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Tipo e Tipicidade - Bitencourt - Resumo

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Flávia Argôlo França
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Tratado de Direito Penal – Parte Geral
Cezar Roberto Bitencourt – Volume 1
24ª edição revista, ampliada e atualizada – 2018 – Saraiva Jr
Segunda Parte: TEORIA GERAL DO DELITO
XVII – TIPO E TIPICIDADE
1. Fases da evolução da teoria do tipo. 
A evolução do conceito de tipo, invocando a lição de Jiménez de Asúa, pode ser analisada nas seguintes fases: 
1ª) Fase da independência: Já referimos que antes de Beling o Tatbestand compreendia o delito na sua integralidade, com todos os seus elementos.
Beling, porém, concebeu a tipicidade com função meramente descritiva, completamente separada da antijuridicidade e da culpabilidade. A função do tipo, para Beling, era definir delitos, e por isso se caracterizava pela sua natureza objetiva e neutra, isto é, livre de valor.
O tipo penal, na concepção inicial de Beling, esgotava-se na descrição da imagem externa de uma ação determinada, ou seja, tinha uma função meramente descritiva, competindo à norma a valoração da conduta.
2ª) Fase da ratio cognoscendi da antijuridicidade: A segunda fase da teoria da tipicidade surge com o Tratado de Direito Penal, de Mayer, já referido, publicado em 1915. Para Mayer, a tipicidade não tem simplesmente função descritiva de caráter objetivo, mas constitui indício da antijuridicidade. Mayer mantém a independência entre tipicidade e antijuridicidade, mas sustenta que o fato de uma conduta ser típica já representa um indício de sua antijuridicidade.
Mayer considerou a tipicidade como o primeiro pressuposto da pena, admitindo a antijuridicidade como o segundo, sendo aquela indício desta. Enfim, para Mayer, a tipicidade é a ratio cognoscendi da antijuridicidade, isto é, a adequação do fato ao tipo faz surgir o indício de que a conduta é antijurídica, o qual, no entanto, cederá ante a configuração de uma causa de justificação. Por isso, o tipo é somente a ratio cognoscendi da antijuridicidade e, como tal, independente dela.
3ª) Fase da ratio essendi da antijuridicidade: Para Mezger, a tipicidade é muito mais que indício, muito mais que ratio cognoscendi da antijuridicidade, constituindo, na realidade, a base desta, isto é, a sua ratio essendi. Assim, tipicidade e antijuridicidade aparecem vinculadas de tal forma que a primeira é a razão de ser da segunda. Na verdade, Mezger destaca que “a antijuridicidade da ação é uma característica do delito, mas não uma característica do tipo, pois podem existir ações que não são antijurídicas. Por essa doutrina de Mezger, passa-se a ter “ação típica, antijuridicidade típica, culpabilidade típica”. 
De um modo geral, concluem os doutrinadores que a concepção de Mayer, definindo a tipicidade como ratio cognoscendi da antijuridicidade, é a que melhor se adapta ao Direito Penal. Praticado um fato típico, presume-se antijurídico até prova em contrário. Em tese, todo fato típico é também antijurídico, desde que não concorra uma causa de justificação.
4ª) Fase defensiva: Beling ressaltou na fase inicial de sua elaboração conceitual a importância do princípio da legalidade. Mas o extraordinário de sua obra foi a forma que deu à construção da figura delitiva, qual seja, uma pluralidade de elementos (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade) independentes e harmônicos, formando um todo unitário.
5ª) Fase do finalismo: tipicidade complexa: Finalmente, com o surgimento do finalismo, pode-se até falar em uma quinta fase, que não chegou a ser destacada por Asúa, na qual se admitem tipos dolosos e tipos culposos, com dolo e culpa integrantes destes. O tipo, na visão finalista, passa a ser uma realidade complexa, formada por uma parte objetiva — tipo objetivo —, composta pela descrição legal, e outra parte subjetiva — tipo subjetivo —, constituída pela vontade reitora, com dolo ou culpa, acompanhados de quaisquer outras características subjetivas. A parte objetiva forma o componente causal, e a parte subjetiva o componente final, que domina e dirige o componente causal
2. Tipo e tipicidade. 
2.1. Noção de tipo
A teoria do tipo criou a tipicidade como característica essencial da dogmática do delito, fundamentando-se no conceito causal de ação, concebida por Von Liszt.
