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Teorias do Jornalismo Produzido e Organizado por Dr. Luiz Ademir de Oliveira e Ms. Mariane Motta de Campos Curso de Comunicação Social – Jornalismo (UFSJ) Teoria do Espelho ou Visão Funcionalista do Jornalismo • A profissão do jornalista é carregada de mitos, entre os quais o mito da objetividade jornalística. Sinônimo de verdade, de objetividade, de neutralidade, de imparcialidade, o jornalismo pressupõe ser um retrato fiel do real. • Tal concepção está ligada à visão funcionalista formulada por Durkheim quando este ao criar as Ciências Sociais se inspirou nos métodos das Ciências Naturais, acreditando ser possível ter um distanciamento dos fenômenos a serem estudados. “Os fatos sociais devem ser tratados como coisas”. Dessa forma, um cientista pode se distanciar e ter uma visão neutra sobre o seu objeto de estudo, assim como os jornalistas podem ser imparciais frente aos fatos sociais que alimentam o noticiário. • A visão funcionalista é criticada por ser uma forma de garantir a manutenção do sistema capitalista ao propor um funcionamento tranquilo entre os vários órgãos sociais. Teoria do Espelho ou Visão Funcionalista do Jornalismo • Traquina afirma que uma das primeiras teorias do jornalismo é a Teoria do Espelho. Tem a ver com a própria ideologia dominante no campo jornalístico (pelo menos nos países ocidentais). É a teoria mais antiga e responde que as notícias são como são porque a realidade assim as determina. Parte da ideia de que o jornalista é um comunicador desinteressado, isto é, um agente que não tem interesses específicos a defender e que o desviam da sua missão de informar, procurar a verdade, contar o que aconteceu, doa a quem doer. Teoria do Espelho ou Visão Funcionalista do Jornalismo • Tal visão coincide com a consolidação da imprensa como grande empresa capitalista, principalmente no século XX, quando os jornais políticos e partidários perderam espaço. Era preciso buscar uma forma de dar credibilidade aos jornais como produtos – daí a concepção de que são meios de informação marcados pela imparcialidade que cumprem um papel social. Teoria do Espelho ou Visão Funcionalista do Jornalismo • Traquina afirma que o mito da objetividade jornalística surge em dois momentos. • Primeiro, surge em meados do século XIX com um novo jornalismo – o jornalismo de informação – a ideia-chave de separação entre fatos e opiniões. Em 1856, o correspondente em Washington da agência Associated Press pronunciou o que ia ser a Bíblia desta nova tradição jornalística: “O meu trabalho é comunicar fatos: as minhas instruções não permitem qualquer tipo de comentários sobre os fatos, sejam eles quais forem” (Read). • As agências noticiosas foram as grandes defensoras desta visão positivista – na França (Havas), Estados Unidos (Associated Press), Inglaterra (Reuters) e Alemanha (Wolfe). A mensagem dita informativa é suposta dar a palavra e deixar exprimir a realidade. Fortalecido ainda com o surgimento da fotografia que reforçou a ideia de retratar fielmente a realidade via imagem – espelho do real. Teoria do Espelho ou Visão Funcionalista do Jornalismo • O segundo momento histórico tem lugar no século XX com o surgimento do conceito de objetividade nos anos 20 e 30 nos Estados Unidos. Nesta época, o influente jornalista Walter Lippmann disse em seu livro “Opinião Pública” que os jornalistas precisavam procurar no método científico (positivismo – funcionalismo) os procedimentos profissionais para superar a subjetividade. Teoria do Espelho ou Visão Funcionalista do Jornalismo • Os procedimentos que supostamente garantem a imparcialidade jornalística e nutrem a Teoria do Espelho: • (a) o jornalista deve simplesmente relatar os fatos sem juízos de valor; • (b) separação entre informação, interpretação e opinião (Erbolato); • (c) ouvir os dois lados; • (d) preferencialmente, estar presente ao fato para ter um relato mais fiel da realidade; • (e) o poder das imagens na transmissão do real; • (f) tratar as fontes sempre com desconfiança, pois têm interesses. Teoria do Espelho ou Visão Funcionalista do Jornalismo • As escolas de jornalismo, de certa forma, ainda alimentam o mito da objetividade jornalística. As empresas jornalísticas em seus manuais explicam os procedimentos adequados para garantir a imparcialidade jornalística. Enfim, o modelo norte-americano ainda é praticado e hegemônico. Críticas à Teoria do Espelho: é uma explicação pobre e insuficiente • (a) o funcionalismo erra ao pregar a imparcialidade do cientista, • (b) os jornalistas não são observadores neutros da realidade, • (c) os procedimentos garantem uma aproximação com o real, mas há sempre uma nova construção do real, • (d) não há distinção tão nítida entre informação, interpretação e opinião. A escolha do que informar já traz subjetividade; • (e) os