que todos se acautelem. Edificadores descuidados poderão escapar por pouco, destruidores não sobreviverão de modo nenhum. O ponto de vista de que o juízo apenas determina as classes dos bem,aventura, 256 dos é falho, pois entra em conflito com um dos pilares do pensamento de Paulo. O real significado das declarações de Paulo sobre o juízo é mal compreendido devido a uma determinada posição sobre a justificação. O problema aqui é a lógica humana trabalhando sem considerar todos os dados das Escrituras. 5. Em minha opinião, a postura mais aceitável em razão de todos os dados do pensamento de Paulo é o que se poderia chamar de o ponto de vista dinâmico, histórico da salvação. Esse ponto de vista contém os dois pólos, tão salientados em Paulo, do "já" da salvação iniciada e o "ainda não" da salvação concluída. O "já" e o "ainda não" estão presentes tanto na história da salvação como na experiência humana individual, uma vez que está ligada a essa história. A essência dessa visão é que só há uma justificação, e ela acompanha o crente desde o começo de sua fé (o "já") em todo o caminho até o juízo final, onde sua realidade e vitalidade são testadas e comprovadas por seus frutos (o "ainda não"). A Bíblia ensina que a justificação pertence aos "últimos acontecimentos", pois traz o esperado veredito de absolvição no juízo final para o presente. No entanto, curiosamente, segundo as Escrituras, os últimos acontecimentos em si têm um início e um fim. O princípio é que "aquele que começou boa obra em vós há de completá,la até ao Dia de Cristo Jesus" (Fp 1:6). Portanto, o testemunho das Escri, turas é contrariado quando a lógica humana conclui que uma vez que a justifica, ção, uma realidade presente por meio da fé, pertence aos últimos acontecimentos, nada mais se pode pedir do crente no juízo final. Embora a bênção da absolvição 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA no juízo futuro de fato tem seu papel mesmo agora, as Escrituras deixam claro que o que Deus deseja ver no juízo final são crentes justificados, que por sua graça produziram frutos para sua glória (v. 9~ 11). A nova história que Deus dá a cada crente não chega ao fim quando ele vai a Cristo e é justificado; ela apenas começa. No final, Deus pede a justificação com os seus frutos - não no sentido da fórmula "fé mais obras é igual à salvação", mas no sentido de que a justificação é fonte de frutos santificados. No juízo final, Cristo como Salvador e Senhor pode perguntar legitimamente àqueles que justificou: "você, na força da minha graça, foi meu discípulo?" A rea; lidade deveria ser: "Sim!" Essa resposta não poderia ter sido dada na primeira vez que os crentes vieram a Cristo e receberam sua justificação. O discipulado começa apenas quando se encontra Jesus, o Justificador, mas começa de fato quando o cren; te entrega toda sua vida futura à soberania do já presente amor de Deus. Do "JÁ" PARA o "AINDA NÃO" Para Paulo, a consumação do plano de Deus se dá quando a justificação, revelada primeiramente de forma objetiva na cruz, e apropriada de forma sub; jetiva pela fé, seguiu o seu curso e manifestou sua completa intenção por meio da santificação, e chega completamente no destino da vida eterna. Essa é a or; dem da salvação encontrada em Romanos 6: 15;23 e resumida no versículo 22: "Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes o vosso fruto para a santificação e, por fim, a vida eterna." O movimento de justificação para a vida eterna é um movimento do "já" para o "ainda não". Mas para cada realidade em si, ambas, tanto para a justificação como para a vida, há também um "já" e um "ainda não". A justiça de Deus já foi recebida; porém os crentes aguardam essa esperança (Gl 5:5). O que une o que foi e o que será é a fé que atua pelo amor (v. 6). Somente quando a fé dos cristãos atuar pelo amor poderá o veredicto final ser "Justo"! Quanto à vida eterna, um dia será plena (Rm 5:21), mas agora é sentida como antecipação. (Veja, por exemplo, Romanos 6:4, "andemos nós em novidade de vida", e 6:13, "como ressurretos dentre os mortos"). Santificação, ou a maturação da vida em Cristo, é um elo de ligação entre a vida como antecipação e a vida como posse plena. Na teologia paulina do "já"/"ainda não", o juízo segundo as obras é um cumpri; mento do aspecto "ainda não" da justificação pela fé. A graça, que acompanha o crente até o fim, atinge o seu objetivo na bondade. A obra redentora de Cristo por nós se ma; nifesta plenamente na sua soberania sobre nós. O juízo questiona se ela se tomou uma realidade. Falhar em prestar contas no juízo segundo as obras é, em poucas palavras, excluir o elemento do "ainda não" da teologia paulina da salvação. O que está sendo dito aqui é que os últimos acontecimentos não têm seu clímax na cruz e na aceitação dela pela fé, mas começa aí. O que aconteceu na 257 258 JUSTIFICAÇÃO E JUÍZO cruz e para aqueles que a aceitam, continua a revelar o seu significado e aplicação por meio do contínuo ministério de Jesus, até que a cruz tenha alcançado a vitória final e Cristo seja o Senhor