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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/281346919 Apostila de Nefrologia UFPR Research · August 2015 CITATIONS 0 READS 2,744 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Doutorado em Clínica Cirúrgica View project Campbell-Walsh Urology View project Frederico Ramalho Romero Universidade Federal do Paraná 117 PUBLICATIONS 1,093 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Frederico Ramalho Romero on 30 August 2015. The user has requested enhancement of the downloaded file. NEFROLOGIA - 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Nefrologia Avaliação clínica e laboratorial da função renal Introdução O diagnóstico de uma enfermidade do aparelho urinário depende de informações obtidas a partir de dados subjetivos fornecidos pelo paciente a partir da anamnese e de dados objetivos obtidos pelo médico através do exame físico e dos exames laboratoriais. Dados subjetivos Alterações na micção Uma pessoa normal urina a cada 4 a 6 horas durante o dia e normalmente não urina à noite. Entre as alterações miccionais mais importantes, destacamos: Polaciúria Aumento da freqüência miccional, eliminando-se pequeno volume de urina. Urgência miccional Necessidade imperiosa de urinar. Urência Traduz dor em queimação à micção. Geralmente está acompanhada de polaciúria e urgência miccional e é secundária a processos inflamatórios da bexiga, próstata ou uretra. Nictúria Predomínio noturno da diurese. Diabetes mellitus; Hipertrofia prostática benigna; Infecção do trato urinário; Insuficiência cardíaca congestiva; Insuficiência renal crônica. Incontinência urinária De esforço Defecando, tossindo ou levantando peso; Paradoxal É a perda involuntária de urina por extravasamento, devido a retenção urinária crônica. Hipertrofia prostática benigna Bexiga neurogênica. NEFROLOGIA - 2 Alterações do volume urinário O volume urinário diário, no adulto, varia usualmente entre 700 e 2.000 ml. Toda vez que a diurese nas 24 horas é inferior a 400 ml nós podemos afirmar que há um comprometimento funcional ou orgânico do rim. Por outro lado, uma diurese normal não indica, de maneira alguma, uma função renal normal e integridade orgânica do rim. Oligúria Volume urinário inferior ou igual a 400 ml/dia. Estados hipovolêmicos; Insuficiência cardíaca congestiva; Cirrose hepática; Lesão glomerular Glomerulonefrite difusa aguda Necrose cortical bilateral; Lesão tubular Necrose tubular; Lesão obstrutiva. Poliúria Volume urinário igual ou superior a 2.500 ml/dia. Polidipsia psicogênica; Diabetes Mellitus Insipidus Síndrome caracterizada por poliúria importante devido a uma insuficiência do sistema neuro-hipofisário em produzir ou liberar hormônio antidiurético (ADH) Insipidus nefrogênica Falta de resposta dos túbulos renais ao ADH circulante; Insuficiência renal crônica; Anemia falciforme. Anúria Volume urinário igual ou inferior a 100 ml/dia. Obstrução do trato urinário; Trombose das artérias renais; Insuficiência renal aguda grave; Necrose cortical do rim. NEFROLOGIA - 3 Alterações na coloração da urina A coloração normal da urina pode variar desde um amarelo-claro, quando diluída, até um amarelo-escuro, quando concentrada. Quando o paciente não está tomando drogas e quando não pode ser atribuída aos alimentos ingeridos, uma alteração na coloração da urina é indício de uma enfermidade, que se traduz pela presença de certos pigmentos na urina. Urina turva Piúria Bactérias e leucócitos; Sais de fosfato amorfo em urina alcalina É normal e pode ser diferenciada da piúria com a acidificação da urina, que determina o clareamento da turvação determinada pela fosfatúria. Hematúria Macroscópica; Microscópica Não causa alteração da coloração da urina e só é detectada ao microscópio; Inicial ou final Geralmente associadas a doença do trato urinário baixo; Durante toda a micção Rim, ureter e bexiga. Hemoglobinúria Hemólise intravascular. Mioglobinúria Necrose ou queimaduras extensas. Bilirrubinúria Afecções hepatobiliares Coloração amarelo-esverdeada. Dor renal Situa-se no flanco ou na região lombar e, às vezes, pode irradiar-se anteriormente. Origina-se a partir de distensão da cápsula renal, quando há obstrução do fluxo urinário (litíase renal) ou em condições que causam edema do parênquima renal (pielonefrite aguda). Uma irritação da pélvis renal ou do ureter causa dor em flanco e hipocôndrio, com irradiação para a fossa ilíaca do mesmo lado e freqüentemente para o testículo ou lábio genital. NEFROLOGIA - 4 Edema Qualquer que seja a causa do edema, ele implica um excesso de água e sal, o que causa um aumento do componente extravascular do volume extracelular. O edema é geralmente percebido nas extremidades inferiores mas isto se deve simplesmente a ação da gravidade pois no paciente em decúbito dorsal ele é facilmente percebido em outros sítios. Glomerulonefrite aguda Síndrome nefrótica Insuficiência renal aguda Insuficiência renal crônica Na prática, pode-se caracterizar dois tipos de edema renal: 1. Generalizado Anasarca Síndrome nefrótica Glomerulonefrite aguda Insuficiência renal aguda Atinge predominantemente o rosto Insuficiência renal crônica 2. Localizado Inflamação Queimaduras Obstrução venosa Obstrução linfática Angioedema História mórbida pregressa Hipertensão arterial A época da detecção da hipertensão arterial é importante na formulação da patogenia da nefropatia. Se a hipertensão já existia, é possível que ela tenha lesado o parênquima renal com o decorrer do tempo, causando uma nefropatia crônica. Por outro lado, o seu aparecimento mais recente pode indicar ser ela a conseqüência de uma nefropatia crônica que se tenha instalado lenta e progressivamente. Diabetes mellitus Trinta a cinqüenta porcento dos diabéticos insulino-dependentes e 10 a 15% dos diabéticos não insulino- dependentes vão apresentar nefropatia diabética, com um pico de incidência entre os 14 e os 16 anos de