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Esses elementos dão sustentação à posição defendida pelo Governo brasileiro de que a HPP é uma via natural navegável que sempre existiu e que o sistema Paraguai-Paraná apresenta, no Brasil, condições naturais de navegação suficientes para o trânsito de embarcações adaptáveis ao rio. Posteriormente, são analisadas as condicionantes ambientais de natureza legal e judicial que levaram à realização de estudos complementares de viabilidade, bem como suas conseqüências para o andamento da execução do projeto HPP. No último capítulo, partindo-se da constatação de que a HPP já existe como via natural navegável e é uma realidade para os cinco países, não havendo, portanto, espaço para retrocessos nesse sentido, 27INTRODUÇÃO contemplam-se dois cenários futuros possíveis: (a) o de que o projeto se encaminhe para o objetivo de atingir a capacidade máxima de transporte na Hidrovia por meio da realização de obras de engenharia; e (b) o de que prevaleçam as obras/serviços de manutenção na maioria dos trechos, sobretudo o brasileiro, com o objetivo de promover a utilização racional e ordenada da navegação fluvial, em proveito dos cinco países e do projeto de integração, procurando-se o equilíbrio entre a melhor utilização do potencial de navegação e o menor impacto ambiental. O trabalho sustenta o ponto de vista de que o projeto se encaminha para o segundo cenário, considerando-se os seguintes fatores: as condicionantes impostas pela posição brasileira, cuja margem de flexibilidade em relação aos aspectos ambientais é bastante limitada; a reduzida capacidade dos países envolvidos de financiar eventuais obras em seus respectivos territórios, ainda que só de manutenção; o fato de que, dada a natureza dinâmica dos rios, os resultados dos estudos técnicos podem perder parte de sua validade no longo prazo; as probabilidades de interconectar a HPP com outros modos de transporte dentro do Brasil e no âmbito da IIRSA e de alcançar acordo sobre gestão unificada que permita facilitar e dinamizar a navegação pela Hidrovia. O ponto de inflexão das negociações e da evolução do projeto deu-se a partir da entrega dos resultados dos estudos técnicos complementares, em junho de 2004. Nesta etapa de transição para a fase de execução das obras, a posição que o Brasil vier a assumir poderá ser decisiva na determinação dos rumos da iniciativa, ao envolver a tomada de decisão sobre a alternativa técnico-financeira a ser adotada e discussões relativas a possíveis modos de administração conjunta da HPP. O capítulo final contempla, portanto, ensaio das perspectivas à luz das posições brasileira e argentina, e da definição das questões pendentes, cunhadas como “grandes temas”, que apontam para as seguintes possibilidades de evolução do projeto: (a) a de que haja consenso sobre os “grandes temas”, que muito provavelmente levará à assinatura de Acordo de Alcance Parcial (AAP), tendo como “agência executora” o Comitê Intergovernamental Coordenador dos Países da Bacia do Prata (CIC), e à execução integral do projeto, tal como idealizado e acordado no âmbito do Comitê Intergovernamental da Hidrovia Paraguai-Paraná (CIH); (b) a de que haja consenso sobre os “grandes temas”, que leve à assinatura de acordo multilateral que serviria de enquadramento para a execução das obras por meio dos acordos bilaterais existentes, a custos menos elevados; (c) a de que não haja consenso sobre os “grandes temas” e leve a Argentina a lançar mão dos mecanismos bilaterais existentes com os países menores para garantir a execução das obras de melhoramento, no curto prazo, o que comprometeria os esforços empreendidos até o momento para imprimir enfoque global e sustentável à iniciativa, como instrumento de integração; e (d) a de que não haja consenso e leve à paralisia do curso de ação para a execução de futuras obras na Hidrovia, dando- se continuidade apenas às intervenções de manutenção, no