veículos jornalísticos são empresas que visam ao lucro e priorizam as notícias que são de seu interesse; • (f) o jornalista é carregado por suas visões de mundo, preconceitos e subjetividade; • (g) há outros fatores que interferem como as rotinas de produção, os recursos disponíveis; • (h) mesmo presente no fato, o jornalista só é capaz de captar fragmentos do real que será reconstruído, mesmo se tiver imagem. A teoria da Ação Pessoal ou a Teoria do Gatekeeper • A primeira teoria que surgiu foi a teoria do gatekeeper nos anos 50 por David Manning White, que foi o primeiro a aplicar o conceito ao jornalismo – uma das mais tradicionais teorias. O termo gatekeeper refere-se à pessoa que toma uma decisão numa sequência de decisões; foi introduzido pelo psicólogo social Kurt Lewin num artigo de 1948 sobre as decisões domésticas relativas à aquisição de alimentos para casa. A teoria da Ação Pessoal ou a Teoria do Gatekeeper • Na teoria, o processo de produção da informação é concebido como uma série de escolhas onde o fluxo de notícias tem de passar por diversos Gates, isto é, portões, que não são mais do que áreas de decisão em relação às quais o jornalista, isto é, o gatekeeper, tem de decidir se vai escolher esta notícia ou não. Se a decisão for positiva, a notícia acaba por passar pelo portão; se for negativa, não será publicada. A teoria da Ação Pessoal ou a Teoria do Gatekeeper • Em 1950, o clássico estudo de David White baseia-se numa pesquisa sobre a atividade de um jornalista de meia-idade num jornal médio norte-americano. Mr. Gates, que anotou durante uma semana os motivos que o levaram a rejeitar as notícias que não usou. Concluiu que o processo de seleção é subjetivo e arbitrário. As decisões dos jornalistas eram altamente subjetivas e dependentes de juízos de valor baseadas no conjunto de experiências, atitudes e expectativas do gatekeeper. As notícias são explicadas como um produto de pessoas e das suas intenções. A teoria da Ação Pessoal ou a Teoria do Gatekeeper • A teoria do gatekeeper analisa as notícias apenas a partir de quem as produz: o jornalista. É uma abordagem microssociológica, ao nível do indivíduo, ignorando os fatores macrossociológicos. Situa-se no jornalista e não na organização. Portanto, é uma visão limitada do processo de produção das notícias. A Teoria Organizacional • Na revista Forças Sociais, Warren Breed publicou o primeiro estudo que avançou na teoria organizacional. Amplia do nível individual para a organização jornalística. O artigo “Controle social da redação: uma análise funcional” insere o jornalista no contexto da organização que trabalha. Breed sublinha a importância dos constrangimentos organizacionais sobre a atividade profissional do jornalista. Ele considera que o jornalista se conforma mais com as normaseditoriais da política editorial da organização do que com quaisquer crenças pessoais que ele tivesse trazido consigo. O jornalista é socializado na política editorial da organização, por meio de uma sucessão sutil de recompensa e punição. A Teoria Organizacional • Breed identifica seis fatores que promovem o conformismo com a política editorial da organização: • (1) a autoridade institucional e as sanções – a chefia tem o poder de decidir quem irá fazer a cobertura dos acontecimentos. Outros tipos de punição, como a alteração dos textos, a inserção de textos, a assinatura ou não dos textos; • (2) os sentimentos de obrigação e de estima para com os superiores – podem ser criados laços de amizade com o tempo. O jornalista pode sentir respeito, admiração para com jornalistas mais experientes que o tenham ensinado; • (3) Aspirações de mobilidade – lutar contra a política editorial do jornal era uma grande obstáculo para a carreira na empresa; • (4) a ausência de grupos de lealdade e em conflito - o local de trabalho é relativamente pacífico em que as organizações sindicais não têm interferido nos assuntos internos; • (5) o prazer da atividade – os jornalistas gostam do seu trabalho, as tarefas são interessantes e existe um ambiente de cooperação na sala de redação; • (6) As notícias como um valor – as notícias são um desafio constante. O jornalista investe em produzir boas matérias. A Teoria Organizacional • O autor aponta, no entanto, cinto fatores dentro da área de influência do jornalista que o ajudam a iludir o controle da empresa: • (1) as normas editoriais nem sempre são completamente claras, uma vez que são vagas e abrem brechas; • (2) os diretores podem ignorar certos fatos específicos, e os jornalistas-empregados, que fazem a apuração, podem utilizar os melhores conhecimentos na subversão da política editorial; • (3) além da tática da pressão, explorando a ignorância dos executivos de certos fatos minúsculos, os jornalistas podem utilizar a tática da prova forjada (o jornalista pode publicar a notícia num