de todos. SOB O SENHORIO DE CRISTO O juízo segundo as obras ensina que a cruz, como um acontecimento salvífi, co, nos coloca sob o senhorio, ou reinado, de Cristo. Rejeitar o discipulado ou recusaVie a andar em santificação, que, segundo Romanos 6, é inseparável da justificação, é rejeitar a Cristo como nosso Salvador e Senhor. O juízo segundo as obras indaga não apenas a respeito de obras isoladas, mas sobre a relação do crente com Cristo na dualidade e unidade de sua salvação e senhorio. Se fosse pedido a Paulo para ilustrar numa parábola seu ensinamento sobre justificação e juízo, ele poderia muito bem ter escolhido o tipo de parábola re, presentada pela história do credor incompassivo (Mt 18:23,35). Essa parábola representa muito bem o que Paulo ensina de fato. Como o servo impiedoso, os pecadores são chamados a prestar contas pela primeira vez ao rei e lhes é perdoada uma dívida intransponível. A justificação funciona dessa forma. No entanto, quando aqueles que são perdoados, como o servo foi, se recusam a terem misericórdia para com os outros, como se recusou o servo, são chamados pelo rei a prestar contas novamente e são condenados à prisão. Os perdoados são agora os sentenciados! Isso se harmoniza ao ensinamento de Paulo sobre o juízo segundo as obras. Se, com base nessa parábola, for perguntado se as obras são o fundamento último da salvação ou condenação, a resposta é "Não!" O fundamento da salvação é a misericórdia do rei. A ausência de atos de misericórdia por parte do servo só confirmou que ele não tinha noção do que a misericórdia era realmente e que ele rejeitou,a como um princípio ativo para toda a vida. A misericórdia nunca pode ser apenas para si mesmo e guardada como um meio de engrandecimento, em vez de ser um instrumento de cura. Na verdade, se Deus é rei, nosso rei, não é evidente que o caráter de seu governo deve nos caracterizar? Isso não é para salvar a nós mesmos por nossas obras, mas para que Deus possa plenamente nos salvar. Não somos salvos por nossa própria mise, ricórdia, mas a salvação de Deus produz pessoas misericordiosas. "Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas" (Ef 2: 10). O que está em jogo na parábola é o governo do rei fundamentado na graça. Ao nos testar em termos de nossa misericórdia, o que fica provado é que a rea, lidade suprema que define e influencia todas as coisas, inclusive nós mesmos, é a misericórdia de Deus. É por isso que o propósito final do Grande Conflito é testemunhar a todoo universo que Deus é amor. 70 SEMANAS, LEVÍTICO E A NATUREZA DA PROFECIA Uma última questão nessa parábola que representa o espírito e a essência do pensamento de Paulo reside na verdade paradoxal de que a misericórdia é para o misericordioso. Ao contrário dos ensinamentos do judaísmo de que não haverá misericórdia no juízo final, somente a justiça permanecerá. (Veja 2 Es, dras 7:33). Cristo ensinou que a misericórdia de Deus estará plenamente ativa no juízo final, mas será mostrada somente para aqueles que tiverem mostrado misericórdia, em resposta à misericórdia de Deus. Aqui surge a pergunta: se alguém tiver mostrado misericórdia nesta vida, por que ele precisa de misericórdia no juízo? À luz de Jesus Cristo, a única res, posta é que embora seja possível imitar o caráter de Cristo, o caráter infinito de sua bondade nunca pode ser igualado. Por conseguinte, duas coisas permane, cem no juízo: (1) o fruto santificado de justificação deve estar presente, mas (2) a justificação em si deve continuar sua função perdoadora. A graça não está em contradição com o fruto, nem o fruto com a graça. No juízo, os dois elementos coexistem. "Foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei" (Mt 25:23). A conclusão de nossa discussão sobre a certeza é a de que se a justificação confere certeza, o juízo a protege. Ele a protege da ilusão de que a certeza é possível sem um relacionamento fundamental com Cristo e um comprometimento em segui-lo. Nossas obras não nos conferem certeza, mas Aquele a quem seguimos em grati, dão em nossas obras, sim. Portanto, a questão de obras e certeza é a questão de 259 Cristo. O crente pode sempre ter certeza da salvação se sua resposta a Cristo é "Sim". Não há certeza em dizer "Não" para Ele, que primeiro disse "Sim" para nós. Paulo ilustra isso em 1 Coríntios 10: 1, 13. Tudo estava bem com Israel - e estará bem com a igreja, a correspondente de Israel - enquanto seguiu a Rocha, que era Cristo. Mas quando desejou o mal, foi destruído pelo destruidor. O juízo sobre o espiritualmente privilegiado Israel prova que aqueles que pensam estar de pé, certos de sua salvação separada da preocupação com a vontade de Deus, devem ter cuidado para que não caiam (v. 12). Mas ninguém tem que cair, pois Deus sempre provê um meio de nos livrar da tentação (v. 13). Portanto, os crentes têm a certeza da filiação assim como os que são tentados. O ensino bíblico sobre o juízo nos relembra disso e dá um fundamento apro, priado de verdadeira certeza - aceitar a Cristo.
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