duração do diabetes. Colagenoses Lupus Eritematoso Sistêmico Esclerodermia Poliartrite nodosa NEFROLOGIA - 5 Hipercalcemias e hiperuricemias Podem levar a precipitação de cristais no parênquima renal ou no lume tubular, causando litíase renal ou nefrite intersticial. Infecções Estreptococos -hemolíticos Infecções de orofaringe ou da pele causadas por estes agentes podem ter como complicação o desenvolvimento de glomerulonefrite aguda. Traumatismo ou cirurgia prévia Procedência do paciente História mórbida familiar Síndrome de Alport Rim em esponja Rim policístico Dados objetivos H álito do paciente Odor amoniacal ou de peixe Pele e unhas Aproximadamente 10% dos paciente portadores de insuficiência renal crônica apresentam unhas cuja metade proximal é pálida e cuja metade distal é rósea (“half and half nails of Lindsey”). Pressão arterial Pacientes urêmicos ou diabéticos muitas vezes apresentam queda ortostática da pressão arterial (naausência de drogas) devido a um comprometimento do sistema nervoso autônomo. Fundo de olho Em nefrologia, o estudo do fundo de olho é especialmente importante por ser um exame que permite a avaliação da repercussão dinâmica da hipertensão arterial, tão comum em nefropatias crônicas. Reflexo dorsal da arteríola Normalmente, como a parede arteriolar é transparente, a incidência da luz sobre a coluna de sangue no seu interior resulta num reflexo de coloração amarelada. Quando ocorrem alterações escleróticas nas arteríolas, a incidência da luz sobre os lipídeos e o colesterol NEFROLOGIA - 6 infiltrados na suas paredes é responsável pela coloração de fio de cobre e reflete uma arteriosclerose moderada. Na arteriosclerose grave, com o agravamento da esclerose, o reflexo dorsal se parece com um fio de prata. Espasmo do vaso Corpos cistóides São manchas de coloração esbranquiçada com um tamanho cerca de 1 /5 do tamanho do disco papilar e que representam uma coleção de células gliais edemaciadas resultantes de um infarto isquêmico da artéria terminal na camada de fibras nervosas. Exsudatos duros Fração não-absorvida do soro após um edema de retina. Alterações nos cruzamentos arteriovenosos Edema de papila Manifesta-se pela perda da nitidez do contorno papilar e indica hipertensão arterial maligna. Aparelho cardiopulmonar Pulmão Derrame pleural Congestão pulmonar Atrito pleural Coração Pericardite urêmica Figura 1 - Comparação de uma fundoscopia normal (a direita) à uma fundoscopia evidenciando edema de papila (a esquerda) NEFROLOGIA - 7 Insuficiência aórtica funcional Decorrente do excesso de volume circulante que faz dilatar o anel aórtico. Exame dos rins Palpação O paciente é colocado em decúbito dorsal, com os joelhos levemente elevados. Coloca-se a mão posteriormente, debaixo do rebordo costal, e faz-se pressão para cima. A outra mão é colocada anteriormente, debaixo do rebordo costal na linha hemiclavicular. Com a inspiração, o rim se desloca para baixo, possibilitando a palpação. Tumores renais benignos Geralmente são pequenos demais para serem palpáveis; Tumor de Wilms Massa palpável em flanco; Rins policísticos São normalmente bilaterais e podem ser palpados a medida que os cistos aumentam; Obstrução urinária. Percussão Sinal de Giordano Percussão com a mão fechada sobre o ângulo costovertebral. Ausculta É útil na verificação de sopros abdominais na estenose da artéria renal. Exames laboratoriais pH O pH normal varia de 4,5 a 7,8. Contudo, o pH não identifica nem exclui doença renal. A urina alcalina (pH > 7) pode sugerir infecção por organismos que desdobram a uréia, mas também ocorre por contaminação de urina guardada por muito tempo, pela dieta vegetariana, diuréticos, vômitos, sucção gástrica e terapia com substâncias alcalinas. Uma maior ingestão de carne produz urina ácida devido a maior formação de uréia. Bilirrubina e urobilinogênio Estase leucocitária e nitritos A pesquisa de infecção urinária através do screening com o uso de fitas reativas é realizada através da detecção de granulócitos urinários que sofreram lise e da pesquisa de nitrito na urina. NEFROLOGIA - 8 A esterase liberada pelos granulócitos reage com sais da fita resultando numa cor rosa ou roxa. Falso-positivos ocorrem quando há contaminação vaginal, e a reação pode ser inibida na presença de excesso de glicose, albumina, ácido ascórbico, tetraciclina, cefalexina, cefalotina ou ácido oxálico. Os nitritos são formados a partir da conversão de nitratos pelas bactérias da urina e reage com a fita resultando numa cor rosa. Resultados falso-negativos ocor- em quando a urina é armazenada por muito tempo e na presença de infecção por bactérias Streptococcus faecalis, Neisseria gonorrheae e Mycobacterium tuberculosis. Glicose Como o limiar renal de glicose é de 160 a 180 mg/dl, a presença de glicose na urina geralmente indica glicemia acima de 210 mg/dl. Corpos cetônicos Acetoacetato e acetona podem aparecer na urina em jejum prolongado e na presença de cetoacidose alcoólica ou diabética. Hemoglobina e mioglobina Densidade urinária A densidade urinária avalia a concentração de solutos na urina e normalmente varia de 1,003 a 1,030. Proteinúria Diariamente, menos de 150 mg de proteína são excretadas na urina, das quais a maior parte é composta por uma mucoproteína de alto peso molecular (Tamm-Horsfall) e o restante é composto por globulinas e muito pouca albumina. As proteínas que são filtradas pelos glomérulos, especialmente aquelas de baixo peso molecular, geralmente são absorvidas no túbulo distal. As moléculas do mesmo tamanho ou maiores que a albumina plasmática (PM = 40.000) não atravessam o glomérulo normal. Entre os mecanismos propostos para se explicar a proteinúria destacam-se o aumento da filtração glomerular de proteínas, a diminuição na remoção da proteína filtrada e a adição de proteínas por ductos tubulares ou linfáticos renais. Todavia, a proteinúria nem sempre indica patologia. Cerca de 3 a 5% dos jovens sadios podem