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C) -·-TCC/UNICAMP P929e 1664 FEF /285 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇAO FÍSICA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIFICAÇÃO NO ENSINO DE SEUS CONTEÚDOS TATHYANA DE CARVALHO PREYER CAMPINAS 2000 TCC/UNICAMP .9~ P929e V UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: A IMPORTÂNCIA DA DIVERSIFICAÇÃO NO ENSINO DE SEUS CONTEÚDOS Monografia apresentada à Faculdade de Educação Física/UNICAMP, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Licenciatura Plena. Orientad . Prof. Dr. Roberto Rodrigues Paes. TATHYANA DE CARVALHO PR YER CAMPINAS 2000 - Dedico este trabalho à minha familia, pelo incentivo que sempre me deram; à Penelope pela companhia nas horas de estudo. Meus sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. Roberto Rodrigues Paes pela sua atenção e compreensão em entender, com toda competência e sabedoria, as dificuldades encontradas durante todas as fases do estudo, o que fez aumentar o meu respeito e admiração pessoal; aos professores da graduação da Faculdade de Educação Física que, em suas singularidades, puderam contribuir para a efetivação deste estudo; à Marisa, pela ajuda em todos os momentos deste estudo; aos funcionários da biblioteca desta faculdade, pela atenção que me dedicaram; e à todos que, direta ou indiretamente, contribuíram e me incentivaram durante a realização deste trabalho. SUMÁRIO RESUMO PÁGINA INTRODUÇÃO............................................................................... 01 CAPÍTULO 1 Educação Física, Esporte e Prática Esportivizada... ............... ...... 04 CAPÍTULO 2 Conteúdos da Educação Física Escolar e o Ensino Fundamental 24 2. 1 Esporte............................................................ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.2 Jogo ...................................................................................... 42 2.3 Dança ................................................................................... 49 2.4 Ginástica.............................................................................. 57 2.5 Luta ...................................................................................... 63 2.6 Capoeira ............................................................................... 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................... 77 BIBLIOGRAFIA BÁSICA .............................................................. 80 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ............................................. 85 RESUMO Ainda persiste nos dias atuais o modelo tradicional que se configura, basicamente, na prática esportivizada de modalidades esportivas coletivas, principalmente futebol, a qual se apresenta sem nenhuma preocupação com o desenvolvimento global do aluno, sua formação crítica e consciente, e sua integração á sociedade em que vive. O objetivo deste estudo consiste em analisar os conteúdos da Educação Física escolar no ensino fundamental, e defender uma prática pedagógica que considere a diversidade dos conteúdos na Educação Física escolar. A metodologia adotada neste estudo é do tipo descritivo, com pesquisa bibliográfica, tendo como procedimento metodológico a técnica de revisão de literatura realizada na Biblioteca da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. Buscamos abordar em nosso estudo a importância de diversificar os conteúdos da cultura corporal na Educação Física escolar, apontando para a necessidade de se compreender o esporte, o jogo, a dança, a luta e a ginástica, relacionados a diversos temas abordados em aula como recursos expressivos, para que todas as possibilidades de manifestação humana sejam objetivadas de forma contextualizadas, respeitando a individualidade do aluno, sua cultura, seus valores e expectativas. Procuramos nos aprofundar em questões referente ao conteúdo da Educação Física escolar no ensino fundamental, pois fornece subsídios para a aquisição da cultura corporal nas etapas seguintes do processo ensino-aprendizagem. INTRODUÇÃO A situação de crise da educação no Brasil vem sendo discutida em inúmeros documentos, os quais visam promover, no âmbito científico- educacional, propostas político-educacionais voltadas para uma visão crítica da realidade brasileira Desse mesmo modo, a Educação Física brasileira também vem caminhando para um desenvolvimento diferenciado em relação a sua prática. Novos estudos vem se desenvolvendo para uma Educação Física escolar comprometida com o projeto pedagógico da escola. Contudo, ainda persiste nos dias atuais o modelo tradicional que se configura, basicamente, na prática esportivizada de modalidades esportivas coletivas, principalmente futebol, a qual se apresenta sem nenhuma preocupação com o desenvolvimento global do aluno, sua formação crítica e consciente, e sua integração à sociedade em que vive. Em nosso estudo, nos preocupamos em buscar, através da literatura específica, estudos que tratem a Educação Física enquanto área do conhecimento, com o objetivo de melhor esclarecer sua atuação no âmbito escolar como disciplina curricular relevante para a formação do aluno. Procuramos discutir a cultura corporal como conteúdo da Educação Física escolar, aprofundando em questões referente ao ensino fundamental por fornecer alicerces consistentes para a aquisição da cultura corporal em todas as etapas seguintes do ensino escolar. Abordamos também o esporte para esclarecermos como sua prática esportivizada está presente no âmbito escolar, em detrimento de demais conteúdos. A respeito, utilizamos os estudos de PAES (1996) como base teórica para o nosso estudo, por compartilharmos de suas idéias. Em seus estudos, o autor observa que: "O esporte ensinado na escola como um conteúdo das aulas de Educação Física não deve ser confundido com uma atividade prática esportivizada, pois o esporte apresenta um conteúdo com tratamento pedagógico considerando as necessidades e possibilidades dos alunos em cada série; enquanto que a prática esportivizada apresenta-se como uma atividade inócua caracterizada pela repetição da mesma prática em todas as séries do ensino fundamental, não promovendo o desenvolvimento e excluindo os alunos menos aptos" (Paes, 1996). 2 Neste sentido, procuramos defender uma prática pedagógica que considere a diversidade dos conteúdos da cultura corporal na Educação Física escolar, apontando para a necessidade de se compreender o esporte, o jogo, a dança, a ginástica e a luta, relacionados a diversos temas abordados em aula como recursos expressivos, para que todas as formas de manifestação humana sejam contempladas. Dessa forma, acreditamos que ao facilitar, nas escolas, a apropriação da cultura corporal utilizando-se do maior número possível de alternativas de expressão motora do seu universo cultural, respeitando as características individuais do aluno, ele enriquece o seu repertório de movimentos facilitando a interação social. Sob esta ótica, ser humano e movimento são relevantes tanto ao agir e pensar como para as relações entre os próprios homens. Perante esta visão, a Educação Física valoriza o homem que se movimenta, relacionando a todas as suas formas de manifestação, tanto no campo dos esportes sistematizados, como no mundo do movimento que não abrange o sistema esportivo. Moreira inpud NISTA-PÍCCOLO (1995) ressalta que: "A relevância da Educação Física escolar deve ser discutida e analisada no contexto da relevância da educação brasileira, do que representa o ato de educar o seu povo, do que representa a escola em nosso sistema institucional e quais os valores que permeiam essas relações"(Nista-Píccolo, 1995). 3 Neste contexto, acreditamos que os limites que impossibilitaram uma formação corporal autêntica, na Educação Física escolar, não está na falta de conteúdos, mas na falta de comprometimento com sua~ propostas de atividades. Portanto, entendemos que a Educação Física encontra-se em um momento importante, pois, enquanto área de conhecimento, busca sua própria identidade, para não ser compreendida simplesmente com uma prática repetitiva de movimentos, baseada em prática esportivizada, sem referencial teórico. O objetivo do nosso estudo consiste em: 1. Analisar os conteúdos da Educação Física escolar no ensino fundamental; 2. Defender uma prática pedagógica que considere a diversidade dos conteúdos da Educação Física escolar. A metodologia adotada neste estudo é do tipo descritivo, com pesquisa bibliográfica, tendo como procedimento metodológico a técnica de revisão de literatura realizada na Biblioteca da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de CampinasiUNICAMP. Para desenvolver o tema do estudo estabelecemos um plano de redação composto por dois capítulos: No primeiro capítulo, pretendemos situar a Educação Física, como área do conhecimento, enquanto disciplina curricular, na tentativa de melhor compreender o seu desenvolvimento nas escolas brasileiras, como também, abordamos o esporte para esclarecermos como sua prática esportivizada está presente no âmbito escolar, em detrimento de demais conteúdos. No segundo capítulo, temos o propósito de abordar os conteúdos da cultura corporal, procurando defender uma prática pedagógica diversificada, bem como discutir os seus processos de ensino-aprendizagem para o ensino fundamental. CAPÍTULO 1 Educação Física, Esporte e Prática esportivizada Neste capítulo, pretendemos justificar a Educação Física enquanto disciplina curricular, na tentativa de melhor compreender o seu desenvolvimento nas escolas brasileiras. Para tanto, utilizamos alguns autores que