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PATRIMONIALISMO E PERSONALISMO: A GÊNESE DAS PRÁTICAS DE CORRUPÇÃO NO BRASIL

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PATRIMONIALISMO E PERSONALISMO: A GÊNESE DAS PRÁTICAS DE CORRUPÇÃO NO
BRASIL
PATRIMONIALISM AND PERSONALISM: THE ORIGINS OF CORRUPTION IN BRAZIL
Isolda Lins Ribeiro
RESUMO
Apesar dos crescentes esforços no combate à corrupção, podemos perceber uma escalada destas práticas no
Brasil. Em meio a uma profusão de confusas leis e projetos de leis, não param de vir a público escândalos
oriundos de todos os setores que compõem o Poder Público. Diante da ineficiência dos mecanismos
adotados, procuramos através do presente estudo determinar quais seriam os fatores que comprometem a
probidade na Administração Pública. Adotando um viés jurídico-antropológico, buscamos investigar as
origens das práticas de corrupção no Brasil. Para tanto, partimos da origem patriarcalista da sociedade
brasileira, que culminou em um personalismo extremado e no patrimonialismo estatal, e percebemos que
estes caracteres seriam capazes de explicar o fenômeno que atravessa os séculos em nossa história.
Propusemo-nos, por fim, a avaliar a possibilidade de se eliminar tais traços deletérios da cultura brasileira e,
então, concluímos que, apesar desta “herança”, continuamos avançando na luta contra a corrupção.
PALAVRAS-CHAVES: Corrupção, Patrimonialismo, Patriarcalismo, Antropologia Jurídica.
ABSTRACT
Despite efforts in fighting corruption in Brazil, indicators have recently appointed an increase in these
deleterious practices. Amid a profusion of disorderly laws and law projects, corruption scandals from all
government sectors and staff keep coming to public. Facing the failure of anti-corruption mechanisms, the
factors which hinder the rectitude in conducting public affairs are here analyzed. By adopting a legal-
anthropological perspective, the path of corruption in Brazil is hereafter drafted. The patriarchal foundation
of Brazilian society – and the extreme forms of patrimonialism and personsalim to which it led – contributes
to explain the harmful practice that persists throughout the centuries. Then, possibility of change is also
mooted. As the final finding emerges a feasible, but slow process of improvement.
KEYWORDS: Corruption, Patrimonialism, Personalism, Legal Anthropology.
Introdução
 
A cada ano, a sociedade internacional intensifica sua batalha contra a corrupção. Com o auxílio de
organizações internacionais, os países vêm buscando adotar best practices em transparência e governança,
com o intuito de implementar as medidas previstas em tratados internacionais, como a Convenção contra a
Corrupção da Organização das Nações Unidas[1], que estabelece as diretrizes para os países-membro. O
argumento que hoje incentiva o combate à corrupção de forma coordenada pelos países possui cunho
econômico. No mercado globalizado, os países devem se mostrar mais competitivos, de forma a atrair
investimentos. Permitir práticas corruptas, portanto, significa embutir um custo econômico extra nas
oportunidades em seu território, equivalentes às propinas que devem ser pagas para se implementar um
negócio no país[2].
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* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 8411
Os instrumentos internacionais, embora forneçam model laws para que os países adéqüem suas
legislações e estabeleçam parâmetros mínimos, os deixam livres para que tomem as medidas necessárias de
acordo com suas peculiaridades. Para monitorar a evolução dos países, o Banco Mundial e a
agência Transparency International elaboram periodicamente índices – o Indicador de Controle da
Corrupção e o Índice de Percepções da Corrupção (IPC), respectivamente – para medir os níveis de
corrupção nos países. Embora a precisão destes índices seja questionada, pois baseada em fontes
subjetivas[3] – percepções dos empresários, do próprio governa e da população – eles são importantes para
motivar os países na luta contra a corrupção e fornecer-lhes um quadro das expectativas da sociedade
internacional acerca de sua gestão.
Baseados no IPC divulgado pela agência Transparency Internacional no ano de 2009[4],
percebemos que, desde 2001[5], contadas algumas oscilações, o Brasil caiu da 46ª para a 75ª posição. Nosso
balanço da década, portanto, foi negativo, apesar de todos os esforços. O que, então, estaria se interpondo no
caminho do combate à corrupção no Brasil? Se nossas leis seguem os padrões internacionais – supostamente
os melhores – podemos sugerir que os obstáculos encontram-se na sua aplicação. Mas quais seriam tais
obstáculos?
Como motivos para a corrupção, é corrente citar-se a elevada burocracia, o sistema judiciário lento e
pouco eficiente, o elevado poder discricionário na formulação de implementações políticas e os baixos
salários no setor público[6]. Não obstante, sem compreendermos as pessoas e os mecanismo que se
encontram por trás destes cargos, não conseguiremos compreender como estas medidas poderiam nos
auxiliar, sobretudo a elevação de salários, quando consideramos que, recorrentemente, funcionários públicos
lotados nos cargos de mais altos salários se curvam às propinas e são seduzidos pelas oportunidades de
desvios financeiros.
Assim, nos propusemos a investigar os empecilhos na luta contra a corrupção sob um viés
antropológico, visto que o Direito não sobrevive sem compreender o povo cuja conduta busca regular.
Pretendemos, então, determinar se a origem patriarcalista da sociedade brasileira, que culminou em um
personalismo extremado e no patrimonialismo estatal, seria capaz de explicar o fenômeno que atravessa os
séculos em nossa história. Ao final, nos arriscaremos a especular, brevemente, como melhorar nosso
combate à corrupção.
 
1. O conceito contemporâneo de corrupção
 
Antes de procurarmos definir as origens e causas de sua perpetuação, devemos compreender o
conceito de corrupção sobre o qual se assenta o presente estudo.
As análises contemporâneas sobre corrupção adotam, sobretudo, uma abordagem econômica do
tema, ressaltando seus custos para a economia global[7]. Como no mundo contemporâneo as justificativas
que envolvem finanças detêm um maior poder de persuasão, as análises sociológicas e antropológicas vêm
ficando em segundo plano. Não se pode, contudo, buscar combater o fenômeno da corrupção sem
compreender sua gênese no seio da sociedade.
Embora desde a Antiguidade se discorra sobre esta matéria, em sua concepção atual o termo nos
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remete às observações de Tocqueville, em A democracia na América, na qual contrapõe a corrupção do
povo por um rico governo aristocrático à corrupção dos próprios governantes em uma democracia – “they
have their fortune to make”[8]. Esta concepção, que denuncia a confusão dos interesses públicos com os
privados, dicotomia trazida pela ideologia liberal, ganhará força após a formulação dos tipos ideais de
dominação por Max Weber[9], como veremos mais adiante.
Sob este prisma, como observa Jens Andvig, um ato é corrupto se um membro de uma organização
ou instituição utiliza-se de sua posição, seus direitos de tomar decisões e seu acesso a informações, ou a
algum outro recurso restrito, para obter vantagem para si ou para uma terceira pessoa, recebendo em troca
uma vantagem econômica ou pessoal[10]. Essa atitude é, por si, contrária à ordem jurídica ou às regras da
própria instituição/organização. Quando o ato corrupto envolve cargos de “alto nível”, maior será o impacto
e, por conseguinte, maiores os incentivos para a ocorrência de um processo de spill-
over (“transbordamento”), espalhando a corrupção para níveis inferiores, ou possibilitando o surgimento de
outras lideranças informais, como freqüentemente se observano jogo político.
A corrupção, portanto, “envolve processos de troca baseados em lógicas específicas”[11], calcadas
em incentivos negativos (ameaças, penalidades) ou positivos (materiais, como o suborno, ou imateriais,
baseados em laços pessoais). Os benefícios auferidos podem se referir ao favorecimento de terceiros, à
negociação de “favores”, ou à concessão de benefícios a si próprio[12]. Podendo dar-se sob a forma de
“mercado”, em que o maior suborno conseguirá o favor, ou pela forma “paroquial” – predominante no
Brasil – que envolve laços de parentesco, amizade, patronagem, clientela, afeição, dentre outros. É a
formação destes laços nos propomos a debater nos capítulos a seguir.
 