apresentar uma proteinúria discreta (< 1,0 g/dia) durante o dia que desaparece durante a noite (proteinúria postural). NEFROLOGIA - 9 Da mesma maneira, a proteinúria funcional refere-se a proteinúria que aparece com exercício físico, febre, exposição ao frio ou calor e, provavelmente, insuficiência cardíaca congestiva. Os melhores testes qualitativos para detectar proteinúria são o ácido acético associado ao calor, o ácido sulfossalicílico a 25% e as tiras de papel com tetrabromofenol azul. A determinação quantitativa pode ser feita através da avaliação da urina em 24 horas ou através da relação entre a quantidade de proteína e a quantidade de creatinina numa amostra de urina. Normalmente, a relação proteinúria/creatinina é menor que 0,1. Uma relação maior que 3,0 - 3,5 indica excreção proteica maior que 3,0 - 3,5 g/24 horas e uma relação menor que 0,2 indica menos de 0,2 g/24 horas. Sedimento urinário Normalmente, um pequeno número de células e outros elementos formados podem ser detectados na urina como, por exemplo: Células do sangue Eritrócitos Leucócitos Linfócitos Plasmócitos; Células do trato urinário Células tubulares renais Células transicionais ou escamosas da bexiga; Células estranhas Bactérias Fungos Parasitas Células neoplásicas; Cristais Oxalato Fosfatos Uratos Drogas. Na presença de uma enfermidade, o número desses elementos aumenta. Nas nefropatias, as células epiteliais degeneram e são excretadas em grande número, particularmente quanto há proteinúria intensa. NEFROLOGIA - 10 Os elementos do sedimento urinário de maior importância na distinção entre nefropatia primária e doenças do trato urinário baixo são os cilindros, que são massas alongadas (cilíndricas) e de material aglutinado formadas usualmente nas partes distais dos néfrons, onde a urina é concentrada. A desidratação e o aumento da concentração do líquido tubular favorece a formação de cilindros. Os cilindros podem ser classificados em cilindros simples (sem inclusões) e cilindros com inclusões. Dentre os cilindros simples nós temos o cilindro hialino, constituído pela mucoproteína de Tamm- Horsfall;o cilindro epitelial, formado de células epiteliais tubulares sem muita matriz proteica; o cilindro leucocitário, contendo leucócitos; o cilindro eritrocitário, contendo hemácias; o cilindro graxo, que é um cilindro hialino impregnado com gotículas de gordura; e outros. Figura 2 - Cilindro eritrocitário NEFROLOGIA - 11 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Nefrologia Sódio e água Introdução A diminuição ou o excesso de água e sódio ocorrem em uma grande variedade de circunstâncias clínicas. Teoricamente, os distúrbios no metabolismo da água e do sódio podem ser classificados em quatro categorias, refletindo o excesso ou o déficit de água e sódio, mas na prática, tais distúrbios raramente ocorrem isoladamente. O excesso de sódio geralmente resulta em edema, enquanto seu déficit quase sempre é acompanhado por depleção de água. Da mesma maneira, o excesso de água resulta em hiponatremia e a depleção de água relativa ou absoluta leva a hipernatremia. Metabolismo da água No adulto, a quantidade total de água equivale a cerca de 57% do seu peso corporal total. No recém-nascido, esse valor pode atingir 75%, mas ele diminui progressivamente desde o nascimento até a idade adulta, principalmente nos dez primeiros anos de vida. A obesidade pode diminuir a porcentagem de água do organismo até 45%. A regulação da água corporal é feita pelo centro da sede e pelo núcleo supra-óptico do hipotálamo. O centro da sede situa-se no hipotálamo lateral e estimula a ingestão de água quando há uma concentração excessiva dos eletrólitos no interior dos seus neurônios. Assim, qualquer fator passível de causar desidratação intracelular irá causar a sensação de sede. O núcleo supra-óptico controla a excreção renal de água através da secreção do hormônio antidiurético. Esse hormônio aumenta a permeabilidade à água na porção terminal dos túbulos distais e dos ductos coletores, determinando uma maior conservação de água pelos rins. A maior parte da nossa ingestão diária de água é feita por via oral, da qual cerca de dois terços encontra-se na forma de água pura ou de alguma bebida, enquanto o restante provém dos alimentos ingeridos. Uma pequena quantidade, equivalente a 150 - 250 ml por dia, também é sintetizada no organismo como conseqüência da oxidação dos alimentos. Do total de água ingerida, cerca de 70% é eliminado na urina, 4% no suor e 4% nas fezes. Os 22% restantes são eliminados por evaporação a partir do aparelho respiratório ou por difusão através da pele (perda insensível de água). Quanto a absorção, a água é totalmente transportada através da membrana intestinal pelo processo de difusão, obedecendo as leis gerais de osmose. Por conseguinte, quando o quimo (pasta a que se reduzem os alimentos pela digestão estomacal) está diluído, a água é absorvida por osmose através da mucosa intestinal. Por outro lado, a água também pode ser transportada na direção oposta, especialmente quando soluções hiperosmóticas são lançadas no duodeno pelo estômago. NEFROLOGIA - 12 Em geral, dentro de poucos minutos, quantidade suficiente de água é transferida por osmose para tornar o quimo isosmótico em relação ao plasma. Depois de absorvida, a água difunde-se para os diferentes compartimentos corporais. Do total de água presente no organismo, cerca de 60% situa-se no interior dos cerca de 75 trilhões de células existentes no corpo. Esse líquido é coletivamente chamado de líquido intracelular. Todos os líquidos existentes fora das células recebem a denominação de líquido extracelular. A quantidade de líquido no compartimento extracelular é, em média, de cerca de 40% do líquido corporal total. O líquido extracelular pode ser dividido em líquido intersticial, plasma, líquido cefaloraquidiano, líquido intra-ocular, líquidos do tubo gastrointestinal e líquidos dos espaços potenciais. Nos