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O Que E Isto Decido Conforme Minha Con Lenio Luiz Streck

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Créditos
Coleção	O	QUE	É	ISTO?
Diretor/Organizador
Lenio	Luiz	Streck
Conselho	Editorial
Lenio	Luiz	Streck
Jose	Luis	Bolzan	de	Morais
Leonel	Severo	Rocha
Ingo	Wolfgang	Sarlet
Jania	Saldanha
©	Lenio	Luiz	Streck,	2013
Projeto	gráfico	e	diagramação
Livraria	do	Advogado	Editora
Projeto	da	capa
Clarissa	Tassinari
Gravura	da	capa
“A	Torre	de	Babel”	por	Pieter	Bruegel,	em	1563
Direitos	desta	edição	reservados	por	
Livraria	do	Advogado	Editora	Ltda.	
Rua	Riachuelo,	1338
90010-273	Porto	Alegre	RS
Fone/fax:	0800-51-7522
editora@livrariadoadvogado.com.br
www.doadvogado.com.br
_____________________________________________
S914o	Streck,	Lenio	Luiz
O	que	é	isto	–	decido	conforme	minha	consciência?	–	4.	ed.	rev.	Porto	Alegre:	Livraria	do	Advogado	Editora,	2013.
(Coleção	O	Que	é	Isto?	–	1)
ISBN	978-85-7348-838-8
1.	Teoria	do	direito.	2.	Filosofia	do	direito.	I.	Título.
CDU	–	340.12
Sobre	o	autor
LENIO	LUIZ	STRECK	é	Procurador	de	Justiça	do	Estado	do	Rio	Grande	do	Sul,	Doutor	e	Pós-Doutor
em	Direito,	Professor	titular	da	UNISINOS,	colaborador/visitante	da	UNESA-RJ,	ROMA-TRE	(Scuola
Dottorale	 Tulio	 Scarelli),	 Faculdade	 de	 Direito	 da	 Universidade	 de	 Coimbra	 -	 FDUC	 (Acordo
Internacional	Capes-Grices);	Faculdade	de	Direito	da	Universidade	de	Lisboa;	membro	catedrático	da
Academia	 Brasileira	 de	 Direito	 Constitucional	 –	 ABDConst;	 Presidente	 de	 Honra	 do	 Instituto	 de
Hermenêutica	 Jurídica	 –	 IHJ	 (RS-MG);	 membro	 do	 Instituto	 dos	 Advogados	 Brasileiros	 –	 IAB;
coordenador	 do	 DASEIN	 –	 Núcleo	 de	 Estudos	 Hermenêuticos;	 autor,	 entre	 outros	 livros,	 de
Hermenêutica	 Jurídica	 e(m)	 Crise	 (10ª	 ed.),	 Ciência	 Política	 e	 Teoria	 do	 Estado	 (7ª	 ed.),
Interceptações	Telefônicas	(2ª	ed.),	todos	pela	Livraria	do	Advogado	Editora;	Verdade	e	Consenso	 (4ª
ed.),	 pela	Editora	Saraiva;	Verdad	 y	Consenso	 -	Hermenéutica,	Constituición	 y	 Teorías	Discursivas;
Hermenéutica	Jurídica	-	Estudios	de	Teoría	Del	Derecho,	ambos	pela	ARA	–	Editores,	de	Lima,	Peru;
Editor	do	site	www.leniostreck.com.br.
Dedicatória
Sempre	a	Ernildo	Stein,	pela	escuta	constante;
Aos	membros	do	Dasein	–	Núcleo	de	Estudos	Hermenêuticos	(em	especial,	Clarissa	Tassinari,
quem	mais	trabalhou;	Rafael	Köche;	Fausto	Santos	de	Morais,	André	Karam	Trindade	e	Rafael
Tomaz	de	Oliveira).
E	sempre,	também,	Rosane	e	Maria	Luiza.
Apresentando	a	Coleção	O	QUE	É	ISTO?
Dizia	o	antropólogo	Darci	Ribeiro	que	Deus	é	tão	treteiro,	faz	as	coisas	tão	recônditas	e	sofisticadas,
que	ainda	precisamos	de	certo	tipo	de	gente	–	os	cientistas	–	para	desvelar	as	obviedades	do	óbvio.	É	da
“natureza”	do	óbvio	estar	no	anonimato.	Está	aí	para	ser	des-velado.	Desobnubilado.	Dizer	que	algo	está
aí.	Apontar	para	ele.	E	perguntar	o	que	isto	é	ou	“o	que	é	isto”.	Essa	é	a	tarefa	de	qualquer	pesquisa.
Pois	uma	das	coisas	que	parecem	óbvias	é	que	o	direito	é	um	fenômeno	complexo.	Afinal,	para	o	bem
e	para	o	mal,	há	sempre	algo	regrando	a	nossa	vida.	Poder,	política,	violência,	guerra	e	paz:	o	espectro
do	 direito	 ronda	 a	 humanidade.	Mas	 seria	 o	 direito	 apenas	 um	 instrumento	 à	 disposição	 do	 poder?	É
possível	“simplificar”	o	direito	a	ponto	de	transformá-lo	em	um	conjunto	de	standards	aplicativos?
Embora	 parcela	 considerável	 da	 comunidade	 jurídica	 acredite	 que	 o	 direito	 é	 uma	 racionalidade
meramente	 (ou	 “puramente”)	 instrumental	 –	 no	 que	 não	 discrepa	 sobremodo	 de	 determinadas	 visões
advindas	da	sociologia	ou	até	mesmo	da	filosofia	–	venho	trabalhando	de	há	muito	na	contramão	dessa
tese.	Os	regimes	totalitários	e	as	atrocidades	cometidas	sob	o	pálio	do	direito	deveriam	ter-nos	ensinado
que	 o	 direito	 deve	 ser	mais	 do	 que	 instrumento,	 técnica	 ou	 procedimento.	 É	 como	 dizer:	 depois	 dos
fracassos	do	positivismo	em	expungir	a	moral	do	campo	jurídico,	algo	tinha	que	ser	feito.	Dito	de	outro
modo:	o	direito	não	pode(ria)	ficar	imune	aos	influxos	das	profundas	transformações	ocorridas	no	campo
dos	paradigmas	filosóficos.
Pois	é	a	partir	dessa	constatação	e/ou	reconhecimento	de	que,	mais	do	que	uma	filosofia	do	direito,
teríamos	que	elaborar	uma	filosofia	no	direito,	busco	construir	as	condições	de	possibilidade	para	que
possamos	dar	respostas	às	diversas	perguntas	acerca	da	complexidade	do	direito.
Por	que	o	pensar	dos	juristas	seria	diferente	do	pensar	do	filósofo?	Por	que	o	jurista	teria	um	diferente
“acesso”	 à	 “realidade”?	 Vejam-se,	 por	 exemplo,	 algumas	 questões	 absolutamente	 intrigantes:	 se,	 no
campo	da	filosofia,	já	não	se	acredita	em	essências,	qual	é	a	razão	de	os	juristas	continuarem	a	acreditar
na	“busca	da	verdade	real”?	Ou:	se	a	filosofia	da	consciência	foi	contestada	e	superada	pelas	diversas
correntes	 linguísticas,	por	que	 razão	no	campo	 jurídico	se	continua	a	apostar	na	“consciência	de	si	do
pensamento	pensante”?
É	 nesse	 sentido	 que,	 entre	 outras	 questões,	 a	 presente	 coleção	 procura	 desvendar	 os	 meandros
paradigmáticos	 que	 obnubilam	 o	 pensamento	 dos	 juristas.	 Busca-se	 fazer	 com	 o	 direito,	 guardadas	 as
perspectivas	histórico-filosóficas,	o	que	Heidegger	buscou	no	campo	filosófico	com	a	pergunta:	O	que	é
isto	–	a	filosofia?	(Was	ist	Das	–	die	Philosophie)?
Mutatis,	mutandis,	 o	 conjunto	 reflexivo	 que	 inicia	 com	o	 volume	O	que	 é	 isto	 –	 decido	 conforme
minha	 consciência?,	 busca	 responder	 às	 mais	 diversas	 indagações	 acerca	 do	 (complexo)	 fenômeno
jurídico.	 O	 objetivo	 final	 é	 contribuir	 para	 a	 reposta	 a	 uma	 pergunta	 que	 talvez	 seja	 impossível	 de
responder:	O	que	é	isto	–	o	Direito?
Esse	é	o	desafio	que	enfrentamos	com	o	primeiro	volume	desta	coleção.
Lenio	Luiz	Streck
1.	Objeto,	sujeito	e	o	giro	ontológico-linguístico
No	pensamento	ocidental,	há	uma	angústia	particular	que	assombra	o	homem.	Podemos	atravessar	o
“abismo	gnosiológico”	que	separa	o	homem	das	coisas?	Como	se	dá	nome	às	coisas?	Por	que	algo	é?
Desde	 o	 início,	 houve	 um	compromisso	 da	 filosofia	 com	a	 verdade;	 a	 filosofia	 sempre	 procurou	 esse
olhar	que	desvendasse	o	que	as	coisas	são.	Talvez	a	obra	que	melhor	simbolize	essa	procura	angustiante
seja	Crátilo,	escrito	por	Platão	no	ano	de	388	a.C.	Esse	diálogo	pode	ser	considerado	a	primeira	obra	de
filosofia	da	linguagem	da	história	da	humanidade.
Nele,	além	de	Sócrates,	há	mais	dois	personagens:	Hermógenes,	que	representa	os	sofistas,	e	Crátilo,
que	representa	Heráclito	(pré-socrático	que,	juntamente	com	Parmênides,	inaugura	a	discussão	acerca	do
“ser”	 e	 do	 “pensar”,	 e	 do	 logos	 superando	 o	mythos).	 Crátilo	 pode	 ser	 considerado	 o	 primeiro	 que
problematizou	 a	 filosofia	 da	 linguagem.	 Platão,	 pela	 boca	 de	 Sócrates,	 contrapõe	 dialeticamente	 duas
teses:	o	naturalismo,	pela	qual	cada	coisa	tem	nome	por	natureza	(o	logos	está	na	physis),	tese	defendida
no	diálogo	por	Crátilo,1	e	o	convencionalismo,	posição	sofística	defendida	por	Hermógenes,	pela	qual	a
ligação	 do	 nome	 com	 as	 coisas	 é	 absolutamente	 arbitrária	 e	 convencional,	 é	 dizer,	 não	 há	 qualquer
ligação	das	palavras	com	as	coisas.
Veja-se:	Crátilo	 representa	o	 enfrentamento	de	Platão	com	a	 sofística.	Os	 sofistas	–	que	podem	ser
considerados	 os	 primeiros	 positivistas	 –	 defendiam	 o	 convencionalismo,	 isto	 é,	 que	 entre	 palavras	 e
coisas	 não	 há	 nenhuma	 ligação/relação.	Claro	 que,	 com	 isso,	 a	 verdade	 deixava	 de	 ser	 prioritária.	O
discurso	 passava	 a	 depender	 de	 argumentos	 persuasivos	 (retórica	 e	 argumentação).	 Os	 sofistas
provocaram,	assim,	no	contexto	da	Grécia	antiga,	um	rompimento	paradigmático.
Utilizo	 Platão	 –	 sua	 obra	 Crátilo	 (e	 seu	 contexto	 político)	 –	 para	 demonstrar	 a	 busca	 pelo
conhecimento	e	pela	verdade.	Afinal,	ali,	quatro	séculos	antes	da	Era	Cristã,	já	se	discutia	a	“justeza	dos
nomes”.	 Isto	é,	quais	as	condições	de	possibilidade	para	que	os	objetos	 tenham	determinados	nomes	e
não	outros?Como	funciona	a	relação	do	sujeito	com	o	objeto?	Qual	é	o	papel	da	linguagem?	Verdade	ou
método?	Essas	perguntas	atravessam	os	séculos,	experimentando	diferentes	respostas,	representadas	por
diferentes	“princípios	epocais”,	que	igualmente	fizeram	a	longa	travessia	de	duas	metafísicas,	chegando,
nesta	quadra	do	 tempo,	ao	universo	de	posturas	e	 teorias	 filosóficas	que	representam	as	posições	hoje
consideradas	como	pós-metafísicas.
Cada	época	organizou	sua	concepção	de	fundamento.2	Fazendo	um	pequeno	escorço	histórico	destes
vinte	séculos,	a	busca	de	um	fundamentum	absolutum	inconcussum	veritatis	está	já	na	ideia	platônica,
na	substância	aristotélica,	no	esse	subsitens	do	medievo	(última	síntese	da	metafísica	clássica),	no	cogito
inaugurador	 da	 filosofia	 da	 consciência,	 no	 eu	 penso	 kantiano,	 no	absoluto	hegeliano,	 na	 vontade	 do
poder	nietzscheana	 e	 “no	 imperativo	 do	 dispositivo	 da	 era	 da	 técnica”,	 em	 que	 o	 ser	 desaparece	 no
pensamento	que	calcula	(Heidegger).3
No	campo	do	direito,	tais	questões	permanece(ra)m	difusas	–	e	essa	é	uma	questão	ainda	não	superada
pelos	juristas	–	em	um	misto	de	objetivismo	e	subjetivismo.	Se	a	primeira	“etapa”	do	linguistic	turn	foi
recepcionada	pelas	concepções	analíticas	do	direito,	o	mesmo	não	se	pode	dizer	acerca	daquilo	que	se
pode	denominar	de	“giro-ontológico-linguístico”.