visualizam a Educação Física escolar como área do conhecimento, a fim de fundamentar teoricamente nosso estudo. Recorremos, então, a Medina (1983/1987), Oliveira et ai. (1988), Betti (1991), Grupo de Trabalho Pedagógico UFPe- UFSM (1991), Coletivo de Autores (1992), Nista-Píccolo (1995), Santin (1995), Paes (1996) e Bereoff (1999). Elegemos como objeto de estudo, neste capítulo, um dos conteúdos contemplados pela Educação Física escolar, o esporte, para entendermos sua relação atual com esta disciplina curricular na escola. De acordo com BEREOFF (1999), nos últimos anos, mais precisamente a partir do final da década de setenta, a Educação Física escolar tem sido alvo de inúmeras críticas, por ter sido uma prática pedagógica reprodutora dos modelos socialmente dominantes. Para entendermos esse quadro, se faz imprescindível localizar a Educação Física, enquanto componente curricular, no contexto das questões e discussões atuais sobre educação. Neste sentido, para obtermos uma compreensão da realidade atual, é necessário analisarmos os processos sociais que influenciaram a educação e a Educação Física a assumir determinada proposição pedagógica. Situando tais colocações, concordamos com autores que afirmam que o discurso pedagógico da Educação Física brasileira sempre foi determinado pela filosofia educacional pertinente a cada época, refletindo o momento político 5 correspondente e se concretizando na organização curricular, especialmente na composição programática do componente. Neste contexto, citamos os estudos do GRUPO DE TRABALHO PEDAGÓGICO UFPe- UFSM (1991), que analisam a Educação Física como um fator histórico-sociaL Para os autores, as idéias sociais de valores e normas se alteraram no decorrer das décadas, em função do contínuo processo de discussão e transformação das necessidades sociais. Dessa forma, será mostrado em nosso estudo, baseado na literatura específica produzida pela área nas últimas décadas, os principais fatos históricos que influenciaram a Educação Física. Acreditamos que refletir criticamente sobre a função social da Educação Física escolar tornou-se fundamental, uma vez que os seus conteúdos foram priorizados, ao longo da história, de acordo com os métodos europeus, os quais foram aplicados sem o necessário pressuposto teórico para se adaptarem á realidade brasileira. Nesse sentido, citamos COLETIVO DE AUTORES ( 1992), pois afirmam que nas quatro primeiras décadas do século XX, a influência da Instituição Militar e dos Métodos Ginásticas foi determinante para o sistema educacional brasileiro. Os autores explicam em seus estudos, que os principais autores dos Métodos Ginásticas, o sueco P. H. Ling, o francés Amoras e o alemão A Spiess, auxiliados por fisiologistas, médicos e professores de música, aliaram à Educação Física escolar o desenvolvimento e fortalecimento físico e moral dos indivíduos, de acordo com o referencial das ciências biológicas. Foi neste contexto que, na década de vinte, estados brasileiros realizaram reformas de seus sistemas de ensino, as quais seriam precursoras das grandes reformas nacionais que se realizaram a partir de 1930. Esta fase caracterizou-se, segundo Nagle, citado em BETII (1991 ), pelo "entusiasmo pela educação" ou a crença de que, através da educação escolar, seria possível incorporar grandes camadas da população no desenvolvimento sócio-económico, e pelo "otimismo pedagógico", explicado pelo autor como a crença de que determinadas doutrinas educacionais indicariam o 6 caminho para a formação do homem brasileiro. De acordo com o autor, este modelo passou a ser conhecido de "Escola Nova" (Betti, 1991, p. 65). Em várias reformas a Educação Física foi incluída nos currículos escolares, geralmente sob a denominação de Ginástica. Mas foi no Estado Novo, período compreendido entre 1937 e 1945, que a Educação Física obteve um decisivo impulso no Brasil. Durante todo o período do Estado Novo, a Educação Física foi concebida como uma prática educativa, capaz de desenvolver integralmente o organismo, revigorar energias orgânicas e prevenir enfermidades, como também, despertar hábitos e qualidades morais. Nesta perspectiva, com a predominância do sistema militar no setor educacional, a Educaçao Física passa a educar a disciplina e a obediência, e preparar os indivíduos para o serviço militar. Assim, entendemos que a Educação Física ministrada na escola foi utilizada como instrumento de aprimoramento físico, pois visava apenas tornar os indivíduos aptos para compor os exércitos e trabalhar na indústria nascente. Essa íntima ligação entre os sistemas militar e educacional influenciou a formação de recursos humanos para a Educação Física. Assim, as primeiras instituições destinadas à formação de profissionais especializados eram ligadas às Forças Armadas. A respeito, BRACHT (1992) menciona que: "As aulas de Educação Física eram ministradas por instrutores do exército, que traziam para as escolas os rígidos métodos militares da disciplina e da hierarquia. Este fato é a base da construção da identidade pedagógica da Educação Física escolar, calcada nas normas e valores próprios da instituição militar' (Bracht, 1992). De acordo com o autor, somente em 1939 foi fundada a Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil, primeira escola civil de formação de professores de Educação Física, pelo Decreto-Lei n• 7 1212, de 17 de abril de 1939, que também regulamentou a exigência de habilitação para o exercício da profissão. Entendemos que este período foi marcado por uma Educação Física preocupada apenas com a repetiçao de movimentos, objetivando a formação de um corpo forte, porém acrílico, o que na verdade contemplava os anseios do projeto da ditadurado Estado Novo. Para BEREOFF (1999), o período de críticas à Educação Física iniciou-se nesse contexto tecnocrático, centrado nos interesses militares, como resultado de um processo social objetivo, sob uma estrutura de dominação que levou à crise da formação cultural. Após a Segunda Guerra Mundial, que coincide com o fim da ditadura do Estado Novo no Brasil, surgem outras tendências disputando a supremacia no interior da instituição escolar. COLETIVO DE AUTORES (1992) destacam o Método Natural Austríaco desenvolvido por Gaulhofer e Streicher e o Método da Educaçao Física Desportiva Generalizada, divulgado no Brasil por Augusta Listello, no qual predominava a influência do esporte. De acordo com os autores, o Método Desportivo Generalizado afirmava-se paulatinamente em todos os países sob influência da cultura européia como elemento predominante da cultura corporal, e representava uma reação contra os métodos ginásticas utilizados pelo sistema anterior. Neste contexto, o período correspondente a década de setenta marcou a ascensão do esporte à razão do Estado e a inclusão do binômio Educação Física/Esporte na planificação estratégica do governo. Ocorreram também profundas mudanças na política educacional e na Educação Física escolar, que subordinou-se ao sistema esportivo, e a expansão e sedimentação do sistema de formação dos recursos humanos para a Educação Física e o Esporte. Acreditamos que essa influência do esporte no sistema escolar indica a subordinaçao da Educação Física aos côdigos da instituição esportiva, colocando o esporte na escola como seu prolongamento. Pela ótica desse modelo, a Educação Física passa a ser subordinada ao esporte competitivo, introduzindo os alunos nos modelos 8 socialmente dominantes do esporte, e qualificando os indivíduos a participarem dos contextos específicos de ação e normas do esporte. Atualmente é denominada como Educação Física Tecnicista ou Método Tecnicista de Educação Física. Por meio de leis, decretos e pareceres, referentes a Educação Física e ao esporte, o governo garantiu a hegemonia do esporte de alto rendimento nos programas de Educação Física escolar, baseado fundamentalmente na aptidão física, o que tornou o esporte um objeto único e em posição absoluta. Para tanto, a aptidão física foi definida como referência fundamental para orientar o planejamento, controle e avaliação da Educação Física. Ilustramos esse contexto citando o Decreto n• 69.450, de 1971, que por sua falta de especificidade manteve a ênfase na aptidão física, tanto na organização das atividades como no seu controle e avaliação, considerando a Educação Física como: " ... atividade que, por seus meios, processos e técnicas, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando" (Brasil, 1985). Outro fator importante foi a influência vital que a esportivização exerceu na organização curricular e programática da Educação Física escolar. Dessa forma, o esporte determinou o conteúdo de ensino da Educação Física, estabelecendo novas relações entre professor e aluno, não havendo diferença entre professor e treinador, pois os professores eram contratados pelo seu desempenho atlético na modalidade esportiva específica. Em conseqüência, este contexto também garantiu os interesses do sistema esportivo na formação dos recursos humanos, resultando em currículos balizado pela esportivização superficial. Diante deste contexto, entendemos que a Educação Física escolar ficou pontuada pelo esporte apresentado como uma atividade mecânica e 9 repetitiva, preocupada com a execução de movimentos padronizados das modalidades esportivas, sem contudo haver uma reflexão de sua prática. Em função dessa realidade, alguns estudiosos, atualmente, se posicionam contra o desenvolvimento do esporte na escola. Entretanto, acreditamos que não se trata de desconsiderar o esporte no âmbito escolar, mas sim de se reavaliar seus métodos e tratamento, de maneira