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XII AS FORMAS DE ACLIMAMENTO A species perfectly adapted to its environment may be destroyed by a change in the latter if nl hereditary variability is available in the hour of need – T. DOBZHANSKY. Relatively little attention has been given in animal breending to variation in adaptability. Variations in adaptability are important in selecting stock for given set of condition. - R. W. PHILLIPS. 1 As reações do animal no processo de aclimação ou sejam as formas de aclimamento O povoamento dos campos vazios, nas várias regiões da Terra, com animais domésticos, é um fato que começou remotamente com as migrações humanas, nas primeiras fases da civilização. Através dos tempos, isto foi se repetindo, cada vez que o homem invadia as novas terras descobertas. E esse movimento migratório, que curiosamente se dirigiu quase sempre no sentido do poente, tomou grandes proporções, no povoamento dos campos vazios das Américas e da Austrália. Com o melhoramento das raças de animais domésticos, que se iniciou vitoriosamente na Inglaterra, a partir da segunda metade do século XVIII (ROBERT BAKEWELL viveu de 1726 a 1795), constituiu-se, com o decorrer dos anos, um precioso acervo, que despertou a ambição dos criadores, que labutavam naquelas regiões mais ou menos remotas. Nasceu dai o anseio de trabalhar com máquinas vivas mais eficientes e começaram as importações de gado melhorado da Europa, para as diversas regiões das Américas, da Austrália e ainda da África. Tais importações tiveram resultados diferentes, porque fundamentalmente diferentes eram os campos a povoar, distribuídos nas zonas temperadas, mas também nas tropicais e subtropicais. Assim, a aclimação das raças importadas teve destinos e resultados diversos, desde o êxito mais completo até as mais desastrosas conseqüências. Quando se cuidava de introduzir raças européias nos climas temperados das América, da Austrália e da Nova Zelândia, tudo se fez com a facilidade decorrente de que o clima não constituía embaraço: tratava-se de regiões homoclimáticas, na maioria das vezes. Mas a introdução de raças de regiões temperadas, em regiões tropicais e subtropicais, regiões, portanto heteroclimáticas, não se processou tão comodamente, assim. Ela teve pela frente a hostilidade do clima, e de outros fatores dele decorrentes. E o resultado foi o que já sabemos: a necessidade até de criar-se um novo ramo de conhecimentos biológicos, - a climatologia animal ou zootécnica, como vimos. É evidente, pois, que o aclimamento, como resultado da aclimação, se apresenta diferente, conforme o seu processamento: transplantação de raças entre regiões homoclimáticas ou transplantação entre regiões heteroclimáticas. Mas, aprendemos também que os animais mostram reações diferentes, em face de um novo ambiente, diverso do ambiente nativo. As diferentes formas de reação dos animais e as diferenças climáticas maiores ou menores - dão margem a diferenças de aclimamento. É que este ou pode não apresentar dificuldade ou pode-se dar após um processo de adaptação, com a vitória e multiplicação das formas adaptadas, a exclusão das outras; ou finalmente 206 pode fracassar. No primeiro caso houve semelhança de climas; nos dois outros, as regiões eram heteroclimáticas. Por isso, quando se transporta uma raça, de sua região de origem, para outra, com clima igual ou diferente, cinco eventualidades podem ocorrer: 1 . Os animais se adaptam, e sua descendência modifica-se no processo de adaptação; 2. Os animais se adaptam tão bem que se dá até melhoramento no sentido produtivo; 3. Os animais se adaptam, mas com a perda de suas qualidades produtivas; 4. Os animais adaptam-se individualmente, ficando sua descendência sujeita a um novo processo de ajustamento ao meio; 5. Os animais não se adaptam. No primeiro caso, no qual os animais se adaptam, e sua descendência modifica-se no processo de adaptação, estamos em face do que NILSSON-EHLE (1911) chamou aclimamento hereditário1. No segundo caso, que deve ser estudado com este, há também um aclimamento hereditário, mas no qual os animais apresentam certo melhoramento nas qualidades produtivas. O aclímamento hereditário ou genético é fácil no caso da transplantação de raças entre regiões homoclimáticas; e os exemplos disso temos na aclimação das raças européias, em geral, nos