Dito	 de	 outro	modo	 –	 e	 para	 facilitar	 a	 compreensão	 da	 problemática	 da	 história	 da	 filosofia	 –,	 é
possível	 dizer	 que,	 para	 a	metafísica	 clássica,	 os	 sentidos	 estavam	 nas	 coisas	 (as	 coisas	 têm	 sentido
porque	há	nelas	uma	essência).	A	metafísica	foi	entendida	e	projetada	como	ciência	por	Aristóteles	e	é	a
ciência	primeira	no	 sentido	que	 fornece	a	 todas	 as	outras	o	 fundamento	comum,	 isto	 é,	objeto	 ao	qual
todas	se	referem	e	os	princípios	dos	quais	todas	dependem.	Para	aquilo	que	aqui	interessa,	a	metafísica	é
entendida	como	ontologia,	doutrina	que	estuda	os	caracteres	fundamentais	do	ser:	aquilo	sem	o	qual	algo
não	é;	 se	 refere	às	determinações	necessárias	do	ser.	Estas	determinações	estão	presentes	em	 todas	as
formas	 e	maneiras	 de	 ser	 particular.	 É	 um	 saber	 que	 precede	 todos	 os	 outros	 e,	 por	 isso,	 é	 a	 ciência
primeira,	pois	seu	objeto	está	implicado	nos	objetos	de	todas	as	ciências	e	o	seu	princípio	condiciona	a
validade	de	todos	os	outros	princípios.
Em	Duns	 Scotus	 já	 é	 possível	 perceber	 uma	 superação	 dessa	 adeaquatio	 intellectus	 et	 rei,	 assim
como,	mais	tarde,	em	Guilherme	de	Ockham,	para	quem	os	universais	existem	apenas	como	nome.	Não
existe	o	universal	nas	coisas.	Portanto,	não	existem	essências.	É	o	que	se	denomina	de	nominalismo,	uma
vez	 que,	 ao	 trabalhar	 com	 nomes,	 palavras,	 o	 faz	 sem	 que	 elas	 se	 refiram	 ou	 tenham	 relação	 com	 os
objetos.
Na	verdade	–	e	isso	é	extremamente	relevante	–,	era	impossível	de	se	dizer	isso	antes	de	Kant	e,	de
certo	 modo,	 da	 “invenção”	 do	 cogito	 de	 Descartes.	 De	 fato,	 até	 Kant,	 o	 ser	 era	 um	 predicado	 real.
Pensava-se	 que	 havia	 uma	 relação	 real	 entre	 ser	 e	 essência.	 Portanto,	 o	 sentido	 era	 dependente	 dos
objetos,	que	tinham	uma	essência	e,	por	isso,	era	possível	revelá-lo.
A	 superação	 do	 objetivismo	 (realismo	 filosófico)	 dá-se	 na	 modernidade	 (ou	 com	 a	 modernidade).
Naquela	ruptura	histórico-filosófica,	ocorre	uma	busca	da	explicação	sobre	os	fundamentos	do	homem.
Trata-se	do	iluminismo	(Aufklärung).	O	fundamento	não	é	mais	o	essencialismo	com	uma	certa	presença
da	 illuminatio	 divina.	 O	 homem	 não	 é	 mais	 sujeito	 às	 estruturas.	 Anuncia-se	 o	 nascimento	 da
subjetividade.	A	palavra	“sujeito”	muda	de	posição.	Ele	passa	a	“assujeitar”	as	coisas.	É	o	que	se	pode
denominar	 de	 esquema	 sujeito-objeto,	 em	 que	 o	 mundo	 passa	 a	 ser	 explicado	 (e	 fundamentado)	 pela
razão,	 circunstância	 que	 –	 embora	 tal	 questão	 não	 seja	 objeto	 destas	 reflexões	 –	 proporcionou	 o
surgimento	do	Estado	Moderno	(aliás,	não	é	por	acaso	que	a	obra	de	ruptura	que	fundamenta	o	Estado
Moderno	tenha	sido	escrita	por	Thomas	Hobbes,	um	nominalista,	o	que	faz	dele	o	primeiro	positivista	da
modernidade).
Já	a	ruptura	com	a	filosofia	da	consciência	–	esse	é	o	“nome”	do	paradigma	da	subjetividade	–	dá-se
no	século	XX,	a	partir	do	que	passou	a	ser	denominado	de	giro	linguístico.	Esse	giro	“liberta”	a	filosofia
do	fundamentum	que,	da	essência,	passara,	na	modernidade,	para	a	consciência.	Mas,	registre-se,	o	giro
ou	guinada	não	se	sustenta	tão	somente	no	fato	de	que,	agora,	os	problemas	filosóficos	serão	linguísticos,
em	face	da	propalada	“invasão”	da	filosofia	pela	linguagem.	Mais	do	que	isso,	tratava-se	do	ingresso	do
mundo	 prático	 na	 filosofia.	 Da	 epistemologia4	 –	 entendida	 tanto	 como	 teoria	 geral	 ou	 teoria	 do
conhecimento	–	avançava-se	em	direção	a	esse	novo	paradigma.	Nele,	existe	a	descoberta	de	que,	para
além	 do	 elemento	 lógico-analítico,	 pressupõe-se	 sempre	 uma	 dimensão	 de	 caráter	 prático-pragmático.
Em	Heidegger,	 isso	 pode	 ser	 visto	 a	 partir	 da	 estrutura	 prévia	 do	 modo	 de	 ser	 no	 mundo	 ligado	 ao
compreender;	em	Wittgenstein,	(Investigações	Filosóficas),	é	uma	estrutura	social	comum	–	os	jogos	de
linguagem	 que	 proporcionam	 a	 compreensão.	 E	 é	 por	 isso	 que	 se	 pode	 dizer	 que	 Heidegger	 e
Wittgenstein	 foram	os	corifeus	dessa	 ruptura	paradigmática,	 sem	desprezar	as	contribuições	de	Austin,
Apel,	Habermas	e	Gadamer,	para	citar	apenas	estes.
Destarte,	 correndo	 sempre	 o	 risco	 de	 simplificar	 essa	 complexa	 questão,	 pode-se	 afirmar	 que,	 no
linguistic	 turn,	 a	 invasão	 que	 a	 linguagem	 promove	 no	 campo	 da	 filosofia	 transfere	 o	 próprio
conhecimento	para	o	âmbito	da	linguagem,	onde	o	mundo	se	descortina;	é	na	linguagem	que	se	dá	a	ação;
é	na	linguagem	que	se	dá	o	sentido	(e	não	na	consciência	de	si	do	pensamento	pensante).	O	sujeito	surge
na	 linguagem	 e	 pela	 linguagem,	 a	 partir	 do	 que	 se	 pode	 dizer	 que	 o	 que	 morre	 é	 a	 subjetividade
“assujeitadora”,	 e	 não	 o	 sujeito	 da	 relação	 de	 objetos	 (refira-se	 que,	 por	 vezes,	 há	 uma	 leitura
equivocada	do	giro	linguístico,	quando	se	confunde	a	subjetividade	com	o	sujeito	ou,	se	assim	se	quiser,
confunde-se	o	sujeito	da	filosofia	da	consciência	[s-o]	com	o	sujeito	presente	em	todo	ser	humano	e	em
qualquer	relação	de	objetos).
Com	o	giro	–	que	aqui	denomino	de	ontológico-linguístico	para	diferenciá-lo	das	pretensões	analíticas,
principalmente	 do	 neopositivismo	 lógico	 –,	 o	 sujeito	 não	 é	 fundamento	 do	 conhecimento.	 Trata-se,	 na
verdade	–	e	busco	socorro	em	Stein	–,	de	uma	compreensão	de	caráter	ontológico,	no	sentido	de	que	nós
somos,	 enquanto	 seres	 humanos,	 entes	 que	 já	 sempre	 se	 compreendem	 a	 si	 mesmos	 e,	 assim,	 o
compreender	 é	 um	 existencial	 da	 própria	 condição	 humana,	 portanto,	 faz	 também	 parte	 da	 dimensão
ontológica:	é	a	questão	do	círculo	hermenêutico-ontológico.
Aqui	 é	 necessária	 uma	 explicitação:	 Heidegger	 elabora	 a	 analítica	 existencial	 como	 ontologia
fundamental.	Essa	palavra	“ontologia”	usada	ali	é	identificada	com	a	fenomenologia.	Por	quê?	Porque	a
fenomenologia	 é	 utilizada	 para	 descrever	 também	 o	 fenômeno	 da	 compreensão	 do	 ser.	 Então,	 a
fenomenologia	 não	 se	 liga	 somente	 à	 compreensão,	 mas	 à	 questão	 do	 ser.	 E,	 na	 medida	 em	 que	 a
compreensão	do	ser	de	que	trata	a	fenomenologia	diz	respeito	a	uma	questão	ontológica	que	é	prévia	–
antecipadora,	porque	a	compreensão	do	ser	é	algo	com	que	já	sabemos	e	operamos	quando	conhecemos
os	entes	–,	a	ontologia	de	que	aqui	se	fala	se	refere	a	esse	contexto.
É	a	partir	daí	que	a	fenomenologia	(hermenêutica)	faz	uma	distinção	entre	ser	(Sein)	e	ente	(Seiende).
Ela	trata	do	ser	enquanto	compreensão	do	ser	e	do	ente	enquanto	compreensão	do	ser	de	um	ou	outro	(ou
cada)	modo	de	ser.	Classicamente,	a	ontologia	 tratava	do	ser	e	do	ente.	Aqui,	a	ontologiatrata	do	ser
ligado	ao	operar	fundamental	do	ser-aí	(Dasein),	que	é	o	compreender	do	ser.	Esse	operar	é	condição	de
possibilidade	de	qualquer	 tratamento	dos	entes.	Tratamento	esse	que	pode	ser	chamado	na	 tradição	de
“ontológico”,	 mas	 sempre	 entificado.	 Essa	 ontologia	 do	 ente	 é	 que	 Heidegger	 irá	 chamar	 de	 met-
ontologia.	Essa	teoria	tratará	das	diversas	ontologias	regionais	(naturalmente,	dos	entes).
Desse	modo,	a	ontologia	 ligada	à	compreensão	do	ser	 será	uma	ontologia	 fundamental,	condição	de
possibilidade	 de	 qualquer	 ontologia	 no	 sentido	 clássico	 que	 sempre	 está	 ligado	 à	 entificação	 e
objetificação.	Assim,	podemos	dizer	que	a	ontologia	–	originada	na	tradição	hermenêutica	–	está	ligada	a
um	modo	de	ser	e	a	um	modo	de	operar	do	ser	humano.
Lembremos	 que	 o	 próprio	Gadamer	 reconhece	 que	Heidegger	 somente	 ingressa	 na	 problemática	 da
hermenêutica	 e	 as	 críticas	 históricas	 com	o	 objetivo	 de	 desenvolver,	 a	 partir	 delas,	 desde	 o	 ponto	 de
vista	ontológico,	a	pré-estrutura	da	compreensão.	De	algum	modo,	temos,	então,	uma	ontologia	ligada	à
questão	 da	 hermenêutica	 e,	 dessa	 maneira,	 indissociavelmente	 entrelaçada	 com	 a	 pré-compreensão,
elemento	prévio	de	qualquer	manifestação	do	ser	humano	mesmo	na	linguagem.
Assim,	 pode-se	 falar	 de	 uma	 transformação	 do	 conceito	 de	 ontologia,	 para	 então	 ligar	 esse	 novo
conceito	 ao	 problema	 da	 linguagem	 do	 ponto	 de	 vista	 hermenêutico.	 A	 explicitação	 dessa	 dimensão
ontológico-linguística	 irá	 tratar	da	 linguagem	não	simplesmente	como	elemento	 lógico-argumentativo,
mas	 como	 um	modo	 de	 explicitação	 que	 já	 é	 sempre	 pressuposto	 aí	 onde	 lidamos	 com	 enunciados
lógicos.
Está	aí	a	chave	do	problema:	mesmo	que	o	elemento	lógico-explicitativo	se	apresente	do	modo	como
se	apresenta	nas	teorias	analíticas,	isto	é,	de	modo	único,	determinante	e	autônomo,	portanto,	dispensando
o	mundo	vivido,	ele	já	sempre	está	operando	com	uma	estrutura	de	sentido	que	se	antecipa	ao	discurso
e	 representa	 a	 sua	 própria	 condição	 de	 possibilidade.	 Por	 essa	 razão,	 é	 preciso	 reconhecer	 que	 o
elemento	lógico-analítico	já	pressupõe	sempre	o	elemento	ontológico-linguístico.	É	isso	que	quero	dizer
quando	me	refiro	ao	giro	ontológico-linguístico.
Numa	 palavra:	 a	 viragem	 ontológico-linguística	 é	 o	 raiar	 da	 nova	 possibilidade	 de	 constituição	 de
sentido.	Trata-se	da	superação	do	elemento	apofântico,	com	a	introdução	desse	elemento	prático	que	são
as	estruturas	prévias	que	condicionam	e	precedem	o	conhecimento.	Assim,	a	novidade	é	que	o	sentido
não	estará	mais	na	consciência	(de	si	do	pensamento	pensante),	mas,	sim,	na	linguagem,	como	algo	que
produzimos	 e	 que	 é	 condição	 de	 nossa	 possibilidade	 de	 estarmos	 no	 mundo.	 Não	 nos	 relacionamos
diretamente	 com	 os	 objetos,	 mas	 com	 a	 linguagem,	 que	 é	 a	 condição	 de	 possibilidade	 desse
relacionamento;	é	pela	linguagem	que	os	objetos	vêm	a	mão.
Nesse	novo	paradigma,	a	linguagem	passa	a	ser	entendida	não	mais	como	terceira	coisa	que	se	coloca
entre	o	(ou	um)	sujeito	e	o	(ou	um)	objeto	e,	sim,	como	condição	de	possibilidade.	A	linguagem	é	o	que
está	dado	e,	portanto,	não	pode	ser	produto	de	um	sujeito	solipsista	(Selbstsüchtiger),	que	constrói	o	seu
próprio	objeto	de	conhecimento.
Nesse	 sentido,	 a	 viragem	 ontológico-linguística	 se	 coloca	 como	 o	 que	 precede	 qualquer	 relação
positiva.	 Não	 há	 mais	 um	 “sujeito	 solitário”;	 agora	 há	 uma	 comunidade	 que	 antecipa	 qualquer
constituição	de	sujeito.
Trata-se,	 fundamentalmente,	de	uma	“virada	hermenêutica”,	que,	no	plano	do	conhecimento	 jurídico,
venho	denominando	–	desde	Hermenêutica	Jurídica	e(m)	Crise5–	de	Nova	Crítica	do	Direito	(ou	Crítica
Hermenêutica	do	Direito),	isto	é,	um	novo	estilo	de	abordagem	na	filosofia	pela	qual	se	vê	como	tarefa
primeira	 o	 reconhecimento	 de	 que	 a	 universalidade	 da	 compreensão	 é	 condição	 de	 possibilidade	 da
racionalização	(ou	da	positivação).
