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Apontamentos – Bioenergética, Ciclo de Krebs e Fosforilação Oxidativa

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Apontamentos – Bioenergética e Metabolismo 
 
Metabolismo 
Em todas as células do organismo encontram-se centenas de reações químicas a ocorrer que, em 
conjunto, são designadas por metabolismo. Dentro das células, a existência de enzimas específicas leva a que 
estas estabeleçam séries de reações com elevadas taxas de fluxo numa determinada direção – as vias 
metabólicas. Tais vias metabólicas podem ser utilizadas para extração de energia a partir de diferentes 
nutrientes – vias catabólicas – ou para síntese de moléculas mais complexas – vias anabólicas. Há ainda 
vias (como o ciclo de Krebs, por exemplo) que podem ter simultaneamente funções anabólicas e catabólicas 
e que, como tal, são designadas por vias anfibólicas. 
 
Mecanismos de Regulação Metabólica 
As atividades das vias metabólicas são constantemente ajustadas de forma a que a produção de 
energia ou a síntese de diferentes metabolitos satisfaçam as necessidades fisiológicas do organismo. Desta 
forma, as vias de síntese e degradação de uma determinada molécula nunca estão simultaneamente ativas, 
uma vez que isso se traduziria num gasto fútil de energia. Alguns dos mecanismos envolvidos na regulação 
das vias metabólicas são: 
a) Disponibilidade de substrato; 
b) Regulação alostérica (alteração da atividade enzimática pela ligação de ativadores ou inibidores 
alostéricos); 
c) Controlo transcripcional (alteração da expressão de uma determinada enzima envolvida na via 
metabólica, provocada por alterações na síntese de RNA mensageiro); 
d) Controlo hormonal (a ativação ou inibição de enzimas-chave é, em várias vias metabólicas, mediada 
por hormonas). 
 
ATP 
O funcionamento de uma célula depende da sua capacidade de extração e de utilização de energia 
química de moléculas orgânicas. O ATP é a unidade biológica universal de energia. É formado na oxidação de 
diferentes nutrientes (por exemplo, glicose, ácidos gordos ou aminoácidos) e é utilizado para: 
a) Realizar trabalho mecânico no processo de contração muscular e outros movimentos celulares; 
b) O transporte ativo de metabolitos; 
c) Síntese de macromoléculas e outras biomoléculas. 
O ATP é utilizado como dador imediato de energia livre num sistema biológico e não como uma 
forma de armazenamento a longo prazo. Numa célula, uma molécula de ATP é utilizada em menos de um 
minuto após a sua formação. Deste modo, torna-se vital para a célula possuir mecanismos de regeneração 
do ATP. A formação de ATP é o objetivo primário dos processos catabólicos. O carbono das moléculas 
combustíveis é oxidado e a energia libertada é usada para regenerar ATP a partir de ADP e grupos fosfato 
(Pi). 
 
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Apontamentos – Metabolismo de Hidratos de Carbono 
 
Entrada de Glicose nas Células 
Os combustíveis energéticos mais importantes são a glicose e os ácidos gordos. No entanto, embora 
a oxidação de ácidos gordos seja mais rentável do ponto de vista energético do que a oxidação da glicose, a 
glicose é um combustível praticamente universal. É o único combustível que pode ser utilizado pelos 
eritrócitos e por células da medula renal, bem como pelo cérebro, em circunstâncias fisiológicas normais. A 
glicose é também o combustível utilizado pelas células musculares em condições de exercício físico intenso. 
O primeiro passo no metabolismo de qualquer nutriente consiste na sua entrada para o interior da 
célula. A glicose entra nas células através de transportadores específicos e, uma vez nas células, é 
imediatamente fosforilada a glicose-6-fosfato pela enzima hexocinase (ou glucocinase, em alguns casos). 
Esta fosforilação é importante, uma vez que a adição de uma carga negativa à molécula impede a sua difusão 
através da membrana. Conforme as condições fisiológicas em que a célula se encontra, a glicose-6-fosfato 
pode ter diferentes destinos: 
a) Conversão em piruvato através da glicólise; 
b) Conversão em ribose-5-fosfato e NADPH através da via das pentoses-fosfato; 
c) Armazenamento sob a forma de glicogénio. 
 