Estados Unidos, na Argentina, no Uruguai. No segundo caso que, como foi dito, é também um aclimamento genético, verifica-se, porém uma variação vantajosa nas qualidades econômicas dos animais, tratando-se, por isso, de uma naturalização (DOMINGUES, 1939), cujo exemplo temas no Zebu, de adaptação vitoriosa no Brasil central, visto como houve certo melhoramento na sua qualidade econômica, peso e rendimento em carne. No terceiro caso temos a degeneração da raça. Houve adaptação, mas com perda de suas qualidades produtivas. Biologicamente a raça está aclimada, mas degenerou sob o ponto de vista zootécnico. As nossas raças crioulas ou nativas estão neste caso. A degeneração é uma forma de aclimamento hereditário, mas em sentido negativo (perda das qualidades econômicas), quanto a produtividade dos animais, como a naturalização o foi no sentido positivo (melhoramento das qualidades econômicas). No quarto caso tratava-se do que CUÉNOT (1925) chamou acomodação. É a adaptação do indivíduo, e não da raça. É uma adaptação temporária ou frusta. Forma comum das tentativas de aclimação feitas as cegas. Os descendentes requerem os mesmos cuidados para “se acomodarem” ao novo meio. Os limites entre a acomodação e a ausência de adaptação (quinto caso) não são fáceis de estabelecer. Mas em qualquer dos dois casos (quarto e quinto), a raça deixa de interessar. Como se vê, no caso de aclimamento propriamente da raça, adaptação permanente, temos três eventualidades, e em todas houve aclimamento hereditário, que se pode diversificar em: 1. Aclimamento direto da raça com alterações, que não a desfiguram, e com manutenção das qualidades produtivas - aclimamento genético. 2. Aclimamento direto com melhoramento sensível, das qualidades produtivas - 1Expressão tomada de NILSSON-EHLE, um dosmaiores geneticistas europeus, de Svaloef (Suécia), que estudou os cereais resistentes ao frio daquele país, e chegou à conclusão de admitir uma adaptação ao clima, nos trigos precoces, que ele, generalizando, chamou “aclimação hereditária” (Conf. Int. de Génétique, Paris. 1911). 207 naturalização (DOMINGUES, 1939). 3. Aclimamento com perda das qualidades produtivas, - aclimamento degenerativo. 2 Aclimamento hereditário e naturalização Diz-se que houve aclimamento hereditário, quando estamos em face de uma vitória dos animais em aclimação. Houve adaptação. O conjunto desses animais adaptados pode constituir ou não uma variedade da raça importada, ou uma ligeira variante dela. Tais sejam os limites e a importância dessas variações, poder-se-á ter até uma nova raça, o que ocorreu, por exemplo, primitivamente, com as raças em sua expansão, ao se disseminarem em outras áreas geográficas. Bom exemplo disto é a raça Edelschwein, que é o Porco branco inglês (Yorkshire, variedade grande), aclimado e disseminado na Alemanha, onde corresponde talvez a 45% da população suína, do país. A adaptação ao meio não foi o resultado de simples ajustamento do indivíduo, um ajustamento somático. Ela se manifestou na geração seguinte, descendente de animais importados. Certas aptidões ocultas da raça, em face de novascondições do meio, exteriorizam-se, e o criador insula e multiplica as melhores expressões dessa variação, justamente aquelas que ajudam a vitória na adaptação. Aqui, houve aquilo a que se refere DOBZHANSKY (1941): “Na hora da necessidade com as alterações sobrevindas no meio”, o animal tem a sua disposição “possibilidades hereditárias de variar”, adaptando-se, e não será destruído por aquelas alterações que o tornariam desajustado. A raça, antes de passar ao novo meio, era portadora, em estado potencial, dessa possibilidade de ajustamento por via de uma variabilidade hereditária de que podem surgir formas adaptativas até então inexistentes. A essas formas adaptativas, não realizadas ainda, foi que CUÉNOT (1925) chamou “caracteres preadaptativos”. Toda a vez que falhar o processo de aclimação, é que então faltou a raça essa capacidade adaptativa, que poderíamos dizer “profética” (CUÉNOT, 1925). Esta será, naturalmente, uma raça (ou espécie) topopolita, isto é, sem expansão, e, por isso, sua área geográfica será acanhada. Ao contrário, a raça que se aclima em outras regiões, diferentes da sua de origem, é que possui em potencial aquela faculdade adaptativa, e por isso sua área geográfica é mais ou menos extensa, donde ser