2. Do patriarcalismo ao patrimonialismo: as “raízes” das práticas de corrupção no Brasil
 
À época da descoberta do novo continente, este era visto como um “Paraíso Terreal”[13]. As novas
terras, dotadas de riquezas naturais extraordinárias, clima ameno e rios caudalosos que remetiam aos rios do
Éden aos poucos foram apresentando seus perigos e tornando-se terras incógnitas[14], o que diminuiu
gradativamente o fascínio que outrora exercera no imaginário europeu. A vida por estas bandas passou a ser
tão temida e indesejada que condenados ao degredo preferiam enfrentar 10 anos em galés – o que equivalia
praticamente a uma pena de morte – do que o exílio perpétuo no Brasil[15].
Aqueles que se dispunham a desbravar as novas terras eram os que o Sérgio Buarque de Holanda,
em Raízes do Brasil , atribuiu o perfil de “aventureiros”, em contraposição aos “trabalhadores.” O perfil
“aventureiro”, apesar de todas as fraquezas referentes à obtenção de riqueza sem esforço – mediante a
ousadia – teve influência fundamental no processo de adaptação à nova realidade.[16] O perfil
“trabalhador”, por sua vez, adepto do esforço lento e persistente em busca da riqueza, pouco papel teve aqui:
“A época predispunha aos gestos e façanhas audaciosos, galardoando bem os homens de grandes vôos.”[17]
E poucos eram os que se propunham a tanto. Relata-nos Luciano Figueiredo, baseado em Charles
Boxer, que, caso a Coroa não oferecesse incentivos pecuniários ou “tolerasse alguma margem de lucro por
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parte de seus funcionários, ela sequer encontraria candidatos aos cargos [na colônia].”[18] Aos que aqui
ousaram se estabelecer, Portugal ofereceu vastas terras pouco desbravadas, tornando a grande propriedade
rural a “única verdadeira unidade de produção”[19].
Não sendo o português afeito ao trabalho “braçal” – que era visto com desdém mesmo pelas classes
socialmente menos favorecidas–, e nem estando os índios dispostos a trabalhar de forma servil, restou-se
estabelecer a exploração agrícola em grande escala baseada em mão-de-obra escrava negra[20]. A
combinação entre as facilidades do trabalho escravo, a experiência prévia na exploração de açúcar nas ilhas
do Atlântico[21], e a “ausência de qualquer esforço sério de cooperação nas demais atividades
produtoras”[22] acabou resultando na hipertrofia da lavoura açucareira.
Sendo assim, em torno da fronteiras de engenhos formou-se a sociedade brasileira, fundada em uma
cultura profundamente patriarcalista, “organizada segundo as normas clássicas do velho direito romano-
canônico”[23], sob a autoridade inconteste do pater famílias. Auto-suficientes, cada qual dessas fazendas
constituia uma “república em si”[24], governada por seu patriarca, “o senhor de engenho”, título equivalente
à nobreza em Portugal[25]. Esta formação, a princípio confinada ao mundo rural, favoreceu o
desenvolvimento das relações interpessoais e gerou o perfil “afetivo” do brasileiro, que Sérgio Buarque de
Holanda denominou de “homem cordial”[26].
Com a expansão das fronteiras da sociedade, o quadro familiar patriarcal se estendeu para os
indivíduos além do recinto doméstico[27]. O filho do senhor de engenho irá se dirigir às vilas próximas,
para formar uma nova elite “intelectualizada”, promovendo a cultura do bacharelismo[28]. Naturalmente, os
senhores de engenho ou sua parentela ocuparão os novos postos do governo. Alçados a tais cargos, esses
homens adquiriam considerável prestígio social, obtendo privilégios como a comunicação direta ao rei.
Possuíam ordenados e propinas fixas e exerciam a função em caráter quase de dedicação exclusiva. Caso
houvessem sido admitidos na carreira por concurso (no caso da magistratura, através da “Leitura dos
Bacharéis”), poderiam ascender na profissão, passando de uma instância à outra, de acordo com o tempo
despedido na função e dos serviços prestados ao estado[29]. Os salários, no entanto, eram ínfimos se
comparados às oportunidades de lucrativos “negócios” paralelos que se descortinavam esses servidores
públicos. “O resultado era predominarem, em toda a vida social, sentimentos próprios à comunidade
doméstica, naturalmente particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela
família.”[30]
Notáveis eram os mecanismos de controle que as Ordenações impunham sobre a magistratura, com
vistas a garantir decisões idoneidade dos julgadores[31]. Qualquer parte poderia recusar um juiz de primeira
instância, alegando sua suspeição ao ouvidor ou corregedor da comarca. Se esta restasse provada, acarretaria
seu afastamento do processo[32]. Caso cometesse erro por má-fé em seu ofício, o magistrado poderia até
ser afastado ou mesmo perder o cargo. Eleitos para o período de um ano, os juízes or dinários estavam
sujeito a devassas, a partir de dez dias da posse de seus sucessores, durante os quais seriam interrogadas não
menos que trinta testemunhas acerca de sua atuação, conforme questionário proposto pelo capítulo dedicado
às “Devassas Geraes”[33], cujos achados seriam enviados ao corregedor da comarca[34]. Estavam
autorizados também a conduzir as devassas os juízes de fora[35].
A despeito das rigorosas normas e sanções, a ascensão social e a possibilidade de ganhos paralelos
seduziram a judicatura colonial. No caso dos juízes ordinários, por exemplo, sua eleição dependia de uma
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extensa rede de influências sociais, o que tornou inevitável a imersão nos interesses locais. “Esse caráter
eletivo dos juízes ordinários e de vintena os faz logicamente caudatários dos potentados locais [...] Faz-se,
assim, a magistratura colonial, pela parcialidade e corrupção dos seus juízes locais, um dos agentes mais
poderosos da formação dos clãs rurais, uma das forças mais eficazes da intensificação da tendência gregária
das nossas classes inferiores”[36].
O compadrio, o apadrinhamento e nepotismo passaram a reger a distribuição de cargos judiciários –
que poderiam ser comprados ou cedidos como recompensa. Para as classes não nobres, alcançar a
magistratura era uma das poucas formas de se obter um título de fidalguia para três gerações[37]. Os juízes
de fora, por sua vez, passaram a vir para o Brasil sob a promessa de enriquecimento lícito fácil, prorrogando
o máximo sua estada no país, conforme se depreende de carta do Governador-geral do Brasil, Rodrigo de
Sousa Coutinho, dirigida à Coroa, em 1799[38]. Observa Zancanaro[39] que“tornar-se funcionário público
conferia certeza de que não faltariam oportunidades para a realização de interesses econômicos privados.
Não se criou a consciência da separação entre o público e o privado”. Temos, assim, na sociedade brasileira,
a transformação do patriarcalismo em patrimonialismo.
A origem do termo “patrimonialismo” é atribuída a Max Weber, quando se volta para a análise da
legitimidade das formas de poder político. Inserindo-se no seu conceitode “sistema de dominação”[40], o
patrimonialismo equivaleria a uma forma de “dominação tradicional”, cuja “legitimidade repousa
na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionais (‘existentes desde sempre’)”[41]. Em contraposição
à dominação racional-legal, em que a burocracia se pautaria por regras universais, visando à eficiência e
possuindo uma clara definição entre os funcionários e os “meios da administração”, no patrimonialismo,
