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Prova Brasil II

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Q4) A "nostalgia imperial" apontada por Salles refere-se a autoimagem produzida pela monarquia ao longo do século XIX através do desenvolvimento de uma cultura imperial. Analise e discuta o papel dessa cultura imperial no processo de Construção do Estado Brasileiro.
Sob a perspectiva de análise gramsciniana, Ricardo Salles desenvolve a relação entre hegemonia cultural, classe dirigente e Estado imperial brasileiro. Existe um elo direto entre a legitimidade cultural dirigida e dirigente e a formação e consolidação do Estado nacional. Há, portanto, íntima relação entre a cultura imperial e a construção política de uma nação, que se dará através da síntese de particularidades – herdadas e forjadas – condensadas sob a ótica pretensamente nacional.
Houve, desde 1822 até a formação do Estado imperial, uma disputa entre as elites pela hegemonia política. O período regencial marcou as arenas políticas, como aponta Basile, a partir da vacância do trono e da divisão das elites regionais. A divisão política separou-se em três classes existentes: Liberais Moderados – Liberais clássicos e monarquistas; Liberais Exaltados – provenientes das camadas médias urbanas e sem representatividade na elite política; e os Caramurus – liberais conservadores, defensores da monarquia constitucional centralizada. Todos, mas de maneiras diferenciadas, buscaram mesclar o liberalismo (sob influência do Iluminismo) com o Antigo Regime (sobretudo o regime escravista). 
Até a Terceira Legislatura, não havia identidade política definida. A formulação de objetivos políticos instituiu-se a partir de 1835. O antigo arranjo político se desfez e houve, então, o início do processo da ala regressista – mista entre ex-Moderados (devido ao desgaste político) e os Caramurus. A ala progressista foi, pois, resposta ao Regresso. Entretanto, a nova composição não estava polidamente definida. Apenas na Quarta Legislatura “as tendências políticas passam a se tornar mais definidas” (BASILLE, 2009, p. 64). Constituiu-se, então, a maior polarização entre regressistas e progressistas. O Senado e a Câmara, antes diversos, encontraram maior sintonia rumo ao Regresso. 
Em 1838, houve a ascensão do Regresso. A nova composição política compreendia os grandes produtores do Rio de Janeiro, grandes comerciantes e grandes burocratas da Corte. Reivindicavam a monarquia constitucional centralizada e a concentração de poder Parlamentar e Executivo. As mudanças deveriam vir em sentido à razão nacional, em contrapartida dos avanços liberais ocorridos na Primeira Regência. Em 1840, ano do golpe da maioridade, já se encontrava consolidação partidária – Conservadores (regressistas) e Liberais (progressistas/luzias). 
A posição vanguardista, para Ilmar Mattos, do Partido Conservador, onde os elementos políticos consideravam a subordinação à Coroa, além de sua potência econômica, sudeste cafeeiro, sobretudo o Vale Paraíba – donde surgiria à fração política Saquarema, garantiu posição privilegiada no cenário político. A classe dirigente estava, pois, quase formada. Precisava legitimar-se e tornar-se nacional. O Estado seria o único aparato capaz de garantir a hegemonia do então sistema vigente – escravista. A cultura passou a valer como ferramenta de legitimação da classe dirigente emergente, da nação e do Estado nacional em formulação. 
A vitória saquarema consolidou-se em 1848. A formação do Estado imperial, ocorrida em tal data, segundo Mattos, significou a vitória dos conservadores sobre os liberais. O Império necessitava do equilíbrio que os Luzias não foram capazes de fornecer. As diversas rebeliões populares, sobretudo liberais, vividas entre 1840-1842 foram controladas, instituindo-se a ordem. O projeto de nação conservador triunfou. Os Saquaremas, a partir de 1848, passaram, de dentro dos gabinetes, a ditar os rumos políticos. Tornaram-se, com maioria na Câmara e forte poderio econômico, a classe dominante imperial. A consolidação da classe senhorial adveio, portanto, conjuntamente ao surgimento do Estado imperial, no momento de sua criação. 
Houve, para Salles, neste período, mudança do bloco histórico. O modo de produção, antes “escravista colonial”, tornou-se “escravista nacional”. O Partido político e a classe dirigente também se transformaram. As mudanças estruturais e superestruturais uniram a Coroa e os Saquaremas sob o mesmo objetivo: a consolidação do projeto de nação imperial. A construção do Estado nacional desenvolveu-se em contexto mais amplo. Havia, concomitantemente, o desenvolvimento do mercado capitalista mundial, acirramento das contradições e conflitos sociais e a formação de Estados nacionais pautados na segunda escravidão. 