a atender conjuntamente as expectativas dos alunos e os objetivos da educação, a fim de auxiliar na formação global do aluno. Para nós, o esporte é entendido como conteúdo de uma área de conhecimento, cujo ensino esteja compatível com o objetivo da educação. Nesta perspectiva, o esporte é tido como uma constituição de um saber, e acreditamos que a escola tem como principal tarefa a socialização de conteúdos do saber. que: Por esta visão, concordamos com PAES (1996) quando menciona "... o esporte somente poderá interferir no processo de educação formal do aluno à medida em que for compreendido como um conteúdo de uma área de conhecimento, cujo ensino seja (. . .) compatível com os objetivos da educação que exige uma elaboração sistematizada" (Paes, 1996, p. 07). Portanto, acreditamos que o problema não está no esporte, mas sim como este conteúdo é trabalhado na escola. Nesta ótica, defendemos o esporte presente na escola, mas não como foi desenvolvido pela Educação Física Tecnicista, que buscava na iniciação esportiva a descoberta de novos talentos que pudessem participar de competições nacionais e internacionais representando a pátria. Este modelo tecnocrático, que norteava as diretrizes políticas para a Educação Física, baseava-se para a Educação Física escolar, na melhoria da aptidão física da população urbana e no empreendimento da iniciativa privada na 10 organização esportiva para a comunidade, para garantir a participação dos indivíduos mais aptos nas competições dentro e fora do país. Como o Brasil não se tornou uma nação oHmpica e a competição esportiva de elite não aumentou o número de praticantes de atividades físicas, iniciou-se, então, uma profunda crise de identidade nos pressupostos e no próprio discurso da Educação Física, que originou uma mudança significativa nas políticas educacionais. De acordo com MEDINA (1983), foi no período de abertura política, aproximadamente a partir da metade da década de setenta, que iniciaram as discussões sobre educação para uma reforma nas aulas de Educação Física, visando tanto à democratização como à humanização na relação entre o professor e o aluno. Portanto, na década de oitenta já era presenciado grande divulgação de novas idéias em Educação Física, com maior embasamento científico e reflexão teórica, e propostas de inovação metodológica. Estes princípios de discussão pedagógico-metodológicas esforçavam-se em achar uma conexão com a discussão da pedagogia geral do Brasil. Entendemos que a crise de identidade levou ao profissionais da área à busca de uma reflexão sobre a relação existente entre a Educação Física e a sociedade, mais especificamente a um tentativa de justificar a utilidade social da Educação Física e seu papel nas transformações sociais, como também, sua relevância e contribuição para a formação do aluno no contexto escolar. Neste contexto, diversos autores buscaram justificar a Educação Física enquanto componente curricular de igual valor às demais disciplinas da escola, através de discussões que giravam em torno de sua identidade, legitimação e especificidade, contestando os modelos metodológicos tradicionais do processo ensino-aprendizagem. Da mesma forma, muitos estudos foram desenvolvidos com ênfase na contribuição social da Educação Física. Podemos exemplificar citando as teorias crítico-reprodutivas que demonstraram o fenômeno educativo a partir de seus condicionantes sociais, enfatizando a crítica ideológica da sociedade. ll Contudo, estas teorias foram apresentadas sob forma de um idealismo, o que causou uma inércia na educação, possibilitando, ainda no início da década de oitenta, o surgimento de teorias voltadas para uma tendência dialética, inicialmente influenciada pelas teorias crítico-reprodutivas, mas que buscavamuma crítica menos ingênua e com uma análise interpretativa mais coerente ao fenômeno brasileiro. Somente no final da década de oitenta e início de noventa que se desenvolveu na educação, e também na Educação Física, uma visão próxima da tendência dialética com o objetivo de redirecionar esta área de forma mais coerente com a realidade. Enfim, estes são apenas exemplos que citamos dos amplos debates que envolvem a Educação Física escolar. Atualmente, se concebe a existência de algumas abordagens para a Educação Física escolar no Brasil que resultam da articulação de diferentes teorias psicológicas, sociológicas e concepções filosóficas, que embora contenham enfoques científicos diferenciados entre si, com pontos muitas vezes divergentes, têm em comum a busca de uma Educação Física que articule as múltiplas dimensões do ser humano. (1991 ): Para elucidarmos esta questão, recorremos aos estudos de BETTI "O discurso sócio-político, que lidera o processo de transformação na Educação Física brasileira atual, propõe um modelo de personalidade que desenha um homem crítico, criativo e consciente( ... )". Contudo, ainda é possível encontrarmos influências e ações de caráter tecnicista na Educação Física escolar atual, contrapondo ao progresso de conhecimento voltado ao pensamento crítico. A respeito, MOREIRA (1993) observa: "Apesar de algumas tentativas isoladas, o quadro da Educação Física escolar, no momento, ass1m se apresenta: sem identidade, acrílica, transmitindo e controlando o ritmo das atividades mecânicas, desenvolvendo conteúdos ao sabor do modismo, buscando perfeição do gesto e descompromissada com o indivíduo e com a sociedade" (Moreira, 1993, p. 204 ). 12 Acreditamos que, apesar de todo o esforço dos estudiosos, a Educação Física escolar cotidiana, em quase a sua totalidade, ainda aparece estar alheia a essa discussão que a norteia, apresentando como conteúdo predominante o esporte, desenvolvido de forma repetitiva e descontextualizada da realidade social do aluno. Perante este quadro, buscamos nos estudos de PAES (1996) fundamentos que nos elucidassem a respeito dessa realidade. Para o autor, nos dias atuais, é vinculado à Educação Física um conceito de esporte que se confunde com prática esportivizada, a qual se refere, equivocadamente, a tarefa de formação de atletas. Nesta perspectiva, este conceito reforça a Educação Física que atua seletivamente. Neste contexto, acreditamos que a aula de Educação Física, através da difusão dos padrões desta prática esportivizada, passa a ser um agente que oferece uma semiformação de caráter acrítico, pois é assumida sem vínculos com o mundo social, político, econômico e cultural, tornando-se um objeto de dominação. De acordo com BEREOFF (1999), é possível verificar que a semiformação do binômio Educação Física/Esporte (entendido por nós como prática esportivizada), presente na escola, não se deve somente ás políticas educacionais, mas a um desenvolvimento estrutural desta área, que assumiu um modelo que se utilizou dos esportes transformando-os em conteúdos desprovidos de um embasamento teórico. Assim, entendemos que a Educação Física escolar gradativamente se tornou porta-voz deste discurso oficial e, no modelo tecnicista, massificou o ensino da Educação Física, sob um currículo voltado para a prática esportivizada e busca pela profissionalização na formação de alunos atletas. 13 Neste momento, faz-se necessário ressaltamos nosso ponto de vista em relação ao esporte enquanto conteúdo curricular e ao esporte profissional. A respeito desse assunto, concordamos com as idéias de PAES (1996): "A discussão do esporte, enquanto conteúdo da Educação Física escolar, não deve ocorrer de forma desvinculada do esporte profissional, é preciso conhecer suas características e objetivos, saber diferenciá-los e respeitar as suas legitimidades" (Paes, 1996). Para o autor, se a Educação Física escolar dissolver esta relação mal resolvida entre o esporte praticado na escola e o esporte profissional, a profissionalização do esporte será melhor compreendida possibilitando um convívio mais harmonioso com suas ambigüidades, o que permitirá definir com clareza os objetivos do esporte profissional e do esporte proposto na escola. Portanto, acreditamos que o esporte não deve ser vinculado ao objetivo específico de formar atletas, mas deve favorecer a uma educação esportiva, cujos conhecimentos adquiridos na escola serão utilizados conforme a opção individual de cada aluno. A respeito, BORDIEU (1983) menciona que o produto esporte pode ser consumido de diferentes formas, não somente através da sua prática, mas através do espetáculo esportivo, da utilização de materiais esportivos e mesmos leituras especializadas. Neste sentido, entendemos a preocupação de PAES (1996) em relação ao oferecimento do esporte como conteúdo curricular. Para este autor: "O esporte deve ser oferecido de forma que o aluno possa compreendê-lo integralmente. Através de conhecimentos teóricos e práticos, deve conhecer suas diferentes modalidades, aprender e vivenciar seus fundamentos, compreender suas regras, bem como conhecer sua história e evolução, a fim de que o ensino do esporte na escola se configure como um saber, diferenciando-se da atividade esportivizada"(Paes, 1996). 