governantes e funcionários confundem-se com os meios da administração, beneficiando-se privadamente de
seus cargos.
Em Sérgio Buarque de Holanda, todavia, a concepção de patrimonialismo é indissociável da noção
de “personalismo”[42]. Explica-nos Jessé Souza que a idéia de “personalismo” foi concebida por Gilberto
Freyre[43], vindo a cingir-se ao patrimonialismo na obra de Holanda, nessa forma mista, irá influenciar os
grandes “personalistas” e “patrimonialistas” do século XX, como Roberto DaMatta[44] e Raymundo Faoro,
respectivamente.
Em Os Donos do Poder, nota Faoro a resistência do patrimonialismo herdado de nossa metrópole ao
longo das transformações históricas. Em sua concepção, o patrimonialismo refere-se a uma forma
de capitalismo politicamente orientado (o capitalismo político ou pré-capitalismo), “em que a comunidade
política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, e como
negócios públicos, depois, em linhas que se demarcam gradualmente.”[45] Nesse contexto, indivíduo e
sociedade “se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos
extremos”[46]. Não se tem o império da burocracia, mas, sim, do estamento político.
Esse estamento político se constituiria de um estrato social, uma classe muitas vezes amorfa, que
atua sobre a sociedade e, conquanto se renove, perpetua suas práticas em prol dos interesses privados.
Importa ressaltar que ela não se confunde com a aristocracia. Enquanto esta se trata de uma classe definida
por títulos e que desfruta de privilégios institucionalizados, o estamento político não possui tais privilégios
e é composto por indivíduos recrutados de todos os cantos da população, se cambiando continuamente e
existirá por si só[47]. Mas “à medida que o estamento se desaristocratiza e se burocratiza, apura-se o
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sistema monocrático, com o retraimento dos colégios de poder.”[48] E assim, o poder autocrático se impõe
de cima para baixo. Apoiada na imagem do “bom príncipe”, o pai do povo, o estamento político generaliza a
aparência de poder sem, contudo, abrir meios para a participação. Na base da pirâmide de poder, resta a
população, que espera iludida pela política da salvação[49].
Embora Jessé Souza acredite que a noção de “patrimonialismo” apresentado por Faoro careça de
precisão histórica e conceitual[50] - visto que desenvolvido pelo autor como existente desde os tempos
primórdios da formação de Portugal, quando ainda não existiam as noções de público e privado – ,
acreditamos que seu conceito é aplicável ao desenvolvimento da sociedade brasileira, resguardadas suas
singularidades, visto que a nenhuma sociedade corresponde a um tipo ideal.
Um conceito pode ainda não ter sido criado, mas suas características podem já existir no mundo real
– quantas pessoas não teriam morrido de forma desconhecida ou sofrido de demência senil antes de se
estabelecerem os conceitos de câncer e mal de Alzheimer? Destarte, apesar da indiferenciação entre bem
público e privado e, portanto, da impossibilidade do Rei e seus prepostos “roubarem a si mesmos”, no caso
de um funcionário público auferir benefício do seu cargo para seu patrimônio ou interesses privados,
estaríamos, sim, diante de crime contra a Coroa[51].
No caso do Brasil, foi apenas em com a vinda precipitada da família real que os padrões da ordem
colonial começariam a ser modificados. A partir de então, vida na colônia passaria a se concentrar nas
cidades e os senhores de terras começariam a perder paulatinamente sua área de controle[52]. Os seus
descendentes, no entanto, já se encontravam nas vilas, como profissionais liberais. De qualquer forma, a
monarquia e, posteriormente, o Império não alterariam profundamente os quadros do governo – o
patrimonalismo continuaria a caracterizar a conduta dos funcionários públicos.
Mas se a imoralidade reinava nos cargos públicos durante o período Colonial, ela tomou outras
formas ao longo Império. Pressionadas pela ideologia liberal, os antigos Estados Absolutistas adotaram o
despotismo esclarecido, embora jamais tenham se despojado de seu poder moderador[53]. Resistindo à
pressão, o patronato permaneceu “sobre a nação, impenetrável ao poder majoritário, mesmo na transação
aristocrático-plebéia do elitismo moderno”.[54] Os ideais liberais, contudo, despertaram na consciência de
alguns súditos, ainda que parcialmente[55]. Assim, a própria noção de corrupção como algo condenável
surge, no país, no contexto do Império, embora ainda não se adotasse este termo[56].
Lília Schwarcz aponta como episódio determinante para esta conscientização elementar dos súditos
o episódio do “roubo das jóias” da Coroa. Nesse episódio, criados próximos à realeza foram apontados
como suspeitos, mas, logo após a rápida recuperação das jóias, Dom Pedro limitou-se a sepultar o caso,
reintegrando os servidores e condecorando os policiais. A população escandalizou-se com a conivência do
Imperador e a ausência de medidas punitivas, pois “um soberano que faz simples acordos com seus
funcionários é cada vez menos um soberano do Estado, pois está sujeito às mesmas tentações de seus
súditos.”[57]
A malversação dos recursos públicos, contudo, perdurou durante a República. A nova forma de
governo apenas juntou “peças anacrônicas e idéias de vanguarda”[58] – se não na forma do patrimonialismo
“tradicional”, evolui para um neopatrimonialismo, em que o Estado “seria explorado por governantes e
funcionários, mas teria também caráter altamente modernizador, legitimando-se pelo futuro, não pela
reiteração do passado.”[59]
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Esse neopatrimonialismo, que perdura até os dias atuais, possui três elementos essenciais, a saber:
conecta-se à atuação de agentes pertencentes à própria sociedade; se apóia sobre novos motes, como o
desenvolvimento econômico e social; e utiliza-se de uma lógica dual, composta por uma “lógica racional-
legal”, explícita, que se supõe baseada “na vontade do cidadão e nos quais impera a separação entre o
público e o privado”[60]; mas também por uma “lógica patrimonial, que segue operando oculta, possuindo
dificuldades “para se legitimar no plano macro, conquanto no plano micro (aquele das pequenas propinas e
apropriações que grande parte da população pratica) não haja maior questionamento de sua ilegitimidade
formal”[61].
O povo, ao mesmo tempo em que se indigna com atitudes corruptas, resta inerte, pois sabe que
também anseia por uma oportunidade para parasitar o Estado – um cargo público estável através do qual
poderá desviar para uma conta em um paraíso fiscal os milhões que bancarão sua portentosa aposentadoria,
pois, afinal, se todos pagam tributo, “o que é publico é meu também.” No plano psicológico, nota Faoro, “a
dualidade oscila entre a decepção e o engodo.”[62]
Destarte, no Estado industrial, dotado de uma elite tecnocrática, adota-se a dinâmica do mercado
aberto, mas se altera a forma como se conduz o mercado administrativo, com políticas seletivas[63].
Embora aparentemente o novo Estado brasileiro esteja em consonância com as melhores práticas de
administrativas, ainda é incapazde eliminar suas ineficiências. Se em Weber, como apontou Jessé Souza, a
dominação tradicional de subtipo patrimonialista está dissociada do personalismo, na verdade foi
exatamente sua conjunção com o personalismo a razão longevidade.
 