considerada cosmopolita. Como se verifica, não é por vontade do homem que determinada espécie ou raça se adapta a este ou aquele ambiente. E uma faculdade da própria raça, que possui no seu patrimônio genético a possibilidade de variar, no sentido adaptativo: uma raça de clima temperado, que pode viver melhor do que outras da mesma região climática, em condições tropicais, por exemplo, é portadora dessa faculdade de adaptação; há uma coincidência entre as possibilidades da raça e o meio. Exemplos disso são o gado Jersey e a galinha Legorne branca. Não se trata também do resultado de um ensaio mais demorado, de aclimar determinada raça em certo ambiente, porque este é capaz de transformar um indivíduo, sem aptidão adaptativa, noutro com elevada capacidade de adaptação. Certamente, com repetição das tentativas de aclimação, mais vezes pode ocorrer à oportunidade de deter formas adaptativas, dentro da raça. Esta é a forma vitoriosa de aclimação. Trata-se de um processo de aclimamento completo. E sua modalidade mais ambiciosa é a naturalização, que se mostra muito mais vantajosa ainda. 208 Na naturalização, que é uma forma de aclimamento genético, a raça se aciona sem haver, propriamente, um processo de variabilidade. Ou, se há, é melhor, zootecnicamente. Sua adaptação é pronta e sem o mais leve afastamento do padrão da raça. Quando os climas são semelhantes, é o que ocorre mais freqüentemente. Tal o caso das raças zebuínas, no Brasil, e ainda das raças transplantadas da Europa para os Estados Unidos, e algumas delas para a Austrália. Argentina, Uruguai. Os animais se aclimam geneticamente, até melhorando suas qualidades econômicas, pois que encontram no novo meio aquelas condições ambientes de seu país nativo, ou mesmo melhores. A naturalização é processo mais rápido, mais fácil, mais simples. Mas sua ocorrência, na maioria das vezes, só se verifica quando as regiões são homoclimáticas. Finalmente, falta uma advertência aos criadores, que ouso formular, porque o que ocorre entre nós não é um fato isolado. Tanto assim que na Alemanha, KRONACHER, (1937) há muitos anos, chamou a atenção dos criadores, para isso, referindo-se a constante importação de reprodutores. Esta importação, segundo ele, tem por fim “fazer desaparecer as modificações que as diferenças de clima, solo, alimentação, cuidados etc., determinam na caracterização dos animais, que podem afastá-lo do padrão original”. Isto também so acontece aqui, entre nós. As gerações nascidas no país vão perdendo de certo modo aquela ambicionada similitude com o padrão da raça. Mas são animais, de algum modo, vitoriosos no meio. Para evitar esse afastamento do padrão, faz-se novas importações, de reprodutores, cada ano. E, KRONACHER compara isso com o trabalho das Danaides que, como sabemos, foram condenadas a encher, no Inferno, um tonel sem fundo... 3 Aclimamento degenerativo Uma raça pode aclimar-se “degenerando”, no sentido zootécnico. Quer dizer, diminuindo exageradamente suas qualidades produtivas. Os animais vivem e se reproduzem, mas produzem mal. Não se pode dizer que tenha faltado a raça, assim aclimada, aquela capacidade de variação no sentido adaptativo. Se houve aclimação, é que ela existia. Mas não no sentido satisfatório para o criador. Por isso convêm lembrar que a “degeneração” é uma concepção puramente humana, sem nada de natural. É um critério antropocêntrico, como disse GOYANES (1928). É um processo incompleto de aclimamento, que não se estendeu as qualidades produtivas, e então o animal é de baixa produção. Esse é o caso das chamadas raças crioulas, em todos os países, raças nativas de bovinos, de carneiros e cabras do Nordeste, de cavalos, de galinhas. Ninguém pode negar que, tais animais estejam adaptados. Sua adaptação é até das mais notáveis, sua produção zootécnica é que se tornou inferior. Como produzem pouco ou ruim, o homem diz que degeneraram, porque perderam suas qualidades econômicas, ganhando em rusticidade, em constituição orgânica robusta. Por exemplo, o Carneiro Deslanado de Morada Nova é uma forma degenerada de lanígero, porque perdeu a principal função da espécie - a lã. Deixou de haver aclimamento? Não. Deu-se um aclimamento genético, pois houve adaptação com profunda modificação de seus caracteres, modificação que foi ao extremo da perda de sua produção principal. Como houve degeneração, no