rins, a reabsorção de água depende da reabsorção renal dos diferentes solutos. A reabsorção renal dos solutos dos túbulos renais causa uma redução na sua concentração no lume tubular, mas aumenta-a no interstício. Isso cria uma diferença de concentração que irá produzir osmose de água na mesma direção em que foram transportados os solutos, através de grandes poros existentes nas “junções fechadas” localizadas entre as células epiteliais. Esse processo é especialmente observado nos túbulos proximais. As partes mais distais do sistema tubular, começando na alça de Henle e estendendo-se pelos demais túbulos, são bem menos permeáveis dos que os túbulos proximais. Ou seja, a velocidade de absorção do volume de líquido tubular diminui progressivamente ao longo do sistema tubular. Metabolismo do sódio A ingestão média de cloreto de sódio em um adulto normal está em torno de 7 g por dia. Uma vez absorvido, o íon sódio distribui-se para o líquido extracelular (45%), para o líquido intracelular (7%) e para o esqueleto (48%). A concentração plasmática de sódio está entre 135 e 145 mEq/L e a concentração intracelular é em torno de 10% da concentração plasmática. O sódio pode ser eliminado na urina, fezes ou suor. Todavia, para efeito de balanço, a excreção urinária de sódio é a mais importante. A eliminação pelo suor ou pelas fezes só adquirem importância em casos de sudorese intensa ou diarréias graves. Assim, a concentração do sódio no organismo depende principalmente do balanço entre a sua ingesta na dieta e a sua excreção renal. A excreção renal de sódio é regulada para equivaler à quantidade ingerida. Pouco tempo depois que a ingesta de sódio é abolida, a sua excreção urinária diminui intensamente. Quando a ingestão de sódio se eleva abruptamente, a sua excreção aumenta imediatamente e se iguala a ingesta em poucos dias. Desta forma, as concentrações de sódio no organismo permanecem dentro de uma estreita faixa no indivíduo normal, a despeito das amplas variações na sua ingesta. O mecanismo pelo qual alterações na ingesta modificam a excreção de sódio ainda não está totalmente esclarecido. NEFROLOGIA - 13 Acredita-se que receptores sensíveis a alterações regionais da volemia, tais como receptores intratorácicos, renais, do sistema nervoso central e do fígado, sejam os responsáveis. Como a quantidade diária de sódio filtrada pelos rins (26.000 mEq) excede em muito a quantidade ingerida (cerca de 135 mEq), a principal função dos rins no metabolismo do sódio é sua reabsorção. A maior parte da reabsorção de sódio tubular ocorre nos túbulos proximais e nas alças de Henle. Cerca de 40 a 65% do total de sódio filtrado é reabsorvido nos túbulos proximais, devido ao seu transporte ativo através de sistemas de co-transporte (via transcelular), ou ao seu transporte passivo através das “junções fechadas” localizadas entre as células epiteliais (via paracelular). Na porção espessa do ramo ascendente da alça de Henle, outros 27 a 40% são reabsorvidos, de modo que apenas 8 a 20% penetram nos túbulos distais. A reabsorção de sódio na porção terminal dos túbulos distais e nos ductos coletores corticais é extremamente variável, dependendo sobretudo da concentração sangüínea de aldosterona. Nesses segmentos, a passagem do sódio para dentro das células é característica e ocorre via canais de sódio. Na presença de grandes quantidades de aldosterona, quase todo o sódio tubular restante é reabsorvido por essas porções do sistema tubular, de modo que praticamente nenhum sódio chega à urina. Na ausência de aldosterona, quase todo o sódio que penetra na porção terminal dos túbulos distais, isto é, cerca de 800 mEq/dia, não é reabsorvidoe, assim, passa para a urina. A aldosterona age através da sua combinação com uma proteína receptora intracelular, que se difunde para o interior do núcleo onde ativa as moléculas de DNA para formar um ou mais tipos de RNA mensageiros. A seguir, acredita-se que o RNAm determine a formação de proteínas ou de enzimas necessárias para o processo de transporte do sódio, como a bomba Na + /K + , mas ainda se desconhece o mecanismo preciso envolvido. A secreção de aldosterona é feita pelas células da zona glomerular do córtex das glândulas supra-renais e é estimulada principalmente pela redução excessiva do volume de líquido extracelular e, em menor grau, pela redução da concentração de íons sódio no líquido extracelular. A redução excessiva de volume do líquido extracelular resulta em queda da pressão arterial e aumento da estimulação reflexa do sistema nervoso simpático, que produzem uma redução do fluxo sangüíneo para os rins e estimulam a secreção de renina. A renina determina a formação de angiotensina I, que é convertida em angiotensina II e, então, exerce efeito direto sobre as células da zona glomerular do córtex adrenal, aumentando a secreção de aldosterona. Apesar da aldosterona aumentar a quantidade de sódio no líquido extracelular, a maior reabsorção de água juntamente com o sódio impede, em geral, a Figura 1 - Reabsorção de sódio nos túbulos coletores NEFROLOGIA - 14 elevação na concentração de sódio, mas aumenta principalmente a quantidade total do líquido extracelular. A manutenção da normalidade do sódio extracelular requer não apenas o controle da excreção de sódio, mas também o controle da sua ingesta. Da mesma forma que a sede atua no controle da ingestão de água, a diminuição da concentração de sódio no líquido extracelular e a redução do volume sangüíneo estimulam o apetite por sal. A importância do desejo por sal é especialmente ilustrada em pacientes com doença de Addison, em que praticamente nenhuma aldosterona é secretada, resultando em um forte desejo por sal. Depleção de volume O déficit combinado de sódio e água é muito mais freqüente do que o déficit isolado de cada um dos constituintes. Apesar do termo “desidratação” geralmente ser utilizado para descrever o déficit combinado de sódio e água, ele