3. A predominância do personalismo: a lei é feita para os outros
 
Com o advento do Estado liberal, “a sociedade capitalista aparece aos olhos deslumbrados do
homem moderno como a realização acabada da história.”[64] A prevalência da dominação racional-legal e
crescente burocratização da máquina estatal nos fazem perceber os resquícios patrimonialistas do Estado
como resíduos anacrônicos, obstáculos em uma transição para um “Estado melhor”.
Em países em desenvolvimento, acredita-se corriqueiramente que as relações pessoais “serão
automaticamente superadas ou substituídas por novos padrões de relações do tipo racional e impessoal – que
são associados à burocracia, ao mercado e à democracia (...).”[65] No entanto, em resposta às exigências
internacionais e demandas da própria sociedade, promulgamos leis que na verdade se demonstraram
inócuas, raramente resultando na redução de práticas corrompidas ou na punição de seus autores.
Essa crença em soluções mágicas conferidas por leis genéricas e formas fixas advém, segundo Sérgio
Buarque de Holanda, do nosso excessivo apego aos valores da personalidade, pois decorrem unicamente de
construções da inteligência. Acreditamos “que a letra morta pode influir por si só e de modo enérgico sobre
o destino de um povo. A rigidez, a impermeabilidade, a perfeita homogeneidade da legislação parecem-nos
constituir o único requisito obrigatório da boa ordem social. Não conhecemos outro recurso.”[66] Mesmo
quando nossos reformadores se propuseram a modernizar o Estado, não conseguiam sair de seus idéias,
identificando a realidade social, produziram nada além de soluções “superficiais e enganadoras”.
Sérgio Buarque de Holanda sugere que esse apego à lei formal trata-se uma forma de evasão da
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realidade que traduz nosso horror à realidade. Quando se intensificou a urbanização do país, as classes
fundadoras do patriarcalismo perderam poder diante do crescente êxodo rural. Relutantes em se conformar
com as novas circunstâncias, “nos livros, na imprensa, nos discursos, a realidade começava a ser,
infalivemente, a dura, a triste realidade.”[67]
Criado no círculo familiar, o brasileiro se desenvolve em um ambiente no qual a autoridade
hierárquica é indiscutível e cujas dimensões sociais claramente definidas, formando uma personalidade
coletiva[68]. Se, por um lado, é escravo[69] das relações familiares sob o comando ilimitado do patriarca,
por outro, encontra-se acolhido num ambiente que o protege e o considera “único e insubstituível”[70].
Apoiando-se na contraposição “casa” e “rua”, Roberto DaMatta elucida as conseqüências que a aversão ao
trabalho do perfil “aventureiro” formulado por Sérgio Buarque de Holanda, em conjunto com uma criação
patriarcalista, gerou no brasileiro.
Nesse espaço exclusivo que é a “casa” – aqui compreendida como espaço e tempo[71] – somos
determinados pela “honra”, “a vergonha” e o “respeito”. Ali, a “harmonia deve reinar sobre a confusão, a
competição e a desordem”[72]. A “rua”, por outro lado, é o espaço e o tempo aonde devemos cumprir nossa
árdua tarefa do trabalho[73]. É nesse espaço perigoso, em que somos indiferenciados e desconhecidos, que
devemos realizar nossa tortura diária. A “rua”, como um espaço de “luta” pela vida, “contraria frontalmente
todas as nossas vontades”[74]. Somos apenas mais um indivíduo na massa, até que consigamos torná-la
mais aconchegante, formando laços pessoas de simpatia e amizade onde outrora eram apenas frios laços
econômicos:
 
O momento de sair de casa é, deste modo, altamente dramático. (...) Normalmente, a passagem é
de pessoa a indivíduo e depois a pessoa, quando emprego se torna familiar e laços de simpatia, amizade
e consideração são estabelecidos com os patrões. (...) recomeçar a transformação do emprego no lar,
pois esse é o ideal.[75]
 