14 Para que isto ocorra, concordamos com o GRUPO DE TRABALHO PEDAGÓGICO UFPe- UFSM (1991) ao dizerem que: "A prática de ensmo da Educação Física deve, inicialmente, descongelar os modelos fixos de interação no ensino da Educação Física, dispondo as situações de ensino de modo que os alunos entendam o esporte como sendo algo institucionalizado, podendo ser modificado e tornando-o disponível, no sentido de atender aos interesses dos alunos e às mudanças da vida cotidiana, buscando, assim, o sentido de movimento e esporte ao invés da sua adaptação inconsciente" Desse modo, entendemos que o objeto de estudos da Educação Física escolar não se restringe ao desenvolvimento das ações do esporte, mas sim, possibilitar o entendimento crítico das diversas manifestações esportivas, seus interesses e seus problemas vinculados ao contexto sócio-político onde está inserido. Nesta perspectiva, acreditamos que o esporte pode contribuir para que a Educação Física seja efetivamente entendida como uma disciplina do currículo escolar, justificando-se por uma necessidade acadêmica e não mais por exigências legais, quase nunca comprometida com a formação do aluno. Mas, para que isto se concretize, é necessário reformular sua prática cotidiana, que na maioria das instituições educacionais apresenta-se resistente a possíveis mudanças, apesar de todas as discussões e publicações sobre a área e do reconhecimento de que a Educação Física nos moldes atuais pouco tem a acrescentar ao aluno. Para ilustrar, citamos PAES (1996) que denuncia em seus estudos que a Educação Física, no âmbito escolar, quase sempre vem atuando de forma 15 desvinculada do projeto pedagógico da escola, o que revela a falta de resultado efetivo das pesquisas voltadas para esta área de atuação, a qual ainda se utiliza de atividades práticas desprovidas de consistência teórica, cujo objetivo é somente cumprir as exigências impostas pela legislação vigente no país. Para o autor, esse quadro revela a falta de credibilidade da área, possibilitando sua confusão com a prática esportivizada, na maioria das vezes expressa através do futebol. Considerando o mesmo contexto, NISTA-PÍCCOLO (1995) observa que a falta de identidade da Educação Física, no âmbito escolar, é decorrente da falta de um corpo teórico próprio, pois sua informação acumulada é vasta e extremamente desintegrada por se tratar de uma área multidisciplinar. Ao nosso ver, a falta desse conhecimentointegrado dificulta os profissionais da área em justificar ou de dar uma identidade a Educação Física, e em conseqüência, defini-la satisfatoriamente. Assim, as finalidades, os objetivos, os conteúdos, os métodos e o próprio conceito desta disciplina ficam condicionados pelo grau de consciência individual e coletiva dos que trabalham nesta área da atividade humana. Mesmo assim, acreditamos que a Educação Física vem buscando o seu grau de autonomia pedagógica e sua identidade e legitimidade como integrante do sistema formal de ensino. Entendemos que para reconstruir este processo de significados da Educação Física, é necessário, inicialmente, buscarmos formas de analisar seus conceitos através do movimento histórico. Em nosso estudo, será mostrado alguns exemplos de definições a fim de que possamos ilustrar esses momentos históricos. A discussão de SINGER (1980) foi baseada nos estudos de Muska Mosston, Harold Barrow e Charles Bucher para compreender as definições, significados e interpelações dados à Educação Física. Muska Mosston dedicou sua análise de modos de ensino em Educação Ffsica às decisões tomadas referentes a respostas físicas (motoras), interação social, crescimento emocional e envolvimento intelectual, apontando que construtores de conceitos e profissionais têm preocupações semelhantes 16 nestas áreas, sendo possível serem expressos objetivos específicos em qualquer uma destas categorias. Harold Barrow apresentou uma visão tipicamente idealista e global da Educação Física, definindo-a como: " ... educação através da ação de grandes músculos em esportes, exercícios e dança, (. . .) Como educação, o produto da Educação Física precisa ser determinado. Este produto é uma pessoa fisicamente educada (. . .) e somente tem razão de ser quando está relacionado com a totalidade da vida da pessoa. Entretanto, os parâmetros deste aspecto são um pouco mais difíceis de estabelecer do que outros e não estão bem definidos". E Charles Bucher propunha que a: "Educação Física, uma parte integral do processo de educação total, é um campo de atividade que tem como objetivo o desenvolvimento de cidadllos ajustados física, mental, emocional e socialmente através de atividades físicas selecionadas, visando a realização destes resultados". Nesse exemplos, fica claro para nós que os autores apresentavam nessa época conceitos amplos para a Educação Física, incluindo um grande número de parâmetros a serem atingidos. No âmbito educacional, percebemos que as finalidades da Educação Física estavam alinhadas com a educação em geral. Com base nas definições de M. Toscano e O. Fanali, que também definiram a Educação Física através de conceitos amplos, HURTADO (1983) procurou dar uma identidade a Educação Física: M. Toscano definiu Educação Física como: " o conjunto de atividades fisicas, metódicas e racionais, que se interagem ao processo de educaçlio global, visando ao pleno desenvolvimento do aparelho locomotor, ao desempenho normal das grandes funções vitais e ao melhor relacionamento social". O. Fanali afirmou que a Educação Física é uma: " ... atividade que avalia sistematicamente o conjunto das formas de praticar os exercicios físicos com o fim de aumentar, principalmente, o potencial biológico do homem, de acordo com as necessidades sociais". 17 Ressaltamos nestas definições propostas para a Educação Física as influências do contexto histórico pelo qual os autores pertenciam. Neste caso, evidenciamos que ambos foram influenciados pelos conhecimentos referentes aos pressupostos higiênicos, eugênicos e físicos, vinculados às instituições militares e à classe médica. Em outro momento histórico da Educação Física, sob a ótica da Educação Física Tecnicista, a influência da instituição esportiva na Educação Física foi expressa nas definições de vários autores, tal como a definição apresentada por OLIVEIRA (1988). Para o autor, a Educação Física destinava-se: " a promover o desenvolvimento físico, social, emocional e mental da criança por meio da atividade corporal. Neste sentido, se fazia presente o movimento, a atividade muscular, as destrezas neuromusculares, a coordenação e outras qualidades fisicas, o sentido de tempo, o espírito desportivo, o respeito por si mesmo, pelos demais e pelas regras do jogo, enfim, um sem- número de atividades que concorriam para o desenvolvimento integral e harmônico do homem em crescimento". 18 Influenciado por uma visão mais critica da Educação Física, MEDINA (1987) entendia que: "A Educação Física deve ocupar-se do corpo, na posse de todas as suas dimensões (físico, mental, espiritual e emocional) de maneira integral, e seus movimentos voltados para a ampliação constante das possibilidades concretas dos seres humanos, ajudando-os assim na sua realização mais plena e autêntica". Em todas essas definições, evidenciamos a preocupação que estes autores tiveram em legitimar a Educação Física cada um em sua época. Mesmo através de conceitos que nos dias atuais entendemos ser amplos e poucos eficazes, consideramos importante essa busca pela legitimidade por parte dos estudiosos da área. Nesta mesma perspectiva, mostramos outros estudiosos, que desiludidos com o termo "educação física" por acreditarem não sugerir as potenciais contribuições desta área do conhecimento, se esforçaram para mudar o seu corpo de conhecimento e, conseqüentemente, o seu nome, a fim de tornar a Educação Física uma ciência. Considerando o trabalho desses estudiosos no âmbito educacional, PAES (1996) mostrou em seus estudos as propostas de Jean Le Boulch, que se refere a educação psicomotora como possibilidade de uma Educação Física mais científica; Pierre de Parlebás, que apresenta a ação motriz como objeto de estudo da Educação Física; e Manuel Sérgio que defende a motricidade humana como uma nova ciência. Para Jean Le Boulch, a corrente educativa em psicomotricidade surgiu da necessidade de suprir algumas dificuldades apresentadas pela Educação Física na compreensão de uma educação real do corpo. Segundo o 19 autor, a educação psicomotora exerce uma função significativa no processo de formação da criança, contribuindo para seu desenvolvimento físico e mental, dando oportunidade, entre outras, do aluno conhecer e dominar seu corpo e âtlquirir diferentes habilidades. Pierre de Parlebás propõe a ação motriz como objeto de estudo da Educação Física e a define como uma pedagogia de condutas motrizes. Para o autor, além do movimento, existem outras dimensões humanas que devem ser consideradas no tratamento com os conteúdos da Educação Física: afetiva, cognitiva e expressiva. E Manuel Sérgio defende a motricidade humana como uma nova ciência que trata da compreensão e explicação das condutas motoras, as quais são consideradas pelo autor como o comportamento motor, portador de significação, de intencional idade, de consciência clara, que expressa a vivência e a convivência e, da mesma forma, numa condição de dinamismo intencional criativo, que visualiza o vir a ser. A Educação Física seria o seu ramo pedagógico passando a chamar-se Educação Motora. Em uma outra corrente, Santin (apud Paes, 1996) mostrou a Educação Física com uma ação pedagógica e a discutiu como eixo de sua proposta da corporeidade humana. Discutiu, também, o significado da Educação Física preocupando-se com suas possibilidades no processo do desenvolvimento humano. Segundo o autor, o substantivo "educação" refere-se à formação do homem e o adjetivo "física" refere-se à sua especialidade, portanto, Educação Física seria "ação educativa que tem como objeto de suas práticas os aspectos corpóreos do ser humano". Acreditamos que estas definições, no seu sentido literal, não consideram as questões antropológicas,econômicas, políticas, sociais e culturais, as quais se tornaram absolutamente relevantes por estarem historicamente no projeto educacional. Por isso, concordamos com a definição apresentada por PAES (1996). Baseado nos estudos de Bracht, Betti e Coletivos de Autores, PAES (1996) definiu a Educação Física como: " área do conhecimento que no âmbito escolar, caracteriza-se como uma prática pedagógica onde, através do seu conteúdo clássico (dança, ginástica, esporte e jogo) contribui para o desenvolvimento do homem, tendo em vista sua formação enquanto cidadão e sua habilitação para o exercício da cidadania plena". 