Tipo é o conjunto dos elementos do fato punível descrito na lei penal. O tipo exerce uma função limitadora e individualizadora das condutas humanas penalmente relevantes. É uma construção que surge da imaginação do legislador, que descreve legalmente as ações que considera, em tese, delitivas. Tipo é um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os todos especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a
adequação de uma conduta que não lhes corresponda perfeitamente. Cada tipo desempenha uma função particular, e a falta de correspondência entre uma conduta e um tipo não pode ser suprida por analogia ou interpretação extensiva.
2.2. Juízo de tipicidade
Essa operação, que consiste em analisar se determinada conduta se adapta aos requisitos descritos na lei, para qualificá-la como infração penal, chama-se “juízo de tipicidade”, que, na afirmação de Zaffaroni, “cumpre uma função fundamental na sistemática penal.
Quando o resultado desse juízo for positivo significa que a conduta analisada reveste-se de tipicidade. No entanto, a contrario sensu, quando o juízo de tipicidade for negativo estaremos diante da aticipidade da conduta, o que significa que a conduta não é relevante para o Direito Penal, mesmo que seja ilícita perante outros ramos jurídicos (v. g., civil, administrativo, tributário etc.).
2.3. Tipicidade
Tipicidade é a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal. “Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”. Um fato para ser adjetivado de típico precisa adequar-se a um modelo descrito na lei penal, isto é, a conduta praticada pelo agente deve subsumir-se na moldura descrita na lei.
2.4. Funções do tipo penal
a) Função indiciária: O tipo circunscreve e delimita a conduta penalmente ilícita. A circunstância de uma ação ser típica indica que, provavelmente, será também antijurídica. A realização do tipo já antecipa que, provavelmente, também há uma infringência do Direito, embora esse indício não integre a proibição.
b) Função de garantia (fundamentadora e limitadora) O tipo de injusto é a expressão mais elementar, ainda que parcial, da segurança decorrente do princípio de legalidade, consagrado pela fórmula latina nullum crimen sine lege. A garantia do princípio de legalidade está expressamente reconhecida, tanto no art. 5º, XXXIX, da CF de 1988, como no art. 1º do Código Penal. Todo cidadão, antes de realizar um fato, deve ter a possibilidade de saber se sua ação é ou não punível.
c) Função diferenciadora do erro A teoria do tipo tem igualmente função importante diante da teoria do erro jurídico-penal. Hoje é indiscutível que o dolo do agente deve abranger todos os elementos constitutivos do tipo penal. Quando o processo intelectual-volitivo não atinge um dos componentes da ação descrita na lei, o dolo não se aperfeiçoa, isto é, não se completa.
3. Bem jurídico e conteúdo do injusto
Admite-se atualmente que o bem jurídico constitui a base da estrutura e interpretação dos tipos penais. O bem jurídico, no entanto, não pode identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior à norma penal e em si mesmo decidido, caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática, de parâmetro e limite do preceito penal e de contrapartida das causas de justificação na hipótese de conflito de valorações.
4. Elementos estruturais do tipo
a) Elementos objetivos-descritivos: Os elementos objetivos são identificados pela simples constatação sensorial, isto é, podem facilmente ser compreendidos somente com a percepção dos sentidos. Referem-se a objetos, seres, animais, coisasou atos perceptíveis pelos sentidos. Os elementos objetivos não oferecem, de regra, nenhuma dificuldade, a não ser a sua cada vez menor utilização na definição das infrações penais. 
b) Elementos normativos: Mayer foi o primeiro a admitir a existência de elementos normativos no tipo penal84, cuja teoria foi posteriormente desenvolvida por Mezger, apesar da posição negativa inicial de Beling. Elementos normativos são aqueles para cuja compreensão é insuficiente desenvolver uma atividade meramente cognitiva, devendo--se realizar uma atividade valorativa. São circunstâncias que não se limitam a descrever o natural, mas implicam um juízo de valor.
c) Elementos subjetivos: Como fruto da teoria final da ação, os elementos subjetivos do tipo permitem compreender a ação ou omissão típica não só como um processo causal cego, mas como um processo causal dirigido pela vontade humana para o alcance de um fim. De tal forma que, no momento de realizar o juízo de subsunção de uma conduta a um concreto tipo penal, é necessário também analisar o conteúdo dessa vontade, isto é, sua relevância típica.
São constituídos pelo elemento subjetivo geral — dolo — e elementos subjetivos especiais do tipo — elementos subjetivos do injusto — que, por razões metodológicas, serão analisados quando examinarmos o tipo subjetivo do injusto.

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