sentido zootécnico, diz-se então que houve um aclimamento degenerativo: talvez aqui sem razão, pois sua pele é preciosa. Em vez de lã o ovino passou a produzir pele. A gadaria nativa, os eqüinos, os jumentos do Nordeste são outros exemplos 209 dessa modalidade de aclimamento. Sua baixa produtividade obriga a classificar assim sua adaptação àquele meio. Em geral, isto ocorre quando os animais são entregues a seleção natural; quando o homem deixa de agir como condutor do processo de adaptação e de seleção. Deste modo dá-se a perda das faculdades produtivas, nesses animais. Ou dizendo melhor, para vitória sobre o meio, sobrevivem os animais de baixa produção, menos exigentes quanto às condições de criação. Dai a degeneração, mas também a adaptação. O criador não pode, ou não soube provocar aquele aumento das formas adaptáveis e produtivas, deixando que se tornassem vitoriosas aquelas formas mais rústicas e menos produtivas. Ou senão houve uma tendência natural da raça, em face de um ambiente não favorável à expressão de sua faculdade econômica – caso dos ovinos deslanados. 4 Acomodação ou aclimamento do indivíduo Esta forma de aclimamento, como seu nome indica, consiste em uma acomodação do individuo (CUÉNOT, 1925), que sofre pequenas variações ou modificações (no sentido de BAUR), de tal sorte a permitir sua permanência e relativa prosperidade no novo meio. Tais variações, como se sabe, não chegam a alterar a herança biológica do animal, não são hereditárias. Morrem com o individuo. Sua descendência, para sobreviver, terá de passar novamente pelo processo de acomodações somáticas. A acomodação não passa, então, de uma adaptação individual. É o resultadopuro e simples de faculdades reguladoras, próprias do organismo, capazes de corrigirem, normalmente e até certo ponto, as deficiências e perturbações, que possam sobrevir no funcionamento da máquina viva. É uma regulação ou adaptação funcional, isto é, de funções. BAUR (1911) lhe deu o nome de aclimação modificativa. Também podemos denominá-la aclimação somática ou ainda fenotípica. A denominação modificativa vem do fato de ocorrerem variações, que não passam de modificações, segundo a classificação das variações de BAUR. É fenotípica ou somática porque só interessa ao soma, ao fenótipo. Finalmente, diz-se individual, porque não é da raça. Geralmente esta é a forma comum em nossas tentativas de introdução de raças de gado, nas condições tropicais. Os reprodutores importados “ acomodam-se” ao nosso meio, e seus filhos repetem o mesmo processo biológico, de aclimação somática ou modificaria. Os célebres “filhos de importados”, que tanto seduzem os criadores inexperientes, não passam muitas vezes de individual somaticamente aclimados, faltando-lhes, portanto credenciais para fundarem uma linhagem geneticamente aclimada. A ininterrupta importação de reprodutores, sem se conseguir aclimar a raça, é uma prova de que em tais tentativas, o que se tem verificado, muitas vezes, é essa modalidade de aclimação, por isso imprópria e onerosa. 5 Falência da raça Dá-se a falência da raça quando, na tentativa de aclimação, ou não se passa da acomodação dos animais importados (forma aleatória de aclimamento), ou nem esta chega a ocorrer. Nem os animais importados resistem ao clima, que lhes é impróprio, nem sua descendência. 210 Bom exemplo disto são os repetidos ensaios de aclimação, de certas raças no Brasil, mormente no norte dos país. A vida dos reprodutores ali importados, de raças de corte, como a PoIIed Angus, a Shorthorn, no sertão tropical (seco, do Nordeste, ou úmido, da Amazônia), mostra-se precária, sua fisiologia é perturbada, de modo que desenvolvem-se, nem chegam a gerar, e, se o conseguem, são descendentes de crescimento retardado, de produtividade baixa ou nula. Trata-se de uma inadaptabilidade da raça. Só o cruzamento com fêmeas nativas ou zebuas permitiria a formação e uma prole talvez apenas com capacidade para sobreviver, mas não para ser explorada com mais vantagens do que a crioulada degenerada, no sentido zootécnico. 