deveria representar uma depleção pura de água, que leva a hipernatremia. O termo correto para se utilizar nesses casos é “depleção de volume”. As principais causas de depleção de volume são: Perdas extra-renais Gastrointestinais É a causa mais comum de depleção de volume Vômitos Diarréia Fístulas Sondagem gastrointestinal Seqüestro abdominal Peritonite Ascite Pele Sudorese Queimaduras Perdas renais Doenças renais Fase diurética da insuficiência renal aguda Diurese pós-obstrutiva Insuficiência renal crônica Doença tubular perdedora de sal Diuréticos Diurese osmótica Deficiência de mineralocorticóides Doença de Addison Hipoaldosteronismo NEFROLOGIA - 15 A causa da depleção de volume pode geralmente ser suspeitada a partir de uma história de ingestão inadequada de sal e água associada a vômitos, diarréia ou sudorese excessiva. Da mesma maneira, os sintomas de um diabetes mellitus não- controlado e doenças renais ou adrenais podem sugerir sua etiologia. Os principais achados no exame físico são aqueles de depleção de volume intersticial e plasmático. A depleção do volume intersticial pode ser avaliada através da redução do turgor da pele e da desidratação das membranas mucosas. O turgor da pele pode ser estimado clinicamente pela observação do lento retorno da pele à sua posição original quando ela é espremida entre os dedos do examinador. Para a realização dessa manobra, deve ser escolhida uma área de pele normalmente livre de rugas e que não apresente grandes variações na espessura do tecido subcutâneo, como o esterno por exemplo. A depleção de volume plasmático é indicada por mudanças na pressão arterial. Uma depleção moderada de volume plasmático geralmente apresenta- se com uma pressão arterial normal quando o paciente está em decúbito, mas pode haver taquicardia. Nesses casos geralmente há hipotensão postural, isto é, uma queda em pelo menos 5 a 10 mmHg na posição sentada ou em pé. Nas depleções mais acentuadas, a pressão arterial encontra-se reduzida mesmo em decúbito, desenvolvendo-se choque hipovolêmico. Outros sintomas do paciente hipovolêmico incluem letargia, fraqueza, confusão mental e obnubilação. Geralmente há oligúria, exceto na diurese osmótica. Laboratorialmente, o hematócrito geralmente está aumentado, mas elevações dentro da faixa normal são interpretáveis somente quando se tem valores anteriores. A concentração plasmática de sódio pode apresentar-se reduzida, normal ou aumentada, dependendo da proporção entre os déficits de sódio e água. A creatinina e a uréia plasmáticas geralmente estão elevadas devido a diminuição no ritmo de filtração glomerular. Terapeuticamente, as depleções leves de volume podem ser corrigidas pelo aumento na ingesta oral de sal e água nos pacientes sem distúrbios gastrointestinais. Depleções mais graves requerem tratamento com soluções endovenosas. A quantidade de líquido a ser infundida no paciente pode ser estimada pela história clínica e pela gravidade dos achados no exame físico. Os pacientes com depleção moderada de volume geralmente requerem uma reposição com dois a três litros de solução salina isotônica, enquanto pacientes com depleção grave podem necessitar de quantidades muito maiores. A necessidade de corrigir outras anormalidades eletrolíticas associadas pode modificar a composição do líquido infundido. Por exemplo, os pacientes com depleção de volume e acidose metabólica podem receber parte do sódio na forma de bicarbonato de sódio. Edema Edema significa um acúmulo excessivo de líquido no compartimento intersticial, ou seja, na parte não vascular do compartimento líquido extracelular. NEFROLOGIA - 16 O edema pode ser bem localizado como numa pequena inflamação ou generalizado como na insuficiência cardíaca. Edema localizado O mecanismo de formação do edema localizado pode ser adequadamente explicado com base numa alteração das forças de Starling que controlam a troca de líquido entre o plasma e o interstício. Estas forças estão relacionadas na seguinte expressão: q = Kf [(PC – PT) – (P – T)] onde: q = Ritmo de fluxo de líquido através da parede capilar Kf = Coeficiente de filtração que é proporcional à permeabilidade capilar e à área do leito capilar PC = Pressão hidrostática intracapilar PT = Pressão do turgor tecidual P = Pressão oncótica do plasma T = Pressão oncótica tecidual O edema localizado ocorre quando as alterações nas forças de Starling estão restritas a um órgão ou determinado território vascular. Normalmente, o balanço de forças de Starling na porção arteriolar do capilar é de tal ordem que ocorre filtração de líquido para o interstício. Com isso, ocorre uma diminuição axial da pressão hidrostática capilar e um aumento da pressão coloidosmótica do plasma. De acordo com a visão clássica de distribuição de líquido transcapilar, a reversão do balanço das forças de Starling ocorria na porção terminal venosa do capilar, havendo então reabsorção do líquido filtrado. Assim sendo, havendo equilíbrio entre o líquido filtrado e reabsorvido, apenas uma pequena quantidade deveria retornar ao sistema vascular via linfáticos. No entanto, recentementedemonstrou-se que a pressão hidráulica transcapilar excede a pressão coloidosmótica do plasma em toda a extensão do capilar, de sorte que a filtração ocorre ao longo de todo o capilar. O líquido filtrado retorna à circulação via linfáticos. Desta forma, a circulação linfática passa a ter um papel importante no controle da formação do edema. Numa reação de hipersensibilidade ou inflamação local ocorre vasodilatação que aumenta a saída de líquido do capilar principalmente através de um aumento da pressão hidrostática intracapilar e do coeficiente de filtração. O aumento do Kf ocorre devido à abertura de novos capilares, dilatação dos capilares e aumento da permeabilidade a determinados solutos, tais como as proteínas. Uma diminuição da P e um aumento da T também contribuem para a saída de líquido do capilar. Portanto, a coleção