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DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Francimea H. Lopes Organizadora Na busca de uma melhor compreensão das deficiências em geral, em 1980 a Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs três níveis para esclarecer todas as deficiências, a saber: deficiência, incapacidade e desvantagem social. Em 2001, essa proposta, revista e reeditada, introduziu o funcionamento global da pessoa com deficiência em relação aos fatores contextuais e do meio, resituando-a entre as demais e rompendo o seu isolamento. Ela chegou a motivar a proposta de substituição da terminologia “pessoa deficiente” por “pessoa em situação de deficiência”. Assante, (2000), para destacar os efeitos do meio sobre a autonomia da pessoa com deficiência. Assim, uma pessoa pode sentir-se discriminada em um ambiente que lhe impõe barreiras e que só destaca a sua deficiência ou, ao contrário, ser acolhida, graças às transformações deste ambiente para atender às suas necessidades. A Convenção da Guatemala, internalizada à Constituição Brasileira pelo Decreto nº 3.956/2001, no seu artigo 1º define deficiência com {...} “uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. Essa definição ratifica a deficiência como uma situação. O diagnóstico da deficiência mental não se esclarece por supostas categorias e tipos de inteligência. Teorias psicológicas desenvolvimentistas, como as de caráter sociológico, antropológico têm posições assumidas diante da deficiência intelectual, mas ainda assim não se conseguiu fechar um conceito único que dê conta dessa intrincada condição. A deficiência intelectual é a nomenclatura usada atualmente para definir o que antigamente chamávamos de deficiência mental. O termo foi aprovado em agosto de 2006, em uma Convenção Internacional de Direitos Humanos das Pessoas com deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU). A deficiência mental não é considerada uma doença ou um transtorno psiquiátrico, e sim um ou mais fatores que causam um prejuízo das funções cognitivas que acompanham o desenvolvimento diferente do cérebro. As Deficiências Intelectuais podem variar de leve à grave, diferenciando muito a intervenção de quem trabalha com este aluno. Para a Associação Americana de Deficiência Mental (AAMD), deficiência mental caracteriza-se por registrar um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, oriundo do período de desenvolvimento, anos concomitantemente com limitações associadas a duas ou mais áreas da conduta adaptativa ou da capacidade do indivíduo em responder adequadamente às demandas da sociedade, nos seguintes aspectos: comunicação, cuidados pessoais, habilidades sociais, desempenho na família e comunidade, independência e locomoção, saúde e segurança, desempenho escolar, lazer e trabalho. De acordo a AAMD, na deficiência mental observa-se uma substancial limitação da capacidade de aprendizagem do indivíduo, e de suas habilidades relativas á vida diária. O deficiente mental, assim, caracteriza-se por um déficit de inteligência conceitual, prática e social. Quatro dimensões configuram a identificação/diagnóstico da pessoa com DI: a função intelectual e as habilidades adaptativas, a função psicológico-emocional, as funções física e etiológica, e o contexto ambiental. Nesse enfoque multidimensional, é imperativo que se considere, na identificação da DM: a própria existência da deficiência; a intensidade da manifestação física, psicológica, emocional e da condição de saúde da pessoa que apresenta esse retardo; a capacidade funcional da pessoa para á vida cotidiana no lar, na escola, no trabalho e na comunidade; o contexto ambiental em que opera e as formas, quantidade e duração do apoio indicado, de modo a facilitar-lhe a independência, a produtividade e a interdependência, além de sua integração comunitária. O enfoque multidimensional considera o déficit intelectual indispensável, mas não suficiente nem exclusivo para a identificação de uma pessoa como come DM. Para receber esse diagnóstico, alguns requisitos deverão ser considerados: a incorporação do conceito de habilidades adaptativas; o uso adequado de instrumentos para a mensuração da inteligência geral estandardizados e validados; a faixa etária inferior aos dezoito anos, para o diagnóstico inicial; condições ambientais e de apoio que favoreçam a capacidade funcional da pessoa. Convém ressaltar que diagnósticos feitos antes dos seis anos de idade devem ser reavaliados, pois, nesta fase de desenvolvimento, muitas mudanças e estimulações podem ocorrer, alterando as características da criança (HONORA, 2008). Estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Banco Mundial indicam a alta incidência de deficiência intelectual em países em desenvolvimento, geralmente do Hemisfério Sul, por serem países com altas taxas de população que vivem abaixo da linha da pobreza, em condições precárias de saúde, de educação e de infra- estrutura urbana. Os dados dos IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – indicam que 5% da população apresenta Deficiência Intelectual no Brasil. A educação das pessoas com deficiência intelectual requer ações especializadas e não especializadas da escola simultâneas à utilização de alternativas e procedimentos pedagógicos variados permeando as diversas formas de organização do sistema educacional. Desse modo, o aluno com DI terá oportunidade de apreender conteúdos e de desenvolver suas potencialidades. O atendimento ao educando deverá ser precedido de avaliação individualizada, efetuada pela equipe interdisciplinar, por meio de procedimentos específicos, que visam conhecer as potencialidades, as limitações e as necessidades especiais do deficiente intelectual. Para efeito do atendimento educacional, o diagnóstico da área de saúde deverá ser complementado pela