Daí	que,	com	Ernildo	Stein,	podemos	afirmar	que,	superando-se	os	paradigmas	aristotélico-tomista	e
da	filosofia	da	consciência,	o	acesso	a	algo	não	será	mais	de	 forma	direta	e	objetivante;	o	acesso	a
algo	 é	 pela	mediação	 do	 significado	 e	 do	 sentido.	Não	 existe	 acesso	 às	 coisas	 sem	 a	mediação	 do
significado.	 Então,	 se	 não	 existe	 acesso	 às	 coisas	 sem	 a	 mediação	 do	 significado,	 não	 podemos
compreender	 as	 coisas	 sem	 que	 tenhamos	 um	modo	 de	 compreender	 que	 acompanha	 qualquer	 tipo	 de
proposição;	e	este	modo	de	compreender	é	exatamente	este	“como”	que	sustenta	a	estrutura	fundamental
do	enunciado	assertórico	algo	enquanto	algo,	algo	como	algo	(etwas	als	etwas).	Esta	expressão	revela
que	não	temos	acesso	aos	objetos	assim	como	eles	são,	mas	sempre	de	um	ponto	de	vista,	a	partir	de	uma
clivagem,	a	cadeira	enquanto	cadeira,	a	árvore	enquanto	árvore.	Isto	é	mediação	do	significado.6
Esses	 são	 os	 elementos	 mínimos	 necessários	 para	 entendermos	 a	 questão	 “de	 como	 é	 possível
compreender”.	Os	paradigmas	conformam	o	nosso	modo	de	compreender	o	mundo.	E	nada	está	a	indicar
que	 o	 direito	 tenha	 “ficado	 de	 fora”	 ou	 que	 possa	 estar	 “blindado”	 aos	 influxos	 dessas	 verdadeiras
revoluções	 copernicanas	 que	 atravessaram	 a	 filosofia	 ao	 longo	 de	mais	 de	 dois	mil	 anos	 da	 história
ocidental.
Assim,	 em	 tempos	 de	 viragem	 linguística	 –	 ou,	 para	 ser	 mais	 específico,	 em	 tempos	 de	 viragem
ontológico-linguística	–,	não	pode(ria)m	passar	despercebidas	teorizações	ou	enunciados	performativos
que	reduzem	a	complexíssima	questão	do	“ato	de	julgar”	à	consciência	do	intérprete,	como	se	o	ato	(de
julgar)	devesse	apenas	“explicações”	a	um,	por	assim	dizer,	“tribunal	da	razão”	ou	decorresse	de	um	“ato
de	vontade”	do	julgador.
Desde	logo,	cabe	consignar	que	não	se	ignora	o	papel	exercido	pelo	chamado	“tribunal	da	razão”	no
contexto	da	 crítica	kantiana	do	conhecimento.	Com	efeito,	 o	 sentido	de	 crítica	que	aparece	 em	Kant	–
justificar	e	fundamentar	os	conceitos	com	os	quais	operamos	quando	conhecemos	–	representa	um	salto
paradigmático	 em	 toda	 história	 da	 reflexão	 filosófica.	 Para	 isso,	 Kant	 dizia	 que	 era	 preciso	 colocar
nossos	juízos	diante	do	“Tribunal	da	Razão”.
O	problema	que	aparece	 em	Kant,	 e	que	acaba	por	 tornar	 sua	 crítica	não	 suficientemente	 radical,	 é
exatamente	a	hipertrofia	em	relação	ao	sujeito,	à	consciência.	Ou	seja,	com	Heidegger,	é	possível	dizer
que	 Kant	 aceitou	 acriticamente	 a	 ontologia	 da	 res	 cogitans	 de	 Descartes	 no	 momento	 em	 que	 o	 eu
transcendental	representa	o	ponto	de	unidade	de	todos	os	juízos,	o	repositório	final	de	todos	os	conceitos.
Isso	quer	dizer:	a	crítica	kantiana	cola	o	transcendental	no	sujeito	e,	nesse	momento,	ele	passa	a	ser	o
lugar	 último	 e	 fundamento	 da	 verdade.	 Na	 filosofia	 hermenêutica,	 no	modo	 como	Heidegger	 efetua	 a
analítica	do	Dasein	em	Ser	e	Tempo,	o	elemento	transcendental	é	deslocado	do	sujeito	para	um	contexto
de	 significâncias	 e	 significados	que	 será	 chamado	de	mundo.	Não	o	mundo	da	cosmologia	 ou	mundo
natural	 (este	 foi	 excluído	 do	 espaço	 da	 filosofia	 através	 do	 “encurtamento	 hermenêutico”	 [Stein]
realizado	 pelo	 filósofo),	mas	 o	mundo	 enquanto	 instância	 e	 espaço	 onde	 o	 significado	 é	 encontrado	 e
produzido	no	contexto	de	um	a	priori	compartilhado.	Trata-se,	portanto,	de	algo	que	podemos	mencionar,
com	Stein,	como	um	 transcendental	histórico.7	O	que	é	 importante	ressaltar	aqui	é	que	o	problema	da
verdade	–	e,	portanto,	da	manifestação	da	verdade	no	próprio	ato	judicante	–	não	pode	se	reduzir	a	um
exercício	 da	 vontade	 do	 intérprete	 (julgar	 conforme	 sua	 consciência),	 como	 se	 a	 realidade	 fosse
reduzida	à	sua	representação	subjetiva.8
Notas
1	Concordo	 com	Garcia-Roza	 quando	 diz	 que	 Platão	 atribui	 ao	 personagem	Crátilo	 um	 ponto	 de	 vista	 sobre	 a	 adequaçãodas	 palavras	 às
coisas	que	não	expressa	adequada	e	suficientemente	o	pensamento	de	Heráclito.	Com	efeito,	se	os	pré-socráticos	–	mormente	Heráclito
–	descobriram	o	ser;	e	Platão	e	Aristóteles	o	esconderam,	portanto,	a	posição	de	Crátilo	não	pode	corresponder,	stricto	sensu,	à	de	Heráclito.
Cf.	Palavra	e	verdade	na	filosofia	antiga	e	na	psicanálise.	Rio	de	Janeiro:	Jorge	Zahar	Editor,	1990,	p.	67.
2	Trata-se	do	ser	em	vista	da	fundamentação	do	ente.	Por	isso,	cada	época	possui	o	seu	fundamento.	Cf.	Heidegger,	Martin.	Tempo	e	Ser.
Conferências	e	Escritos	Filosóficos.	Tradução	de	Ernildo	Stein.	São	Paulo:	Nova	Cultural,	2005,	p.	256-7.
3	Ver,	para	tanto,	Stein,	Ernildo.	Pensar	é	pensar	a	diferença.	Ijuí:	Unijuí,	2004.
4	Aqui	 é	 necessário	 explicitar,	 ainda	 que	 brevemente	 –	 sendo	 que	 já	 venho	 deixando	 isso	 claro	 principalmente	 na	 4ª	 edição	 do	Verdade	 e
Consenso	 –,	 que	 não	 é	 “proibido”	 fazer	 epistemologia	 na	 hermenêutica.	 Trata-se	 de	 níveis	 diferentes	 (nível	 hermenêutico	 e	 o	 nível
apofântico).	 Para	 além	 da	 epistemologia	 geral	 e	 da	 tradição	 das	 teorias	 da	 consciência	 (onde	 não	 se	 trata[va]	mais	 de	 um	 conhecimento
metafísico,	mas	de	uma	metafísica	do	conhecimento,	como	bem	lembra	Stein),	a	partir	do	giro	hermenêutico,	passa-se	a	falar	do	universo	do
mundo	prévio,	que	é	 também	conhecimento,	só	que	falta(va)	explicitá-lo.	Esse	“vetor	de	racionalidade	de	segundo	nível”	–	explicitativo	–	é
perfeitamente	 compatível	 com	a	hermenêutica,	desde	que	não	 se	 situe	 como	 elemento	“construtor”	do	próprio	 conhecimento	 (mundo
compartilhado	na	pré-compreensão).
5	Hermenêutica	jurídica	e(m)	crise.	8.	ed.	Porto	Alegre:	Livraria	do	Advogado,	2008.
6	Cf.	A	caminho	de	uma	fundamentação	pós-metafísica.	Porto	Alegre:	EDIPUCRS,	1997,	p.	86.
7	Cf.	Sobre	a	Verdade.	Ijuí:	Unijuí,	2006.
8	 Para	 um	 maior	 aprofundamento,	 ver	 meu	 Verdade	 e	 Consenso,	 posfácio	 da	 quarta	 edição	 (Verdade	 e	 Consenso.	 Constituição
Hermenêutica	e	Teorias	Discursivas	4.	ed.	São	Paulo:	Saraiva,	2011).
2.	As	práticas	judiciárias	em	terrae	brasilis	ou	“de	como	fluem	os
sentidos	que	desnudam	um	paradigma”
Como	já	se	viu,	deslocar	o	problema	da	atribuição	de	sentido	para	a	consciência	é	apostar,	em	plena
era	do	predomínio	da	 linguagem,	no	 individualismo	do	 sujeito	que	“constrói”	o	 seu	próprio	objeto	de
conhecimento.	 Pensar	 assim	 é	 acreditar	 que	 o	 conhecimento	 deve	 estar	 fundado	 em	 estados	 de
experiência	interiores	e	pessoais,	não	se	conseguindo	estabelecer	uma	relação	direta	entre	esses	estados
e	o	conhecimento	objetivo	de	algo	para	além	deles	(Blackburn).
Isso,	aliás,	tornou-se	lugar	comum	no	âmbito	do	imaginário	dos	juristas.	Com	efeito,	essa	problemática
aparece	explícita	ou	implicitamente.	Por	vezes,	em	artigos,	livros,	entrevistas	ou	julgamentos,	os	juízes
(singularmente	 ou	 por	 intermédio	 de	 acórdãos	 nos	 Tribunais)	 deixam	 “claro”	 que	 estão	 julgando	 “de
acordo	 com	 a	 sua	 consciência”	 ou	 “seu	 entendimento	 pessoal	 sobre	 o	 sentido	 da	 lei”.	 Em	 outras
circunstâncias,	 essa	 questão	 aparece	 devidamente	 teorizada	 sob	 o	manto	 do	poder	 discricionário	 dos
juízes.
Não	 se	 pode	 olvidar	 a	 “tendência”	 contemporânea	 (brasileira)	 de	 apostar	 no	 protagonismo	 judicial
como	uma	das	formas	de	concretizar	direitos.	Esse	“incentivo”	doutrinário	decorre	de	uma	equivocada
recepção	daquilo	que	ocorreu	na	Alemanha	pós-segunda	guerra	a	partir	do	que	se	convencionou	a	chamar
de	Jurisprudência	dos	Valores.
No	 caso	 alemão,	 temos	 que	 a	 jurisprudência	dos	 valores	 serviu	 para	 equalizar	 a	 tensão	 produzida
depois	 da	 outorga	 da	Grundgesetz	 pelos	 aliados,	 em	 1949.	 Com	 efeito,	 nos	 anos	 que	 sucederam	 a
consagração	da	lei	fundamental,	houve	um	esforço	considerável	por	parte	do	Bundesverfassungsgericht
para	legitimar	uma	Carta	que	não	tinha	sido	constituída	pela	ampla	participação	do	povo	alemão.	Daí	a
afirmação	de	um	 jus	 distinto	da	 lex,	ou	 seja,	 a	 invocação	 de	 argumentos	 que	 permitissem	 ao	Tribunal
recorrer	a	critérios	decisórios	que	se	encontravam	fora	da	estrutura	rígida	da	legalidade.	A	referência	a
valores	 aparece,	 assim,	 como	mecanismo	 de	 “abertura”	 de	 uma	 legalidade	 extremamente	 fechada	 que
possibilitara,	em	alguma	medida,	o	totalitarismo	nazista.
Nesse	sentido,	não	podemos	esquecer	que	a	 tese	da	 jurisprudência	dos	valores	é,	até	hoje,	de	certo
modo,	preponderante	naquele	tribunal,	circunstância	que	tem	provocado	historicamente	fortes	críticas	no
plano	da	teoria	constitucional	ao	modus	interventivo	do	tribunal	alemão.	Releva	anotar,	entretanto,	que	a
referida	tensão	efetivamente	teve,	a	partir	do	segundo	pós-guerra,	um	papel	fundamental	na	formatação	da
teoria	constitucional	contemporânea,	por	exemplo,	em	Portugal,	Espanha	e	Brasil.
Uma	coisa	 que	não	 tem	 sido	dita	 é	 que	o	 equívoco	das	 teorias	 constitucionais	 e	 interpretativas	 que
estabelecem	uma	repristinação	das	teses	da	Jurisprudência	dos	Valores	–	mormente	em	terrae	brasilis	–
está	na	busca	de	incorporar	o	modus	tensionante	do	tribunal	alemão	em	realidades	(tão)	distintas,	que	não
possuíam	 (e	 não	 possuem)	 os	 mesmos	 contornos	 históricos	 acima	 retratados.	 No	 caso	 específico	 do
Brasil,	onde,	historicamente	até	mesmo	a	 legalidade	burguesa	tem	sido	difícil	de	“emplacar”,	a	grande
luta	 tem	 sido	 a	 de	 estabelecer	 as	 condições	 para	 o	 fortalecimento	 de	 um	 espaço	 democrático	 de
edificação	da	legalidade,	plasmado	no	texto	constitucional.
Alguns	detalhes	deixam	à	mostra	essa	problemática.	Com	efeito,	o	Anteprojeto	de	Código	Brasileiro
de	Processos	Coletivos,	ultimado	em	2007,	 retrata	muito	bem	essa	 indevida	recepção	do	“ativismo	do
Bundesverfassungsgericht”,	 o	 que	 se	 pode	 ver	 pelos	 explícitos	 dispositivos	 que	 objetivam	 a
flexibilização	da	técnica	processual,	seguido	do	consequente	aumento	dos	poderes	do	juiz,	que	poderá,
inclusive,	produzir	(sic)	provas	de	ofício.