20 Aprofundando nos estudos de PAES (1996), vimos que para Bracht e Coletivos de Autores, Educação Física é uma prática pedagógica que, no âmbito escolar, tematiza formas de atividades expressivas corporais como: jogo, esporte, dança, ginástica, formas estas que configuram uma área de conhecimento que pode ser chamada de cultura corporal. O estudo desse conhecimento visa aprender a expressão corporal como linguagem. E para Betti, a Educação Física pode ser definida como um componente curricular que se utiliza das atividades institucionais (dança, ginástica, jogo e esporte) para atingir seus objetivos educacionais; portanto, como um meio da educação formal. Em outro estudo, BETTI (1991) discute os objetivos da Educação Física, a partir dos estudos de Simri, Demel, Tani et ai. e Freire: Simri propõe como objetivo para a Educação Física o desenvolvimento do corpo e sua capacidade motora; Demel entende que os objetivos da Educação Física devem se expressar através do domínio da personalidade e da categoria somática; Tani et ai. desenvolvem como idéia central a aplicação da Educação Física no movimento humano; e Freire vê no movimento um instrumento que facilita a aprendizagem de conteúdos. Para BETTI (1991), os objetivos da Educação Física são confundidos com a finalidade da educação de um modo em geral, propondo o desenvolvimento integral da personalidade do aluno. Assim, na sua visão, a Educação Física escolar passa a não ter o seu próprio objetivo definido com clareza. Segundo esse autor, a Educação Física deve ter uma função pedagógica que transcende as preocupações relativas à execução de 21 determinados movimentos. Dessa forma, a Educação Física passa a ter uma função pedagógica social atuando sobre a personalidade do aluno, uma vez que a Educação Física na escola deixa de ser uma prática repetitiva de movimentos e gestos técnicos, para se comprometer com o conhecimento do aluno de forma integrada e contextualizada. Diante dessa perspectiva, concordamos com as idéias de BETTI (1992) em relação a função social da Educação Física escolar, como também, acreditamos que o questionamento crítico dos valores, métodos, embasamento científico e formação de recursos humanos da Educação Física devem ser evidenciados para tornar concreto, no plano pedagógico e social, os benefícios que propõem contribuir com a formação do ser humano em sua integração social. A respeito, NISTA-PÍCCOLO (1995) menciona que o compromisso social da educação incita as transformações quando busca atender às necessidades do aluno, e que a Educação Física pode ser um dos caminhos para que seja atingido esse objetivo através de suas atividades específicas, já que estas atividades promovem o crescimento evolutivo do aluno. Mas, para que a Educação Física se estabeleça como uma alternativa possível para a formaçllo do aluno, entendemos que esteja faltando uma compreensão consciente e adequada de seus objetivos, e como desenvolver estas atividades específicas considerando sua função individual e social. Neste sentido, recorremos a LE BOULCH (1987) que identificou uma das principais dificuldades para a Educação Física se credenciar como disciplina: a necessidade de definição clara de seu objeto de estudo. Sobre esta realidade, compartilhamos da idéia de PAES (1996) ao mencionar que a legislação tem sua parcela de contribuição, pois não considera a Educação Física como uma disciplina, mas sim como uma atividade, e como tal, torna-se descompromissada com o ensino, confundindo-se com recreação, atividade de compensação e mesmo ocupaçao do tempo ocioso na escola. Para Santin, citado por PAES (1996): "A Educação Física tomou-se uma atividade polivalente em função do atual momento vivido pela área em busca de sua própria identidade". 22 Acreditamos que a enorme variedade de abordagens sobre a Educação Física dificulta o estabelecimento de seus objetivos, os quais dão sentido a sua práxis, e conseqüentemente, a sua identidade. As concepções surgem e se estabelecem uma após as outras com o passar do tempo, entretanto, o mesmo fenômeno não ocorre em relação ao nível de consciência das pessoas, fazendo com que todas as concepções influenciem diretamente os profissionais que trabalham na área. Neste sentido, concordamos com os estudos de MEDINA (1987) que entende que cada época deve ser analisada pela ótica da realidade que a circunscreve e não faz sentido a aplicação de princípios antes prevalentes, mas que atualmente se mostram superados pelos novos conhecimentos estabelecidos. Assim, o autor entende que a Educação Física deve evoluir enriquecida constantemente por elementos mais significativos ao crescimento humano, contudo, é preciso que não se perca na extensão das particularidades, deixando escapar gradativamente a compreensão da totalidade em que os fenômenos acontecem. Considerando tais colocações, mencionamos os estudos realizados por OLIVEIRA et ai (1988): "Para a Educação Física contribuir com o desenvolvimento do sistema escolar, é necessário elaborar a sua doutrina pedagógica e construir o seu projeto para a educação brasileira, explicitando os seus valores e concepções de ser humano e sociedade" Assim, compartilhamos com a idéia dos autores e acreditamos que a Educação Física deve ser considerada como uma prática educativa inserida num projeto pedagógico global, sendo que a elaboração e a execução do projeto 23 pedagógico deve estar contextualizado com as condições específicas no qual está inserido, e com as características e aspirações de seus alunos. Nesta perspectiva, acreditamos também que a Educação Física escolar e o esporte podem encontrar um caminho coerente com o seu compromisso educacional, e conseqüentemente, configurar-se como um saber diferenciado da atividade esportivizada, para deixar de ser uma atividade e passar a ser entendida como uma disciplina do currículo escolar. Nossa preocupação neste capítulo foi situar e justificar a Educação Física como disciplina curricular relevante à formação do aluno e o esporte enquanto conteúdo educativo, a partir da visão de autores que consideram a Educação Física escolar uma área do conhecimento. Após essa reflexão a respeito da relevância da Educação Física escolar, pretendemos, no capítulo seguinte, abordar os conteúdos dessa disciplina em função de sua importância para o ensino fundamental. 24 CAPÍTULO 2 Conteúdos da Educação Física escolar e o Ensino Fundamental No capítulo anterior, procuramos situar a Educação Física na escola e justificá-la enquanto disciplina curricular relevante para a formação do aluno. Introdutoriamente, abordamos o esporte para esclarecermos como sua prática esportivizada está presente no âmbito escolar, em detrimento de demais conteúdos. Neste capítulo, temos o propósito de abordar os conteúdos da cultura corporal, procurando defender uma prática pedagógica diversificada, bem como discutir os seus processos de ensino-aprendizagem para o ensino fundamental. Nesse momento inicial, achamos importante esclarecer o nosso ponto de vista em relação a educação. Assim sendo, acreditamos que é através dela, no relacionamentosocial, que o ser humano demonstra os valores e os interesses da sociedade específicos de cada época histórica. Nesse sentido, concordamos com MEDINA (1983) quando define educação como: " um processo pelo qual os seres humanos buscam sistemática ou assistematicamente CJI desenvolvimento de todas as suas potencialidades, sempre no ~tido de uma auto-realização, em conformidade com a própria realização da sociedade" (Medina, 1983). Ao aprofundarmos em seus estudos, verificamos que o autor prossegue sua discussão sobre educação mencionando as palavras de Saviani, que a define como: " o processo de promoção do ser humano que, no caso, significa tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela, transformando-a no sentido de uma ampliação da comunicação e colaboração entre os homens". 25 Ao nosso ver, este processo não ocorre somente no nível das habilidades, mas também transforma os conhecimentos e ideais das pessoas. E é por intermédio dessas transformações que entendemos a finalidade da educação enquanto processo. Para nós, toda manifestação humana é movida por valores que determinam certos ideais, finalidades e objetivos. Evidentemente, esse valores são culturalmente moldados e se modificam de acordo com as variáveis que o momento histórico lhes impõe. É neste contexto que os conteúdos da Educação Física variam através dos tempos. Neste sentido, a relação entre Educação Física e educação é evidenciada, em diversas fases da história da humanidade, pela preocupação de vários pensadores e educadores em valorizar a Educação Física no contexto geral da educação. Para ilustrar, mencionamos FERREIRA (1984) que afirmou em seus estudos que a imagem projetada pela Educação Física, bem como os objetivos que se propoe a concretizar, refletem a ideologia educacional do sistema em que se encontra inserida. Historicamente, a Educação Física escolar apresenta-se fundamentada e teoricamente valorizada por pensadores e educadores, bem como amparada por legislação específica. De acordo com a legislação brasileira, a Educação Física foi modelada conforme as diretrizes metodológicas mencionadas na legislação de cada época, quanto à consideração dada a atividades, áreas de estudo e disciplinas. Contudo, OLIVEIRA et ai. (1988) denunciam que incoerências e interpretações errôneas se interpõem no discurso da Educação Física para o ensino fundamental, e até mesmo desconhecimento da própria Educação Física. 