avaliação pedagógica ou psicopedagógica, conforme os recursos locais. Quanto mais cedo os profissionais da área de saúde, a família ou a escola identificarem a DI na criança, mais rapidamente poderão ser efetivadas ações preventivas e maiores benefícios múltiplos poderão ser auferidos da intervenção educativa. O estudo global da relação entre as necessidades do educando e dos recursos educacionais da comunidade é indispensável, e deverá ser feito por uma equipe interdisciplinar. Após estudo pela equipe interdisciplinar, o encaminhamento do DI para os diversos serviços de atendimento educacional deverá levar em conta seu grau de deficiência, sua idade cronológica, seu histórico de atendimento, a disponibilidade de recursos humanos e materiais existentes na comunidade onde vive as condições socioeconômicas e culturais da região. Características dos Alunos com Deficiência Intelectual1 1 Fonte: Esclarecendo as Deficiências: aspectos teóricos e práticos para contribuir com uma sociedade inclusiva No conjunto dos indivíduos com deficiência intelectual, existe uma grande variedade de capacidades e necessidades. Há, no entanto, quatro áreas em que os indivíduos com deficiência intelectual podem apresentar diferenças entre si: 1. Área motora: algumas crianças com deficiência intelectual leve não apresentam diferenças significativas em relação às crianças consideradas “normais”, porém podem apresentar alterações na motricidade fina. Nos casos mais severos, pode- se perceber incapacidades motoras acentuadas, tais como dificuldade de coordenação e manipulação. Podem também começar a andar tardiamente.2. Área cognitiva: alguns alunos com deficiência intelectual podem apresentar dificuldades na aprendizagem de conceitos abstratos, em focar a atenção, na capacidade de memorização. Podem atingir os mesmos objetivos escolares que alunos considerados “normais”, porém, em alguns casos, com ritmo mais lento. 3. Área da comunicação: em alguns alunos com deficiência intelectual, é encontrada dificuldade de comunicação, acarretando uma maior dificuldade em suas relações. 4. Área socioeducacional: em alguns casos de deficiência intelectual, ocorre uma discrepância entre a idade mental e a idade cronológica, porém temos de ter claro que a melhor forma de promover a interação social é colocando os alunos em contato com seus pares de mesma idade cronológica, para participar das mesmas atividades, aprendendo os comportamentos, valores e atitudes apropriados da sua faixa etária. O fato de o aluno ser inserido numa mesma turma que tenha sua “idade mental”, ao invés de contribuir para o seu desenvolvimento, infantiliza-o e dificulta seu desenvolvimento psíquico-social. Não existem “receitas” prontas para o trabalho com alunos tanto com deficiência intelectual, ou com outra deficiência, quanto com os sem deficiência. Devemos ter em mente que cada aluno é um e que suas potencialidades, necessidades e conhecimentos ou experiências prévias devem ser levados em conta, sempre. Algumas dicas podem ser importantes para o trabalho com alunos com deficiência intelectual:2 2 Fonte: Esclarecendo as Deficiências: aspectos teóricos e práticos para contribuir com uma sociedade inclusiva Focar a atenção, dando prioridade aos objetivos que queremos ensinar; Partir de contextos reais; Criar situações de aprendizagem positivas e significativas, preferencialmente em ambientes naturais aos alunos; Usar situações e formas as mais concretas possíveis; Transferir comportamentos e aprendizados adquiridos para novas situações; Dividir as tarefas em partes, aumentando as dificuldades gradualmente, respeitando o ritmo do aluno; Motivar, elogiar o sucesso e valorizar a auto-estima; Atender não só a área dos conhecimentos acadêmicos, como também os aprendizados que melhorarem a qualidade de vida de todos os alunos; Experienciar situações do cotidiano no campo dos conhecimentos acadêmicos, como ensinar a ler e escrever o nome, endereço, a utilizar o telefone, a ler informações das paradas de ônibus, das placas e dos rótulos, a saber ver as horas, a compreender o valor monetário, a saber fazer compras e a dar troco, a organizar materiais, a utilizar os utensílios domésticos, a ter higiene pessoal, a saber se comportar em diferentes ambientes, a saber utilizar transportes públicos, a saber se comunicar e a se fazer entender por diferentes pessoas; Utilizar, em seu trabalho, diferentes tipos de linguagem, como música, artes, expressões corporais, entre outras; Acreditar, principalmente, que o aluno com deficiência intelectual PODE APRENDER como outra criança, só precisamos acreditar nisso e ter as ferramentas necessárias; Acompanhar continuamente o processo de aprendizagem do aluno, registrando suas observações, para poder, com o tempo, perceber qual é a melhor forma cada aluno em especial apresenta para aprender, pois não há um perfil único para os alunos com deficiência intelectual. Sassaki (2006) dá algumas sugestões ao professor para melhor adaptação dos estudantes com deficiência intelectual: Usar o sistema de companheirismo (trabalhos em duplas ou pequenos grupos); Formar grupos de aprendizado cooperativo; Contar histórias para ensinar conceitos abstratos; Preparar versões simplificadas do material didático; Posicionar o aluno com deficiência intelectual nas primeiras carteiras, de forma a que o professor possa sempre estar atento a ele; Estimular o desenvolvimento de habilidades interpessoais e ensiná-lo s pedir ajuda e instruções sempre que não consiga desenvolver uma atividade; Fazer adaptações de conteúdo sempre que necessário; Avaliar o aluno pelo seu progresso individual e com base em seus talentos e suas habilidades naturais, sem compará-lo com a turma. É importante sabermos que muitos dos alunos que recebemos em nossa sala de aula fazem tratamentos clínicos e, muitas vezes, tratamentos