No	 elenco	 dos	 princípios	 informadores	 desse	 novo	 Código,	 encontramos	 a	 instrumentalidade	 das
formas,	a	flexibilização	da	técnica	processual,	a	proporcionalidade	e	a	razoabilidade.	Porém,	o	princípio
(sic)	 que	mais	 chama	 a	 atenção	 é	 o	 do	 “ativismo	 judicial”,	 circunstância	 que	 desnuda	 não	 somente	 a
indevida	compreensão	da	noção	de	“princípio”,	como	 também	o	problema	do	–	agora	sim	–	princípio
democrático.	 Ou	 seja,	 o	 Código	 já	 nasce	 com	 um	 déficit	 de	 democracia	 ao	 deslocar	 o	 problema	 da
concretização	 dos	 direitos	 dos	 demais	 Poderes	 e	 da	 Sociedade	 em	 direção	 ao	 Judiciário.	 Trata-se,
evidentemente,	 de	 um	 grande	 paradoxo:	 como	 é	 possível	 que	 um	 Código,	 cuja	 pretensão	 maior	 é	 o
incremento	de	mecanismos	de	acesso	à	justiça,	aposte	no	ativismo	judicial	como	um	dos	seus	corolários?
É	 nesses	 momentos	 que	 os	 processualistas	 brasileiros	 –	 adeptos	 do	 instrumentalismo	 processual	 –
acabam,	implicitamente,	dando	plena	razão	a	Habermas,	quando	este	denuncia	a	colonização	do	mundo
da	vida	pelo	direito.
Aliás,	 aqui	parece	 ser	o	momento	 ideal	para	 esclarecer	uma	questão	que	 tem	sido	 tratada	de	 forma
superficial	em	terrae	brasilis.	Trata-se	do	modo	tabula	rasa	como	tem	sido	empregado	o	termo	ativismo
judicial.9	 Note-se:	 nos	 Estados	 Unidos,	 a	 discussão	 sobre	 o	 governo	 dos	 juízes	 e	 sobre	 o	 ativismo
judicial	acumula	mais	de	duzentos	anos	de	história.	Quanto	a	isso,	basta	recordar	que	o	mesmo	Marshall
que	instituiu	o	precedente	que	consagrou	a	judicial	review	foi	também	quem	iniciou,	no	case	McCulock
v.s.	Maryland,	a	tradição	do	judicial	self	restraint.	Sintomático,	também,	que	a	segunda	decisão	em	sede
de	controle	de	constitucionalidade	nos	EUA	só	se	deu	cinquenta	e	dois	anos	depois	da	primeira.
Não	esqueçamos,	por	outro	 lado,	que	ativismo	judicial	nos	Estados	Unidos	foi	 feito	às	avessas	num
primeiro	momento	(de	modo	que	não	se	pode	considerar	que	o	ativismoseja	sempre	algo	positivo).	O
típico	caso	de	um	ativismo	às	avessas	foi	a	postura	da	Suprema	Corte	estadunidense	com	relação	ao	new
deal,	 que,	 aferrada	 aos	 postulados	 de	 um	 liberalismo	 econômico	 do	 tipo	 laissez	 faire,	 barrava,	 por
inconstitucionalidade,	 as	medidas	 intervencionistas	 estabelecidas	 pelo	 governo	Roosevelt.	As	 atitudes
intervencionistas	a	favor	dos	direitos	humanos	fundamentais	ocorrem	em	um	contexto	que	dependia	muito
mais	 da	 ação	 individual	 de	 uma	 maioria	 estabelecida,	 do	 que	 pelo	 resultado	 de	 um	 imaginário
propriamente	 ativista.	 O	 caso	 da	 Corte	Warren,	 por	 exemplo,	 foi	 resultante	 da	 concepção	 pessoal	 de
certo	número	de	juízes	e	não	o	resultado	de	um	sentimento	constitucional	acerca	desta	problemática.	E
essas	circunstâncias	não	podem	ser	ignoradas.
Esse	ativismo,	com	ou	sem	aspas,	demonstra	também	que	a	sua	ratio	possui	uma	origem	solipsista,	o
que	 se	 torna	 problemático,	 porque	 a	 democracia	 e	 os	 avanços	 passam	 a	 depender	 das	 posições
individuais	 da	 suprema	 corte.	 De	 todo	 modo	 –	 e	 isso	 precisa	 ficar	 bem	 claro	 –,	 apenas	 diante	 da
consagração	 de	 uma	 efetiva	 jurisdição	 constitucional	 é	 que	 se	 pode	 falar	 no	 problema	 dos	 ativismos
judiciais.
Veja-se	 o	 exemplo	 alemão,	 que	 somente	 depois	 da	 instalação	 do	 Tribunal	 Constitucional	 passou	 a
discutir	 os	 problemas	 da	 expansão	 do	 poder	 judicial	 e	 as	 questões	 envolvendo	 a	 jurisprudência	 dos
valores.	No	Brasil,	 a	 tradição	 de	 uma	 jurisdição	 constitucional	 é	 recente.	Antes	 de	 1988,	 não	 existia
efetivo	controle	de	constitucionalidade.	Isso	é	fundamental	para	o	enfrentamento	da	questão.
Ainda	outro	lembrete	necessário:	pode-se	dizer	que,	tanto	na	operacionalidade	stricto	sensu	como	na
doutrina,	 são	 perceptíveis,	 no	 mínimo,	 dois	 tipos	 de	 manifestação	 do	 paradigma	 da	 subjetividade
(filosofia	da	consciência),	que	envolve	exatamente	as	questões	 relativas	ao	ativismo,	decisionismo	e	a
admissão	do	poder	discricionário.	O	primeiro	trata	do	problema	de	forma	mais	explícita,	“assumindo”
que	o	ato	de	julgar	é	um	ato	de	vontade	(para	não	esquecer	o	oitavo	capítulo	da	Teoria	Pura	do	Direito
de	 Kelsen);	 ainda	 nesse	 primeiro	 grupo	 devem	 ser	 incluídas	 as	 decisões	 que,	 no	 seu	 resultado,
implicitamente	 trata(ra)m	 da	 interpretação	 ao	 modo	 solipsista.	 São	 decisões	 que	 se	 baseiam	 em	 um
conjunto	 de	métodos	 por	 vezes	 incompatíveis	 ou	 incoerentes	 entre	 si	 ou,	 ainda,	 baseadas	 em	 leituras
equivocadas	de	autores	como	Ronald	Dworkin	ou	até	mesmo	Gadamer,	confundindo	a	“superação”	dos
métodos	com	relativismos	e/ou	irracionalismos.
No	segundo	grupo,	encontramos	as	decisões	que	buscam	justificações	no	plano	de	uma	racionalidade
argumentativa,	em	especial,	os	juristas	adeptos	das	teorias	da	argumentação	jurídica,	mormente	a	matriz
alexyana.	 Também	 nestas	 estará	 presente	 o	 problema	 paradigmático,	 uma	 vez	 que	 as	 teorias	 da
argumentação	são	dependentes	da	discricionariedade.10
Alguns	exemplos	podem	auxiliar	na	compreensão	do	problema.	Em	discurso	de	posse	de	novos	juízes
estaduais	em	determinada	Unidade	Federada,	a	saudação	não	deixa	dúvida	acerca	do	papel	do	juiz	e	do
processo	em	terrae	brasilis,	não	sendo	difícil	perceber,	de	igual	modo,	a	confusão	entre	o	positivismo
exegético	e	o	positivismo	normativo:	“o	‘processo’	não	é	senão	o	instrumento	que	o	Estado	entrega	ao
juiz	 para,	 ao	 aplicar	 a	 lei	 ao	 caso	 concreto,	 solucionar	 o	 litígio	 com	 justiça.	 Justiça	 que	 emana
exclusivamente	de	nossa	consciência,	sem	nenhum	apego	obsessivo	à	letra	fria	da	lei”.11
No	 plano	 do	 que	 podemos	 chamar	 de	 “aplicação	 jurídico-judiciária”,	 calha	 registrar	 parte	 de	 voto
proferido	em	julgamento	no	Superior	Tribunal	de	Justiça:
“Não	me	importa	o	que	pensam	os	doutrinadores.	Enquanto	for	Ministro	do	Superior	Tribunal	de
Justiça,	assumo	a	autoridade	da	minha	jurisdição.	(...)	Decido,	porém,	conforme	minha	consciência.
Precisamos	 estabelecer	 nossa	 autonomia	 intelectual,	 para	 que	 este	 Tribunal	 seja	 respeitado.	 É
preciso	consolidar	o	entendimento	de	que	os	Srs.	Ministros	Francisco	Peçanha	Martins	e	Humberto
Gomes	de	Barros	decidem	assim,	porque	pensam	assim.	E	o	STJ	decide	assim,	porque	a	maioria	de
seus	integrantes	pensa	como	esses	Ministros.	Esse	é	o	pensamento	do	Superior	Tribunal	de	Justiça,	e
a	doutrina	que	se	amolde	a	ele.	É	fundamental	expressarmos	o	que	somos.	Ninguém	nos	dá	lições.
Não	somos	aprendizes	de	ninguém”.12
Já	 como	 preliminar	 é	 necessário	 lembrar	 –	 antes	mesmo	 de	 iniciar	 estas	 reflexões	 no	 sentido	mais
crítico	–	que	o	direito	não	é	 (e	não	pode	 ser)	 aquilo	 que	o	 intérprete	 quer	que	 ele	 seja.	 Portanto,	 o
direito	não	é	aquilo	que	o	Tribunal,	no	seu	conjunto	ou	na	individualidade	de	seus	componentes,	dizem
que	é.13A	doutrina	deve	doutrinar,	sim.	Esse	é	o	seu	papel.	Aliás,	não	fosse	assim,	o	que	faríamos	com
as	 mais	 de	 mil	 faculdades	 de	 direito,	 os	 milhares	 de	 professores	 e	 os	 milhares	 livros	 produzidos
anualmente?	E	mais:	não	fosse	assim,	o	que	faríamos	com	o	parlamento,	que	aprova	as	leis?	E,	afinal,	o
que	fazer	com	a	Constituição,	“lei	das	leis”?
A	 posição	 assumida	 pelo	 Superior	 Tribunal	 de	 Justiça	 no	 julgamento	 sob	 comento	 apenas	 explicita
aquilo	que	está	na	 raiz	do	problema,	que	é,	necessariamente,	paradigmático.	Veja-se,	mais	uma	vez,	o
modo	 como	 a	 linguagem	 desnuda	 os	 elementos	 estruturantes,	 denunciando	 o	 “lugar	 da	 fala”	 do
interlocutor.	Assim,	por	exemplo,	 respondendo	a	uma	crítica	por	 ter	suspendido	decisão	de	um	juiz	de
primeiro	 grau	 de	 forma	 liminar,	 o	 desembargador	 “reconhece”	 que	 possa	 ter	 se	 equivocado,	 mas,
sobretudo,	por	se	tratar	de	um	erro	in	judicando	e	não	erro	in	procedendo,	[porque]	“decido	de	acordo
com	a	minha	consciência	de	julgador	e	o	meu	entendimento	pessoal,	como	previsto	no	artigo	131	do
Código	de	Processo	Civil”.14	
Estar	compromissado	apenas	com	a	sua	consciência	passa	a	ser	o	elemento	que	sustenta	o	imaginário
de	 parcela	 considerável	 dos	 magistrados	 brasileiros,	 o	 que	 se	 pode	 perceber	 em	 pronunciamento	 do
então	Presidente	do	Superior	Tribunal	de	Justiça,	Min.	Costa	Leite,	respondendo	a	uma	indagação	sobre
o	 racionamento	 de	 energia	 elétrica	 que	 atingia	 o	 país,	 no	 sentido	 de	 que,	 no	 momento	 de	 proferir	 a
decisão	(caso	concreto),	“o	juiz	não	se	subordina	a	ninguém,	senão	à	Lei	e	à	sua	consciência”,15	assim
como	em	importante	decisão	do	mesmo	Tribunal	em	sede	de	Habeas	Corpus:	“Em	face	do	princípio	do
livre	 convencimento	 motivado	 ou	 da	 persuasão	 racional,	 o	 Magistrado,	 no	 exercício	 de	 sua	 função
judicante,	 não	 está	 adstrito	 a	 qualquer	 critério	 de	 apreciação	 das	 provas	 carreadas	 aos	 autos,
podendo	valorá-las	como	sua	consciência	indicar,	uma	vez	que	é	soberano	dos	elementos	probatórios
apresentados”.16
Do	mesmo	 Superior	 Tribunal	 de	 Justiça,	 tem-se	 que	 “se	 é	 certo	 que	 o	 juiz	 fica	 adstrito	 às	 provas
constantes	 dos	 autos,	 não	 é	 menos	 certo	 que	 não	 fica	 subordinado	 a	 nenhum	 critério	 apriorístico	 no
apurar,	 através	 delas,	 a	 verdade	 material.	 O	 juiz	 criminal	 é,	 assim,	 restituído	 à	 sua	 própria
consciência”.17
Há,	 pois,	 um	 núcleo	 comum,	 uma	 espécie	 de	 holding,	 que	 torna	 o	 tema	 recorrente:	 o	 juiz	 não	 se
subordina	a	“nada”,	a	não	ser	ao	“tribunal	de	sua	razão”.	Com	efeito,	“o	deferimento	de	compromisso	à
testemunha	contraditada	e	que	não	poderia	prestá-lo,	a	teor	da	letra	do	art.	208,	última	parte,	do	Código
de	 Processo	 Penal,	 não	 vicia	 a	 ação	 penal,	 mas	 exterioriza-se	 como	 mera	 irregularidade,	 pois,	 não
encerrada	 a	 instrução	 e	 dentro	 do	 princípio	 do	 livre	 convencimento	 motivado,	 o	 juiz,	 não	 adstrito	 a
critérios	 de	 valoração	 apriorístico,	 atribuirá	 ao	 depoimento	 o	 peso	 que	 sua	 consciência	 indicar,
mediantefundamentação...”.18	Ou	seja,	em	ultima	ratio,	 em	plena	vigência	da	Constituição	de	1988,	o
próprio	resultado	do	processo	dependerá	do	que	a	consciência	do	juiz	indicar,	pois	a	gestão	da	prova	não
se	dá	por	critérios	intersubjetivos,	devidamente	filtrados	pelo	devido	processo	legal,	e,	sim,	pelo	critério
inquisitivo	do	julgador.