de líquidos no interstício ocorre devido a um aumento da pressão hidrostática capilar (por vasodilatação ou mais comumente obstrução venosa) ou por obstrução linfática. NEFROLOGIA - 17 Mais raramente, um aumento na permeabilidade capilar favorece a saída de líquido. Exemplos clínicos de edema localizado são: Inflamação Queimaduras Obstrução venosa Obstrução linfática Angioedema Edema generalizado É a principal manifestação clínica da expansão do volume líquido do compartimento extracelular e está invariavelmente associado a uma retenção renal de sódio. É uma manifestação comum em situações clínicas tais como a insuficiência cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica, e a retenção de sódio é apenas uma resposta renal a um distúrbio hemodinâmico determinado pela enfermidade básica. As principais causas de edema generalizado são: Enfermidades renais Glomerulonefrite aguda Síndrome nefrótica Insuficiência renal aguda Insuficiência renal crônica Insuficiência cardíaca Baixo débito Alto débito Anemia Tireotoxicose Septicemia Enfermidades hepáticas Cirrose hepática Obstrução da drenagem hepática venosa Enfermidades confinadas a mulheres Gravidez Toxemia gravídica Síndrome da tensão pré-menstrual Edema cíclico idiopático Enfermidades vasculares Fístulas arteriovenosas Obstrução das veias do tórax Veia cava inferior Veia cava superior Distúrbios endócrinos Hipotireoidismo Excesso de mineralocorticóides NEFROLOGIA - 18 Diabetes mellitus Causas iatrogênicas Administração de drogas Anticoncepcionais orais Agentes anti-hipertensivos Miscelânea Hipocalemia crônica Anemia crônica Edema nutricional Síndrome da permeabilidade capilar Clinicamente, a distribuição do edema generalizado é afetada por fatores locais e gravitacionais. Assim sendo, o líquido intersticial em excesso pode acumular-se nos membros inferiores de pacientes ambulatoriais e na região pré-sacra de pacientes acamados. A baixa pressão do turgor tecidual nas regiões periorbital e escrotal pode acentuar o edema nestas áreas. O edema revela o sinal do cacifo quando a pressão deixa uma depressão transitória na pele. Em algumas situações clínicas o edema não revela o sinal de cacifo, pois a pressão digital não consegue mobiliar o líquido intersticial devido a obstrução linfática (linfedema) ou fibrose do tecido subcutâneo, que pode ocorrer na obstrução venosa crônica. É importante salientar que pode haver um acúmulo de quatro a cinco litros de líquido no compartimento extracelular antes que o paciente ou o médico percebam o edema com sinal de cacifo presente. Há, no entanto, sinais e sintomas sugestivos do excesso de líquido no organismo como, por exemplo: Ganho de peso Flutuações diárias no peso Redução da diurese Nictúria Tosse ou dispnéia ao deitar-se Dispnéia aos esforços Princípios gerais no tratamento Quando houver uma etiologia identificável, como insuficiência cardíaca, cirrose hepática ou síndrome nefrótica, o manejo clínico do edema deve ser dirigido para a correção desse distúrbio básico. Embora a restrição isolada de sódio seja efetiva na prevenção do aumento do edema, ela não causa um balanço negativo de sódio. A diurese de pacientes cardíacos hospitalizados e colocados em dietas hipossódicas está mais relacionada ao efeito benéfico do repouso no débito cardíaco do que resultante da dieta hipossódica. Pacientes que estão formando edema retêm uma fração da ingesta diária de sal a fim de restaurar o volume sangüíneo arterial efetivo. A excreção urinária diária de sódio desses pacientes reflete a capacidade de excreção renal. NEFROLOGIA - 19 Conhecendo-se a oferta de sódio na dieta, a determinação da excreção de sódio nas 24 horas permite saber se o balanço de sódio é positivo ou negativo. Concentrações urinárias de sódio na ordem de 10 a 15 mEq/L geralmente indicam um balanço positivo. A maior parte dos pacientes edemaciados tem um comprometimento na excreção renal de água. A ingesta diária de líquido deve ser ajustada para às suas perdas diárias. O repouso no leito, como já foi frisado, é capaz de induzir uma diurese devido a uma redução da seqüestração venosa na periferia, aumentando assim o volume sangüíneo arterial efetivo. Efeito similar possuem as meias elásticas. A presença de edema por si só não é uma indicação de uso de diuréticos. Em geral, o uso dos diuréticos deve ficar restrito a situações tais como: Comprometimento da função cardíaca e/ou respiratória Desconforto físico devido ao acúmulo excessivo de líquido Para permitir liberalização do sal na alimentação de pacientes que pouco toleram dietas hipossódicas NEFROLOGIA - 20 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Nefrologia Metabolismo do potássio Fisiologia O potássio é o principal cátion intracelular. Seu transporte ativo, mediado pela bomba Na + /K + das membranas celulares, mantém uma concentração celular de aproximadamente 160 mEq/L, quarenta vezes maior que no líquido extracelular. Com exceção de quando há mudanças no equilíbrio ácido-básico, as concentrações de potássio intra e extracelulares são diretamente proporcionais. Assim, alterações no potássio plasmático geralmente são um bom indicativo para a avaliação de alterações nos níveis de potássio corporal total. Nos distúrbios ácido-básicos, a relação entre o potássio plasmático e o potássio intracelular é alterada (desvio iônico). A acidose promove a saída do potássio intracelular, enquanto a alcalose favorece o movimento do líquido extracelular para o interior das células. A relação entre o pH plasmático e a concentração de potássio plasmática é complexa e é influenciada por diversos fatores, incluindo o tipo de acidose, a duração do distúrbio ácido-básico e mudanças na concentração de bicarbonato. Em geral, o potássio plasmático é menos alterado na acidose respiratória do que na alcalose metabólica e se modifica menos na alcalose do que na acidose. Os hormônios também parecem ter um papel importante no equilíbrio