6 Aclimação indireta Na aclimação, é possível estabelecer uma distinção, considerando-se o processo que ela deve seguir, o seu processo para se tornar vitoriosa. Na verdade, podemos importar reprodutores de ambos os sexos, e ensaiar a aclimação da raça em estado de pureza. Mas, muitas vezes, importam-se os ma-chos para cruzá-los com fêmeas nativas. Ao primeiro processo chamei de aclimação direta, ao segundo, aclimação indireta2. Na aclimação indireta procuramos contornar os percalços da adaptação de certas raças, empregando outro caminho. Vem a ser o cruzamento da raça de fora com animais da região, biologicamente aclimados, mas zootecnicamente depreciados, degenerados. Cruzamento continuo ou cruzamento formativo. Sua aclimação vai ter como base de segurança, a rusticidade dos animais nativos - qualidade francamente hereditária. Ora, ocorreu então ao homem juntar as qualidades econômicas da raça melhorada e importada, com a rusticidade da raça indígena. Dessa mistura de fatores genéticos surgem diversas formas biológicas, entre as quais algumas se mostram vitoriosas e produtivas, no novo meio. Procedendo-se a uma seleção inteligente, dessas formas, teremos obtido o plasma germinal, que nos garantirá o êxito da aclimação. Por isso, o chamado cruzamento contínuo ou absorvente nada mais é do que um processo “indireto” de aclimamento. Foi assim que se aclimaram certas raças de corte no Rio Grande do Sul, região da “Fronteira”, e mesmo inicialmente no Uruguai e na Argentina. Por esse caminho, a aclimação genética ou hereditária se torna mais fácil, mesmo mais rápida, e, pois, mais vantajosa. E menos onerosa, também, pois aqui nos servimos apenas do reprodutor macho. Os mestiços são mandados para consumo, até alcançar-se aquele grau de sangue, e aquela fixidez e uniformidade exigidas. Somente as fêmeas mestiças são conservadas, cada geração, para reprodução com indivíduos puros importados, ou já nascidos no país. A partir da quinta geração, pode-se considerar como realizado o aclimamento, desde que os produtos em cada geração tenham sido selecionados com segurança. E a partir dessa geração que os machos são considerados “puros por cruza”, quando são portadores de 31/32 de sangue da raça melhorante ou em aclimação. E podem revelar maior adaptação, e ser tão bons como os puros, e sob certo aspecto até melhores. No cruzamento, para uma aclimação indireta de raças bovinas melhoradas, a crioulada pode ser substituída por fêmeas zebuas ou mesmo azebuadas. A 2 O. DOMINGUES – Sobre o zebu – Cap.I e II. 1939. 211 finalidade é a mesma: somar a rusticidade e a facilidade de adaptação do zebu, com as boas qualidades produtivas, das raças que pretendemos aclimar. Esta soma da rusticidade, com boas qualidades econômicas de raças melhoradas, cuja aclimação direta é impossível ou muito difícil e onerosa, dá-se sob forma mais objetiva e eficiente, promovendo-se a formação de nova raça, ou seja, o cruzamento formativo antes referido. Este, aliás, é o caminho que temos de enveredar nos trópicos. A este critério obedeceu-se, nos Estados Unidos, na formação da raça Santa Gertrudis, que é o resultado de uma mistura de 5/8 de sangue Shorthorn (raça inglesa de corte) com 3/8 de sangue zebu. O Departamento Nacional da Produção Animal iniciou, por volta de 1938, um trabalho semelhante, empregando o Charolês, raça francesa de corte, e o zebu3. Já estão sendo produzidos animais bímestiços. Isto é, descendentes de mestiços com 5/8 de Charolês e 3/8 de zebu, com resultados animadores, não somente pela uniformidade e conformação, como pelo seu comportamento vitorioso nas provas de ganho de peso, que vem sendo realizadas em São Paulo. É o gado Canchim. E, para finalizar, convém advertir que este é o caminho (o do aclimamento indireto) com maiores probabilidades de êxito. É que toda mestiçagem é uma fonte de formas diferentes e novas. Sabemos que a seleção não cria nada. A mistura de estirpes diversas provoca sempre uma multiplicidade de mixovariações (no sentido de BAUR). Se surgem formas novas, nas quais juntamos a carga genética de animais adaptados ao meio tropical (raças nativas e zebu) com aquelas outras dos animais melhorados (raças dos climas temperadas), é possível que entre elas haja algumas capazes de vitória no nosso meio e capazes de, pela sua produção, satisfazerem aos criadores. O aclimamento indireto, por isso, parece o roteiro mais acertado, mas que exige criadores mais competentes, mais dotados de intuição para dirigir a escolha e a multiplicação dessas formas novas, portadoras do ambicionado equilíbrio genético rusticidade e produtividade. 