Consciência,	subjetividade,	sistema	inquisitório	e	poder	discricionário	passam	a	ser	variações	de	um
mesmo	 tema.	 Observe-se	 a	 importância	 dessa	 questão	 nos	 casos	 de	 delimitação	 da	 pena	 no	 seguinte
julgamento,	 em	 que	 o	 Tribunal	 justifica	 o	 solipsismo	 judicial,	 ao	 sustentar	 que	 compete	 ao	 juiz,
“examinadas	as	circunstâncias	judiciais,	estabelecer,	conforme	necessário	e	suficiente,	‘a	quantidade	da
pena	aplicável,	dentro	dos	 limites	previstos’.	A	avaliação	é	subjetiva	 e	o	 juiz	 lança	o	quanto	entenda
necessário	sua	consciência”.19
Em	 linha	 absolutamente	 similar,	 o	 argumento	 da	 discricionariedade	 assume	 lugar	 cimeiro	 em
julgamentos	do	TJDF,	assentando	que	a	delimitação	da	faixa	etária	nos	casos	de	proibição	de	frequência
de	menores	a	casas	de	jogos	eletrônicos	subordina-se	a	uma	inevitável	discricionariedade	judicial20	e	do
TJSP,	 que,	 em	 um	 caso	 de	 prazo	 de	 desocupação	 de	 imóvel	 em	 caso	 de	 despejo,	 alça	 a
discricionariedade	ao	patamar	de	princípio.21
A	pergunta	que	se	põe	é:	onde	ficam	a	tradição,	a	coerência	e	a	integridade	do	direito?	Cada	decisão
parte	(ou	estabelece)	um	“grau	zero	de	sentido”?
Se,	 no	 processo	 penal,	 o	 modo	 pelo	 qual	 se	 manifesta	 o	 paradigma	 representacional	 é	 o	 sistema
inquisitório,	no	processo	civil,	é	o	protagonismo/ativismo	do	juiz	que	encobre	a	filosofia	da	consciência.
Observe-se,	nesse	sentido:
I)	 acórdão	do	Tribunal	de	 Justiça	do	Estado	do	Paraná:	 “A	norma	 legal	propicia	ao	 juiz	 (...)	meios
para	completar	sua	convicção	e,	assim,	decidir	com	tranquilidade	de	consciência,	realizando	o	ideal	do
verdadeiro	juiz”;22
II)	acórdão	do	Tribunal	de	Justiça	do	Estado	de	Minas	Gerais:	“Ao	Juiz,	como	destinatário	da	prova,	e
só	a	ele,	cabe,	diante	de	sua	consciência,	para	proferir	decisão,	determinar	a	realização	de	nova	perícia,
ainda	que,	formalmente	e	à	primeira	vista,	seja	o	laudo	anterior	conclusivo	e	aparentemente	idôneo”;23
III)	acórdão	do	Tribunal	de	Justiça	do	Estado	de	Santa	Catarina:	“o	juiz	é	o	intérprete	da	consciência
social,	pois	contrapõe	a	livre	valoração	moral	à	norma”.24
Variações	de	um	mesmo	tema:	não	somente	a	interpretação	da	lei	depende	da	consciência	do	decisor,
mas,	também,	a	produção	da	prova.	Nesse	sentido,	registre-se	decisão	do	Superior	Tribunal	Militar,	pela
qual	 “provar	 é	 produzir	 um	 estado	 de	 certeza	 na	 consciência	 do	 Juiz,	 para	 sua	 convicção	 sobre	 a
existência	–	ou	não	–	de	um	fato”.25
Há	decisões	paradigmáticas,	que	conseguem,	em	poucas	palavras,	fundir	teses	e	teorias	do	paradigma
representacional,	como	se	pode	ver	na	decisão	do	Superior	Tribunal	do	Trabalho:
“(...)	a	sentença	é	um	ato	de	vontade	do	juiz	como	órgão	do	Estado.	Decorre	de	um	prévio	ato	de
inteligência	com	o	objetivo	de	solucionar	todos	os	pedidos,	analisando	as	causas	de	pedir,	se	mais
de	uma	houver.	Existindo	vários	fundamentos	(raciocínio	lógico	para	chegar-se	a	uma	conclusão),	o
juiz	não	 está	obrigado	 a	 refutar	 todos	 eles.	A	 sentença	não	 é	um	diálogo	 entre	o	magistrado	 e	 as
partes.	Adotado	um	fundamento	 lógico	que	 solucione	o	binômio	 ‘causa	de	pedir/pedido’,	 inexiste
omissão”.26
Nada	surpreendente,	mormente	se	levarmos	em	conta	que	recentes	trabalhos	acadêmicos	–	embora	com
pretensões	de	construir	racionalidades	e	até	mesmo	tecer	críticas	a	decisionismos	e/ou	voluntarismos	–
acabam	por	sufragar	 teses	como	a	constante	no	acórdão	em	tela	e	nos	demais	aqui	referidos.27	É	o
caso,	por	exemplo,	de	Eduardo	Cambi,28	que,	a	partir	de	uma	mixagem	de	matrizes	e	autores,	sustenta	que
o	juiz,	nos	casos	difíceis,	possui	tanta	margem	de	discricionariedade	quanto	o	legislador,	como	se,	a
um,	 o	 legislador	 tivesse	 discricionariedade	 nesta	 quadra	 da	 história	 e,	 a	 dois,	 não	 fosse	 a
discricionariedade,	exatamente,	a	porta	de	entrada	dos	decisionismos	e	voluntarismos.
Mais	ainda,	embora	sua	obra	tenha	pretensões	pós-positivistas	(ou	antipositivistas),	o	que,	registre-se,
é	extremamente	 louvável,	Cambi	 insiste	em	 teses	que	 são	contrárias	 (ou	estão	em	contradição)	ao	que
propõe,	 como,	 por	 exemplo,	 quando	 sustenta	 que	 a	 sentença	 é	 ato	 de	 vontade	 do	 juiz	 –	 repristinando,
consciente	ou	inconscientemente,	o	pai	do	positivismo	normativista	(Kelsen)	–	e	que	“sentença	vem	de
sentir”	(sic).	Ao	fim	e	ao	cabo,	reforça	o	protagonismo	judicial	que	pretende	combater,	ao	fazer	coro	com
Eduardo	Couture,	no	sentido	de	que	“a	dignidade	do	direito	depende	da	dignidade	do	juiz”,	isto	é,	de	que
“o	direito	valerá	o	que	valham	os	juízes”.29
De	 ressaltar,	 ademais,	 a	 opção	 explícita	 de	 Cambi	 pelo	 solipsismo:	 “A	 decisão	 judicial	 reflete
características	pessoais	do	juiz	(a	sua	personalidade,	o	seu	temperamento,	as	suas	experiências	passadas,
as	suas	frustrações,	as	suas	expectativas	etc.)	ou	dos	jurados	(...)”.30	Por	fim,	sustenta	a	necessidade	de
que	o	 juiz	 faça	ponderações,	 o	 que,	 também	neste	 caso,	 coloca-o	 em	campo	distante	da	hermenêutica
filosófica,	da	teoria	integrativa	dworkiniana	e	do	antirrelativismo	habermasiano.
Exatamente	nessa	linha	é	que	não	se	pode	(e	não	se	deve)	subestimar	as	mixagens	teóricas	e	a	confusão
acerca	de	posições	assumidas	por	determinados	jusfilósofos,	que	acabam	sendo	citados	fora	de	contexto,
como	se	reforçassem	o	paradigma	subjetivista.	Por	todos,	veja-se:
“Segundo	a	moderna	doutrina	de	Dworkin,	‘Teoria	da	Aceitação	Racional’,	no	julgamento	do	caso
concreto,	o	julgador	há	de	trabalhar,	construtivamente,	os	princípio	e	regras	construtivas	do	direito
vigente,	para	reforçar	a	segurança	jurídica	e	a	certeza	do	direito,	proporcionando	e	aviventando	na
sociedade	 o	 sentimento	 de	 justiça.	 O	 julgador	 deve	 ter	 o	 espírito	 imbuído	 da	 certeza	 de	 que	 o
ordenamento	 jurídico	 é	 mais	 complexo	 do	 que	 o	 simples	 conjunto	 hierarquizado	 de	 regras,
defendido	pelos	positivistas.	O	sentimento	de	justiça,	que	deve	revestir	o	espírito	do	juiz,	é	o	único
capaz	de	assegurar	a	solidez	da	ordem	do	Estado	Democrático	de	Direito”.31
Neste	último	caso,	é	despiciendo	advertir	para	o	 fato	de	que	Dworkin	não	aposta	em	interpretações
que	exsurjam	do	“espírito	do	juiz”	e	tampouco	acredita	no	juiz	como	“único	capaz	de	assegurar	a	solidez
da	ordem	do	Estado	Democrático	de	Direito”.
Construiu-se,	 assim,	 um	 imaginário	 (gnosiológico)	 no	 seio	 da	 comunidade	 jurídica	 brasileira,	 com
forte	 sustentação	 na	 doutrina,	 no	 interior	 do	 qual	 o	 “decidir”	 de	 forma	 solipsista	 encontra
“fundamentação”	 –	 embora	 tal	 circunstância	 não	 seja	 assumida	 explicitamente	 –	 no	 paradigma	 da
filosofia	da	consciência.	Essa	questão	assume	relevância	e	deve	preocupar	a	comunidade	jurídica,	uma
vez	que,	 levada	ao	 seu	extremo,	a	 lei	–	aprovada	democraticamente	–	perde(rá)	 (mais	e	mais)	 espaço
diante	daquilo	que	“o	juiz	pensa	acerca	da	lei”.
Em	determinados	julgamentos,	torna-se	impossível	ao	“sujeito	da	modernidade”	esconder	o	solipsismo
que	o	sustenta,	dando-se,	assim,	razão	a	Werneck	Vianna,	quando	afirma	que	a	situação	do	juiz	brasileiro
é	ambígua:
“ele	 é	 criatura	 de	 uma	 carreira	 burocrático-estatal,	 porém	 se	 concebe	 como	 um	 ser	 singular,
auto-orientado,	como	se	a	sua	investidura	na	função	fizesse	dele	um	personagem	social	dotado	de
carisma.	Daí	que,	embora	recrutado	fora	da	política,	isto	é,	pelo	instituto	do	concurso	público,	ele
não	se	enquadre	inteiramente	no	ethos	burocrático	preconizado	por	Max	Weber”.32
A	leitura	da	seguinte	decisão	demonstra	o	acerto	da	pesquisa	comandada	por	Vianna:
“A	judicatura	não	sobrevive	como	instituição	permanente	da	sociedade	apenas	como	saber,	com	a
técnica,	com	a	excelência	do	conhecimento	 teórico.	Todos	esses	 ingredientes	não	são	suficientes
para	 um	 Juiz.	 De	 nada	 adianta	 conhecer	 a	 doutrina,	 as	 leis,	 a	 jurisprudência,	 se,	 dotado	 de
qualidades	intelectuais	excepcionais,	não	tiver	honestidade,	vida	ilibada,	reputação	imaculada,	não
somente	perante	os	destinatários	do	seu	ofício,	mas,	igualmente,	perante	os	seus	pares.	Antes	de	ser
poesia,	 a	 alma	 limpa	 de	 um	 Juiz,	 a	 austeridade	 que	 impõe	 a	 toga	 que	 veste,	 a	 reclusão	 da	 sua
consciência	para	decidir	longe	das	pressões	de	toda	sorte...	(...)”.33
Na	 mesma	 linha,	 vale	 lembrar	 decisão	 que	 escancara	 um	 misto	 de	 “filosofia	 da	 consciência”	 e
“jusnaturalismo”,	 em	 uma	 ação	 judicial	 de	 busca	 e	 apreensão	 de	 menor:	 “Haverá	 ele	 [o	 Juiz]	 de
acomodar-se	numa	regra	não	escrita	(non	scriptum),	mas	inata	na	morada	da	consciência	dos	que	julgam
(sed	nata),	 que	 remonta	 às	 origens	da	humanidade,	 com	 fincas	 no	direito	 natural:	 jus	 est	 arts	 boni	 et
aequi	(o	direito	é	arte	do	bem	e	do	justo)”.34	Resta	a	pergunta:	haveria	uma	“consciência	inata”	naqueles
que	julgam?
Permito-me	 insistir:	 trata-se	de	uma	questão	paradigmática.	Veja-se,	nesse	 sentido,	 acórdão	da	mais
alta	Corte	 do	País	 –	 e	 o	 aspecto	 simbólico	que	dela	 decorre	 –	 em	que,	 por	 uma	de	 suas	Turmas,	 por
maioria	 de	 votos,	 o	 Tribunal	 indeferiu	habeas	 corpus35	 em	 que	 se	 alegava	 falta	 de	 demonstração	 da
urgência	na	produção	antecipada	de	prova	testemunhal	de	acusação,	decretada	nos	termos	do	art.	366	do
Código	de	Processo	Penal,	ante	a	revelia	do	paciente/réu.	O	Supremo	Tribunal	deixou	assentado	que	a
determinação	 de	 produção	 antecipada	 de	 prova	 está	 ao	 alvedrio	 do	 juiz,	 que	 pode	 ordenar	 a	 sua
realização	se	considerar	existentes	condições	urgentes	para	que	isso	ocorra.