do potássio corporal. A insulina e as catecolaminas beta-adrenérgicas promovem o movimento do potássio para dentro das células, enquanto os agonistas alfa-adrenérgicos impedem a sua entrada. Os mecanismos de excreção renal do potássio são complexos. Para manter o balanço normal de potássio corporal, o rim pode excretar apenas um oitavo dos 800 mEq de potássio filtrados por dia, já que a sua ingestão diária é de apenas 50 a 150 mEq. O transporte ativo pelas células epiteliais dos túbulos proximais reabsorve cerca de 65% de todo o potássio filtrado. Outros 27%são reabsorvidos na porção grossa do ramo ascendente da alça de Henle e os 8% restantes penetram nos túbulos distais e nos ductos coletores corticais quando a concentração de potássio no líquido extracelular está muito baixa. Por outro lado, quando a concentração de potássio no líquido extracelular está normal ou elevada, é preciso que haja excreção de grande quantidade de potássio na urina. Essa excreção é dependente da absorção de sódio e ocorre na porção terminal dos túbulos distais e nos ductos coletores, através das bombas de Na + /K + localizadas na membrana basolateral dessas células. As bombas de Na + /K + atuam bombeando sódio do interior das células tubulares para o interstício renal e, inversamente, o potássio do interstício para as células. Assim, o acentuado aumento de potássio no interior das células promove sua rápida difusão para o lume tubular e, conseqüentemente, sua excreção na urina. Exceto quando o indivíduo está ingerindo quantidades extremamente baixas de potássio, sua excreção tubular é geralmente necessária para evitar a morte. Com freqüência, surgem arritmias cardíacas quando a concentração de potássio plasmática eleva-se do seu valor normal de 4,5 mEq/L para um nível de 8 mEq/L. Concentrações mais elevadas de potássio podem resultar em parada cardíaca ou fibrilação. NEFROLOGIA - 21 Por isso, é importante o controle da concentração de potássio no líquido extracelular. O aumento da concentração de potássio no líquido extracelular estimula a velocidade de secreção de íons potássio nas porções terminais do néfron através da bomba de Na + /K + , como foi descrito anteriormente. Além disso, da mesma maneira que a aldosterona age para reabsorver sódio na porção terminal dos túbulos distais e dos ductos coletores, ela também exerce um poderoso efeito de controle na secreção de íons potássio por essas mesmas células, uma vez que ativa a bomba de Na + /K + das membranas basolaterais. O efeito da aldosterona pode ser visualizado na doença de Addison, onde a secreção de aldosterona aproxima-se de zero e, conseqüentemente, a concentração de potássio no líquido extracelular se eleva e atinge 2 vezes o seu valor normal. Isso quase sempre leva à morte do paciente devido a parada cardíaca. No aldosteronismo primário causado por um tumor da zona glomerular em uma das glândulas supra-renais, a secreção de grandes quantidades de aldosterona leva a um acentuado aumento na excreção de potássio, resultando em pronunciada redução da concentração de potássio no líquido extracelular, de modo que muitos desses pacientes apresentam paralisia causada por falta de transmissão nervosa. Hipocalemia Etiologicamente, as principais causas da depleção de potássio são: Gastrointestinais Ingesta deficiente Como a resposta renal a depleção de potássio é lenta, diminuindo os níveis de excreção somente do 7 o ao 14 o dias, uma depleção moderada de potássio pode resultar da sua ingesta deficiente. Doenças gastrointestinais Vômitos Diarréia Adenoma viloso Fístulas Ureterosigmoidostomia Renais Alcalose metabólica Diuréticos Tiazídicos De alça Inibidores da anidrase carbônica - Acetazolamida Efeitos mineralocorticóides excessivos Aldosteronismo primário NEFROLOGIA - 22 Aldosteronismo secundário A despeito do aldosteronismo secundário presente nos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, cirrose hepática e síndrome nefrótica, eles não apresentam hipocalemia. O aldosteronismo secundário causa hipocalemia nos pacientes com: - Hipertensão maligna - Síndrome de Bartter - Tumor de células justaglomerulares Secretores de renina Excesso de glicocorticóides - Síndrome de Cushing - Esteróides exógenos Doenças tubulares renais Acidose tubular renal Tipo I e II Leucemia - Monocítica - Mielomonocítica Síndrome de Liddle Alguns antibióticos - Carbenicilina e, raramente, outros derivados da penicilina - Anfoterecina B - Gentamicina Depleção de magnésio Hipocalemia por desvio iônico Alcalose Insulina Atividade beta-adrenérgica Paralisia periódica hipocalêmica As principais características clínicas da hipocalemia são neuromusculares. Um grau moderado de depleção pode ser assintomático, principalmente se for de evolução lenta. Alguns pacientes, contudo, queixam-se de fraqueza muscular, especialmente nos membros inferiores. Graus mais elevados de hipocalemia levam a uma fraqueza generalizada dos músculos esqueléticos. Uma hipocalemia grave ou súbita pode desenvolver uma paralisia virtualmente total, incluindo os músculos respiratórios. Ao exame físico, além da redução da força, os pacientes podem demonstrar redução ou ausência de reflexos profundos. Os músculos liso do trato gastrointestinal podem também ser afetados, resultando em íleo paralítico. NEFROLOGIA - 23 Anormalidades eletro- cardiográficas são comuns. As mudanças características incluem achatamento ou inversão da onda T, exacerbação da onda U e infradesnivelamento do segmento ST. Essas alterações não se correlacionam com a gravidade do distúrbio no metabolismo do potássio e, desta forma, não podem ser consideradas como índices da significação clínica de uma hipocalemia. Apesar de que uma depleção moderada de potássio raramente afeta o coração, uma depleção grave ou súbita do potássio plasmático pode causar parada cardíaca. Além disso, a hipocalemia favorece a intoxicação cardíaca por digitálicos, predispondo o paciente a uma variedade