 
 
Bioenergética 
A oxidação completa da glicose pressupõe, como referido, a presença de oxigénio molecular, bem 
como os sistemas enzimáticos mitocondriais complexo piruvato desidrogenase, do ciclo de Krebs e cadeia 
respiratória. 
 
Formação de acetil-CoA 
O piruvato formado na glicólise é transportado para a mitocôndria por um transportador específico, 
sendo aí convertido em acetil-CoA pelo complexo piruvato desidrogenase. A acetil-CoA é uma molécula central 
no metabolismo, dado que é um ponto de convergência de várias vias metabólicas. 
 
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Ciclo de Krebs 
O ciclo de Krebs, também designado por ciclo do ácido cítrico ou ciclo dos ácidos tricarboxílicos, é 
uma via metabólica que ocorre na matriz mitocondrial e que permite a oxidação de resíduos de acetil a CO2. 
A maior parte da acetil-CoA que entra no ciclo de Krebs é proveniente da oxidação de ácidos gordos ou da 
oxidação do piruvato catalisada pelo complexo piruvato desidrogenase. Tal como o próprio ciclo, estes 
processos ocorrem na mitocôndria. 
A acetil-CoA entra no ciclo através de uma reação de condensação com oxaloacetato (catalisada pela 
enzima citrato sintetase), originando citrato. O citrato é isomerizado a isocitrato. Nos dois passos seguintes, 
ocorrem duas descarboxilações oxidativas, com formação de CO2 e NADH. Na primeira reação, a enzima 
isocitrato desidrogenase converte isocitrato em a-cetoglutarato, o qual é transformado na reação seguinte 
em succinil-CoA, pela enzima a-cetoglutarato desidrogenase. O succinil-CoA é clivado em succinato e CoA, 
numa reação suficientemente exergónica para originar a síntese de GTP. As três últimas reações do ciclo 
permitem a regeneração de oxaloacetato. A enzima succinato desidrogenase (proteína integral da membrana 
mitocondrial interna) converte succinato em fumarato, havendo nesta reação formação de FADH2. A enzima 
fumarase catalisa uma reação de hidratação que leva à formação de malato, o qual é oxidado a oxaloacetato, 
levando mais uma vez à produção de NADH. Esta reação completa o ciclo, havendo a formação de 2 moléculas 
de CO2, 3 moléculas de NADH, uma molécula de FADH2 e uma molécula de GTP (que pode ser convertido em 
ATP), por cada molécula de acetil-CoA que entra no ciclo. 
 
Acetil CoA
glucose
piruvato
síntese de
corpos cetónicos
síntese de
ácidos gordos
oxidação via
ciclo de Krebs
síntese de
colesterol
ác. gordos amino ácidos(cetogénicos)
Acetil CoA
glucose
piruvato
síntese de
corpos cetónicos
síntese de
ácidos gordos
oxidação via
ciclo de Krebs
síntese de
colesterol
ác. gordos amino ácidos(cetogénicos)
 
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O ciclo de Krebs como via anfibólica 
O ciclo de Krebs, além das funções catabólicas já descritas, apresenta também funções anabólicas 
– como tal, é designado por via anfibólica. O ciclo de Krebs fornece precursores importantes para vias 
anabólicas. É o caso, por exemplo, da utilização de oxaloacetato na gluconeogénese para a síntese de glicose, 
da utilização de a-cetoglutarato e oxaloacetato para a síntese de aminoácidos, ou da utilização do succinil-
CoA para a síntese do grupo heme. 
 
Reações anapleróticas 
Os intermediários do ciclo de Krebs encontram-se na mitocôndria em quantidades muito reduzidas. 
Torna-se assim necessária a reposição destes compostos, quando são utilizados em reações anabólicas, de 
modo a permitir a continuidade do ciclo. Esta reposição é conseguida através das chamadas reações 
anapleróticas, que conduzem à formação de intermediários do ciclo de Krebs. A reação anaplerótica mais 
importante é a catalisada pela enzima piruvato carboxilase, que converte piruvato em oxaloacetato. O 
oxaloacetato formado pode rapidamente ser transformado noutros intermediários do ciclo, até permitir a 
reposição do composto em falta. 
 