Observe-se,	 nesse	 julgado,	a	 imbricação	 entre	 o	 sistema	 inquisitório	 e	 a	 filosofia	 da	 consciência
(questão	 paradigmática,	 pois):	 a	 determinação	 de	 produção	 antecipada	 de	 prova	 fica	 a	 critério
(discricionariedade,	livre	apreciação,	para	dizer	o	menos)	do	juiz.	O	Min.	Lewandowski	votou	vencido,
concedendo	 a	 ordem,	 porque	 vislumbrou	 ofensa	 ao	 dever	 de	 fundamentar	 as	 decisões	 judiciais	 e	 às
garantias	do	contraditório	e	da	ampla	defesa,	uma	vez	que	a	decisão	que	determinou	a	produção	de	prova
esteve	 “fundamentada”	 tão	 somente	 no	 fato	 de	 o	 paciente	 não	 ter	 sido	 localizado	 (nas	 palavras	 do
Ministro,	“a	decisão	fora	determinada	de	modo	automático”).
Apenas	o	voto	de	Lewandowski	mostrou-se	acertado,	vez	que	fundado	no	sistema	acusatório.	Os	votos
vencedores	apenas	fortalecem	o	protagonismo	judicial,	apostando	na	“boa	escolha”	–	discricionária	–
do	magistrado.	Com	efeito,	parece	 razoável	 afirmar	–	a	partir	de	uma	abordagem	hermenêutica	–	que,
quando	a	 lei	 estabelece	que	o	 juiz	 pode	determinar	a	produção	antecipada	das	provas	 consideradas
urgentes,36	sua	decisão	deverá	estar	fundamentada/justificada	com	todos	os	detalhes,	além	de	passar	pelo
crivo	do	contraditório	e	da	ampla	defesa,	como,	aliás,	bem	frisou	o	voto	vencido.	Além	disso,	a	urgência
de	que	 fala	 a	 lei	 processual	 deve	 ser	 considerada	 levando	 em	conta	 toda	 a	história	 institucional	 das
decisões	anteriores	que	tratam	dessa	temática,	respeitando	a	coerência	e	a	integridade.	Ou	seja,	“provas
consideradas	urgentes”	não	é	um	enunciado	assertórico.	A	“proposição	jurídica”	só	terá	sentido	em	cada
caso	concreto.	A	aplicação	automática	do	dispositivo	 (tábula	 rasa)	abre	espaço	para	a	decisão	que	o
juiz	julgar	mais	conveniente.	E	isso	é	reforçar	o	“subjetivismo/discricionarismo”	dos	juízes.37
Notas
9	 Registre-se	 que	 essa	 incompreensão	 em	 torno	 do	 ativismo	 judicial	 não	 se	 restringe	 ao	 problema	 brasileiro.	 Também	 Peter	 Häberle,
prestigiado	 constitucionalista	 alemão,	 em	 entrevista	 publicada	 no	 Conjur	 (Repúblicas	 jovens	 necessitam	 de	 ativismo	 judicial,	 in:
www.conjur.com.br,	13.02.2009)	entende	“ser	saudável”	para	as	“novas	repúblicas”	o	ativismo	judicial	praticado	pelos	tribunais	que,	através
de	 sua	 ação	 no	 tecido	 social,	 obriga	 os	 demais	 poderes	 a	 agirem	 também.	Creio,	 porém,	 que	 devemos	 ter	 cautela	 diante	 da	 afirmação	 de
Häberle.	De	pronto,	consigno	que,	quando	o	judiciário	age	–	desde	que	devidamente	provocado	–	no	sentido	de	fazer	cumprir	a	Constituição,
não	há	que	se	falar	em	ativismo.	O	problema	do	ativismo	surge	exatamente	no	momento	em	que	a	Corte	extrapola	os	limites	impostos
pela	Constituição	 e	 passa	 a	 fazer	 política	 judiciária,	 seja	 para	 o	 “bem”,	 seja	 para	 o	 “mal”.	Ademais,	 a	 discussão	 de	Häberle	 sempre
precisará	 ser	 contextualizada	 pelo	 simples	 fato	 de	 que	 seu	 contexto	 vivencial	 concreto	 é	 outro	 –	 jurisprudência	 dos	 valores	 e	 todas	 suas
consequências	já	aqui	delineadas	–,	que	é	bem	diferente	daquele	que	se	apresenta	em	terrae	brasilis.	Portanto,	não	me	parece	conveniente
que	os	juristas	brasileiros	“recebam”	a	entrevista	como	uma	ode	ou	louvação	ao	ativismo.
10	Remeto	o	leitor	à	terceira	edição	do	meu	Verdade	e	Consenso,	op.	cit.,	onde	essa	problemática	está	explicitada	amiúde.
11	Discurso	 do	Ministro	 do	 Superior	 Tribunal	 de	 Justiça,	 Luis	 Felipe	 Salomão,	 em	 10/01/03,	 na	 posse	 de	 novos	 Juízes	 no	 Rio	 de	 Janeiro.
Disponível	em:	http://www.amaerj.org.br.
12	Voto	do	Ministro	Humberto	Gomes	de	Barros	no	AgReg	em	REsp	nº	279.889/AL,	julg.	em	03/04/2001,	DJ	11/06/2001,	STJ.
13	Lembro,	aqui,	a	assertiva	de	Herbert	Hart,	em	seu	Concept	of	Law,	acerca	das	regras	do	jogo	de	críquete,	para	usar	um	autor	positivista
contra	o	próprio	decisionismo	positivista	que	claramente	exsurge	do	acórdão	em	questão.
14	Entrevista	disponível	em:	<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=368&tmp.texto=68172>.	Acesso	em:	set.	2009.
(grifei)
15	Entrevista	disponível	em:	<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=368&tmp.texto=68172>.	Acesso	em:	set.	2009.
(grifei)
16	HC	94.826/SP,	julgado	em	17/04/2008,	DJe	05/05/2008.	(grifei)
17	HC	16.706/RJ,	julgado	em	19/06/2001,	DJ	24/09/2001,	p.	352.	(grifei)
18	HC	11.896/RJ,	julgado	em	27/06/2000,	DJ	21/08/2000,	p.	173.	(grifei)
19	TJPR:	ACrim	135.719-5/	PR,	DJ	05/08/1999.	(grifei)
20	TJDF:	Apelação	n.	20823020038070001.
21	TJSP:	Agravo	de	Instrumento	n.	1.157.591-0/0.
22	TJSP:	AI	7256094200/SP,	DJ	31/07/2008.	(grifei)
23	TJMG:	AC	1671932/MG,	DJ	10/02/2000.	(grifei)
24	TJSC:	AC	37530/SC,	DJ	03/08/2000.	(grifei)
25	STM:	Apelo	49563/RS.	(grifei)
26	TST	–	1ª	Turma	–	EDRR	6443/89	–	Ac.	2418/90–	DJU	15.02.91
27	Efetivamente,	há	que	se	reconhecer	que	essa	é	uma	questão	que	vem	sendo	reforçada	em	teses	de	doutorado	e	dissertações	de	mestrado
nos	 diferentes	 cursos	 de	 pós-graduação.	 Por	 todas,	 refira-se	 a	 tese	 de	 doutorado	 de	Maria	 de	 Fátima	 S.G.M.	 de	Oliveira,	 que	 reforça	 o
imaginário	de	apoio	ao	solipsismo	judicial	ao	defender,	por	exemplo,	que	“a	liberdade	de	investigação	crítica	corresponde	à	interpretação	dada
pelo	magistrado	 à	 norma”.	A	 autora	 entende	 que,	 “hoje,	 o	 juiz	 não	 se	 submete	 à	 letra	 fria	 da	 lei.	Deve,	 ao	 contrário,	 interpretá-la	 e	 suas
decisões	devem	ser	harmonizadas	ao	sistema	jurídico,	mesmo	que,	aparentemente,	afrontem	a	lei.	O	juiz	exerce	atividade	criadora	do	direito
e	com	margem	de	 liberdade.”	 (grifei)	Mais	 ainda,	 sustenta	que	a	discricionariedade	nada	mais	 é,	 senão,	a	 impressão	pessoal	do	 juiz	 e	a
possibilidade	de	escolher	a	melhor	interpretação	desses	conceitos	indeterminados	(dano	irreparável,	relevante	fundamento,	etc.)	ao	caso
concreto	 para	 atingir	 a	 ordem	 jurídica	 justa”.	 (grifei)	Cf.	Discricionariedade	 judicial	 nas	medidas	 processuais	 provisórias.	 São	 Paulo,
PUC,	2007,	p.	201	e	segs.
28	Cf.	Neoconstitucionalismo	e	neoprocessualismo.	Direitos	fundamentais,	políticas	públicas	e	protagonismo	judiciário.	São	Paulo:Revista
dos	Tribunais,	2009,	p.	272.
29	Cf.	Cambi,	Eduardo.	Jurisdição	no	processo	civil.	Compreensão	crítica.	Curitiba:	Juruá,	2002,	p.	83-4.
30	Cf.	Neoconstitucionalismo	e	neoprocessualismo,	op.	cit.,	p.	124	e	125.
31	TJMG	–	Apelação	n.	1.0596.03.013587-2/001.
32	Cf.	Corpo	e	alma	da	magistratura	brasileira.	3.	ed.	Rio	de	Janeiro:	Revan,	1997,	p.	295.
33	Processo	nº	1995.001.00763	–	Apelação	–	Julgamento:	11/04/1995	–	1ª	Câmara	Cível	TJRJ.	(grifei)
34	Processo	nº	1993.001.04007	–	Apelação	–	Julgamento:	07/12/1993	–	1ª	Câmara	Cível	TJRJ.
35	STF	–	Habeas	Corpus	nº	93.157,	de	23.09.2008.
36	Anote-se,	aliás,	que	o	Anteprojeto	praticamente	reproduz	o	atual	art.	366	(provas	consideradas	urgentes).	Portanto,	de	nada	adiantará	um
novo	CPP	se	o	juízo	sobre	a	“urgência”	fica	ao	“alvedrio	do	juiz”.	Veja-se,	aqui,	a	relação	entre	o	“novo”	texto	e	o	“velho”	texto,	e	de
como	o	novo	poderá	se	tornar	velho	a	partir	de	uma	interpretação	que	coloque	o	solipsismo	judicial	no	topo	da	condição	de	sentido.
37	Lembremos,	 por	 relevante,	 que	 a	 fundamentação/justificação/motivação	 das	 decisões	 é	 um	direito	 fundamental	 do	 cidadão	 (aliás,	 assim
considerado	pelo	TEDH;	Sentenças:	a)	de	9.12.1994	–	TEDH	1994,	4,	Ruiz	Torija	e	Hiro	Balani-ES,	parágrafos	27	e	29;	b)	de	19.02.1998	–
TEDH	 1998,3,	Higgins	 e	 outros	 –	 Fr,	 parágrafo	 42;	 e	 c)	de	 21.01.99	 –	 TEDH	 1999,1,	 Garcia	 Ruiz-ES.	 No	mesmo	 sentido,	 ressalte-se	 a
posição	do	Tribunal	Constitucional	da	Espanha	(sentença	20/2003,	de	10	de	fevereiro).
3.	Nas	nesgas	da	linguagem,	as	manifestações	doutrinárias	que
des-cobrem	o	DNA	do	solipsismo	judicial
Para	 além	 da	 operacionalidade	 stricto	 sensu,	 a	 doutrina	 indica	 o	 caminho	 para	 a	 interpretação,
colocando	 a	 consciência	 ou	 a	 convicção	 pessoal	 como	 norteadores	 do	 juiz,	 perfectibilizando	 essa
“metodologia”	de	vários	modos.	E	isso	“aparecerá”	de	várias	maneiras,	como	na	direta	aposta	na:
a)	interpretação	como	ato	de	vontade	do	juiz	ou	no	adágio	“sentença	como	sentire”;
b)	interpretação	como	fruto	da	subjetividade	judicial;
c)	interpretação	como	produto	da	consciência	do	julgador;
d)	crença	de	que	o	juiz	deve	fazer	a	“ponderação	de	valores”	a	partir	de	seus	“valores”;
e)	razoabilidade	e/ou	proporcionalidade	como	ato	voluntarista	do	julgador;
f)	crença	de	que	“os	casos	difíceis	se	resolvem	discricionariamente”;
g)	cisão	estrutural	entre	regras	e	princípios,	em	que	estes	proporciona(ria)m	uma	“abertura	se	sentido”
que	deverá	ser	preenchida	e/ou	produzida	pelo	intérprete.
Há	ainda	outras	hipóteses	–	e	cito	 tão	somente	algumas	que	 representam,	simbolicamente,	uma	 forte
parcela	do	 imaginário	 jurídico	–	de	manifestação	de	 filiação	ao	paradigma	da	 subjetividade	 (esquema
sujeito-objeto).	Uma	observação:	o	que	se	tem	visto	no	plano	das	práticas	jurídicas	nem	de	longe	chega	a
poder	ser	caracterizada	como	“filosofia	da	consciência”;	trata-se	de	uma	vulgata	disso.	Em	meus	textos,
tenho	falado	que	o	solipsismo	judicial,	o	protagonismo	e	a	prática	de	discricionariedades	se	enquadram
paradigmaticamente	no	“paradigma	epistemológico	da	filosofia	da	consciência”.	Advirto,	porém,	que	é
evidente	 que	 o	modus	 decidendi	 não	 guarda	 estrita	 relação	 com	 o	 “sujeito	 da	 modernidade”	 ou	 até
mesmo	 com	o	 “solipsismo	kantiano”.	Esses	 são	muito	mais	 complexos.	Aponto	 essas	 “aproximações”
para,	exatamente,	poder	 fazer	uma	anamnese	dos	discursos,	até	porque	não	há	discurso	que	esteja	“em
paradigma	 nenhum”,	 por	 mais	 sincrético	 que	 seja.	 Vejamos:	 para	Maria	 Helena	 Diniz,38	 “conhecer	 é
trazer	para	o	sujeito	algo	que	se	põe	como	objeto”,	consistindo,	assim,	“em	levar	para	a	consciência	do
sujeito	 cognoscente	 algo	 que	 está	 fora	 dele	 (...)	 tornando-o	 presente	 à	 inteligência”.	 Essa	 filiação	 ao
paradigma	subjetivista	já	estava	presente	em	processualistas	como	Moacyr	Amaral	dos	Santos,	que	dizia
que	“a	sentença	é	ato	de	vontade”.39	Já	Tourinho	Filho	vai	dizer	que	o	juiz,	através	da	sentença,	“declara
o	que	sente”,40	deixando	explicitada	a	sua	adesão	à	 tese	da	adeaquatio	 rei	 et	 intellectus.	Observe-se,
nesse	 contexto,	 que	 “filosofia	 da	 consciência”	 e	 “discricionariedade	 judicial”	 são	 faces	 da	 mesma
moeda,	 sendo	muito	 comum	 essa	 junção	 ser	 feita	 a	 partir	 da	 tese	 –	 explícita	 ou	 implícita	 –	 de	 que	 a
interpretação	 (ou	 a	 sentença)	 “é	 um	 ato	 de	 vontade”,	 reconstruindo-se,	 assim,	 o
discricionarismo/decisionismo	sustentado	por	Kelsen	na	sua	Teoria	Pura	do	Direito.