curto e médio prazos. Em suma, ao focalizar o tema da Hidrovia Paraguai-Paraná, esta monografia busca analisar a evolução, as perspectivas e o significado desse projeto para o Brasil e sua política de integração no Mercosul e na América do Sul. ELIANA ZUGAIB28 CAPÍTULO I A VISÃO ESTRATÉGICA DA INFRA-ESTRUTURA FÍSICA DA AMÉRICA DO SUL A VISÃO ESTRATÉGICA DA INFRA-ESTRUTURA FÍSICA DA AMÉRICA DO SUL As tentativas de promover a transformação das fronteiras de separação em fronteiras de cooperação e união, na América do Sul, que assentam raízes na diplomacia inaugurada por Rio Branco, encontram expressão máxima no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A liderança exercida na condução dos processos de revitalização do Mercosul e de sua associação com a Comunidade Andina das Nações (CAN)7, núcleo da emergente Comunidade Sul-Americana de Nações8, cuja ata de fundação priorizou a integração física continental, imprime sentido prático e realista ao que se insinua ser “el único porvenir común posible”9 para os países da região. 7 A associação MERCOSUL/CAN representará mercado de 350 milhões de habitantes, o quinto em nível mundial. Os países signatários do acordo de associação comprometeram-se a criar condições para que, no curto prazo, em 2007, sejam liberados 90% do comércio com os países da região e, no prazo de 15 anos, a desgravação seja total, com o que todo produto sul-americano circulará sem travas pelo novo espaço geográfico que se cria. (Cf. BIELSA, Rafael. Nuestro Destino Sudamericano. Clarín, Buenos Aires, 08 dic. 2004. Sección Opinión, p. 33.) 8 O novo espaço que se inaugura com a fundação da emergente Comunidade Sul- Americana de Nações, conta com 360 milhões de habitantes e 17 milhões de km² de superfície, correspondentes a 85% do total da América Latina e do Caribe e 45% de toda a América. (Cf. NIEBIESKIKWIAT, Natasha. Doce Países lanzan en Cusco la Comunidad Sudamericana. Clarín, Buenos Aires, p. 20, 08 dic. 2004.). 9 Bielsa, op. cit., p. 33. ELIANA ZUGAIB32 Em reunião do Grupo do Rio, ocorrida nos dias 04 e 05 de novembro de 2004, no Rio de Janeiro, o governo brasileiro envidou esforços no intuito de se colocar como liderança regional, ampliando sua visibilidade internacional. Embora o objetivo de construir a integração sul-americana tenha sido constante na ação externa brasileira, foi retomado com maior assertividade. Nesse âmbito, o Brasil reafirma seu propósito de se aproximar da América do Sul, e liderá-la, em busca de solução para problemas comuns da região10. A III Reunião de Presidentes Sul-Americanos, realizada em Cusco, Peru, nos dias 08 e 09 de dezembro de 2004, engendrou a transposição do antigo ideal de integração continental do plano teórico para o plano da ação. A nova geopolítica da América do Sul, que começou a delinear-se há quatro anos, em Brasília, assumiu forma concreta transcorridos menos de dois anos do atual governo. Ponto de convergência entre o discurso e a prática, o mais categórico dos imperativos, o geográfico, é agora colocado a serviço da solução dos problemas regionais, por meio do aproveitamento dos recursos naturais da própria região e de sua incorporação à corrente de comércio internacional. A materialização do novo espaço geoeconômico continental pôde ser vislumbrada a partir da Reunião de Cúpula de Cusco, em que se assumiu o compromisso de dar impulso à implementação de 31 projetos de infra-estrutura física contemplados na IIRSA. Um dos três únicos eixos longitudinais (ANEXO – Figura 1) que compõem a estratégia de integração física da região, a HPP atravessa o coração do continente, vertebra o Mercosul e é elo de conexão com as Bacias dos rios Amazonas e Orinoco, o que lhe confere importância como um dos instrumentos de consecução da prioridade externa do governo Lula. 10 ONUKI, Janina. O Brasil, a América do Sul e o Mundo. In: Colunas de RelNet. n. 10, mês 7-12, ano 2004. Disponível em <www.relnet.com.br>. Acesso em 10