psicológicos, sendo parte do tratamento a avaliação psicológica. É comum vermos que os psicólogos se interessam pela vida educacional de seus pacientes e isso pode resultar em momentos de trocas valiosas, nas quais serão desenvolvidas entrevistas com os professores do aluno. Nesse momento, o psicólogo vai procurar saber se foi a escola ou a família que encaminhou o paciente, além de buscar dados importantes da vida do aluno. Pode ser também que o terapeuta queira olhar as produções do aluno. Muitos profissionais da Psicologia ainda fazem uso de testes para avaliar seus pacientes. A primeira Escala de Inteligência foi criada por Binet e Simon, no início do século XX, 1904, na França. O Ministério Público estava preocupado com o grande índice de reprovação de crianças no ensino público, então contratou dois psicólogos, Binet e Simon, para identificar e estudar o problema. Eles então criaram o primeiro teste psicológico, a escala de inteligência, e foram modificando essa escala, transformando-a em teste. Um termo muito conhecido entre nós, mas que a cada dia está caindo em desuso, é o Coeficiente de Inteligência mais conhecido por QI. O Coeficiente de Inteligência (QI) é uma medida que pretendia “quantificar” os conhecimentos das pessoas para classificá-las. Foi organizado da seguinte forma: Limítrofe – QI de 71 a 85 pontos Deficiência intelectual leve – QI de 51 a 70 pontos Deficiência intelectual média ou moderada – QI de 36 a 50 pontos Deficiência intelectual severa – QI de 20 a 35 pontos Deficiência intelectual Profunda – QI menor que 20 pontos Com base nessa classificação, pensava-se como a pessoa seria tratada, dividindo- se também em: educável, treinável, dependente e profunda. É preciso entender que os testes de inteligência podem ser usados com bons resultados, ajudando muito no planejamento para o aluno com deficiência intelectual em especial, mas não é a única forma de observação a ser usada. Faz-se necessária a observação do aluno em diferentes ambientes, com deferentes pessoas, em diferentes dias, com atividades também diferenciadas para se perceber as potencialidades desse aluno. Não devemos utilizar o teste de inteligência como rótulo, como medida, pois o profissional, assim, estará colaborando para reforçar o estigma. O aluno com deficiência intelectual, como qualquer outro aluno, precisa desenvolver a sua criatividade, a sua capacidade de conhecer o mundo e a si mesmo, não apenas superficialmente ou por meio do que o outro pensa. O nosso engano é nivelar a dotação mental das pessoas com deficiência intelectual em um nível sempre muito baixo. Desse engano, derivam todas as ações educativas que desconsideram o fato de que cada pessoa é um indivíduo, que tem antecedentes diferentes de formação, de experiências de vida e de capacidade de aprender e de exprimir um conhecimento. A inclusão de Alunos com Deficiência Intelectual3 De acordo com Stainback (2000), um aspecto extremamente importante na inclusão de alunos com deficiência intelectual é trilhar novos caminhos educacionais, pensando não somente na alfabetização deles, como também na modificação curricular da escola de ensino regular para atender às outras habilidades que o aluno com deficiência intelectualapresente (artes, música, dança) e com outro olhar sobre o papel do educador. 3 Fonte: Esclarecendo as Deficiências: aspectos teóricos e práticos para contribuir com uma sociedade inclusiva A palavra chave é COMPARTILHAR a aprendizagem, formando realmente uma parceria educacional. Para Mantoan (2003), o aluno com deficiência intelectual é capaz de realizar um processo educacional por meio um currículo baseado em conteúdos construtivistas. A garantia de exercer sua liberdade e autodeterminação, poder de decisão e crítica, facultando-lhe a iniciativa própria na resolução de conflitos de natureza intelectual e moral, é condição importante para o seu desenvolvimento. Deve-se também contar com a colaboração da família e da sociedade para que se estenda a outros ambientes o mesmo clima de confiança. Em outros tempos, o currículo pedagógico era explicitado em matérias, disciplina e conteúdos programáticos, mas uma nova estrutura curricular deve ser criada para atender ao desenvolvimento global do aluno. Outras áreas devem ser também privilegiadas, como: Afetiva Que o aluno torne-se independente e capaz de tomar iniciativas próprias, na medida de suas potencialidades; Que o aluno respeite os sentimentos dos outros e expresse os seus; Que o aluno esteja atento e interessado em conhecer o meio que o cerca Que o aluno seja capaz de encontrar diferentes soluções para um mesmo problema, usando sua criatividade; Que o aluno mantenha-se motivado a participar de todas as atividades propostas na escola. Social Que o aluno possa estabelecer interações sociais com os adultos, baseadas no respeito mútuo; Que o aluno estabeleça trocas sociais com seus pares, baseadas na cooperação; Que o aluno aprenda regras sociais e aprenda a respeitá-las; Que o aluno construa regras e normas de conduta compatíveis com os estágios de desenvolvimento em que se encontra. Perceptivo-motora Que o aluno coordene movimentos diferentes, envolvendo coordenação motora grossa e fina. Cognitiva Que o aluno tenha a oportunidade de agir livremente sobre um meio físico, rico em estímulos, e coordene suas ações, no sentido de estabelecer relações entre si e o mundo; Que o aluno tome consciência das relações espaciais, causais e temporais, por meio das quais possa organizar seu mundo físico e social, agindo sobre eles, projetando suas ações, os objetos e acontecimentos vividos no plano simbólico; Que o aluno expresse essas representações por intermédio da linguagem oral, do desenho, da brincadeira de faz-de-conta, da imitação, entre outras; Que o aluno adquira conhecimentos sociais que sejam úteis a sua