E é a partir dessa dicotomia “casa x rua” que se formará a diferenciação “pessoa x indivíduo”. A
“pessoa” é aquele ser livre, reconhecido em sua individualidade no seio familiar, amado e respeitado. O
“indivíduo”, a seu turno, é aquele ser preso à totalidade social, cujas escolhas estão limitadas pelas leis
universais que regem o mundo hostil da “rua”. Relacionada com a “rua”, a expressão indivíduo ganhou
caráter depreciativo na cultura brasileira, servindo para designar “gente sem princípios, um elemento
desagregado do mundo humano e próximo da natureza, como os animais.”[76] Aquele que se individualiza
representa alguém não soube “dar-se socialmente”, um egoísta.
Em “casa”, se somos contrariados pela autoridade legítima e inconteste do patriarca, nos
conformamos por sua hierarquia. Na “rua”, contudo, somos incapazes de aceitar que a lei elaborada pela
autoridade do Estado, seja ela nos imposta, enquanto súditos, seja ela fruto de nossa participação, como
cidadãos em uma democracia representativa: “cada indivíduo, nesse caso, afirma-se ante os seus
semelhantes indiferente à lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas, e atento apenas ao que o
distingue dos demais, do resto do mundo.”[77]
Esta condição conduziu à nossa completa falta de identificação pessoal como destinatários da própria
lei. Esclarece-nos Roberto DaMatta que o “dilema do brasileiro reside numa trágica oscilação entre um
esqueleto nacional feito de leis universais, cujo sujeito era o indivíduo e situações onde cada qual se salvava
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e despachava como podia, utilizando para isso o seu sistema de relações pessoais.”[78]
A relutância em cumprir as normas revela, ainda, um total descompasso entre a realidade jurídica e
as práticas da vida diária. No afã em nos modernizarmos, após a instituição da República, “trouxemos de
terras estranhas um sistema complexo e acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às
condições da vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições lhe imporiam”[79]. Sobre este
desencontro entre as normas e as necessidades e tradições de seus destinatários, relata-nos Faoro uma crítica
de um sarcástico historiador que, “para remediar o desacerto, [pedia] que se promulgasse uma lei para tornar
as outras obrigatórias.”[80]
E esse descompasso entre norma e realidade[81] se reflete nas percepções que o brasileiro regular
emite acerca de seu direito pátrio: não compreende como a malfada lei lhe oferece a oportunidade de ter
pessoas em cargo de confiança, mas lhe veda nomeação de familiares mais próximos – aquelas pessoas às
quais confia sua própria vida!; antes que pudesse compreender os horrores de uma sanção capital decretada
e executada por suas mãos, impuseram-lhe uma Constituição moderna que veda a pena de morte para os
“marginais salafrários” que ameaçam sua vida e de sua família todos os dias! Assim, a vida social brasileira,
observa Faoro, “será antecipada pelas reformas legislativas, esteticamente sedutoras, assim como a atividade
econômica será criada a partir do esquema, do papel para a realidade.”[82]
Diante deste impasse, enquanto espectador, o brasileiro torna-se indivíduo, cidadão, que acata a lei
com a qual ele anui. Perante situações concretas, no entanto, o brasileiro opta por agir comopessoa, seja
adotando a vertente do “jeitinho”, da “malandragem” e da solidariedade como eixo de ação[83], seja através
da vertente “autoritária” do “Você sabe com que está falando?”.
Optando pelo “jeitinho”,o brasileiro mobiliza toda a sua rede de relações pessoais, sejam elas de
parentesco, de amizade[84] de patronagem, ou outras formas de interconexões, às quais confere caráter
instrumental. Em faltando qualquer desses elos, busca, através da simpatia, encontrar um elo
comum[85] com aquela autoridade estatal que representa o seu obstáculo – uma fila, um procedimento
burocrático, uma prisão em flagrante, a obtenção de uma licitação ou verbas. E não, não há absolutamente
nada de errado nisso. As leis existem para serem transgredidas, o procedimento é burocrático demais, as
especificações técnicas são muito confusas, ou a infração só ocorreu daquela vez, por um motivo muito
especial.
É exatamente essa naturalização o maior empecilho em se aperceber que, se todos desrespeitarem a
lei, todos serão prejudicados:
 
 (...) a naturalização do uso corrente destas relações pessoais no Brasil impede-nos de
problematizá-las no que concerne, especialmente, à importância que possuem para a
estruturação das práticas concebidas como corruptas. Esta naturalização, inclusive,
aparentemente contribui para dar maior força aos negócios corruptos na medida em que não
conduz a sociedade a um questionamento quanto aos usos a que se prestam estas relações. Nesse
sentido, é interessante constatar como os acusados das distintas relações pessoais como
argumento de defesa.[86]
 
Manter relações com pessoas que ocupam cargos públicos é situação valorada em nosso código
cultural e “podem ser apresentadas como uma forma particular de capital social”[87]. No caso das relações
de parentesco há, inclusive, uma grande expectativa e até uma pressão da família sobre os benefícios a
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serem auferidos caso um parente ocupe um cargo público[88]. Em relações de amizade (simétricas) e
patronagem (assimétricas), que envolvem créditos e débitos morais entre os agentes, negativa do “favor”,
sempre “pedido” acompanhado de uma justificativa razoável[89], pode levar ao fim da relação.
Dentre as redes de clientelismo se assentam, ainda, as relações econômicas entre empresas privadas e
o Estado. Pouco regulamentados no direito pátrio, contratos de consultorias privadas prestadas a órgãos
públicos muitas vezes servem para mascarar relações pessoais:
 
Em outras palavras, o empresário esforça-se para pessoalizar a relação com o Estado e, desse modo,
passar a tê-lo como um parceiro nos negócios. Para tal, atende às suas demandas funcionais e mobiliza
seus contatos pessoais. (...) Ou seja, compromete pessoalmente a instituição sem que esta, entretanto,
perca suas propriedades de instituição.[90]
 
Quando as redes pessoais falham em mediar os bens, serviços, favores e informações almejados,
optamos por uma outra forma de diferenciação para burlar a norma: o “Você sabe com quem está falando?
”[91]. Essa expressão, além de revelar a confusão entre público e privado no imaginário brasileiro, remete-
nos a uma vertente indesejável de nossa cultura: a aversão ao conflito[92] e o conceito de adequação social.
Diante da hierarquização, opera-se o “rito de separação” que acaba se tornando uma forma de
individualização, postura que, como referimos acima, é execrada em nossa sociedade. Não queremos ser
“indivíduos”, pois individualizar-se significa desatar os laços com segmentos familiares, significa “abrir
mão dos direitos substantivamente dados pelo sangue, pela filiação, pelo casamento, pela amizade e pelo
compadrio.”[93] “Antipática e pernóstica”[94], o uso dessa expressão é desaprovado, embora
freqüentemente utilizado.[95]
Destarte, o apego às emoções, a valorização das relações interpessoais, em combinação à aversão
pelo trabalho e exaltação da fidalguia acabaram por gerar a cultura da “do jeitinho” e do “Você sabe com
quem está falando?”. A supervalorização da família, da “casa”, onde somos e podemos tudo, em
contraposição à “rua”, onde não somos ninguém e devemos enfrentar o trabalho, levou o brasileiro a
desenvolver duas atitudes sociais padrão diametralmente opostas, mas que possuem um único resultado: a
corrupção.
O culto ao personalismo, portanto, tornou a corrupção característica endêmica do nosso sistema,
permitindo a perpetuação do patrimonialismo, agora disfarçado de neopatrimonilismo, que possui como
traço característico das relações Estado-cidadão.
 
4. Uma revolução lenta: há possibilidade de mudanças?
 
Relacionar a corrupção a traços inerentes a uma sociedade pode soar como fatalismo hereditário.
Como afinal poderíamos coordenar lei e realidade? O brasileiro apenas irá cumprir a lei quando realmente
acreditar que ela lhe trará o melhor para si. Mas como convencer alguém de que não se pode ultrapassar em
faixa contínua, se diariamente vemos pessoas arriscando as próprias vidas para burlar normas que acreditam
interporem-se em seu caminho? Como convencer o “lobbyista” de que ele não merece uma “comissão” por
ter obtido êxito em negociar um contrato, sem ter que superar todas as infinitas etapas formais? Como
convencer um eleitor ou um congressista que é errado vender seu voto, se isso lhe trará um imediato
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benefício privado?
Alguns poderiam sugerir o discurso: “se não se pode vencê-los junte-se a eles”. Se as leis não são
adequadas à população, façamos as adaptações! Mas o que teríamos caso, por exemplo, retirássemos todas
as inconvenientes placas de “Pare” ou “Proibido Estacionar”? Como ficaria o provimento de serviços
públicos, caso todos os funcionários atuantes decidissem embolsar parte das verbas ou cobrar propina – ou
então, facilitar a conclusão de contratos com empresas “conhecidas”, mas inapetentes? Devemos aceitar a
teoria do “bom príncipe”, do “rouba, mas faz”?
O processo de mudança e conscientização é longo, mas foi possível, ao menos, convencer a
sociedade da necessidade de se respeitar a norma que determina o uso do cinto de segurança:
 