 
 5Em contraste com o piruvato, a acetil-CoA não é um metabolito anaplerótico. A acetil-CoA que entra 
no ciclo é completamente oxidada a CO2, não havendo por isso átomos de carbono disponíveis para reações 
biossintéticas. 
 
Regulação do ciclo de Krebs 
Os principais locais de regulação do ciclo de Krebs correspondem a reações que não de equilíbrio, 
como é o caso das reações catalisadas pelas enzimas citrato sintetase, isocitrato desidrogenase e a-
cetoglutarato desidrogenase. As enzimas citrato sintetase e a-cetoglutarato desidrogenase são inibidas pelo 
produto final, citrato e succinil-CoA, respetivamente. As enzimas isocitrato desidrogenase e a-cetoglutarato 
desidrogenase são ativadas pelo cálcio. O cálcio encontra-se aumentado durante o processo de contração 
muscular, situação em que há uma maior demanda energética. As enzimas envolvidas na regulação são 
também afetadas pelo estado energético da célula, dado pelas razões ATP/ADP e NADH/NAD+. Uma 
diminuição destas razões traduz um défice energético na célula e conduz à ativação do ciclo. 
 
Fosforilação Oxidativa 
Os equivalentes redutores (NADH e FADH2) que se formam na glicólise, síntese de acetil-CoA e ciclo 
de Krebs transferem os eletrões através de uma série de complexos proteicos até ao aceitador final, o oxigénio 
molecular. Esta transferência de eletrões conduz à formação de uma grande quantidade de energia sob a 
forma de ATP, num processo designado por fosforilação oxidativa. Este processo é aeróbico, dado que requer 
o oxigénio como último aceitador de eletrões. 
A cadeia respiratória é parte do processo de fosforilação oxidativa e catalisa a transferência de 
eletrões desde o NADH e FADH2 até ao oxigénio molecular. A cadeia respiratória consiste em quatro complexos 
proteicos (I, II, III e IV), sendo que o complexo II é a enzima succinato desidrogenase, participante no ciclo de 
Krebs. A cadeia respiratória consiste ainda em duas moléculas transportadoras móveis, ubiquinona e 
citocromo c, que permitem o transporte de eletrões entre os diferentes complexos proteicos. A enzima ATP 
sintetase é, por vezes, incluída na cadeia respiratória e designada por complexo V. 
 
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Todos os complexos da cadeia respiratória são constituídos por várias cadeias peptídicas e contêm 
uma série de centros redox. Esses centros redox são flavinas (FMN e FAD nos complexos I e II), centros de 
Fe/S (complexos I, III e IV) e grupos heme (complexos II, III e IV). 
A oxidação do NADH por esta forma permite a regeneração do NAD+ em condições aeróbicas. Esta 
regeneração em condições anaeróbicas é conseguida pela conversão de piruvato em lactato. 
 
 
 
O complexo I transfere eletrões do NADH para a ubiquinona, via FMN e vários centros de Fe/S. O 
complexo II transfere eletrões do FADH2 também para a ubiquinona ou coenzima Q. A ubiquinona é então 
reduzida e transfere os eletrões para o complexo III (a ubiquinona é um componente móvel na membrana, 
podendo por isso fazer essa transferência). O complexo III, por sua vez, transfere os eletrões para o citocromo 
c (outra molécula móvel), que os transfere para o complexo IV ou citocromo oxidase. O complexo IV catalisa a 
transferência final dos eletrões para o oxigénio molecular, que é convertido em água. O transporte de eletrões 
pelos complexos da cadeia respiratória ocorre vetorialmente. No entanto, embora estes complexos estejam 
todos localizados na membrana mitocondrial interna, eles não se encontram em contacto. As moléculas 
ubiquinona e citocromo c são moléculas móveis que permitem fazer a transferência de eletrões entre os 
diferentes complexos. 
 