adaptação à vida. Para uma aprendizagem adequada, o espaço físico deve ser bem organizado, o material pedagógico deve ser rico e diversificado, propiciando atividade em pequenos grupos e com tempo de atenção progressiva. O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA MENTAL José Ramon Amor Pan Evolução A maioria dos problemas observados nesses indivíduos vincula-se à eficiência geral de seu sistema cognitivo, embora haja algumas diferenças relacionadas, sobretudo a aspectos estruturais, em particular nos deficientes de níveis mais baixos, devido provavelmente à presença de alterações biológicas. De nossa revisão da pesquisa sobre o tema pode-se deduzir que as pessoas portadoras de deficiência mental apresentam maior lentidão em seu processo evolutivo. Eis como o enfatiza Zazzo: Comparado com a criança normal, o débil se desenvolve em velocidades distintas, segundo os diversos setores do desenvolvimento psicobiológico [....] A distância entre a idade mental e a idade cronológica sempre fora considerada de modo estático, como uma definição métrica da deficiência, dando lugar à assemelhação do débil mental com uma criança menor. Na perspectiva heterocrônica, essa distância se transforma na tensão de um sistema de equilíbrio particular, de uma estrutura original, causa de tudo o que pode constituir distinção do débil mental em relação à criança normal. Ora, embora se produza um desenvolvimento mais lento, sempre com retardo com relação à normalidade, o processo segue normas regulares de progresso que, com a devida correção cronológica, o equiparam ao desenvolvimento normal. O portador de deficiência mental segue em seu amadurecimento o percurso normal, embora o faça em ritmo lento, com atrasos e fixações precoces. O raciocínio da criança débil evolui, em contrapartida, num ritmo lento ou inclusive cada vez mais lento, que a conduz, às vezes, a estados de estacamento; além disso, quando chega a seu limite superior, ela conserva com freqüência as marcas dos níveis anteriores, o que a leva a oscilações exageradas entre dois níveis de desenvolvimento, originando um falso equilíbrio caracterizado por certa viscosidade genética no raciocínio. Segundo Cambrodi, embora não exista unanimidade a respeito, parece demonstrado que as diferenças que a separam do desenvolvimento normal são meramente quantitativas, o que situaria o estudo da pessoa portadora de deficiência mental no âmbito dos parâmetros avaliativos das diferenças humanas. Esse processo evolutivo deve considerar-se terminado no portador de deficiência mental sem ultrapassar os limites do período pré-operacional no caso de deficiência mental moderada e do período operacional na deficiência leve. Portanto, seguindo os estudos de Piaget, seu pensamento está baseado no predomínio da percepção e da intuição sobre o da elaboração intelectual e abstrata. Pode resolver as tarefas e situações sempre que seja possível fazê-lo mediante operações concretas. Compreende quase todos os tipos de conservação, inclui classes e as inter- relações que há entre elas; abrange o conceito de hierarquia ou seriação. Contudo, é-lhe impossível conceber em sua mente uma série de possibilidades e comprová-las sistematicamente, pois seu pensamento tem por objeto a própria realidade e não se dirige para “o possível”, procedimento típico do pensamento abstrato. Revela-se estéril e absolutamente frustrante para as duas partes exigir acima do nível de possibilidades. Ora, a constatação de que não superam o período de operações concretas não deve levar a concluir uma equiparação absoluta das pessoas portadoras de deficiência mental com as crianças desse mesmo nível mental (7-8 a 11-12 anos), porque essa assemelhação não tem base científica e só faz prejudicar seriamente o processo de desenvolvimento do indivíduo. Atenção A existência de déficits de atenção nas pessoas portadoras de deficiência mental está muito documentada. São os seguintes os resultados mais relevantes dos estudos sobre as deficiências que essas pessoas apresentam nessa área: 1. Dificuldade de atentar inicialmente para dimensões relevantes dos estímulos. Um estímulo dado tem várias dimensões (forma, cor, tamanho, posição etc.). Normalmente, as pessoas aprendem que dimensões e que aspectos dessas dimensões contêm a informação necessária para selecionar o estímulo adequado ou para agir apropriadamente diante dele. Também apresentam dificuldades de atentar para mais de uma dimensão e precisam de mais tempo para acumular informação suficiente para fazer uma discriminação correta. 2. Dificuldades no processamento atencional automático em pessoas com QI inferior a 55. Os processos controlados são intencionais, voluntários e requerem atenção. Quanto aos automáticos,considera-se que não requerem atenção e não são afetados pela prática nem pela retroalimentação. Além disso, sugere-se que o processamento automático se baseia na maturidade precoce e é invariável ao longo do desenvolvimento e dos níveis de inteligência. 3. Não se encontraram diferenças na memória de localização ou da freqüência entre portadores de deficiência mental e a população normal. No entanto, a recordação da localização e da freqüência pode ver-se afetada pelos aspectos semânticos dos estímulos. Isto é, o processamento da freqüência e da localização de estímulos parece estar influenciado pelas demandas de codificação dos itens a recordar. 