A incolumidade do contexto de poder, congelado estruturalmente, não significa que ele impeça a
mudança social, quer no acomodamento ao campo internacional, quer no desenvolvimento interno. A
permanência da estrutura exige o movimento, a incorporação contínua de contribuições de fora,
adquiridas intelectualmente ou no contato com as civilizações mais desenvolvidas.[96]
 
Como nota José Murilo de Carvalho, a corrupção, como todo fenômeno histórico, é um instituo
mutante[97]. À medida que o Estado foi se dissociando da pessoa do Rei, e o público se distanciando do
privado, a corrupção foi se tornando prática marginal, embora recorrente: “de 2005 para cá, as denúncias de
escândalos surgem com regularidade quase monótona.”[98] Desde o período colonial até os dias atuais,
ocorreram diversas mudanças neste processo. Podemos notar, claramente, por exemplo, uma mudança
semântica. Se as denúncias de corrupção ocorridas durante o Império e a Primeira República dirigiam-se
contra o sistema, a partir de 1945, a oposição de Getúlio Varga, a UDN, irá atribuir a corrupção à falta de
moralidade das pessoas. Temos, ainda, uma mudança nas dimensões assumidas pelas práticas de corrupção,
que se avolumaram consideravelmente no decorrer do último século na mesma proporção em que se inflava
a máquina estatal[99].
As reações contra estas práticas, no entanto, foram variáveis: se, por uma lado, Getúlio, a ditadura e
Collor foram derrubados em meios a acusações de corrupção, desde 2002, apesar de sucessivos escândalos,
os políticos restam inarredáveis (ou arredáveis e readmissíveis) em seus postos. Fatos inéditos em nossa
história e progresso inconteste foram a recente prisão preventivae cassação do mandato do governador do
Distrito Federal, José Roberto Arruda, envolvido em diversas denúncias de corrupção.
A este respeito, José Murilo de Carvalho observa: “Reagem contra a corrupção os que dela não se
beneficiam e que, ao mesmo tempo, dispõem de recursos para identificá-la e combatê-la. Vale dizer que a
reação à corrupção varia na razão direta do tamanho da classe média.[100]” Com o crescente benefício da
elite econômica engajada em negócios com o governo e das classes mais baixas com os planos econômicos
e assistências estatais, a classe média, hoje oprimida por uma carga tributária que não traz a devida
contrapartida nos serviços públicos, luta sozinha. E frise-se: luta apenas a classe média que não ocupa
cargos públicos ou tem acesso a eles, o que reduz ainda mais a parcela de combatentes. E a batalha está
sendo perdida, pois, como notou um deputado mensaleiro: “A opinião pública me condena, mas a opinião
popular me absolve.”[101]
Esse processo de combate à corrupção gera ainda, um certo mal-estar íntimo, como ressaltou Faoro,
pois aqueles que buscam modernizar e moralizar o Estado acabam atuando “sob o pressuposto da incultura,
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senão da incapacidade do povo, e o povo sem convívio íntimo com aqueles, quebrados os vínculos de
solidariedade espiritual.”[102]
Assim como José Murilo de Carvalho, no entanto, acreditamos que podemos ter boas perspectivas,
pois com a expansão democrática, crescimento econômico e consequente elevação da renda e escolaridade,
em algum ponto, a corrupção passará a ser considerada intolerável.[103] Estamos, então, em apenas mais
uma das etapas da “lenta, mas segura e concertada” revolução sobre a qual Sérgio Buarque de Holanda
discorre, “a única que, rigorosamente, temos experimentado em toda a nossa vida nacional.”
 
Conclusão
 
Partindo do conceito contemporâneo de corrupção e das expectativas da sociedade internacional
perante o desempenho pífio do Brasil no combate a práticas escusas, buscamos encontrar os obstáculos que
se interpõem nesse trajeto.
 Adotando uma perspectiva jurídoco-antropológica, propusemo-nos a investigar como, afinal, o
patrimonialismo, associado ao personalismo, caminharam para formar o neopatrimonialismo e, assim,
perpetuar a imoralidade que impera no aparato estatal. Para tanto, procuramos identificar as “raízes” das
práticas de corrupção no Brasil, partindo da formação da família patriarcal até a transferência de sua
hierarquia e autoridade para a vida pública, que resultou em práticas patrimonialistas implementadas em um
corpo burocrático que não é capaz de dissociar seus interesses privados do interesse público.
Observando as práticas de corrupção desde o período colonial, passando pelo Império e, brevemente,
pela República, podemos concluir que a corrupção manteve-se estreitamente atada ao estamento político que
comanda o patrimonialismo. Agravante à imoralidade deste Estado patrimonialista, constatamos que os
fortes traços personalistas desta cultura– que distingue a “casa” da “rua”, tem horror ao trabalho e quer ser
tratada como “pessoa” – não apenas levaram à elaboração de um corpo de leis que não se identifica com as
percepções da sociedade, mas também conduziram os cidadãos a transgredi-las como um hábito.
Apesar destas “raízes”, especulamos, sinteticamente, se seria possível uma mudança e, nos
distanciando no “fatalismo do DNA”, afirmarmos que, se, por um lado, nossa cultura personalista e
neopatrimonialista impede a moralização do Poder Público, por outro, já foram obtidos avanços
consideráveis, sobretudo se tivermos em mente que, da panacéia reinante desde primórdios de nossa
história, evoluímos para, se não a punição e alijamento, ao menos a condenação pela opinião pública dos
corruptos nos dias atuais.
 