outro jornal através de um jornalista amigo, obrigando a sua empresa a também publicar para não sofrer furo), • (4) em relação a certos tipos de estórias, o jornalista tem maior autonomia, como no beat story (setor habitual) e em estórias iniciadas pelos próprios jornalistas. A Teoria Organizacional • A conclusão de Breed é que a linha editorial geralmente é seguida porque a fonte de recompensas do jornalista não é o público, mas muito mais entre seus colegas e superiores. Teorias da Ação Política • Nas teorias da ação política, as mídias noticiosas são vistas de uma forma instrumental, isto é, servem objetivamente a certos interesses políticos: na versão de esquerda, são vistos como instrumentos de manutenção do sistema capitalista; Teorias da Ação Política • Na versão de direita, existe uma nova classe de burocratas e intelectuais que atuam dentro dos veículos para difundir ideais contrários ao capitalismo. • Pesquisas apontam que geralmente os jornalistas têm visões mais à esquerda do que as suas empresas. Ex: no Brasil, nos anos 90, pesquisas apontavam que jornalistas da Rede Globo, em sua boa parte, eram simpatizantes de partidos de esquerda, como o PT. • A teoria atribui aos jornalistas um papel ativo – Robert Hackett destaca: (a) os jornalistas têm o controle pessoal sobre o produto jornalístico; (b) os jornalistas estão dispostos a injetar as suas preferências políticas no conteúdo jornalístico; (c) os jornalistas como indivíduos têm valores políticos coerentes, a longo prazo, estáveis. Teorias da Ação Política • Na versão de esquerda, o papel dos jornalistas é pouco relevante, quase invisível, frente ao poder do capitalismo e do poder da organização. • Herman e Chomsky argumentam que o conteúdo das notícias não é determinado ao nível interior (no âmbito dos valores e preconceitos dos jornalistas), nem ao nível interno (referente à organização), mas ao nível externo, ao nível macroeconômico capitalista. Relação direta entre o resultado do processo noticioso e a estrutura econômica da empresa jornalística. • Os autores defendem a posição de que os mídias reforçam os pontos de vista do establishment (o poder instituído), devido ao poder dos grandes meios de comunicação e dos anunciantes (conglomerados). Os autores destacam os seguintes pontos: (a) o papel determinante dos proprietários dos mídia e a ligação estreita entre a classe capitalista, as elites dirigentes e os produtores midiáticos; (b) a existência de um acordo entre personalidades da classe dominante e produtores midiáticos; (c) a total concordância entre o produto jornalístico e os interesses dos proprietários e das elites. Teorias da Ação Política • Para Herman e Chomsky, cinco fatores explicam a submissão do jornalismo aos interesses do sistema capitalista: (1) a estrutura da propriedade dos mídias; (2) a sua natureza capitalista e mercadológica; (3) a dependência dos jornalistas de fontes governamentais e fontes do mundo empresarial; (4) as ações punitivas dos poderosos; (5) a ideologia anticomunista dominante principalmente em países como os Estados Unidos. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Peter Berger e Thomas Luckmann (1985), no livro “A construção social da realidade”, partem da Sociologia do Conhecimento, para discutir como não existe uma realidade dada, mas que esta realidade é construída socialmente a partir da atuação das diferentes instituições e atores sociais. Apesar de não discutirem a mídia, torna-se crucial para entender a mudança de paradigma no campo das Teorias da Comunicação e do Jornalismo, pois os autores apontam que é por meio da linguagem que os homens constroem a realidade, seja ratificando a ordem existente num viés conservador, seja alterando-a a partir de uma ação coletiva. • Hoje, como a mídia passa a ocupar um espaço de centralidade, além de se tornar cada vez mais presente no cotidiano dos indivíduos, em função do processo de midiatização (aparatos tecnológicos e culturais que permeiam a vida do indivíduo por intermédio das mídias digitais), entende-se que a construção social da realidade se dá, principalmente, na arena midiática em seus múltiplos espaços. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Homem como ser social e político e sua plasticidade de adaptação aos ambientes: ao falarem da relação entre o homem e a natureza, Berger e Luckmann (1985) salientam que o homem ocupa uma posição diferenciada em relação aos outros animais. Ele não encontra um meio ambiente estruturado para si, em função de sua condição biológica. Dada a grande plasticidade do organismo humano, o homem consegue superar os seus limites fisiológicos. Ao contrário de outros animais, o que caracteriza o homem é a sua abertura para o mundo. Isso explica a diversidade cultural existente. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Quanto à natureza humana, os autores não concordam que exista uma natureza pré-existente (o homem nasceu mau ou bom), mas que isso é construído socialmente via processos de socialização nas interações sociais. • Ordem social objetiva existente – Realidade Objetiva - as ações se repetem com o tempo, tornando-se hábitos e a reprodução desses constitui uma economia de esforço para o indivíduo e para o grupo, que assim não tem que “inventar a roda” toda a vez que necessitar realizar tal tarefa. A partir desse momento, onde se passa a ter a tipificação tanto da atividade, quanto de quem realiza e que se origina a institucionalização. “O que deve ser acentuado é a reciprocidadedas tipificações institucionais e o caráter típico não somente das ações, mas também dos atores nas instituições”. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Hábitos: não se trata de um hábito qualquer que se torna típico, mas sim aqueles que são socialmente compartilhados por serem considerados relevantes para o grupo e que se consolidam ao longo da história da sociedade. Portanto, as instituições implicam sempre historicidade e controle. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • O mundo institucional é vivido pelo indivíduo como um dado inegável, pois aquele que o antecede, ou seja, as instituições não têm uma dimensão biográfica, mas sim uma tradição, que é experimentada pelo indivíduo como uma realidade objetiva, que persistirá mesmo quando o indivíduo deixar de existir. • Ex: a luta contra o racismo passou por ações de contestação que se repetiram e tornaram hábitos, foram tipificados e então institucionalizados (lei contra o racismo e injúria racial). Código de Defesa do Consumidor, mudanças na posição da mulher, do público LGBGT, ações ambientais etc. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Realidade objetiva é uma construção social coletiva: os autores chamam a atenção, no entanto, para o fato de que a objetividade do mundo institucional não se dá sem a participação dos indivíduos. Ela é construção humana. Há uma relação dialética do homem com o mundo social: ele é produto (encontra um mundo pronto, mas é produtor porque pode alterar este mundo). • Três pressupostos básicos: (a) a sociedade é um produto humano; (b) a sociedade é uma realidade objetiva; (c) o homem é um produto social. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Processo de Legitimação da Ordem Social: se no momento da tipificação dos hábitos houve a necessidade do consenso grupal para que a mesma fosse estabelecida, o mesmo se dá com a instituição por meio do mecanismo da legitimação. São, na verdade, formas de explicação e justificação sustentadas por valores e crenças, de modo a tornar a institucionalização objetivamente acessível e subjetivamente plausível. • Características: (a) a lógica das instituições – a busca de coerência que está enraizada na própria ação humana. Mas a lógica também é produção humana e nem sempre ela existe; (b) linguagem – é o principal instrumento que possibilita a elaboração de “universos de significação socialmente compartilhados”, (c) regras de conduta e controle – receitas, prescrições do que é institucionalmente adequado, (d) sanções – punições para os desviantes da ordem institucional, quando estes não interiorizam as regras sociais. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Níveis de legitimação: • 1º nível – objetivações linguísticas. Ex: É assim que se faz as coisas. (pré-teóricas) • 2º nível – proposições teóricas em forma rudimentar. Esquemas explicativos de caráter pragmático. Ex: provérbios, as máximas morais, lendas e histórias populares. • 3º nível – legitimação por via de especialistas. Ex: ciência. • 4º nível – os universos simbólicos. • Universos simbólicos: no caso dos universos simbólicos, eles integram de forma diferente as áreas de significação e alcançam a ordem institucional em uma totalidade simbólica. Neste nível ocorre uma integração que tem sentido, dentro de um quadro de referência global. Dessa forma, o indivíduo pode localizar-se no domínio da vida social, pois nele está contido uma teoria geral do cosmo e uma teoria geral do Homem. • O universo simbólico oferece a ordem para apreensão subjetiva da experiência biográfica, ordenando e por isso mesmo legitimando os papéis cotidianos. A seguir, algumas funções legitimadoras do universo simbólico: (a) permite ordenar as diferentes fases da biografia, onde o indivíduo sente que está cumprindo “a natureza das coisas” ou que está vivendo “corretamente”, (b) permite ao indivíduo se sentir seguro de que “realmente é o que considera ser”, (c) permite uma “localização da morte”, (d) tem o papel de categorizar os fenômenos dentro de uma hierarquia do ser, (e) ordena a história estabelecendo uma ligação entre passado, presente e futuro e também vinculando os homens com seus antepassados e sua descendência numa totalidade dotada de sentido, (f) fornece uma integração unificadora de todos os processos institucionais separados, ou seja, a sociedade ganha sentido. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Tipificação: constata-se que a origem da institucionalização consiste na tipificação das ações, das formas de ação, bem como dos atores. Isto implica não só o reconhecimento de um ator em particular, mas da sua própria ação como sendo possível a qualquer outro indivíduo que se habilite a fazer tal ação, ou seja, dentro de um dado contexto plausível, garantido por um sentido objetivo, o que se espera de um ator. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade O sujeito se objetiva em tipificações socialmente compartilhadas, mas isto não significa que, necessariamente, torna-se tipificado. Isto é possível, porque depois de ocorrer a ação ele reflete sobre a mesma. Sendo assim, parte do eu se reconhece como executante da ação, enquanto outra não. É esta distância da ação socialmente objetivada que lhe permite refletir sobre seu comportamento. A partir deste distanciamento que é possível conservar a ação na consciência e projeta-la para ações futuras e desta forma não se concebe indivíduos únicos, mas sim tipos. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Papéis sociais: a partir da tipificação, criam-se os papéis sociais. A conduta institucionalizada através de papéis possui um caráter controlador e os papéis representam a ordem institucional em dois níveis: (a) representam a si mesma, (b) representam uma necessidade institucional de conduta. Relação de reciprocidade entre os papéis e a ordem social. Papéis sociais representam a ordem institucional (garante a legitimidade e evitam conflitos) – por isso são chamados de papéis estratégicos (agir conforme as regras da instituição). Os papéis têm a ver com a divisão social do conhecimento, porque devido à divisão do trabalho vão surgindo na sociedade a necessidade de um maior conhecimento específico ao invés de um conhecimento generalizado. Ex: os especialistas – a divisão de papéis no campo do jornalismo, por exemplo. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Naturalização da ordem social ou reificação. Discute-se a naturalização da ordem social, ou seja, a ordem institucional sendo apresentada como uma facticidade não humana, como um dado da natureza, sendo resultado de leis cósmicas ou manifestações de um ser superior. A este processo deram o nome de reificação. A reificação constitui-se num grau extremo de objetivação. Perde-se o sentido dialético da relação indivíduo e sociedade e mesmo assim o homem continua a produzir um mundo que lhe nega a autoria. “A receita fundamental para a reificação das instituições consiste em outorgar-lhes um status ontológico independente da atividade e das significações humanas (BERGER & LUCKMANN, 1998: 124). Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • O Processo Subjetivo de Socialização • O processo de interiorização se realiza pela “socialização”, que consiste num movimento de grandes dimensões e consistente que visa inserir o indivíduo no mundo objetivo de uma dadasociedade ou em determinado segmento dela. Este processo acontece em dois estágios diferenciados: a socialização primária e a socialização secundária. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Socialização primária: ocorre na infância do indivíduo, marca seu ingresso na vida social, sendo de maior importância para ele, porque não é uma aprendizagem unicamente pautada em processos cognitivos, mas ocorre num ambiente de elevada carga de emocionalidade. O que o indivíduo conhece como realidade objetiva nada mais é do que o conjunto de informações e definições que lhe são transmitidas pelos “outros significativos” (pai, mãe, irmãos, etc), com os quais ele se identifica. Os “outros” significativos é que estabelecem a mediação entre o mundo social objetivo e o indivíduo, fazendo uma “filtragem” da realidade a partir de sua própria localização social e de sua história pessoal. Pode-se dizer, baseado nisso, por exemplo, que a classe trabalhadora socializa os seus filhos de modo a reproduzirem-na. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • Ao observar as atitudes e os papéis dos “outros significativos, a criança também assume o mundo deles. A identidade é entendida pelos autores como sendo definida a partir da localização em um certo mundo e só podendo ser subjetivamente apropriado juntamente com este mundo. Ou seja, as identificações acontecem dentro de um horizonte que implica um mundo social específico. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • No processo da socialização primária, não há escolha de “outros significativos”. Eles são impostos à criança, de modo que a ela só cabe se identificar com aquele elenco de pessoas que lhe é definida, antecipadamente. Sem poder optar por outro arranjo, a criança, além de se identificar com esses “outros significativos” também interioriza a realidade particular deles de forma inevitável. Ela, a criança, não tem condições de distinguir dentre tantos mundos possíveis. Ela interioriza o mundo que lhe é apresentado como sendo o único existente e concebível. • A conclusão da socialização primária se dá quando o conceito de “outro generalizado” se estabelece na consciência do indivíduo. A partir disto, ele torna-se um membro efetivo da sociedade, tendo, subjetivamente, uma personalidade e um mundo. Perspectiva construcionista – o jornalismo como uma construção social da realidade • É na socialização primária que o indivíduo se apropria de um sentimento de pertencimento e de identificação com o seu meio e grupo de referência e com tudo que ele representa no tocante a valores, regras morais e sentidos. Mas esta interiorização da realidade, da identidade e da sociedade não está acabada definitivamente. O processo de socialização é contínuo e parcial. Perspectiva construcionista • Socialização secundária: é o processo que irá prolongar-se por toda a vida do indivíduo a partir da noção interiorizada de “outro generalizado”. É a interiorização de “submundos” institucionais ou baseados em instituições. Estes “submundos” são produzidos a partir da complexidade crescente da divisão do trabalho e a consequente distribuição social do conhecimento, diretamente proporcional à crescente necessidade de especialista. “A socialização secundária é a aquisição de conhecimento de funções especificas, funções diretamente ou indiretamente com raízes na divisão do trabalho” (BERGER & LUCKMANN, 1998: 185). • Na socialização secundária, os “submundos” são interiorizados como realidades parciais. Os conteúdos da socialização secundária são aqueles da ordem institucional e são assim transmitidos como um corpo de conhecimento. Os outros aqui são percebidos não como significativos, mas como pessoas que ocupam determinadas posições num contexto ampliado, que é o institucional. Desta forma, os sujeitos não apresentam grau elevado de identificação como ocorria na socialização primária, nem o apego emocional e interiorização como cognitivos, razão pela qual são maias facilmente descartáveis e substituídos. Perspectiva construcionista • Conservação da ordem social: a conservação da realidade acontece de dois modos diferentes: pela conservação rotineira, para manter a realidade interiorizada na vida cotidiana e pela conservação crítica, para manter a realidade em situações de crise. Do mesmo modo que a realidade é interiorizada por um processo social, também é mantida na consciência por processos sociais. • O processo de conservação possibilita a clara diferenciação entre os “outros significativos” (da socialização primária) e os outros menos importantes (das socializações secundárias). É importante salientar, no entanto, que seria errôneo considerar que somente os “outros significativos” sejam os principais responsáveis pela conservação da realidade subjetiva do indivíduo. Os outros menos importantes auxiliam nesta tarefa como uma espécie de coro. A relação entre os “outros significativos” e esse “coro” é dialética, implicando em dizer que a conservação e a confirmação da realidade ocorre na totalidade da situação social do indivíduo. O veículo fundamental a conservação da realidade é a conversa. Perspectiva construcionista • Transformação da ordem social: a realidade subjetiva, no entanto, não é estática e reificada. Tudo o que foi dito sobre socialização implica a possibilidade de transformação da realidade subjetiva. Levando-se em conta que a realidade subjetiva nunca é totalmente socializada, ela não pode ser transformada por processos sociais. No entanto, casos existem de transformação que parecem totais, chamadas de alternações. O exemplo típico desse processo é a conversão religiosa. Perspectiva construcionista • A alternação exige que o indivíduo seja submetido a um processo de re-socialização que, no caso, terá uma estrutura similar à socialização primária, no que diz respeito à atribuição radical de “tons” à realidade e de reproduzir uma identificação efetiva com o pessoal socializante. A re-socialização é diferente da socialização primária, porque ocorre num período em que já houve uma estruturação subjetiva da realidade prévia. Cabe a ela desmantelar e desintegrar essa estrutura. • A alternação implica assim num re-arranjo do aparelho de conversa. Serão outros os participantes significativos da mesma. E nesta conversa que a realidade subjetiva é transformada. A exigência principal é que haja disponível um aparelho legitimador que complete a transformação – cabe a ele, fundamentalmente, reinterpretar a velha realidade.
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