Criação de uma força proto-motriz 
O transporte de eletrões através da cadeia 
respiratória está associado ao bombeamento de protões ao nível 
dos complexos I, III e IV. Assim, durante a transferência de 
eletrões, a concentração de H+ aumenta, levando a uma 
diminuição do valor de pH no espaço intermembranar. Isso leva 
à formação de um potencial químico (DpH – alcalino no 
interior da matriz mitocondrial) e de um potencial elétrico 
devido à diferença de cargas (Dy - negativo no interior da 
matriz mitocondrial). O conjunto dessas duas forças é designado por força proto-motriz. Por cada molécula 
de NADH oxidada, são bombeados 10 protões, ao passo que a oxidação do FADH2 leva apenas ao 
bombeamento de 6 protões, uma vez que não há bombeamento de protões ao nível do complexo II. Isso leva 
a diferentes rendimentos energéticos na oxidação das duas moléculas: a oxidação de uma molécula de NADH 
 
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leva à produção de 2,5 moléculas de ATP, ao passo que a oxidação de uma molécula de FADH2 conduz apenas 
à síntese de 1,5 moléculas de ATP. 
 
Teoria quimiosmótica 
O transporte de eletrões através da cadeia respiratória até ao oxigénio molecular conduz, como 
referido, ao bombeamento de protões para o espaço intermembranar. A força proto-motriz originada desta 
forma é utilizada para conduzir a síntese de ATP pela enzima ATP sintetase. Este acoplamento existente entre 
a formação de um gradiente de protões pela cadeia respiratória e a síntese de ATP é designado por teoria 
quimiosmótica. 
 
 
 
 Os protões bombeados durante o transporte de eletrões pela cadeia 
respiratória podem retornar à matriz mitocondrial pela enzima ATP sintetase. 
Esta enzima consiste em duas unidades funcionais: um canal que permite a 
passagem de protões (subunidade F0) e a unidade catalítica, onde ocorre a 
síntese de ATP (subunidade F1). A unidade catalítica possui 3 locais ativos. O 
processo catalítico pode ser dividido em três fases: na primeira fase, ocorre 
ligação do ADP e do Pi; na segunda, dá-se a síntese de ATP; finalmente, na 
terceira, o ATP formado é libertado. Cada vez que ocorre passagem de protões 
através da unidade F0, ocorre uma modificação conformacional e cada um dos 
três locais ativos passa de uma fase para a fase seguinte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Rendimento energético da oxidação completa de uma molécula de glicose 
 
As moléculas de NADH formadas na glicólise, no citoplasma das células, podem ser transportadas 
para a mitocôndria por dois transportadores diferentes (glicerol-fosfato ou malato-aspartato). Conforme o 
tipo de transportador, originam NADH ou FADH2 mitocondrial, o que se traduzirá numa eficiência energética 
diferente. 
 
Inibidores da fosforilação oxidativa 
Existem vários venenos, como o cianeto, que conduzem à inibição do processo de fosforilação 
oxidativa. A inibição deste processo leva a que a célula tenha de recorrer à glicólise para obtenção de energia. 
A glicólise é um processo muito menos rentável energeticamente, pelo que a inibição da fosforilação oxidativa 
conduz a um aumento do consumo de glicose por parte das células, a uma ativação da glicólise e, 
consequentemente, a um aumento dos níveis de lactato, o que poderá levar a uma situação de acidose láctica 
que, aliada ao défice energético, pode a conduzir a uma situação extremamente grave, podendo mesmo 
originar a morte. 
 
Desacopladores da fosforilação oxidativa 
 Os desacopladores são substâncias que provocam a separação 
funcional entre a oxidação do NADH ou FADH2 e a fosforilação do ADP 
a ATP. Os desacopladores permitem a dissipação do gradiente de 
protões no espaço intermembranar sem que haja o envolvimento da ATP 
sintetase neste processo. O desacoplamento pode resultar de danos 
químicos ocorridos na membrana interna ou da ação de substâncias 
como o 2,4-dinitrofenol, que transportam os protões através da 
membrana. A energia contida no gradiente de protões é então dissipada 
sob a forma de calor. A utilização destes compostos leva a um 
descontrolo da respiração, a um aumento da taxa metabólica e a uma 
diminuição do peso corporal. 
A termogenina é um desacoplador natural existente no tecido 
adiposo castanho. Este tecido é encontrado, por exemplo, em recém-nascidos ou em animais que hibernam,e tem como objetivo a produção de calor. Ao contrário do que acontece com outros desacopladores, este é 
um processo regulado e localizado.

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