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[1] UNITED NATIONS. United Nations convention against corruptio. 2005. Disponível em:
<http://www.unodc.org/documents/treaties/UNCAC/Publications/Convention/08-50026_E.pdf>..Acesso em 10 jan. 2010.
[2] FIESP. Relatório – Corrupção: custos econômicos e propostas de combate. São Paulo, Dez/2006. Disponível em:
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[3] ABRAMO, Claudio Weber. Percepções pantanosas – a dificuldadede medir a corrupção. In: Novos Estudos. São Paulo:
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[4] TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Corruption perceptions index. 2009. Disponível em:
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[5] TRANSPARENCY INTERNATIONAL. Corruption perceptions index. 2001. Disponível em:
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[6] FIESP. Op. cit., p. 07.
[7] ABRAMO, Claudio Weber. Op. cit., p.33.
[8] TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracy in America. Book 1. 1835, Chapter XIII, Part III. Disponível em :
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[9] Este conceito se forma em contraste à “corrupção de princípios”, como observada por Montesquieu. JASMIN, Marcelo
Santus. Tocqueville. In: AVRITZER, Leonardo et al. (org.) Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2008, p. 73.
[10] Andvig diferencia ato corrupto de desfalque, apontando este como a utilização de poderes e direitos restritos para obtenção de
vantagens próprias advindas da própria instituição. Em suas palavras: “An act representsembezzlement if a member of an
organisation uses his rights to make decisions, his access to information or some of the other resources of the organisation to his
own economic advantage, eventually to the advantage of some other members of the organisation, in ways that are either illegal or
against the organisation's own aims or rules”. ANDVIG, Jens Chr. Globalisation, global and international corruption – any
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[11] BEZERRA, Marcos Otavio. Corrupção: um estudo sobre o poder público e relações pessoais no Brasil. Rio de Janeiro:
Relume Dumará/ ANPOCS, 1995, p. 33.
[12] SCOTT apud BEZERRA, M. O. Op. cit., p.34.
[13] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Publifolha, 2000 (Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro), p.
X.
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[14] Ibid., p.21.
[15] Conta-nos Eduardo Bueno: “Dos territórios de exílio, o Brasil era, ao menos de início, tido como o mais temível. (...) Quando
um alvará real assinado de 5 de fevereiro permitiu que o degredo para o Brasil fosse, em determinados casos, substituído por
serviços nas galés, os tribunais estipularam que dois anos na América equivaliam a um ano nas galés, enquanto que o ‘exílio para
toda a vida no Brasil’ poderia ser substituído por dez anos nas galés (embora dez anos nas galés fosse ‘uma pena geralmente
entendida como igual à pena de morte e frequentemente referida como tal’). BUENO, Eduardo. A coroa, a cruz e a espada. Lei,
ordem e corrupção no Brasil colônia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006, p. 67. (Coleção Terra Brasilis)
[16] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 2009, p.46.
[17] Ibid., p. 45
[18] FIGUEIREDO, Luciana Raposo. A corrupção no Brasil colônia. In: AVRITZER, Leonardo et al. (org.) Corrupção: ensaios e
críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2008, p. 212.
[19] HOLANDA, S.B. Op. cit., 2009, p. 48.
[20] Apesar das críticas de Sérgio Buarque de Holanda à “preguiça” do povo português, Celso Furtado lhes reconhece a grande
primazia em haver obtido êxito na exploração das terras americanas, uma empreitada praticamente inviável no século XIV: custos
elevados, fretes altos, ausência de mercado consumidor para o produto da terra (trigo), que já era produzido no continente.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 1ª ed. 4ª reimpressão. São Paulo: Cia das Letras, 2007, pp.29-30.
[21] Ibid., p. 31.
[22] HOLANDA, S.B. Op. cit., 2009, p.57.
[23] Ibid., p. 81.
[24] Relata-nos Sérgio Buarque de Holanda uma anedota contada pelo Frei Vicente de Salvador, em que um bispo, “quando
mandava comprar um frangão, quatro ovos e um peixe para comer, nada lhe traziam, por que não se achavam dessa coisas na praça,
nem no açougue, e que, quando as pedia às casas particulares, logo lhas mandavam. ‘Então disse o bispo: verdadeiramente que nesta
terra as coisas andam trocadas, porque toda ela não é república, sendo-o cada casa.’”. Ibid., p.81.
[25] Ibid., p. 89.
[26] O conceito “homem cordial” tem sido objetivo de inúmeras controvérsias ao longo dos últimos 70 anos. Aqui entendêramos
como Sérgio Buarque de Holanda o propôs: “São antes de tudo [nossas formas de cordialidade] expressões legítimas de um fundo
emotivo extremamente rico e transbordante.” Ibid., p. 147.
[27] Até a história recente do país, é patente esse mandonismo: “A lei parava na porteira das fazendas.” CARVALHO, José Murilo
de. As metamorfoses do coronelismo. Jornal do Brasil , Rio de Janeiro, p. A-9, 6 maio 2001, p.4. Disponível em:
<http://www.ppghis.ifcs.ufrj.br/media/carvalho_metamorfoses_coronel.pdf>.. Acesso em 04 jan. 2010.
[28] Ibid., p. 157.
[29] WOLKEMER apud SILVEIRA, Daniel Barile da. Patrimonialismo eburocracia: uma análise sobre o poder judiciário na
formação do Estado Brasileiro. Brasília, 2006. Dissertação (Mestrado em Direito, Estado e Constituição) – Programa de Pós-
Graduação em Direito, Universidade de Brasília, p. 101.
[30] HOLANDA, S.B. Op. cit., 2009, p.82.
[31] “E os Juízes não levarão dinheiro às partes, inda que lho ellas de sua vontade queiram dar, para se aconselharem sobre seus
feitos civeis, ou crimes, assi no despacho das sentenças interlocutorias, como diffinitivas; e o Juiz que tal dinheiro levar, o pagará
noveado [nove vezes a quantia recebida] da cadea, ametade para o que o accusar, e a outra para a parte, de quem o tomou. E haverá
mais penas, que Nós houvermos por bem”. PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Disponível em:
<http://www.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm>.. Acesso em 05 jan. 2010, Livro I, Título LXV, §10º.
[32] No caso de desembargadores dos Tribunais da Relação, as alegações de suspeição eram apreciadas pelo regedor ou governador.
Outros funcionários do judiciário também eram passíveis de suspeição.
[33] Curiosamente, a pena para os juízes que descumprissem as devassas seria multa e o degredo, por dois anos, para a África.
PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Livro I, Título I, §§40-60º. Op. cit.
[34] Ibid. §72º.
[35] Ibid. § 71º.
[36] OLIVEIRA VIANNA apud SILVEIRA, Daniel Barile da. Op. cit., p.121.
[37] SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. A Suprema Corte da Bahia e seus Juízes: 1609-1751. São
Paulo: Perspectiva, 1979, p.242.
[38] NEQUETE apud SILVEIRA, Daniel Barile da. Op. cit., p.117
[39] ZANCANARO apud SILVEIRA, Daniel Barile da. Op. cit., p.122
[40] No sistema de Weber, existiriam três formas de dominação: a racional-legal (preferível), a tradicional e a dominação
carismática. Em cada forma de dominação existem subtipos. No presente caso, nos restringiremos apenas ao patrimonialismo,
devido ao escopo limitado deste trabalho. Para maiores informações sobre o tema, vide WEBER, Max. Economia e
sociedade. Brasília: UnB, 1999, 2v.
[41] WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: UnB, 1999, v. 1, p.148.
[42] SOUZA, Jessé. Weber. In: AVRITZER, Leonardo et al. (org.) Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2008,