26 Acreditamos que as contradições encontradas na legislação específica são reflexos da história e do nível de desenvolvimento da Educação Física como área do conhecimento humano e como prática pedagógica. Por isso, entendemos que o campo de conhecimento tratado pela Educação Física deve ser compreendido pelo vasto acervo acumulado historicamente e construído nas relações da vida, constituindo-se em um bem cultural de grande relevância para o entendimento da realidade contemporânea. Enquanto campo de vivências e experiências sociais, compartilhamos das idéias do COLETIVO DE AUTORES (1992), que defendem a Educação Física que trata no âmbito escolar de temas da cultura corporal, procurando dar incentivo e estímulo para desenvolver aprendizagens sociais significativas, a fim de serem avistadas tanto através dos conhecimentos já construídos quanto nas atitudes que podem ser desenvolvidas. Sob esta ótica, a Educação Física escolar é considerada na perspectiva da reflexão sobre a cultura corporal. Isto requer uma articulação do conhecimento, a fim de " ... possibilitar uma nova lógica de pensar o aluno, na elaboração de uma síntese que lhe permita a constatação, interpretação, compreensão e explicação da realidade acerca da cultura corporal" (Coletivo de Autores, 1992, p. 111). Nesta perspectiva, os autores mencionam que: "O homem se apropria da cultura corporal dispondo sua intencionalidade para o lúdico, o artístico, o agonístico, o estético ou outros, que são representações, idéias, conceitos produzidos pela consciência social denominado de 'significações objetivas'. Em face delas, ele desenvolve um 'sentido pessoal' que exprime sua subjetividade e relaciona as significações objetivas com a realidade da sua própria vida, do seu mundo e das suas motivações". 27 Para nos esclarecer, os autores, baseados em Leontiev, explicam que o aluno confere um sentido próprio às atividades propostas pelo professor, sem, contudo, as atividades deixarem de ter uma significação social. É neste contexto que os autores ressaltam, ainda, que a inter- relação e interdependência entre os diferentes temas que venham a compor um programa de Educação Física e os grandes problemas sócio-políticos da atualidade não podem e não devem ser ignoradas, uma vez que as diferentes expressões da cultura corporal a serem tratados na escola, " ... expressam um sentidolsJgmficado onde se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade!objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade" (Coletivo de Autores, 1992, p. 62). Entendemos, então, que refletir sobre os problemas sócio-políticos da atualidade é necessário se há pretensão de viabilizar, através de uma análise interpretativa e explicativa, o entendimento do aluno frente a realidade de seus interesses de classe social. Isso quer dizer que é função da escola propor a apreensão da prática social, direcionando os conteúdos que devem ser ministrados nas aulas de Educação Física. Essas considerações enfatizam a importância de se pensar a disciplina Educação Física articulada com o projeto político-pedagógico da instituição escolar. Ao nosso ver, essa articulação é imprescindível para uma reflexão e compreensão da cultura corporal inserida no contexto da sociedade. Esta questão é evidenciada por SAVIANI (1987) quando alerta para a "tendência a se desvincular os conteúdos específicos de cada disciplina das finalidades sociais mais amplas( .. )". Dessa forma, acreditamos que o aprofundamento da realidade através da problematização de conteúdos desperta no aluno curiosidade e motivação, quando sua percepção está orientada para a necessidade de solução de um problema implícito em um determinado conteúdo. Sendo assim, a seleção e organização de conteúdos requer coerência com a necessidade de leitura da realidade, para isso, entendemos que é preciso conhecer sua origem, assim como, o motivo de interesse pelo seu ensino. Outro aspecto a ser considerado por nós na seleção de conteúdos é a realidade material da escola, uma vez que muitos estudiosos acreditam que para apropriação do conhecimento da Educação Física supõe a adequação de instrumentos teóricos e práticos, sendo que algumas habilidades corporais exigem, ainda, materiais específicos. A respeito, recorremos a NISTA-PÍCCOLO (1988) para discutirmos a realidade material da escola. Sobre o assunto, concordamos com a autora quando menciona em seus estudos que a qualidade de ensino não depende das condições que a escola oferece, mas sim da vontade, interesse e criatividade do professor em ensinar determinados conteúdos. Voltando, ainda, no processo de seleção de conteúdos, COLETIVO DE AUTORES ( 1992) com base nos estudos de Libâneo, Saviani e Varjal, discutem esta questão apontando seis princípios que devem ser considerados: relevância social do conteúdo; contemporaneidade do conteúdo; adequação às possibilidades sócio-cognitivas do aluno; simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade; espiralidade da incorporação das referências do pensamento; e provisoriedade do conhecimento. Nesta perspectiva, a Educação Física, especialmente nas primeiras séries do ensino fundamental, deve iniciar uma ampla integração e relacionamento com as atividades dos demais componentes curriculares. Combase nessas considerações, compartilhamos das idéias de FERREIRA (1984) quando menciona que a Educação Física no ensino fundamental deve proporcionar atividades que transponham o caráter utilitário, a fim de desenvolver a Educação Física como um ato de conhecimento. É importante ressaltarmos que os professores devem ter seus alunos como sujeitos desse ato. Assim sendo, entendemos que as atividades da cultura corporal específicas da Educação Física no ensino fundamental precisam respeitar e atender às características, às necessidades e aos interesses do aluno, através de um programa de Educação Física flexível e diversificado na utilização de conteúdos e estratégias, valendo-se de atividades naturais e/ou construídas, sem desviar -se da elaboração concreta de seus objetivos para esta fase de escolarização. 29 De um modo geral, entendemos que o objetivo de um programa de Educação Física, independentemente da situação onde o mesmo é desenvolvido, é de oportunizar o envolvimento do aluno em atividades que contribuam para o seu desenvolvimento global. Para que isto ocorra, consideramos necessário que as atividades do programa de Educação Física sejam adequadas à fase de crescimento e desenvolvimento dos alunos, que no caso especifico do ensino fundamental, corresponde a faixa etária de sete a quatorze anos. Ao nosso ver, para que haja adequação nas estratégias de ensino é preciso que as atividades motoras sejam desenvolvidas em função das características, necessidades e interesses do aluno e/ou do grupo, a partir dos níveis de regularidade, intensidade e duração da participação. Assim sendo, concordamos com OLIVEIRA et ai. (1988) quando se referem aos beneficios que as atividades próprias da Educação Física, com objetivos claramente definidos, proporcionam para o ser humano. De acordo com os autores, a prática dessas atividades aumenta o acervo motor favorecendo uma atuação motora mais natural, eficiente e eficaz em diversas situações, com conseqüente melhora do bem-estar, como também, beneficia o desenvolvimento consciente. Para estes autores: "A Educação Física, no ensino fundamental, deve sempre visar o desenvolvimento integral do aluno no plano motor, anat6mico-fisio/ógico, psicológico e social; e não limitar seu referencial de ação ao desenvolvimento e rendimento físico-motor, os quais devem ser considerados como ponto de partida e como atribuições especificas da Educação Física e não como fins em si mesmos, sob pena de comprometer a conquista dos valores educativos mais gerais" (Oliveira et ai., 1988). 