O contexto específico brasileiro possibilitou a formação da classe senhorial a partir de uma articulação estrutural e histórica. “As relações de produção condicionaram e ultrapassaram o âmbito das ações e intenções dos sujeitos singulares e reais-concretos, coletivos e individuais, da classe senhorial, ainda que dele tenham derivado” (SALLES, 2008, p.52). Havia nos conservadores fluminenses, certo grau de “homogeneidade, de autoconsciência e organização” (SALLES, 2008, p. 52)
A síntese da Coroa com os Conservadores consolidou-se na formulação da cultura imperial. A proximidade de interesses econômicos e políticos necessitavam do aparato ideológico para tornar-se, de fato, nacional. A cultura foi, portanto, um projeto nacional e intencional da classe dirigente que ao mesmo tempo em que havia de combater os inimigos comuns, como a Corte de Lisboa, governo inglês – devido à tensão antiescravista, e as outras regiões escravistas que pretendiam autonomia do governo central, devia lançar uma cultura forjada que defendesse e legitimasse a classe dirigente e o sistema escravista.A cultura pode ser compreendida como produção ideológica com grau de intencionalidade, segundo Salles. “A produção de uma cultura imperial está, assim como diz respeito ao projeto político de construção de uma nação independente, associada à produção de uma cultura nacional que correspondesse à individualidade da nova nação.” (SALLES, 2008, p. 75). Existiu, no forjamento da cultura imperial, um reforço da singularidade através das particularidades produzidas – tais como a literatura romântica, correspondente ao “desenvolvimento político de produção de uma hegemonia conservadora” (SALLES, 2008, p. 76). 
Salles aponta que no século XVIII e início do século XIX já existia, no Brasil, um “substrato cultural” (SALLES, 2008, p. 79) brasileiro, sendo este substrato um conjunto de “noções e valores razoavelmente interiorizado na mentalidade dominante que expressava as particularidades dos habitantes.” (SALLES, 2008, p. 79). Incorporava-se no consciente e inconsciente coletivo brasileiro, as noções da herança, particular, colonial – a variante nacional da língua portuguesa, em confluência com a língua africana e indígena, e o sentimento nativista – em contraposição e valorização do brasileiro em detrimento ao português, assim como as diferenças em relação aos interesses econômicos e políticos.
 Existia uma antítese no imaginário coletivo, apropriado e estimulado pelo recém-Estado: ao mesmo tempo em que se pregava a valorização das particularidades, existia como projeto de aspiração fazer do Brasil semelhante à Portugal. A relação na imagem sobre Portugal era ambígua. Tentava-se, por um lado, o afastamento e a legitimação de autonomia e, por outro, a proximidade com a continuação do “projeto civilizatório” nos trópicos. A singularidade da América era também antitética: o elemento natural ora era visto como puro e belo, ora selvagem e primitivo. O Brasil, assim como os brasileiros, poderia ser associado, quando necessário, nos dois espectros. O substrato, hereditário e forjado, produziu o par dialético Natureza x Civilização, onde a América e África representavam o primeiro elemento (primitivo e bestializado) e a Europa, o segundo (transformador do ‘Novo Mundo’ e portador da civilização). 
O Império, no século XIX, precisa legitimar culturalmente o modo de produção que aderiu na formulação do Estado nacional. O projeto político de emancipação traz à luz a contradição entre o reconhecimento externo de legitimidade, por um lado, e a ressignificação das relações sociais entre as elites e as camadas subalternas, “[...] nas bases de afirmação das novas nações e seus Estados centralizados.” (SALLES, 2008, p. 87). O escravo, no Brasil, nesta lógica, teve valor ímpar. Isto porque havia a questão moral sobre a escravidão e a “tensão antiescravista” no cenário internacional, e ao mesmo tempo, a eficácia econômica inegável e indispensável. A segunda escravidão, ou escravidão pragmática, tem
[...] interação com a construção dos Estados nacionais e com a expansão internacional do mercado capitalista. No Brasil, esse foi o momento da classe senhorial como processo simultâneo de formação do Estado imperial, sob a direção da facção fluminense do partido conservador, os saquaremas, e da Coroa como “partido” dessa classe. A região fluminense, além de seu lugar de preeminência, foi a base social desse processo. (SALLES, 2008, p. 29)
A justificativa respaldou-se na cultura. A elite dirigente enquanto representação objetiva da Civilização necessitou do “mal necessário” da escravidão para enfrentar e superar o estado primitivo de Natureza e implantar o progresso das Luzes. A diferença substancial entre europeus e africanos era, sobretudo, cultural – a presença ou ausência de “civilização”. A cultura imperial não construiu, portanto, uma “representação ideológica do povo prospectiva e idealizante” (SALLES, XX, p. XX) sobre o futuro e o fim da escravidão, mas antes uma cultura que justificava e legitimava a permanência sócio-econômica escravista. 