4. As deficiências do processamento atencional controlado estão em função do QI. Memória Os portadores de deficiência mental parecem ter a integridade estrutural necessária para que a memória sensorial funcione, mas parecem carecer do desenvolvimento de habilidades atencionais-perceptivas, necessárias para extrair informações relevantes do estímulo. Isso teria implicações para a intervenção, pois os aspectos funcionais, derivados do controle executivo da atenção, modificáveis mediante o treinamento e a mediação, poderiam ser os deficitários nessas pessoas. Quanto à memória de curto prazo, é aceito que as pessoas portadoras de deficiência mental manifestam problemas nela, embora as interpretações desse fato sejam divergentes. Não há provas suficientes que esclareçam se as diferenças entre portadores e não portadores de deficiência mental se devem somente a deficiências estruturais ou também a deficiências funcionais. Embora não produzam estratégias mnemotécnicas espontaneamente, os primeiros podem de fato aprender a usá-las, sendo a manutenção da estratégia adquirida relativamente fácil de conseguir: o sucesso no ensino de estratégias a pessoas portadoras de deficiência mental foi enorme. Contudo, obteve-se menos êxito em sua generalização para situações novas. Constatou-se a existência de uma série de condições que favorecem o uso de estratégias ativas de repetição. Enumeramos as principais: - Instruções muito claras. Só se os procedimentos e exigências da tarefa forem entendidas poderá ela ser realizada com sucesso. - Prática extensa. É necessário permitir um número de tentativas mais amplas do que o proporcionado aos não-portadores de deficiência. - Apresentação lenta dos itens e em grupos pequenos. - Utilização de um contexto de ensino natural para favorecer a generalização. - Só se a tarefa for medianamente desafiadora, se o sujeito dispuser de uma estratégia e considerar pertinente seu uso, conseguiremos que a desenvolva. Por essa razão, devem-se evitar tanto as tarefas que se percebem como muito fáceis de realizar como aquelas que se percebem como mito difíceis. Por fim, os problemas na memória de longo prazo fundam-se mais na acessibilidade do que na disponibilidade da informação: os portadores de deficiência mental têm problemas para recuperar a informação armazenada e são mais lentos do que os não-portadores em sua habilidade de processar informação semântica permanentemente armazenada na memória. Mas as pesquisas mostram que as instruções de codificação semântica, ao lado de um tempo de estudo marcado pelo próprio sujeito, melhoram seu rendimento. Em suma, chega-se de novo à conclusão de que o objetivo da intervenção deve dirigir-se não a mostra a incapacidade estratégica dessas pessoas, mas a descobrir os modos de solucionar suas deficiências. A mudança apresentada é identificar o nível de comportamento estratégico que as pessoas portadoras de deficiência mental podem adquirir, tanto por meio do treinamento como pela especificação das condições de apoio para a aprendizagem e a generalização. Características da Personalidade do Portador de Deficiência Mental. José Ramon Amor Pan Como costuma ocorrer com conceitos semelhantes, também é problemática a definição do conceito de personalidade. Allport compila mais de cinqüenta tentativas de definição do termo. A personalidade é uma realidade sumamente complexa, que abrange uma multiplicidade de dimensões não bem definidas nem analisadas. Por essa razão, é praticamente impossível analisar todas as dimensões e características da personalidade. Aqui, entender-se-á por personalidade o conjunto amplo de características que constitui cada ser humano e que o diferencia de qualquer outro, em referência não só ao comportamento manifesto (consciente ou inconsciente), mas também às atitudes internas e às tendências de ação e inibição. Por outro lado, é preciso assinalar que são muito escassos os trabalho dedicados a estudar sistematicamente a personalidade dos portadores de deficiência mental e que poucos dados existentes são fragmentados e se encontram disseminados em estudos de vários tipos, nunca como um objetivo primário. Vamos limitar-nos a apresentar as características que receberam maior atenção por parte dos especialistas. Imagem desvalorizada Deve-se observar em primeiro lugar o baixo nível de auto-estima que, em geral, costumam ter as pessoas portadoras de deficiência mental. O indivíduo vai conhecendo suas peculiaridades e sucessivas dificuldades no domínio de situações e na realização de tarefas e vai se tornando progressivamente consciente de que é diferente dos outros, sobretudo durante a adolescência. Dificuldades que não vê nos irmão ou nas crianças a seu redor e que adquirem diversos significados de acordo com as conotações que as outras pessoas lhes atribuem. Existe uma repercussão emocional do reconhecimento da própria limitação e certa resistência a aceitá-la, que pode provocar uma baixa auto-estima e uma imagem desvalorizada de si mesmo. Esse resultado é compreensível se se considera a situação marginal ( tanto por falta como por excesso) na qual, desde o seu nascimento, se desenvolve sua existência. Como se indicou antes, muitos estudos demonstraram que a pessoa portadora de deficiência mental tem dificuldade de passar de uma tarefa para outra. Certa tendência à fadiga e à distração conjungam-se nela, o que dificulta os processos de aprendizagem e adaptação. Custa-lhe muito interromper um comportamento para passar para outro, interessar-se pela nova tarefa, focalizar sua atenção nela e mantê-la, para, por fim, tentar solucioná-la. Deve-se enfatizar que o portador de deficiência mental precisa de tempo e treinamento para conseguir essa mudança, em maior quantidade segundo o grau de novidade e de dificuldade do novo empreendimento. É preciso, portanto, conceder tempo e treinamento, caso contrário o indivíduo fracassará de forma clara. A pessoa portadora de deficiência mental encontra-se diante de uma realidade social na qual o modo de agir e de comunicar-se é regulamentado e julgado de antemão e os critérios que se manejam são excludentes e não inclusivos. Ela se vê imersa num mundo que não é “seu mundo” e no qual parece não ter lugar: “Você imagina abrir os olhos e encontra-se rodeado de um mundo de espertos?” Em