Refira-se,	 que,	 não	 raras	 vezes,	 deparamo-nos	 com	 uma	 mixagem	 (ou	 sincretismo)	 de	 paradigmas
inconciliáveis,	como	é	o	caso	da	“junção”	do	paradigma	metafísico-clássico	(adeaquatio	intellectus	et
rei)	 e	 a	 filosofia	 da	 consciência	 (adeaquatio	 rei	 et	 intellectus),	 embora,	 ao	 fim	 e	 ao	 cabo,	 sempre
prevaleça	a	“livre	convicção”	ou	“a	vinculação	à	consciência	do	julgador”	(sempre	com	a	ressalva	de
que	 o	 que	 vemos	 no	 campo	 jurídico	 é	 uma	 vulgata,	 tanto	 da	 ontologia	 clássica	 como	 da	 filosofia	 da
consciência).
Mixagem	desse	jaez	é	feita	por	Marco	Antonio	de	Barros,41	quando,	ao	mesmo	tempo	em	que	afirma
ser	a	verdade	“a	adequação	ou	conformidade	entre	o	intelecto	e	a	realidade”,	sustenta	que	esta	é	fruto	da
inteligência	humana,	porque	“moldada	pelo	juízo	racional	e	não	pela	prova	ou	evidência	que	pode	ser
verídica	ou	falsa”.	Entretanto,	no	plano	da	avaliação	das	provas,	diz	que	a	“convicção	do	juiz	é	 livre,
submete-se	a	sua	própria	consciência;	porém,	a	sua	decisão	deve	ser	fundamentada	nas	provas	colhidas
no	curso	do	processo”.	Veja-se	que	a	ressalva	no	sentido	de	que	a	decisão,	embora	“de	livre	convicção”,
deve	ser	fundamentada	nas	provas	colhidas	no	curso	do	processo,	seria	relevante,	não	fosse	exatamente	a
contradição	entre	“a	livre	convicção”	(solipsismo	judicial)	e	a	“fundamentação	nas	provas	processuais”.
Há,	 assim,	 no	 horizonte	 dogmático,	 uma	 mixagem	 produzida	 no	 âmbito	 do	 senso	 comum	 teórico.
Confunde-se	o	paradigma	ontológico-clássico	com	o	da	filosofia	da	consciência	e	vice-versa,	resultando
disso	são	conceitos	absolutamente	sincréticos,	autocontraditórios.	Afinal,	como	a	“verdade	transparece”?
Ela	estaria	“contida”	na	“coisa”?	Existiria,	então,	uma	“essência”	a	ser	descoberta	pelo	juiz?	Diga-se	de
passagem,	 após	 Kant,	 que	 na	 Crítica	 da	 Razão	 Pura	 afirmava	 a	 impossibilidade	 de	 apreensão	 da
realidade	como	“noumeno”,	restando-nos	apenas	o	“phaenomenon”,	é	suprema	ousadia	tentar	reivindicar
a	 realidade	 em	 essência.	 Sendo	 mais	 simples	 e	 mais	 didático:	 essa	 mixagem	 (ou	 sincretismo)	 de
paradigmas	inconciliáveis	acaba	sendo	regra	(communis	opinium	doctorum)	na	doutrina.	E	nas	práticas
dos	tribunais.	E	as	raízes	são	antigas.
O	fator	talvez	mais	inusitado	que	se	projeta	a	partir	de	todo	esse	quadro	é	que,	em	nenhum	aspecto,	os
argumentos	 da	 dogmática	 jurídica	 se	 aproximam	 das	 discussões	 contemporâneas	 sobre	 o	 conceito	 de
verdade.	Continuamos	 a	 discutir	 as	 questões	 a	 partir	 do	modo	 como	 eram	 levadas	 a	 cabo	no	 final	 do
século	XIX	e	 início	do	 século	XX.	Esse	 relativismo	démodée,	 bem	como	essa	profissão	de	 fé	 em	um
caráter	unitário	da	verdade,	não	atinge	o	ponto	de	estofo	da	questão	que,	no	contexto	atual,	se	situa	no
campo	da	linguagem.	Como	afirma	Lorenz	Puntel:	“verdade	significa	a	revelação	da	coisa	mesma	que	se
articula	na	dimensão	de	uma	pretensão	de	validade	justificável	discursivamente”.42
Interessante	notar	como	essa	problemática	atravessa	os	diversos	campos	ideológicos,	isto	é,	a	tese	do
“protagonismo”	e	do	“poder	discricionário”	do	juiz	é	professada	por	vezes	por	campos	teóricos	distantes
entre	si.	É	o	caso	de	Ernane	Fidélis	dos	Santos43	e	Rui	Portanova.	Assim,	o	primeiro	vai	dizer	que,	“para
assegurar	 a	 imparcialidade	 do	 Juiz,	 é	 ele	 dotado	 de	 completa	 independência,	 a	 ponto	 de	 não	 ficar
sujeito,	no	julgamento,	a	nenhuma	autoridadesuperior.	No	exercício	da	jurisdição,	o	juiz	é	soberano.
Não	há	nada	que	a	ele	se	sobreponha.	Nem	a	própria	lei...”.
Já	o	segundo,44	notoriamente	ligado	às	teorias	críticas	do	direito	–	registre-se,	destacado	jurista	e	um
dos	expoentes	do	direito	alternativo	nos	duros	tempos	do	ancién	régime	 (ao	 lado	de	outros	não	menos
importantes,	como,	por	todos,	Amilton	Bueno	de	Carvalho,	Márcio	Puggina,	James	Tubenchlak	e	Antonio
Carlos	Wolkmer)	–,	não	discrepa	da	posição	de	Fidélis	dos	Santos,	quando	diz,	por	exemplo,	que	“enfim,
todo	homem,	e	assim	também	o	juiz,	é	levado	a	dar	significado	e	alcance	universal	e	até	transcendente
àquela	ordem	de	valores	 imprimida	em	sua	consciência	 individual.	Depois,	 vê	 tais	valores	nas	 regras
jurídicas.	 Contudo,	 estas	 não	 são	 postas	 só	 por	 si.	 É	 a	 motivação	 ideológica	 da	 sentença”.	 Embora
Portanova	reconheça	que	“o	sentenciar	alternativo	não	é	autorização	para	motivações	arbitrárias”	e	que	o
“o	juiz	deve	manter-se	dentro	de	um	sistema	jurídico,	mas	com	liberdade	para	assumir	posição	diante	da
lei,	na	busca	de	traduzir	o	sentimento	de	justiça	da	comunidade”,	mais	adiante	concorda	com	o	próprio
Fidélis	dos	Santos,	citando-o,	na	linha	de	que	“não	há	nada	que	se	sobreponha	ao	juiz,	nem	a	própria
lei”.	 Em	 outra	 obra	 não	menos	 relevante,	 Portanova45	 assevera	 que	 “é	 difícil	 acreditar	 em	 algo	 que
possa	restringir	a	liberdade	do	juiz	de	decidir	como	quiser.	É	preciso	reconhecer	realisticamente:	nem
a	lei,	nem	os	princípios	podem,	prévia	e	plenamente,	controlar	o	julgador”.	E	complementa:	“Depois
de	 tantos	 anos,	 os	 juízes	 aprendem	 como	 moldar	 seu	 sentimento	 aos	 fatos	 trazidos	 nos	 autos	 e	 ao
ordenamento	 jurídico	 em	vigor.	Primeiro	 se	 tem	 a	 solução,	 depois	 se	 busca	 a	 lei	 para	 fundamentá-
la”.46
Não	há	dúvida,	pois,	de	que	essa	questão	da	 interpretação	ou	da	sentença	como	“ato	de	vontade”
atravessa	 os	 diversos	 campos	 ideológicos	 do	 direito.	 Veja-se	 o	 modo	 como	 Paulo	 Queiroz,	 um	 dos
penalistas	mais	 críticos	 do	 país,	 não	 consegue	 se	 livrar	 d(ess)a	herança	kelseniana	 do	 decisionismo.
Com	efeito,	em	artigo	recente,	Queiroz	sustenta	que	“sempre	que	condenamos	ou	absolvemos,	fazêmo-lo
porque	queremos	fazê-lo,	de	sorte	que,	nesse	sentido,	a	condenação	ou	a	absolvição	não	são	atos	de
verdade,	mas	atos	de	vontade”.	Segundo	o	penalista	baiano,	“parece	evidente	que,	ordinariamente,	por
mais	 que	 tenhamos	motivos,	 legais	 ou	 não,	 para	 condenar,	 condenamos	 porque	 queremos	 condenar	 e
porque	 julgamos	 importante	 fazê-lo;	 inversamente:	 por	mais	 que	 tenhamos	motivos,	 legais	 ou	 não,
para	 absolver,	 absolvemos	 porque	 queremos	 absolver	 e	 julgamos	 importante	 fazê-lo”.47	 Veja-se:
embora	 substancialmente	 a	 contribuição	crítica	de	Queiroz	 seja	 inegável,	 neste	ponto	corre	o	 risco	de
provocar	retrocessos	democráticos	nas	manifestações	processuais	de	Promotores	e	Juízes.
De	se	consignar	que	o	autor	publicou	uma	resposta	às	críticas	que	 lhe	 teci	na	primeira	edição	desta
obra.48	 Na	 sua	 réplica,	 argumenta	 que	 o	 livro	 “O	 que	 é	 Isto	 –	 decido	 conforme	minha	 consciência?”
combate	 uma	 espécie	 de	 juiz	 Robinson	 Crusoé	 –	 o	 que,	 diga-se	 de	 pronto,	 é	 uma	 compreensão
reducionista	do	que	seja	o	solipsismo	epistemológico,	este	sim	alvo	(constante)	do	meu	combate	teórico
–	 e	 pergunta,	 retoricamente,	 se	 esse	 juiz	 solipsista	 existe	 realmente	 (sic).	Com	 isso,	Queiroz	 quer	 nos
conduzir,	 em	 meio	 a	 sua	 sofisticada	 tessitura,	 à	 ideia	 própria	 do	 cinismo	 nietzscheniano	 contida	 na
conhecida	expressão	de	que	fatos	não	há,	só	há	interpretações	(o	que,	de	certa	forma,	virou	um	jargão
em	 setores	 críticos	 do	 direito	 brasileiro,	 que	 parecem	 ter	 aderido	 ao	 relativismo	 filosófico).49	 Desse
modo,	na	visão	de	Queiroz,	o	 juiz	solipsista	seria	apenas	uma	–	possível	–	 interpretação	da	realidade,
mas	não	a	realidade	mesma.	Ou	seja,	o	solipsismo	não	existiria.	Todavia,	Queiroz	acaba	sendo	atraído
para	a	mesma	armadilha	do	autor	que	cita	para	afirmar	esse	“interpretacionismo	hermenêutico”,	no	caso
Günter	 Abel	 (aliás,	 para	 quem	 é	 formado	 no	 ambiente	 hermenêutico,	 é	 um	 truísmo	 a	 afirmação	 das
diferenças	oceânicas	que	separam	a	posição	hermenêutica	de	Gadamer	e	seu	conceito	de	interpretação	do
interpretacionismo	 de	 Abel).50	 Não	 que	 Nietzsche	 não	 seja	 um	 autor	 importante	 para	 a	 tradição
hermenêutica.	A	noção	de	Ursprung	está,	de	alguma	forma,	presente	no	conceito	heideggeriano	de	Abbau.
Entretanto,	 essa	 absolutização	 do	 conceito	 de	 interpretação	 acaba	 por	 levar	 a	 um	 caminho
perigosamente	relativista,	que	não	está	presente	nem	em	Heidegger	e,	muito	menos	–	mas	muito	menos
mesmo	–	em	Hans-Georg	Gadamer.
Com	 efeito,	 para	 esses	 autores	 (Heidegger	 e	 Gadamer),	 há	 um	 elemento	 possibilitador	 da	 própria
interpretação	 que	 é	 a	 compreensão.	 O	 interpretacionismo,	 em	 todas	 as	 suas	 formas,	 desconsidera	 o
caráter	 antecipador	 da	 compreensão	 e	 o	 elemento	 de	 formação	 dos	 projetos	 de	 mundo,	 que	 não	 são
determinados	 por	 uma	querência	 individual,	mas	 estão	 ligados	 a	 um	a	priori	 histórico	 compartilhado.
Portanto,	não	se	trata	de	dizer	que	o	solipsismo	não	“exista”	como	se	esse	conceito	–	filosófico	que	é	–
tivesse	 alguma	 possibilidade	 de	 remissão	 a	 um	 objeto	 empiricamente	 verificável.	 O	 solipsismo	 é	 um
engodo	 teórico;	 ele	 existe	 difusamente	 num	 imaginário	 que	 se	 constituiu	 a	 partir	 da	 modernidade.
Aliás,	foi	a	modernidade	que	“inventou”	o	solipsismo.	Ela	é	condição	de	possibilidade	da	modernidade!
E	essa	invenção	ainda	produz	efeitos	(e	drásticos).