Em contraposição ao negro africano, como Salles aponta, criou-se a antípoda cultural, o senhor escravista. A classe senhorial tornou-se um estilo de vida e um modelo a ser seguido. As classes subalternas aspiravam alcançar o status senhorial. O projeto cultural de cidadão a ser seguido sustentou e foi sustentado pelo Estado. O “senhor” era uma figura distante, mas possível de ascensão. Existia, no imaginário, a possibilidade dos setores baixos, onde o limite era o próprio escravo, de liberdade a até mesmo a possa de escravos. A “cordialidade senhorial”, as virtudes do paternalismo, era contraposição a servidão e pobreza. A elite representava a formação e a civilização européia. Havia, no entanto, no constructo cultural das camadas subalternas, a capacidade de mudança do espectro selvagem para o civilizado e virtuoso. 
O Estado imperial, no processo de construção e afirmação da tradição forjada, ressignificou às tradições históricas. O “abrasiliamento” da produção cultural foi ferramenta de legitimidade. As particularidades, em comparação com a unidade forjada, tornaram-se diferença. O “grau de arbitrariedade”, como trata Hobsbawm, no processo de formação de identidade nacional, é ditada pelo Estado. A arbitrariedade está vinculada, portanto, aos interesses da classe dirigente. Foi adotado como marca de distinção e tornou-se, até certo ponto, orgânica, a difusão entre o europeísmo/bacharelismo e a realidade local como marca de afirmação e hegemonia cultural. 
A produção cultural tinha como tarefa a diferença. Criou-se o par cultural: cultura popular x cultura letrada/ da elite. A primeira, vista como subversiva e primitiva, enquanto a segunda formal, ornamental e ambígua diante da realidade popular. A cultura oficial, imperial, buscava o reconhecimento externo ao mesmo tempo em que se firmava uma produção cultural própria. O resultado foi uma imagem distorcida do modelo europeu, em certa parte justificada pelo sentimento de inferioridade, onde o elemento original foi a cultura popular – apropriada. 
A produção literária foi, na realidade, um projeto de afirmação imperial. “Ao processo de construção de uma ordem política imperial, correspondeu a um terreno cultural de ação hegemônica em que as noções e os valores do substrato cultural ganharam força de uma temática nacional com rara organicidade interna” (SALLES, x1, p.xx). O Brasil, como Europa dos trópicos, adicionou, através das produções literárias, caráter científico à produção cultural. Os intelectuais orgânicos organizavam-se e agiam, pois, a disposição do Estado monárquico. Construíram, ao longo do século XIX, por exemplo, o elemento indígena, nacional, sob uma perspectiva moderna, européia e científica. A obra literária foi, pois, o veículo de massas (por ser não propriamente científico) capaz de propagar o mito da nacionalidade no imaginário coletivo. A literatura imperial foi interessada, uma vez voltada para a afirmação das particularidades nacional – tendo sido incentivada, diversas vezes, pelo próprio Estado. 
O Estado monárquico passou a ser visto como portador e impulsionador da civilização. Tornou-se promovedor da construção política da nação. Fazia-se dominador da unidade – em contrapartida da República, que representava dispersão. A monarquia assegurava a unidade territorial e a “exercer um papel hegemônico no subconsciente” (SALLES, x1, p.xx). Era, também, promotora da modernidade. Com isto, circunscreveu o cidadão, promoveu cultura e técnica do progresso europeu e excluiu o povo. O projeto hegemônico do Estado imperial fez da Coroa o Partido da classe senhorial. Transformou a filosofia em senso comum. Utilizou-se da ordem e da liberdade, em seu limite mínimo, como pilares. “A filosofia liberal [...] era contida no senso comum conservador liberal que caracterizou a ordem política imperial” (SALLES, 2008, p. 50). 
O Império, a escravidão, nobreza e o Estado balizaram a estabilidade identitária. O ramo simbólico que emoldurava o brasão do império [...]” expressou “o acontecimento da classe senhorial emsua conexão umbilical com o latifúndio escravista cafeicultor [...] com a Corte e com o Estado imperial” (SALLES, 2008. p. 54). “A classe senhorial foi uma realidade histórica [...] que tendeu a se expandir como força e direção moral por determinada época e por toda a sociedade, entendida como um bloco histórico” (SALLES, 2008, p. 53) que, em conjunto com a Coroa, impôs a condição de reprodução social e cultural. “A questão do Estado e da direção moral e intelectual de toda sociedade, de todo Império [...] como forma de manutenção e reprodução da ordem senhorial-escravista.” (SALLES, 2008, p. 52).
Beatriz Gambini
12/12/17

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