7 Fatores de êxito na aclimação Para o bom êxito da aclimação influem os próprios animais importados, a diferença ou similitude dos climas, a época da importação, e finalmente o próprio criador. a) O ANIMAL O resultado de uma tentativa de aclimação depende do animal, conforme sua espécie ou raça, e mesmo sua individualidade, e ainda sua idade. Há espéciese raças com maiores possibilidades de aclimação do que outras, e tanto é assim que algumas se mostram mais vezes vitoriosas, e por isso maior sua área geográfica. Enquanto o Cão e a Galinha vivem em quase todos os climas, o Camelo, a Lhama, a Rena tem uma área geográfica limitada. Espécies topopolitas, estas; cosmopolitas, aquelas. A mesma distinção pode ser feita entre as raças: o cavalo Árabe tem-se mostrado de mais fácil aclimação do que a raça Clydesdale ou Belga, ambas estas raças para tração; a raça bovina Jersey mais do que a SimentaI ou a Friburguesa, estas duas raças suíças, e aquela inglesa, da ilha do mesmo nome, no mar da Mancha. É verdade que na expansão da raça, o esforço do homem por vezes ajuda certas raças, como é o caso da Holandesa raça preferida na formação de rebanhos leiteiros, em 3Mais pormenores em “O Gado Indiano no Brasil” do mesmo autor, editado pelo PLAMAM (1966). 212 várias partes do mundo, devido á sua elevada lactação, que faz compensar, por vezes, todos os cuidados necessários para sua criação, fora da zona temperada. O gado leiteiro, sendo criado em estabulação ou semi-estabulação, maiores são suas possibilidades de viver em climas diversos, graças à proteção que lhe dispensa o criador, obrigatoriamente. Em geral, as espécies ou raças que dependem mais do ambiente natural são as que menos facilmente se disseminam em diversas regiões: raças de bovinos de corte criadas extensivamente. O indivíduo também influi, porquanto, vimos a aclimação é um fenômeno que depende de condições internas do ser vivo. Assim, dentro da mesma raça, é possível encontrar animais, com coeficientes de tolerância ao calor, bem diferentes porque esta tolerância, sendo hereditária, deve variar na população. Tal variabilidade permitirá deter animais que poderão fundar linhagens com alto grau de adaptação. A faculdade de aclimação varia, portanto, com a espécie, com a raça e até com os indivíduos. A idade influi porque, com seu desenvolvimento, o animal pode vir a ter dificultada a expressão de sua faculdade de aclimação. Assim os animais novos mostram-se mais fáceis de adaptarem a novas condições de meio. Os muito jovens todavia, não possuindo a suficiente resistência orgânica, são mais difíceis de se aclimarem. Os adultos, por sua vez, tendo completado seu desenvolvimento, muito mais difícil será sua adaptação, desde que para esta se torne necessária certa modificação do organismo animal. Falta-lhes aquela maleabilidade orgânica, para isto. A idade mais aconselhável há de ser, pois, a do período de crescimento, posterior a desmama, já quando os animais entraram em regime de vida independente e de alimentação. b) O CLIMA Quanto maior a diferença entre os climas, mais problemático o êxito da aclimação. Animais oriundos de regiões homoclimáticas terão facilitada, senão garantida, sua aclimação. Em geral, a transição do frio para o calor é mais possível aos animais (homem inclusive) do que aquela no sentido contrário. É que a luta contra o frio se apresenta menos embaraçosa do que contra o calor excessivo, em termos econômicos. No clima frio, o animal deve evitar a radiação de calor corporal, e produzir mais calor corporal, também. No clima quente, como vimos grandes é o trabalho do animal na dissipação de seu calor em excesso; enquanto que é mais baixa a nutrição e deprimida a assimilação, donde fazer-se mais lentamente a renovação do sangue. A chamada anemia tropical é o resultado dessas perturbações funcionais. Bom critério para orientar a aclimação serão as linhas isotérmicas ou, melhor ainda, fazer a seleção das regiões por meio dos clímógrafos ou das hitérgrafos, já anteriormente referidos. A distância, em geral, nada tem a ver quando ela não determina propriamente as diferenças de clima. O Zebu vindo da Índia longínqua mostrou-se de aclimação muito mais fácil e simples, naturalizando-se, do que as raças bovinas trazidas da Argentina, para o Brasil central, por exemplo. A época ou estação, na qual se inicia o processo de aclimação, precisa ser considerada, a fim de que os