30 Nesta ótica, a Educação Física escolar deve ser uma prática educativa inserida no projeto pedagógico da escola. PAES (1996) também entende que a Educação Física escolar, assim como as demais disciplinas que compõem o currículo no ensino fundamental, deve desenvolver seu conteúdo de forma sistematizada e articulada ao projeto pedagógico da escola. Este autor ainda acrescenta que a escola, através da ação pedagógica do professor, deve atuar no processo de formação do aluno. Para tanto, ressaltamos que os conteúdos devem ser organizados, sistematizados e distribuídos dentro do tempo pedagogicamente necessário para o processo de assimilação do conhecimento. Além disso, também devemos considerar, de acordo com COLETIVO DE AUTORES (1992), os condicionantes impostos pelas relações de poder com as classes dominantes no que se refere as esferas da vida particular, do trabalho e do lazer, uma vez que refletem nas formas de expressão corporal. Nesta perspectiva, vários aspectos podem ser considerados e analisados na tentativa de buscar um período adequado, do ponto de vista pedagógico, para o ensino dos conteúdos na escola. Dentre os autores que buscam determinar um período adequado para o ensino dos conteúdos na escola, TANI et ai. (1988) enfatizam em seus estudos que a aquisição de habilidades básicas, ou padrões fundamentais ele movimento, é de suma importância para o domínio das habilidades motoras. Nesta perspectiva, a Educação Física torna-se importante na medida em que estrutura, através ele experiências, o ambiente adequado para o aluno, assim, o desenvolvimento posterior não é prejudicado. Isto sugere que, na Educação Física, no ensino fundamental, devem ser explorados diferentes meios, na forma de movimentos, para atingir o mesmo objetivo, assim como utilizar o mesmo meio para diferentes objetivos. Os estudos de TANI et ai. (1988) mostram que, até aproximadamente seis a sete anos de idade, o desenvolvimento motor da criança se caracteriza basicamente pela aquisição, estabilização e diversificação das habilidades básicas: andar, correr, arremessar, receber, quicar, rebater e chutar. Nos anos que se seguem, até aproximadamente dez a doze anos, o ll desenvolvimento se caracteriza fundamentalmente pelo refinamento e diversificação na combinação destas habilidades, em padrões seqüenciais cada vez mais complexos. Para os autores, o período crítico não é determinado pela idade cronológica, e sim pelo estado maturacional do sistema nervoso para uma determinada habilidade. Também podemos citar COLETIVO DE AUTORES (1992) quando se trata da sistematização do conhecimento e da organização do trabalho na escola. Em seus estudos sobre metodologia da Educação Física, apresentam como proposta os ciclos de escolarização. Nos ciclos, os conteúdos de ensino são tratados simultaneamente, constituindo-se referências que vão se ampliando no pensamento do aluno de forma espiralada, desde o momento da constatação de um ou vários dados da realidade até interpretá-los, compreendê-los e explicá-los. Sob esta ótica, os alunos podem lidar com diferentes ciclos simultaneamente, de acordo com os dados que estão sendo apresentados. Os autores introduziram o modelo dos ciclos, sem abandonar a referência às séries: 1. O primeiro ciclo vai da pré-escola até a 38 série, e compreende o ciclo de organização da identidade dos dados da realidade: prevalecem as referências sensoriais do aluno na sua relação com o conhecimento; 2. O segundo ciclo vai da 4 8 à 6a séries, e compreende o ciclo de iniciação à sistematização do conhecimento: começa a estabelecer nexos, dependências e relações complexas, representadas no conceito e no real aparente; 3. O terceiro ciclo vai da 7" à 8' séries, e compreende o ciclo de ampliação da sistematização do conhecimento: o aluno amplia as referências conceituais do seu pensamento, pois toma consciência da atividade teórica; 4. O quarto ciclo se dá na 13 , 23 e 33 séries do ensino médio, e compreende o ciclo de aprofundamento da sistematização do conhecimento: o aluno adquire uma relação especial com o objeto baseado em sua reflexão. PAES (1996) também propõe um período adequado, do ponto de vista pedagógico, para o ensino do esporte referente as modalidades coletivas: futebol, basquetebol, voleibol e handebol. 32 A partir de uma delimitação do desenvolvimento dos elementos comuns às quatro modalidades, o autor direciona o seu trabalho para os fundamentos específicos de cada modalidade, situações de jogo e sistemas. Nesta visão, o autor procura buscar, através da análise técnica das modalidades, a identificação e a compreensão lógica (denominada por ele de "lógica técnica" e composta por habilidades básicas e específicas), para darem estruturação às modalidades coletivas sugeridas. Para tanto, propõe uma periodização para o processo de ensino do esporte: 1. Pré-iniciação: atende crianças de 1' e 2' séries. Desenvolve como conteúdo principal o domínio do corpo, que oferece aos alunos a oportunidade de conhecer seu corpo e suas possibilidades, e a manipulação da bola, que permite aos alunos criar intimidade com a bola através de seu controle; 2. Iniciação 1: indicado para 3'e 4' séries. Tem como conteúdos programáticos o passe, a recepção e o drible, objetivando a oportunidade de conhecer e vivenciar os diferentes tipos de passe, formas de receber a bola e drible; 3. Iniciação 11: atende às 5' e 6' séries, e seu conteúdo é a finalização e fundamentos específicos das modalidades sugeridas. Objetiva dar aos alunos oportunidade de conhecer, aprender e vi~ar os principais tipos de conclusão de uma ação ofensiva, bem como fundamentos específicos de cada modalidade esportiva; 4. Iniciação 111: corresponde às 7' e 8' séries, e desenvolve situações de jogo, transição e sistemas ofensivos e defensivos, objetivando proporcionar aos alunos a execução de todos os fundamentos aprendidos. Para PAES (1996), o aprendizado do esporte deve obedecer uma seqüência que apresenta uma divisão de fases, sendo que cada fase deve ter seu próprio objetivo e uma estratégia de ensino diferenciada. Dessa forma, o autor compreende que o ensino desse conteúdo na escola deva oferecer possibilidades em cada série, ressaltando ainda que o nível de exigência, em cada tarefa, deverá ser compatível com as características dos alunos que compõem cada fase. 33 Após essas colocações, acreditamos que é preciso reorganizar o tempo pedagógico e a sistematização do conhecimento, de acordo com o grau de aquisição e produção do conhecimento no qual o aluno se encontra, para desenvolver uma prática pedagógica da Educação Física no ensino fundamental. Outro aspecto que acreditamos ser importante para o conhecimento que trata a Educação Física é o desenvolvimento da historicidade da cultura corporal através da reflexão pedagógica exteriorizada pela expressão corporal não somente no esporte, mas também nos jogos, na dança, na ginástica e na luta. Acreditamos ainda na importãncia de relacionar a cultura corporal com as diversas possibilidades de temas que podem ser abordados em aula como recursos expressivos, identificados nas artes musicais, nas artes cênicas, nas artes plásticas, nas artes circenses, nas atividades da cultura infantil, nas experiências de vida, entre muitos outros. Nesse sentido, acreditamos que a diversidade deve der explorada aprofundando cada conteúdo da cultura corporal em questões de interesse dos alunos. A respeito citamos TAFFAREL (1985), que confere aos professores a responsabilidade de inovar ou renovar o contexto de ensino, para que seus alunos desenvolvam comportamentos singulares que contribuirão para a produção criativa, a qual é importante para todas as situações da vida. Sob esta ótica, concordamos com a autora quando menciona que: "O fundamental. segundo muitos estudiosos ( ... ) é que se organize um contexto que dê aos alunos a possibilidade para que eles se aventurem, explorem, averigúem, expressem, descubram e provem por si mesmos, continuando a agir assim o resto da vida em um mundo em transformações" (Taffarel, 1985, p. 11 ). Ao nosso ver, este contexto deve ser formado a partir de um currículo diversificado, que aborde os conteúdos da cultural corporal enquanto 34 área do conhecimento, buscando compreender o esporte, o Jogo, a dança, a ginástica e a luta relacionados aos diversos temas abordados em aula como recursos expressivos, para que todas as possibilidades de manifestação humana sejam contempladas, auxiliando, assim, de forma consciente, na formação global do aluno, lembrando que é preciso respeitar sua individualidade, cultura, valores e expectativas. Nesse momento se faz necessário colocarmos nossas ·considerações em relação ao esporte, jogo, dança, ginástica e luta, como também, a capoeira por também pertencer a cultura corporal, para uma melhor compreensão de nossa defesa a um currículo diversificado. 2.1 Esporte O esporte quando abordado de forma pedagógica e direcionado aos objetivos educacionais, voltados para a formação do aluno, constitui-se em um rico componente educativo, que certamente deve ser contemplado na escola. Acreditamos que seja necessário reavaliar o seu tratamento no ensino formal pautado pela prática esportivizada, a fim de possibilitar ao aluno usufruir autônoma e criticamente desse conteúdo. TANI et aL (1988), fundamentados em sua teoria desenvolvimentista, apeiam o esporte escolar desde que seu ensino e aprendizado estejam condizentes com as fases de crescimento, desenvolvimento fisiológico, motor, cognitivo, afetivo-social e de aprendizagem motora do ser humano. Para os autores, o aprendizado do esporte possibilita o desenvolvimento de capacidades como antecipação, atenção seletiva, percepção, programação de ações, organização do movimento e correção de erros. De acordo com os autores: "O desporto é importante por proporcionar situações de movimento que posstbtlitam o desenvolvimento da cn"ança dentro das habilidades específfcas. Além do mais, o desporto é uma forma de património cultural da humanidade e um dos grandes objetivos da Educação é a transmissão cultural" (Tani, 1988, p. 91 ). 