Dizer	 que	 o	 solipsismo	 epistemológico	 não	 existe	 é	 fazer	 troça	 de	 Wittgenstein	 II	 (que	 falava	 da
impossibilidade	da	linguagem	privada,	combatendo	o	isomorfismo	da	tradição	e	o	solipsismo	linguístico
da	modernidade)	 ou	 então	 de	Heidegger,	 que	 demonstrou	 que	 o	Dasein	 se	manifesta	 existencialmente
como	ser-com-os-outros,	que	está	sempre	engajado	em	um	projeto	de	mundo	compartilhado.
Há	 também	 outra	 afirmação	 que	 causa	 perplexidade.	Diz	Queiroz:	 “que	 a	 interpretação	 do	 direito
constitui	 um	 ato	 de	 vontade,	 nem	 mesmo	 Kelsen	 hesitou	 em	 reconhecê-lo,	 apesar	 da	 pretensão	 de
pureza	e	de	estrita	obediência	do	juiz	à	 lei.”.	Ora,	se	Kelsen	reconheceu,	é	porque	ele	sabia	que	não
existe	“estrita	obediência	à	lei”	no	plano	do	que	ele	chegou	a	chamar	“política	judiciária”.	Por	isso,	é
preciso	 ficar	 (bem)	 alerta	 para	 um	 ponto	 essencial	 para	 a	 compreensão	 de	 Kelsen.	 Ele	 era	 um
neopositivista,	circunstância	ignorada	pela	maioria	de	seus	intérpretes	–	pelo	menos	em	terrae	brasilis.
A	“pureza”	kelseniana,	insisto,	não	se	dava	no	plano	do	“direito”,	mas	sim	no	nível	meta-linguístico,	da
“ciência	do	direito”	 (de	uma	vez	por	 todas,	 enten-	da-se	–	e,	nesse	ponto,	 ecoam	comigo	as	vozes	de
Warat	 e	Leonel	Rocha:	para	Kelsen,	 a	 ciência	 do	 direito	 é	 uma	meta-linguagem	 sobre	 a	 linguagem
objeto).
Numa	palavra	final:	acreditar	que	a	decisão	judicial	ou	a	promoção	de	arquivamento	(ou	um	pedido	de
absolvição	feitos	pelo	MP)	são	produtos	de	um	ato	de	vontade	(de	poder)	nos	conduz	inexoravelmente	a
um	fatalismo.	Ou	seja,	tudo	depende(ria)	da	vontade	pessoal	(se	o	juiz	quer	fazer,	faz;	se	não	quer,	não
faz...!).	Logo,	a	própria	democracia	não	depende(ria)	de	nada	para	além	do	que	alguém	quer...!	Fujamos
disso!	Aliás,	a	hermenêutica	surgiu	exatamente	para	superar	o	assujeitamento	que	o	sujeito	faz	do	objeto
(aliás,	isso	é	o	que	é	a	filosofia	da	consciência...!).
Além	 do	 paradigma	 epistemológico	 da	 filosofia	 da	 consciência,	 é	 possível	 também	 perceber,	 nos
diversos	autores	 referidos,	a	substituição	de	um	vetor	de	 racionalidade	estruturante	 (pré-compreensão)
por	uma	racionalidade	meramente	instrumental,	lógico-argumentativa.	Com	efeito,	é	preciso	reconhecer,
junto	comStein,	que	só	fazemos	filosofia	no	estrito	sentido	da	palavra	–	inclusive	filosofia	no	direito	–
se	essa	filosofia	é	uma	filosofia	de	standard	de	racionalidade.	Isso	quer	dizer	que,	para	que	o	filosofar
tenha	resultados	profícuos,	é	necessário	que	o	filósofo	(ou	jusfilósofo)	saiba	se	movimentar	no	interior
de	um	paradigma	filosófico	ou	de	algo	que,	com	Lorenz	Puntel,	podemos	chamar	de	quadro	referencial
teórico.	 É	 a	 partir	 desse	 quadro	 referencial	 teórico	 que	 o	 trabalho	 filosófico	 irá	 articular	 suas
construções	no	que	tange	a	uma	teoria	da	verdade,	uma	teoria	da	realidade,	uma	linguagem	e	uma	ideia	de
método.51
Na	matriz	 teórica	 aqui	 defendida,	 fica	 claro	 que	 há	 paradigmas	 distintos	 sendo	 trabalhados.	 Nesse
contexto,	 exsurge	 uma	 questão	 que	 não	 pode	 ser	 ignorada,	 ou	 seja,	 a	 de	 que	 a	 dogmática	 jurídica52
permanece	 aferrada	 a	 um	 paradigma	 estruturado,	 de	 segundo	 nível,	 que	 se	 assemelha,	 muito
grosseiramente,	 aquilo	 que	 foi	 produzido	 pela	 filosofia	 analítica	 e	 suas	 adjacências.	 Não	 é,	 pois,	 um
vetor	de	 racionalidade	 estruturante,	 de	primeiro	nível,	 como	é	o	 caso	da	 filosofia	 hermenêutica	ou	da
hermenêutica	filosófica.
Explicando	melhor:	para	as	teorias	analíticas,	o	problema	da	linguagem	começa	e	termina	na	tarefa	de
crítica	dos	conceitos.	Ou	seja,	o	problema	da	linguagem	se	resolve	a	partir	de	uma	“clarificação”	ou	de
uma	 melhor	 colocação	 do	 conceito.	 Antes	 do	 conceito	 não	 há	 nada	 (e	 por	 isso	 é	 que	 a	 dogmática
jurídica	 trabalha	 com	 “conceitos	 sem	 coisas”).	 Daí	 que	 é	 muito	 difícil,	 no	 interior	 de	 uma	 filosofia
analítica,	 filosofar	 com	 a	 história	 da	 filosofia.	 Para	 a	 hermenêutica,	 todavia,	 a	 história	 da	 filosofia	 é
condição	de	possibilidade	do	 filosofar	e	a	 representação	sintático-semântica	dos	conceitos	é	apenas	a
superfície	de	algo	muito	mais	profundo.
Vale	 dizer:	 aquilo	 que	 é	 dito	 (mostrado)	 na	 linguagem	 lógico-conceitual	 que	 aparece	 no	 discurso
apofântico,	 é	 apenas	 a	 superfície	 de	 algo	 que	 já	 foi	 compreendido	 num	 nível	 de	 profundidade	 que	 é
hermenêutico.	Daí	que,	para	a	hermenêutica,	é	comum	a	afirmação	de	que	o	dito	sempre	carrega	consigo
o	não	dito,	sendo	que	a	tarefa	do	hermeneuta	é	dar	conta,	não	daquilo	que	já	foi	mostrado	pelo	discurso
(logos)	apofântico,	mas	sim	daquilo	que	permanece	retido	–	como	possibilidade	–	no	discurso	(logos)
hermenêutico.
Portanto,	para	a	hermenêutica,	não	faz	sentido	procurarmos	determinar,	de	maneira	abstrata,	o	sentido
das	palavras	 e	dos	 conceitos,	 como	 fazem	as	posturas	 analíticas	de	 cariz	 semântico,	mas	 é	preciso	 se
colocar	na	condição	concreta	daquele	que	compreende	–	o	ser	humano	–	para	que	o	compreendido	possa
ser	devidamente	explicitado.	E	esse	é	o	ponto	fulcral!
Não	se	faz	necessária	uma	análise	mais	aprofundada	para	perceber	que	parcela	importante	da	doutrina
–	e	falo	aqui	dos	formadores	de	opinião	no	plano	das	práticas	judiciárias	–	sufraga	teses	pelas	quais	a
interpretação	(aplicação)	do	direito	fica	nitidamente	dependente	de	um	sujeito	cognoscente,	o	julgador.
Nesse	sentido,	é	preciso	ressaltar	que	essa	questão	vem	de	longe,	na	verdade,	do	século	XIX.	Desde
então,	 há	 um	 problema	 filosófico-paradigmático	 que	 continua	 presente	 nos	 diversos	 ramos	 do	 direito
passados	dois	séculos,	mormente	na	problemática	relacionada	à	jurisdição	e	o	papel	destinado	ao	juiz.
Desde	Oskar	 von	Büllow	 –	 questão	 que	 também	pode	 ser	 vista	 em	Anton	Menger	 e	 Franz	Klein	 –,	 a
relação	 publicística	 está	 lastreada	 na	 figura	 do	 juiz,	 “porta-voz	 avançado	 do	 sentimento	 jurídico	 do
povo”,	com	poderes	para	além	da	lei,	tese	que	viabilizou,	na	sequência,	a	Escola	do	Direito	Livre.
Essa	aposta	solipsista	está	lastreada	no	paradigma	racionalista-subjetivista	que	atravessa	dois	séculos,
podendo	facilmente	ser	percebida,	na	sequência,	em	Chiovenda,	para	quem	a	vontade	concreta	da	lei	é
aquilo	que	o	juiz	afirma	ser	a	vontade	concreta	da	lei;	em	Carnellutti,	de	cuja	obra	se	depreende	que	a
jurisdição	é	“prover”,	“fazer	o	que	seja	necessário”;	 também	em	Couture,	para	o	qual,	 a	partir	de	 sua
visão	 intuitiva	 e	 subjetivista,	 chega	 a	 dizer	 que	 “o	 problema	 da	 escolha	 do	 juiz	 é,	 em	 definitivo,	 o
problema	 da	 justiça”;	 em	Liebman,	 para	 quem	 o	 juiz,	 no	 exercício	 da	 jurisdição,	 é	 livre	 de	 vínculos
enquanto	intérprete	qualificado	da	lei.
No	Brasil,	essa	“delegação”	da	atribuição	dos	sentidos	em	favor	do	juiz	atravessou	o	século	XX	(v.g.,
de	 Carlos	 Maximiliano	 a	 Paulo	 Dourado	 de	 Gusmão),	 sendo	 que	 tais	 questões	 estão	 presentes	 na
concepção	 instrumentalista	 do	 processo,	 cujos	 defensores	 admitem	 a	 existência	 de	 escopos
metajurídicos,	estando	permitido	ao	 juiz	 realizar	determinações	 jurídicas,	mesmo	que	não	contidas	no
direito	 legislado,	 com	 o	 que	 o	 aperfeiçoamento	 do	 sistema	 jurídico	 dependerá	 da	 “boa	 escolha	 dos
juízes”	(sic)	e,	consequentemente,	de	seu	–	como	assinalam	alguns	doutrinadores	–	“sadio	protagonismo”.
É	 nessa	 linha	 que,	 v.g.,	 José	Roberto	 dos	 Santos	 Bedaque,	 importante	 e	 prestigiado	 processualista,
procura	 resolver	 o	 problema	 da	 efetividade	 do	 processo	 a	 partir	 de	 uma	 espécie	 de	 “delegação”	 em
favor	 do	 julgador,	 com	 poderes	 para	 reduzir	 as	 formalidades	 que	 impedem	 a	 realização	 do	 direito
material	em	conflito.	E	isso	é	feito	a	partir	de	um	novo	princípio	processual	–	decorrente	do	“princípio
da	 instrumentalidade53	 das	 formas”	 –	 denominado	 princípio	 da	 adequação	 ou	 adaptação	 do
procedimento	à	correta	aplicação	da	técnica	processual.	Por	este	“princípio”	se	reconhece	“ao	julgador
a	 capacidade	 para,	 com	 sensibilidade	 e	 bom	 senso,	 adequar	 o	 mecanismo	 às	 especificidades	 da
situação,	que	não	é	sempre	a	mesma”.54	Mais	ainda,	deve	“ser	reconhecido	ao	juiz	o	poder	de	adotar
soluções	não	previstas	pelo	legislador,	adaptando	o	processo	às	necessidades	verificadas	na	situação
concreta”.55	 Em	 sua	 –	 refira-se	 –	 sofisticada	 tese,	 embora	 demonstre	 preocupação	 em	 afastá-la	 da
discricionariedade,	Bedaque	termina	por	sufragar	as	teses	hartianas	e	kelsenianas,	quando	admite	que	as
fórmulas	legislativas	abertas	favorecem	essa	atuação	judicial.56
No	mesmo	sentido,	Cândido	Rangel	Dinamarco	–	que	 inaugurou	com	sua	 tese	de	Cátedra	a	corrente
chamada	Instrumentalidade	do	Processo,	que	influenciou	e	continua	influenciando	gerações	de	juristas	–
afirma,	sem	ressalvas,	que	o	juiz	é	o	canal	privilegiado	de	captação	dos	valores	sociais,	devendo	estes
aparecerem	assimilados	na	sentença.	Nas	palavras	do	autor:	“o	juiz	é	o	legítimo	canal	através	de	que	o
universo	axiológico	da	sociedade	impõe	as	suas	pressões	destinadas	a	definir	e	precisar	o	sentido	dos
textos,	 a	 suprir-lhes	 eventuais	 lacunas	 e	 a	 determinar	 a	 evolução	 do	 conteúdo	 substancial	 das	 normas
constitucionais”.57
Na	sequência,	Dinamarco	faz	uma	verdadeira	profissão	de	fé	no	solipsismo	do	juiz,	in	verbis:	“entra
aqui,	outra	vez,	o	que	tem	sido	dito	sobre	a	participação	do	juiz	na	revelação	do	direito	do	caso	concreto.
Ser	sujeito	à	lei	não	significa	ser	preso	ao	rigor	das	palavras	que	os	textos	contêm,	mas	ao	espírito	do
direito	do	seu	tempo”.	E	complementa:	“se	o	texto	aparenta	apontar	para	uma	solução	que	não	satisfaça
ao	 seu	 sentimento	 de	 justiça,	 isso	 significa	 que	 provavelmente	 as	 palavras	 do	 texto	 ou	 foram	 mal
empregadas	 pelo	 legislador,	 ou	 o	 próprio	 texto,	 segundo	 a	 mens	 legislatoris,	 discrepa	 dos	 valores
aceitos	pela	nação	no	tempo	presente”.
A	opção	pelo	paradigma	subjetivista-solipsista	fica	mais	claro	quando	assevera	que,	“na	medida	em
que	 o	 próprio	 ordenamento	 jurídico	 ofereça	 [ao	 juiz]	 meios	 para	 uma	 interpretação	 sistemática
satisfatória	perante	o	seu	senso	de	justiça,	ao	afastar-se	das	aparências	verbais	do	texto	e	atender	aos
valores	subjacentes

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