animais não sofram tão brusca transição entre os climas. Por isso deve-se procurar fazer a introdução de reprodutores na estação de temperaturas mais baixas, embora esta coincida com a deficiência anual ou estacional, das pastagens no Brasil central. Esta escassez, entretanto, não 213 prejudica muito, porque, no começo, pelo menos, os animais são mantidos em regime de estabulação completa. Assim sendo, os meses de inverno são os mais indicados para a importação de animais. c) O CRIADOR O criador pode influir por dois modos: estabelecendo medidas externas, que tenham por fim proteger e ajudar o animal no processo de adaptação, e medidas que se referem ao próprio animal. As primeiras são medidas que não interessam à descendência, mas que auxiliam a resistir ao efeito do meio, predispondo-o a uma acomodação inicial, sem prejuízo para uma aclimação genética de sua descendência. As medidas externas são: Em primeiro lugar o transporte dos animais, a importar, que deverá ser cercado de todos os cuidados, para que não cheguem depauperados, ou mesmo doentes. A imobilidade forçada e demorada é capaz de acarretar perda de apetite, enfraquecimento, congestão dos cascos. Hoje, com o transporte aéreo, esta preocupação perdeu muito a importância. Ao chegarem, as primeiras medidas a tomar são as de higiene e veterinária. Em se tratando de bovinos de clima temperado, deve-se proceder imediatamente a preconização contra a “Tristeza”. No decorrer do processo de aclimação, as medidas de higiene devem ser rigorosas. Seguem-se as medidas que tem por fim por os animais em condições de conforto, de poderem regular, favoravelmente sua fisiologia, em face dos novos fatores ambientes, de algum modo adversos., Tais medidas são: abrigos (estábulos etc.) sombra, banhos. O banho, nas horas quentes, pode fazer reduzir a temperatura retal de quase um grau Farenheit (SEATH e MILLER 1947). Observações de BONSMA (1940), na África do Sul, nos oferecem números mais expressivos: numa temperatura máxima do ar de 34,4°C houve um abaixamento da temperatura corporal de 40,1 para 39,4°C, e do ritmo respiratório, de 120 por minuto para 76/minuto, com o banho. A intensidade e demora do banho, certamente serão causas de efeitos diferentes. Vacas com acesso ao banho de aspersão pastavam 42% de seu tempo, enquanto que outras, com acesso a sombra somente, pastavam apenas 34% de seu tempo (FRYE, MILLER e BURCH 1950). A prática do banho é, pois, indispensável. E a necessidade de abrigo e de sombra para os animais em aclimação não se discute. Pastos sombreados se recomendam em qualquer hipótese, nos climas tropicais. SEATH e MILLER (1946) recomendam por alimentos a disposição dos animais, na sombra, para ressarcir o prejuízo do tempo que deixam de pastar, abrigados na sombra. Nos dias quentes, a aspersão do piso dos estábulos, com água, que entra a se evaporar, ajuda a provocar o abaixamento da temperatura dentro do estábulo, que terá cerradas suas portas, a fim de evitar a entrada de ar mais quente, de fora. Os bovinos de clima temperado têm pelos crescidos, e uma medida que pode estimular sua acomodação ao calor tropical é a tosa, que se recomenda como uma prática na rotina da aclimação. No intuito de estimular o crescimento dos animais, é recomendável um arrazoamento rico em proteína. Masexperiências durante mais de três anos, na Messina Experiment Station (condições tropicais da África do Sul), indicaram que 214 esse estimulo ao crescimento não se verificou. E explica BONSMA (1940): “nas regiões quentes, onde os animais têm grande dificuldade em eliminar o calor em excesso, a adição de proteína, na ração, falha em estimular o crescimento, a menos que se adotem medidas para facilitar a dissipação desse calor corporal excessivo: banhos, estábulos ventilados etc.”