boa lógica, vai desenvolver- se uma personalidade coibida, oprimida muitas vezes pelas circunstâncias nas quais se desenvolve sua vida diária. Ao mesmo tempo, podemos considerar provável a existência de pais que centram toda a sua atenção na deficiência do filho e desenvolvem uma atitude de superproteção, conduta com a qual estão implicitamente colaborando para criar essa autopercepção negativa e estática no portador de deficiência mental, favorecendo que o sujeito se feche em sua própria limitação. Como já se indicou, a atitude do ambiente pode ajudar muito a facilitara formação de uma imagem positiva de si mesmo – que o faça projetar um futuro promissor – ou, ao contrário, ser altamente prejudicial. “Gibson (1980), Reynolds e Miller (1985) e Weiz (1982) mostraram que as crianças retardadas mentais educáveis possuem uma grande tendência a atribuir seus êxitos à sorte e não à sua habilidade, e seus fracassos à sua inaptidão, em vez de atribuí-los à má sorte. Quando se correlacionaram essas crenças com as de seus pais ou professores, evidenciou-se que existia uma elevada correlação positiva, o que leva a supor, segundo Weiz, que as baixas expectativas dos retardados mentais se devem aos efeitos do baixo conceito que deles têm os adultos e não às características intrínsecas do déficit cognitivo”. Uma maior e urgente necessidade de aceitação e aprovação social É um fenômeno suficientemente conhecido que qualquer pessoa que se sinta rejeitada pelos outros procure ser aceita a todo custo, chegando inclusive a apresentar comportamentos anômalos com o fim de chamar a atenção e ser reconhecida. Myers assinala que a maioria das pessoas aprendeu que se humilhar constitui às vezes uma excelente técnica para que os outros a agradem e que, quando a própria auto-imagem está muito ligada ao próprio rendimento, pode mostrar-se mais desastroso esforçar-se muito e arriscar-se a fracassa que desistir de antemão. Essa tendência, comum a todos os seres humanos, e o contexto particular em que se desenvolve a vida do portador de deficiência mental explicam o fato de essas pessoas apresentarem uma destacada necessidade de aceitação e aprovação social, precisamente porque experimentam que carecem dela na maioria das vezes. Parece claro que os que viveram numa situação de privação social, no sentido de carecer de a algumas relações sociais normais, são muito mais propensos à buscar da aceitação e aprovação nos outros como mecanismo com o qual enfrentar sua circunstância vital. Encontramos com freqüência no portador de deficiência mental respostas esteriotipadas ou inadequadas: ecolalia, oscilação, movimentos rítmicos dos dedos, auto- agressão, masturbação etc. Muitos autores consideram esses comportamentos originados de problemas ambientais: falta de estimulação, institucionalização, situações frustrantes ou que provocam demasiada excitação etc. Esses comportamentos são mecanismos adaptativos que permitem ao indivíduo escapar da tensão que nele produz seu ambiente e da dificuldade que experimenta ao encarar as situações novas e\ou conflituosas da vida diária, ao mesmo tempo em que lhe servem de auto-estimulação compensatória. Quando os seres vivos (não só os seres humanos) se encontram em ambientes pequenos ou nos quais não existem estímulos adequados a eles, comportam-se de forma estereotipadas ou promovem condutas masturbatórias que, por seu excesso, podem ser consideradas psicopatológicas. A pessoa portadora de deficiência mental mostra esses comportamentos muito mais que o restante da população, pois convive com mais freqüência com problemas que superam sua capacidade de ajustamento. O desejo do portador de deficiência mental de manter a interação com o adulto e sua aprovação por meio da submissão e da persistência torna-se patente nessas circunstâncias. As pessoas que carecem do sentido da própria competência enfrentam as dificuldades de maneira muito menos eficiente. Assim, gera- se uma maior dependência do portador de deficiência mental com relação aos reforços positivos e negativos procedentes de seu ambiente vital, devido ao fato de sua condição o levar a depender mais dele. Qualquer rótulo diagnóstico envolve quase sempre a aceitação por parte da pessoa que o recebe do papel que a sociedade atribui a esse rótulo, isto é, a pessoa acaba por comportar-se de acordo com os estereótipos sociais. O comportamento que se espera de um portador de deficiência mental vem caracterizado por estes dois adjetivos: defeituoso e anômalo. Solidão A solidão é sempre um sentimento bastante comum nessas pessoas, podendo desembocar em depressão. A baixa auto-estima e a solidão podem provocar uma depressão manifesta; às vezes, essa depressão pode estar disfarçada e ser expressa mediante um equivalente depressivo. O adolescente de deficiência mental é especialmente vulnerável a esses sentimentos de insuficiência e auto-imagem negativa. Em suma, “as pessoas com retardo mental reconhecem ser diferentes do restante dos membros da sociedade, sentindo amiúde como se pertencessem (a essa sociedade)”. É sintomático que os portadores de deficiência mental procurem estar com seus iguais, porque só então se sentem verdadeiramente acolhidos e respeitados. Para essa situação contribui, sem dúvida, a dificuldade que experimentam ao estabelecer uma comunicação, porque com freqüência não entendem nem são entendidos adequadamente. Com efeito, o portador de deficiência mental se caracteriza pela pobreza de linguagem, de julgamento, de capacidade de discernir e por suas dificuldades de abstração. A indubitável limitação de suas aptidões se estende sem exceção a todos os campos de comportamento. Não só apresentam uma prevalência muito maior das desordens de locução (dificuldade de falar), como também manifestam desordens de linguagem (deficiências no conhecimento e no manejo da