p.82.
[43] FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. 51ª ed. 3ª reimpressão. São Paulo: Global, 2009.
[44] As concepções de Roberto DaMatta serão abordadas no próximo capítulo.
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[45] FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Formação do patronato político brasileiro. 3ª ed. Revista, 9ª reimpressão. São Paulo:
Globo, 2001, p. 819.
[46] Ibid., p. 819.
[47] Distinção provida por Loewenstein. FAORO, Raymundo. op. cit, p.830
[48] Ibid., p. 827.
[49] Ibid., p.827-830.
[50] Sobre Faoro, Jessé Souza nota: ‘Historicamente, na visão de Faoro, existiria patrimonialismo desde o Portugal medieval, onde
não havia sequer a noção de ‘soberania popular’ e, portanto, se não havia sequer a idéia da separação entre bem privado (do Rei) e
bem público, o Rei e seus prepostos não podiam ‘roubar’ o que já era dele de direito.” SOUZA, Jessé. Op. cit. p. 84.
[51] Além do crime e penalidade prevista para o s juízes ordinários, conforme nota supra, havia, ainda a previsão de penalidades
criminais para “os Oficiais del-Rey, que recebem serviços, ou peitas, e das partes, que lhas dão ou promettem” (Livro V, Título
LXXI) e para “os Oficiais del-Rey, que lhe furtão, ou deixão perder sua Fazenda per malícia” (Livro V, Título LXXIV).
PORTUGAL. Ordenações Filipinas. Op. cit.
[52] Ressalta SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA que “dois movimentos simultâneos e convergentes através de toda a nossa
evolução histórica: um tendente a dilatar a ação das comunidades urbanas e outro que restringe a influência dos centros rurais,
transformados, ao cabo, em simples fontes abastecedoras, em colônias das cidades”. Dessa forma, aos poucos, se “vai arruinando os
velhos hábitos patriarcais, mantidos até aqui pela inércia”. HOLANDA, S.B. Op. cit., 2009, p.172-173 e 176.
[53] SCHWARCZ, Lilia Moritz. Corrupção no Brasil Império. In: AVRITZER, Leonardo et al. (org.) Corrupção: ensaios e
críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2008, 227.
[54] FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 836-837.
[55] Segundo SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, “a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre
nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incomoda,
confirmando nosso instintivo horror às hierarquias e permitindo tratar com familiaridade os governantes. A democracia no Brasil
sempre foi um mal-entendido.” HOLANDA, S. B. Op. cit., p. 160
[56] SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit., p. 236.
[57] Ibid., p. 236.
[58] FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 835.
[59] Noção de Schwartzman, baseado em Shmuel Eisenstadt. DOMINGUES, José Maurício. Patrimonialismo e neopatrimonialismo.
In: AVRITZER, Leonardo et al. (org.) Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2008, p.188.
[60] DOMINGUES, José Maurício. Op. cit. p. 190.
[61] Ibid., p. 190.
[62] FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 833.
[63] Ibid., p. 831.
[64] FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 822.
[65] BEZERRA, Marcos Otavio. Corrupção: um estudo sobre o poder público e relações pessoais no Brasil. Rio de Janeiro:
Relume Dumará/ ANPOCS, 1995, p. 35.
[66] Ibid., p. 178.
[67] HOLANDA, S. B. op. cit., p.161-162.
[68] Ibid. p. 24
[69] Explica-nos SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA que “este núcleo [familiar] bem característico em tudo se comporta como
seu modelo da Antiguidade, em que a própria palavra ‘família’, derivada de famulus, se acha estreitamente vinculada à idéia de
escravidão, e em que mesmo os filhos são apenas os membros livres do vasto corpo, inteiramente subordinado ao patriarca,
os liberi.” HOLANDA, Sérgio Buarque. Op. cit., 2009, p. 81.
[70] DAMATTA, Roberto. Op. cit., 1997, p. 25.
[71] Um “espaço moral”, onde se desenvolvem as relações familiares, e um “tempo cíclico”, contado de acordo com a sucessão de
gerações.
[72] DAMATTA, Roberto. Op. cit., 1997, p.27
[73] Nota Roberto DaMatta o caráter de obstáculo que possui o trabalho em nossa cultura (“batente”), em oposição completa à
noção de trabalho na cultura anglo-saxônica, equacionado como agir e fazer (work). Ibid., p. 31.
[74] Ibid., p. 29.
[75] DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar,
1981, p.186-187.
[76] Ibid., p. 179.
[77] HOLANDA, S. B. Op. cit., 2009, p.155.
[78] DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? 8ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 95.
[79] HOLANDA, S. B. 2009, p. 160.
[80] FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 833.
[81] DaMatta denomina essa situação de “paradoxo da sociedade brasileira”: “Numa sociedade voltada para tudo que é universal e
cordial, descobrimos o particular e o hierarquizado. E o descobrimos em condições peculiares: há uma regra geral que nega e
reprime o seu uso. Mas há uma prática igualmente geral que estimula o seu emprego.” DAMATTA, Roberto. Op. cit. 1981, p.143.
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[82] Ibid., p. 833.
[83] DAMATTA, Roberto. Op. cit., 1981, p.169.
[84] Marcos Otavio Bezerra, baseado em Pitt-Rivers, nota o quanto a exploração de relações de amizade ainda é pouco considerada
às análises sociais referentes à corrupção. BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção: um estudo sobre o poder público e relações
pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará/ ANPOCS, 1995, p.41.
[85] DAMATTA, Roberto. Op. cit., 1997, p.100.
[86] BEZERRA, Marcos Otavio. Op. cit., 1995, p.39-40.
[87] BEZERRA, Marcos Otavio. Bases sociais da prática da corrupção no Brasil.Palestras pronunciadas no Departamento de
Antropologia da UnB nos dias 17 e 24 de novembro de 1993. Brasília, 1994. (Série Antropologia). Disponível
em: http://vsites.unb.br/ics/dan/Serie161empdf.pdf. Acesso em 10 jan. 2010, p. 07.
[88] BEZERRA, Marcos Otavio. Op. cit., 1995, p.40.
[89] BEZERRA, Marcos Otavio. Op. cit., 1994. p. 10.
[90] Ibid., p. 33.
[91] Nota DaMatta que este rito de hierarquização é aproveitado por toda a clientela daquele cujo cargo se invoca: mulheres, filhos,
empregados, etc. DAMATTA, Roberto. Op. cit., 1981, p. 147.
[92] Sobre a aversão ao conflito, esclarece DaMatta: “(...) o rito autoritário indica sempre uma situação conflitiva, e a sociedade
brasileira parece ser avessa ao conflito. Não que com isso se elimine o conflito. Ao contrário, como toda sociedade dependente,
colonial e periférica, nossa sociedade tem um alto nível de conflitos e crises. Mas entre a existência da crise e o seu reconhecimento
existe um vasto caminho a ser percorrido. (...) Tudo indica que, no Brasil, concebemos os conflitos como presságios do fim do
mundo, e como fraquezas – o que torna difícil admiti-los como parte de nossa história, sobretudo nas versões oficiais e
necessariamente solidárias.”Ibid., p.141 e 142.
[93] DAMATTA, Roberto. Op. cit., 1997, p.180.
[94] Ibid., p. 140.
[95] Apesar do uso desestimulado e oculto, quando a burocracia estatal se interpõe no caminho, o brasileiro trata de lembrar à
“autoridade” o seu devido lugar.
[96] FAORO, Raymundo. Op. cit., p. 833.
[97] CARVALHO, José Murilo de. Passado, presente e futuro da corrupção brasileira. In: AVRITZER, Leonardo. et al.
(org.) Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: UFMG, 2008, p. 237.
[98] Ibid., p.237.
[99] Ibid., p. 238.
[100] Ibid., p. 238.
[101] Ibid. p.241
[102] FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 835.
[103] Ibid. 242.
 
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