. A alimentação não deve, pois, ser copiosa, nem exagerada no seu teor de proteínas. De preferência uma alimentação refrescante, pois o animal tem necessidade de cobrir a água que perde pelos pulmões e pela pele, na regulação de sua temperatura corporal. Os animais, nas condições tropicais, precisam, pois, de mais provisão d'água4. Variando o consumo desta, o animal está em processo de regulação do calor; qualquer coisa que provoque a perda de água, pela respiração ou pela pele, haverá uma tendência para maior consumo d'água; e quanto maior o consumo d'água menor será, provavelmente, a elevação da temperatura corporal. E a água, para exercer seus efeitos favoráveis a dissipação do calor excessivo, é óbvio, deve ser fria. Enfim, as medidas externas se resumem em dar conforto aos animais no seu transporte, um bom manejo, higiene e alimentação adequadas. Mas o criador, como foi dito inicialmente, pode ter uma ação-mais eficiente, agindo sobre a herança dos animais, no conduzir sua multiplicação. É quando ele deve revelar maior perícia: na escolha dos indivíduos a multiplicar, no promover os acasalamentos dos animais que estão em processo de aclimação. Esta escolha ou seleção deve se basear, justamente, no conhecimento das reações que os animais importados e seus descendentes oferecem. Para uma modalidade de reação já temos até uma medida, que é a Prova Ibéria, com a qual avaliamos a tolerância dos animais ao calor tropical. A escolha se baseará então nos seguintes pontos: 1. Tolerância ao calor 2. Pelagem e pelame dos animais e sua conformação 3. Hábitos de pastejo 4. Desenvolvimento e peso 5. Mantença do peso nos períodos de escassez 6. Fertilidade 7. Rendimento econômico 8 . Resistência às moléstias e ao ectoparasitismo. A escolha deve ter por base o conjunto de todos esses caracteres, e não apenas um ou dois dentre eles. Certamente a “tolerância ao calor” é fator fundamental, do qual podem depender os outros como os hábitos de pastejo, o desenvolvimento, a fertilidade, o rendimento econômico. Mas se estamos selecionando para a cor e a conformação, já estamos ajudando a expressão de uma boa tolerância ao calor, e daí decorrem os outros. E a omissão dessa escolha, ou de uma orientação nela, constitui uma das causas mais sérias, que explicam a falta de êxito, em nossas tentativas repetidas de aclimação. A base da escolha tem sido a sobrevivência do animal, sua robustez e o rendimento econômico, e, dominando todas essas qualidades, a beleza estética, a vitória nas exposições. 4Ver Bésoins en eau des taurins et des zebus enzones tropicales. Rev. d'elév. Et de Méd Vét. Des pays trop. 1958: 293-300. 215 E o que é mais importante é que, sugestionados pela degeneração quase fatal das raças melhoradas, nos trópicos, há uma preferência sem limites pelo animal importado ou o “filho do importado”. Nestes, certamente, não há ainda sinais muito vivos de degenerescência, pois não houve tempo para isso (tal é o raciocínio). Ora, o filho de importado pode ser também uma incógnita, ainda, quanto ao processo de aclimação. Os que devem ser preferidos serão os animais vitoriosos, ja em geração distanciada dos importados, e não o filho de um animal que apenas chegou ao novo ambiente, que não pode mostrar o que serão seus descendentes. O criador tem ainda de exercer sua escolha na preferência das linhagens a importar. Dentre os animais importados é fatal uma diferenciação no comportamento deles, e é possível a vitória de um ou outro como gerador de bons descendentes. Ora, será mais acertado dar preferência, em novas importações, a reprodutores provenientes do mesmo rebanho no país de origem, dos animais vitoriosos no novo meio. Há mais probabilidades de acertar assim procedendo, do que importando as cegas. A falta de um registro dos reprodutores inúmeras, que temos importado há tanto tempo, é um embaraço a essa escolha das linhagens a dar preferência. Mas isto não nega o valor dessa providência. Questionário N° 12 1 - Na adaptação de uma raça, em um novo clima, quais as eventualidades que podem ocorrer? 2 - Que é aclimamento hereditário? 3- Que são caracteres preadaptivos? E aptidão preadaptiva? 4 - Qual a distinção entre aclimamento hereditário e naturalização? 5 - Qual a condição que facilita a naturalização? 6 - Que é aclimamento degenerativo? 7 - O que ocorreu com o Carneiro Deslanado foi um aclimamento degenerativo? Explique. 8 - Que é acomodação? 9 - Que é falência da raça e quando ocorre? 10 - Que é e como se processa a aclimação indireta? 11 - Que importância tem para o Brasil, a aclimaçao indireta? 12 - Quais os fatores de êxito na aclimação? E como influi o animal? 13 - Como pode influir o clima, e o criador? 14 - Quais os elementos a considerar na escolha dos reprodutores, machos e fêmeas, tendo em vista a adaptação ao clima tropical? 15 - Qual o melhor: o filho ou o neto de importado? 216
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