língua). Sua linguagem é pobre em termos de vocabulário, com estruturas sintáticas incompletas e às vezes incorretas. A conseqüência é uma comunicação verbal sujeita a amplas restrições, que obrigará a simplificar a maneira de dirigir-se a ele e a certificar-se de que compreendeu realmente o que se quis indicar-lhe. Ora, parece oportuno insistir; o fato de essas pessoas terem acesso unicamente à linguagem concreta não significa que careçam de pensamento. O fato de uma pessoa estar privada do pensamento abstrato – o predominante na atualidade – a excluirá de certos papéis no âmbito da sociedade, mas não a exclui em absoluto de todos, em particular se se incide adequadamente em seu funcionamento cognitivo. O pensamento concreto é suficiente para ter acesso ao mundo do trabalho e afetivo e conseguir um bom ajuste pessoal, familiar e social, integrando-se dessa maneira à sociedade, tal como demonstrado por grande parte dos cidadãos não-portadores de deficiência mental. A inteligência prática refere-se á habilidade de manter e dar suporte a si mesmo como uma pessoa independente no manejo das atividades comuns da vida diária. Essa inteligência seria a que permitiria conseguir o maior grau possível de independência pessoal. A companhia, o afeto e amizade são elementos imprescindíveis para o equilíbrio e estabilidade de qualquer ser humano. É indubitável que para os portadores de deficiência mental a confiança, a ternura, o apreço e o calor humano de sua família, dos profissionais que eles se relacionam e de seus companheiros e amigos é tão apreciável quanto para qualquer pessoa. Dar e receber calor e intimidade pode oferecer paz e felicidade a uma vida de solidão e incompreensão. O desenvolvimento de relações humanas, afetivas de ternura proporciona-lhe outras possibilidades humanas e garante sua auto-realização pessoal. Essas relações são muitas vezes mais importantes e desejadas do certas relações sexuais enquanto tais. Não obstante, verificamos que muito poucas vezes se permite estimular a amizade e a relação interpessoal. São muitos os que nunca comemoraram um aniversário com os colegas ou que não saem com eles. É freqüente ouvir frases como estas: “Meu filho sai sempre conosco, nós o levamos a todos os lugares, mas sempre conosco”.; “Às vezes seus irmãos o levam com ele e seus amigos”; “Prefiro morrer do que deixar minha filha ir ao cinema ou a umadiscoteca com seus colegas”. E assim vemos, tantas vezes, o adulto portador de deficiência, pela rua, de mãos dadas com a mãe em atitude totalmente infantil, sem chegar a saber como relacionar-se com seus iguais, sem chegar a adquirir o gosto pela amizade e pela partilha de interesses, tão importantes para todos e também para ele, se soubermos dar-lhes ocasião para isso. Falta de inibição e sugestionabilidade Costuma-se mencionar tradicionalmente que o portador de deficiência mental tem maiores dificuldades para superar as pulsões da libido do que a população normal. Acrescenta-se como explicação que seus mecanismos de controle e inibição estão menos desenvolvidos do que na pessoa não-portadora de deficiência. A questão que se coloca é se estamos realmente diante de um elemento estrutural ou se, pelo contrário, isso se pode dever ao fato de não ter havido uma correta educação da pessoa nesses terrenos. Cremos que a falta de maturidade emocional ou a dificuldade de compreender o significado das relações interpessoais não estão ligadas à deficiência mental, achando-se na verdade diretamente relacionadas com a história educacional e afetiva daqueles a quem a sociedade parece impedir um destino como adultos, obrigando-os a permanecer na creche. Outro fator a considerar aqui é o fato de que muitos gestos aos quais atribuímos uma conotação genital não são mais do que demonstrações de carinho, instrumentos de transmissão de sentimentos profundos que a pessoa portadora de deficiência mental não pode comunicar de outra maneira, devido, precisamente, a sua limitada capacidade de mediação verbal. Já observei que não é certa a opinião de que essas pessoas são hiperssexuadas, e é preciso enfatizar que, nelas, a dimensão genital permanece na maioria das vezes em segundo plano. Às vezes, por falta de competência social, essas pessoa podem ter manifestações pouco oportunas, pouco matizadas, mais espontâneas do que nas pessoas normais. Esses tipos de comportamento não são freqüentes e denota mais uma falha na educação e no programa de socialização do que um sentimento sexual agressivo ou exacerbado, como algumas pessoas poderiam pensar. Por essa razão, torna-se tão necessária uma educação que capacite o portador de deficiência mental a estabelecer relações interpessoais, dando- lhe, além disso, ocasião para elas. Sua simplicidade emotivo-cognoscitiva, sua ingênua transparência e certa sugestionabilidade explicam muitos comportamentos incorretos, atribuídos em princípio à deficiência mental. O dicionário define o verbo sugestionar como “dominar a vontade de uma pessoa, levando-a a agir em determinado sentido; fascinar alguém, provocar sua admiração ou seu entusiasmo”. Molina constata que, à medida que o nível mental do indivíduo é mais baixo, que aumenta sua história pessoal de fracassos, ou que foi ele mais dependente de ajudas externas, o grau de sugestionabilidade e dependência de indícios externos procedentes dos adultos se incrementa notavelmente. Em muitos casos, o portador de deficiência mental é obrigado a manter relações sexuais plenas que ele não busca nem deseja; portanto, esse contato sexual não é responsabilidade do deficiente, não pode ser relacionado com sua deficiência psíquica, tendo antes sido provocado por uma incompetência social que ele não buscou e por uma manipulação de seu ambiente. Estresse, ansiedade, frustração A pessoa portadora de deficiência mental se acha especialmente submetida