35 Os autores ressaltam também a importância do processo em contraposição ao produto, assim, enfatizam "o que fez ser capaz de" do que "ser capaz de", pois o imediatismo, resultado da excessiva preocupação com o produto, objetiva resultados de alto nível a curto prazo, não respeitando as diferenças individuais o que favorece a seletividade dos alunos. Os autores ainda fazem uma critica à metodologia utilizada tradicionalmente nas aulas de Educação Física para o ensino-aprendizagem de uma determinada modalidade esportiva. Definem-na como um sistema fechado, que não possibilita o desenvolvimento de um processo consciente de elaboração, execução, avaliação e modificações de ações motoras, tornando-se uma prática de repetição mecânica rotineira. Outro autor que também apeia o esporte como conteúdo educativo na escola, FREIRE (1996), embasado em teorias construtivistas, defende que o esporte, na escola, não deve ser ensinado como algo desvinculado de compromissos com a formação do cidadão, mas deve favorecer valores morais, autonomia e criatividade. Para o autor, o esporte também é um patrimônio da humanidade e que os conhecimentos humanos devem ser ensinados na escola, e por isso, cabe a escola contemplar o ensino do esporte como conteúdo educacional. No entanto, a metodologia utilizada deve estar pautada em ideais construtivistas, nos quais o aluno compreende a própria ação, relacionando-a aos objetivos, ao espaço e às pessoas que o rodeiam. A metodologia construtivista considera as relações humanas e as condições ambientais, e utiliza como conteúdo de ensino os jogos populares já conhecidos e incorporados pelo aluno. Nesse sentido: " ... a metodologia construtivista (. . .) investe no meliJ, na região que integra pessoas e objetos de suas relações, ou seja, nas ações ( .. .). Se nos pautarmos por conceitos construtivistas, o ensino do esporte não terá como principal obstáculo os conteúdos (. . .) uma vez que esses conteúdos ljogos da cultura popular) poderão ser adaptados com certa facilidade ao ensino das modalidades esportivas" (Freire, 1996, p. 81). 36 Para o autor, ensinar o esporte implica necessariamente ensinar as técnicas das modalidades esportivas reconhecidas e constituídas socialmente, bem como implica fazer competição. Contudo, a ação educacional não deve restringir-se a aprendizagem do esporte pelo esporte, mas deve garantir que o processo educativo não se transforme apenas em conjunto de técnicas para o domínio do gesto esportivo. Considerando o enfoque biológico dado, historicamente, para as aulas de Educação Física, DAOLIO (1997) discute a questão do corpo e do esporte, valorizando as técnicas de movimentos culturalmente determinadas que os alunos já possuem. Neste sentido, contesta as aulas tradicionaiscentradas em movimentos técnicos padronizados, que visam eficiência e impedem os alunos de expressarem corporalmente outros movimentos. Para o autor: , trabalhar com uma prática esportiva nas aulas de Educação Física é muito mais do que o ensino de regras, técnicas e táticas próprias daquela modalidade. É necessário, acima de tudo, contextualizar esta prática na realidade sócio-cultural em que ela se encontra (. . .). Acreditamos que se estes aspectos forem trabalhados com os alunos, será possível ter como meta nas aulas de Educação Física a contínua avaliação e reconstrução das práticas esportivas, ao invés da repetição de movimentos padronizados" (Daolio, 1997, p. 33). 37 Os estudos desenvolvidos por PAES (1996), também mostram que o esporte ministrado na escola deve ter tratamento pedagógico, para não ficar restrito aos aspectos biomecânicos do movimento, manifestado através de gestos e habilidades específicas. Concordamos com o autor ao afirmar que o esporte deve ser desenvolvido de forma mais abrangente e diversificada, proporcionando ao aluno a oportunidade de conhecer, tomar gosto, aprender e manter o interesse pelo esporte. Acreditamos ainda, que o aluno deve ser capaz de usufruir desse conteúdo enquanto atuante sob forma de espectador crítico que compreende o esporte como sendo um fenômeno social. Sendo assim, o autor focaliza duas vertentes fundamentais no processo de iniciação esportiva, seja na escola ou no ensino não-formal: a especialização precoce e a diversificação de movimentos. A especialização precoce é pautada pela repetição de gestos técnicos específicos das modalidades esportivas com um fim em si mesmas. Já a diversificação de movimentos, ao contrário, oferece a possibilidade de ampliação do vocabulário motor, bem como conhecer várias modalidades esportivas, propondo, assim, um conhecimento sobre esporte de forma mais abrangente e permitindo uma prática reflexiva e consciente. Apesar de evidenciar o componente educativo do esporte no ensino formal, PAES (1996) afirma que em nenhum momento o esporte está desvinculado da educação, como também poderá ter tratamento pedagógico fora do âmbito escolar. O autor visualiza, seja no ensino formal como no não-formal, uma pedagogia do esporte que privilegie uma prática consciente e crítica, uma perspectiva educacional. Para o autor: "Pode-se pensar o esporte desenvolvido na educação não-formal como uma continuidade do processo de educação formal. Isto na perspectiva de educação permanente"(Paes, 1996, p. 14-15). JS Na v1são do COLETIVO DE AUTORES (1992), o esporte, pertencente a cultura corporal, também deve ser tratado pedagogicamente no sentido de esporte "da" escola ao invés de esporte "na" escola, de forma crítico- superadora, destacando o sentido e o significado de seus valores e normas que o caracterizam dentro do contexto histórico-social. Esta linha de pensamento destaca a função social dos conteúdos da Educação Física, dentre eles o esporte, como sendo uma produção histórico- cultural, subordinados aos moldes da sociedade capitalista, onde o processo educativo reproduz, inevitavelmente, as desigualdades sociais. Sendo assim: "O ensino do esporte na escola se dá, exclusivamente, a partir dos parâmetros fornecidos pela instituição desportiva, ou seja, a partir de suas normas e regras. Se dá, portanto, nos limites que a técnica especifica de distintas moda/idades"(Coletivo de Autores, 1992, p. 216). Com esta afirmação, os autores não desconsideram o esporte nem o ensino dos elementos técnicos e táticos, porém não os coloca como exclusivos e únicos conteúdos de ensino e aprendizado em aulas de Educação Física. As características que envolvem um jogo esportivo (erro/acerto, vontade coletiva, valores éticos, morais e políticos, relaç6es sociais, habilidades e domínio técnico/tático) devem ser contempladas e bem trabalhadas na escola de forma a proporcionarem aos alunos uma compreensão mais ampla desse fenômeno. Para os autores: , ensinar um esporte, enquanto conteúdo escolar, implica considerar desde os seus fundamentos básicos, os seus métodos de treinamento, o seu 'iogar' propriamente dito, até que seu enraizamento social-histónco, passando é claro pela sua significação cultural enquanto fenômeno de massas em nossos dias (. . .). O aluno nas aulas de Educação Física saberá não apenas praticar uma determinada modalidade esportiva (. .. )" (Coletivo de Autores, 1992, p. 218). 19 Nesta perspectiva, o processo de ensino-aprendizagem do esporte não deve se esgotar nos gestos técnicos, mas, na escola, o conhecimento sobre esporte deve permitir que o aluno posicione-se criticamente dentro do contexto político, social, econômico e cultural, como também compreender que a prática esportiva deve ter significado de valores e normas que assegurem o direito à prática do esporte. Semelhante a essas colocações, BRACHT (1992), em seus estudos, visualiza a Educação Física escolar como um campo de vivência social e destaca o componente sócio-educativo do conteúdo esporte. Para o autor, a Educação Física escolar e o esporte devem estar inclusos em um contexto mais amplo de educação. Sendo assim, o ensino e a aprendizagem do esporte na escola, ao invés de objetivar apenas a aptidão física, aprendizagem motora e destreza desportiva, deve convergir no sentido de uma visão crítico-transformadora, a fim de colaborar com o processo de transformação social, condição para concretização de uma sociedade mais justa. Sobre a aprendizagem social do esporte, o autor ressalta que: " ... nos jogos esportivos, os processos de interação são variados e especiais. Além disso, o argumento de que a intensidade de movimento e o entendimento de que essa atividade forma uma boa aula de Educação Física (. . .) será, neste caso, somente quantidade de movimento. A isso, pode se opor uma consciência de qualidade de movimento, a partir do qual o aluno, por si mesmo, motivado e consciente pratica esporte por longo tempo" (Bracht, 1992, p. 80). 40 Neste sentido, acreditamos que a Educação Física pode e deve oferecer oportunidades para a formação do aluno consciente, crítico e reflexivo no que se refere à realidade no qual está inserido. Nestas condições, o esporte será tanto mais educativo quanto mais conservar sua qualidade lúdica, sua espontaneidade e seu poder de iniciativa. Acreditamos, ainda, que estar voltado excessivamente para técnica, pode anular essas características. Para BRACHT (1992), a competição esportiva deve estar presente por ser um elemento motívador para a participação dos alunos, quando valoriza oposítores como companheiros ao invés de rivais. Concordamos com as idéias do autor ao finalizar seu pensamento: " ... reorientar esse ensino e esse esporte no sentido do desenvolvimento do coletivismo (. . .}, do desenvolvimento da consciência da realidade das normas e da possibilidade de sobre elas agir, e de reorientar a competição esportiva destruindo-a da ffnalidade perspícua de indicar a supremacia de uns sobre outros (. . .) através da análise crítica do signiffcado da competição. Porém, (. . .) estamos conscientes também, das limitações impostas pela ordem social vigente, para a efetivação de tal proposta" (Bracht, 1992, p.111-112). KUNZ (1994) sem desmerecer os demais conteúdos da cultura corporal a serem desenvolvidos na Educação Física, também apoia o esporte como conteúdo pedagógico educacional, a partir de sua concepção crítico- emancipatória, a qual fornece uma compreensão do esporte enquanto fenômeno sócio-cultural e histórico. Para o autor: "O conceito de esporte que se vincula hoje à Educação Física é conceito restrito, pois se refere ao esporte que tem como conteúdo o treino, a competição, o atleta,
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