ao estresse em sua interação com o meio, sendo frequentemente nela a ansiedade. Em larga medida isso se deve ao fato de ter de enfrentar riscos e problemas maiores, em virtude de conjugação de fatores que ocorrem em sua situação existencial e porque o fracasso é freqüente. O ajustamento e a tolerância social são mais difíceis de estabelecer para ela. Por essa razão, essa pessoa pode precisar de orientação e assistência para resolver de modo satisfatório essas situações e evitar que a resolução dessa tensão se produza pelo caminho da frustração. Como afirma Montobbio e Casapietra, “as pessoas jovens e adultas portadoras de deficiência mental mostram pouca resistência às frustrações (...) essa carência é mais um resultado de sua história afetiva e educacional do que do dano orgânico que se acha na base da deficiência”. A frustração é um fator básico na experiência humana e produz com freqüência mudanças extremas no comportamento individual, no modo como o homem corresponde ao meio e na forma com que executa se plano de vida. A modificação da própria conduta não costuma ser eficaz para resolver o problema formulado. A causa pode estar em que o sujeito careceu de suficiente motivação para conseguir esse objetivo particular; ou porque sua capacidade é limitada para tentar novas formas de resposta. Um obstáculo que uma pessoa transpõe facilmente pode bloquear outra. Quando um problema parece insuperável e as pressões de um indivíduo são tais que ele não pode mudar seus objetivos facilmente, sua frustração pode adquirir graus de permanência. As contribuições procedentes do exterior e as modalidades conflituosas nas quais o portador de deficiência mental se encontra diante do mundo possuem um peso muito significativo e devem ser consideradas um dos fatores que vão compondo sua personalidade. O que se descobre na estrutura do ego de uma pessoa com deficiência mental poderia ser uma situação de profunda perplexidade, com traços intensos de angústia, numa tentativa desesperada de lutar contra a percepção de que sua existência é essencialmente um fracasso como ser humano, contra a impotência de chegar a ser algo que mereça a aprovação social. É verdade reconhecida que todo comportamento é sempre uma tentativa de adaptação por parte da pessoa. O comportamento do portador de deficiência mental representa uma tentativa de manter a própria estima, constantemente questionada por sua própria limitação e pelas reações de seu ambiente. Muitos de seus comportamentos são reações de defesa para escapar de uma situação vivenciada com uma forte carga de ansiedade, em momentos de crescente estimulação ambiental ou interna, o que está estreitamente relacionado com a baixa tolerância à frustração apresentada por essas pessoas. No que diz respeito a essa situação de estresse, é evidente que um portador de deficiência mental cria problemas importantes na vida cotidiana da família, já desde o momento de seu nascimento, e que são gerados no seio da unidade familiar alguns processos psicológicos que podem contribuir para prejudicar sua já complicada situação. É uma realidade bem estudada que o portador de deficiência mental pode ser a origem de tensões emocionais muito fortes no interior de sua família, que muitas vezes intensificam as tensões pessoais de seus pais, os quais, por sua vez, as remetem ao filho. Não é raro observar que o membro familiar diferente e incômodo costuma ser escolhido para polarizar toda a tensão familiar. Essa posição de catalisador pode proporcionar-lhe sentimentos de culpa, insuficiência e carência de valor, agravados pelo fato de que esse sujeito costuma ser excluído de outros grupos sociais e não encontram assim válvulas de escape para a tensão interior acumulada. Quando a presença do membro portador de deficiência foi bem integrada e não produz tensões sérias na família, os comportamentos psicossociais dessas pessoas são semelhantes aos de seus irmãos e companheiros normais. Portanto, deve-se insistir no fato de que a família do portador de deficiência mental precisaria também de apoio e acompanhamento psicológico e comunitário adequados, de maneira que se pudesse neutralizar a tempo esse tipo de dinâmicas,que prejudicam profundamente os portadores de deficiência mental. O retardo metal constitui um perigo para o desenvolvimento da personalidade. O fato de esse perigo determinar ou não uma psicopatologia especifica depende das experiências da vida da criança e de suas influências ambientais. Caráter No que tange a seu caráter, pode-se observar na convivência diária com essas pessoas uma série de traços que poderiam ser considerados gerais, exceto se existir algum tipo de transtorno psicoafetivo a mais. É preciso destacar que todas essas características são precisamente elementos que favorecem um clima cordial para o encontro interpessoal. De modo concreto, podem-se assinalar as seguintes: - Especial inclinação a concentrar as próprias energias em instaurar, manter e salvaguardar relações interpessoais. - Resposta rápida, generosa e cordial no contato com outras pessoas. - Preocupação sincera e extraordinária com o bem-estar dos outros. - Grande confiança e lealdade na relação com os outros, mesmo que não correspondida. - Franqueza, sinceridade, espontaneidade e ingenuidade, não diminuídas pelos convencionalismos sociais. Referências Bibliográficas COLL, César PALACIOS, Jesus e MARCHESI, Álvaro (Orgs). Desenvolvimento Psicológico e Educação – Necessidades Educativas Especiais e Aprendizagem Escolar.Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. v.3 GOMES, A.L.L (Org). Deficiência Mental: atendimento educacional especializado. São Paulo: MEC/SEESP, 2007. GONZÁLEZ, E. Necessidades Educacionais Específicas – intervenção psicoeducacional. Porto Alegre: Artmed, 2007. HONORA, M. 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