de arritmias atriais e ventriculares. A função tubular renal fica caracteristicamente alterada na hipocalemia, principalmente na sua capacidade de concentração urinária, resultando em poliúria e polidipsia. No diagnóstico, a causa da hipocalemia pode ser obtida a partir da história clínica. O esquema a seguir nos mostra a conduta no diagnóstico da hipocalemia quando não houver uma causa evidente na anamnese. HIPOCALEMIA Pressão arterial Normal Potássio urinário Hipertensão Renina plasmática < 25 mEq/L Bicarbonato plasmático > 25 mEq/L Bicarbonato plasmático Alta Baixa Aldosterona plasmática Baixo Alto Baixo Alto Alta Baixa Figura 1 - Anormalidades eletrocardiográficas na hipocalemia Avaliar desvio iônico (alcalose, insulina, agonistas -adrenérgicos, paralisia periódica, etc.) Perdas GI baixas ou ingesta inadequada Diuréticos (uso prévio) Acidose renal tubular ou acidose diabética Vômitos, diuréticos (em uso) ou S. de Bartter Hipertensão maligna ou tumor secretor de renina Hiperaldos- teronismo Excesso de glicocorti- cóides NEFROLOGIA - 24 A avaliação do equilíbrio ácido-básico pode ajudar no diagnóstico diferencial. A hipocalemia encontra-se associada a acidose metabólica causada por: Disfunção tubular renal Cetoacidose diabética Diarréia grave Inibidores da anidrase carbônica Os outros tipos de hipocalemia cursam com bicarbonato normal ou elevado, quando estão associadas a alcalose metabólica. Quando possível, a depleção do potássio deve ser corrigida através do aumento da ingesta alimentar ou através da suplementação com sais de potássio. Os sais de potássio podem ser fornecidos naforma de um elixir ou de tabletes, nos quais os cristais de cloreto de potássio são encontrados. O tratamento endovenoso é recomendado para os pacientes com distúrbios gastrointestinais ou quando a deficiência de potássio é grave. Contudo deve ser enfatizado que as infusões endovenosas não devem ultrapassar 40 ou, no máximo, 60 mEq/L e a velocidade de infusão não deve exceder 40 mEq/h ou, aproximadamente, 240 mEq/dia, a não ser quando houver necessidade de uma infusão mais rápida, com evidência de perda contínua grande o suficiente para justificar uma terapia mais intensa. Os resultados do tratamento são monitorizados por determinações sucessivas do potássio plasmático e pela avaliação dos sintomas clínicos, tais como a fraqueza muscular e a paralisia. O desaparecimento dos sinais eletrocardiográficos não indica uma melhora completa dos níveis de potássio corporal, mas o eletrocardiograma é um bom exame para monitorizar uma administração endovenosa rápida de potássio. Hipercalemia As principais causas de hipercalemia são: Excreção renal inadequada Doenças renais Insuficiência renal aguda Pela redução progressiva do volume urinário Insuficiência renal crônica grave Devido a oligúria Disfunções tubulares - Lupus Eritematoso - Doença falciforme - Rejeição aguda de transplante renal - Uropatia obstrutiva - Amiloidose Diminuição do volume circulante efetivo Hipoaldosteronismo Distúrbios da glândula supra-renal - Doença de Addison - Distúrbios enzimáticos congênitos da adrenal NEFROLOGIA - 25 Hiporeninemia - Nefropatia diabética - Nefrite intersticial crônica - Causada por drogas Agentes antiinflamatórios não-esteroidais, bloqueadores beta-adrenérgicos, etc. Diuréticos Poupadores de potássio Espironolactona Triamtereno Amiloride Desvio do potássio para fora dos tecidos Dano tissular Rabdomiólise Hemólise Hemorragia interna Drogas Succinilcolina Relaxante muscular Hidrocloreto de arginina Utilizado no tratamento da alcalose metabólica Digitálicos Antagonistas beta-adrenérgicos Envenenamento Acidose Hiperosmolaridade Deficiência de insulina Paralisia periódica hipercalêmica Ingesta excessiva Pseudo-hipercalemia Trombocitose Leucocitose Outros Clinicamente, os principais efeitos da hipercalemia são as arritmias cardíacas. A manifestação mais precoce é o desenvolvimento de ondas T em forma de tenda. Achados mais tardios incluem prolongamento do intervalo PR, bloqueio cardíaco completo e assistolia atrial. A medida que o potássio plasmático se eleva, o complexo QRS tende a se deteriorar, tornando-se progressivamente mais prolongado, até se fundir com a onda T em uma configuração sinusal. Finalmente, fibrilação ventricular e parada cardíaca podem ocorrer. Figura 2 - Alterações eletrocardiográficas na hipercalemia NEFROLOGIA - 26 Ocasionalmente, uma hipercalemia moderada ou grave pode também produzir efeitos nos músculos periféricos. Uma fraqueza muscular ascendente pode ocorrer, progredindo para tetraplegia flácida e paralisia respiratória. Assim como a sensibilidade, a função cerebral e a dos nervos cranianos permanece normal. Em termos diagnósticos, uma hipercalemia grave ou progressiva raramente ocorre na ausência de insuficiência renal. Desta forma, a creatinina sérica e o débito urinário devem ser determinados imediatamente nos pacientes com hipercalemia. A insuficiência renal aguda não-complicada, principalmente se oligúrica, vai determinar uma hipercalemia progressiva, elevando o potássio plasmático em cerca de 0,5 mEq/L por dia. Contudo, na presença de acidose ou dano tissular, a insuficiência renal aguda pode elevar o potássio plasmático em 2 a 4 mEq/L por dia. Por isso, a elevação do potássio plasmático em mais de 0,5 mEq/L por dia sugere a presença de outras fontes de elevação de potássio além da insuficiência renal aguda, como por exemplo, rabdomiólise ou hemólise. Quando é detectada uma hipercalemia em pacientes com insuficiência renal crônica, o médico deve procurar por uma alta ingesta de potássio na alimentação ou por medicações que interfiram na excreção de potássio como os antiinflamatórios não- esteroidais, beta-bloqueadores, diuréticos poupadores de potássio, etc. Na ausência desses elementos, deve-se procurar hiporeninemia ou uma doença tubular que afete diretamente a excreção tubular de potássio. Além da creatinina plasmática, os níveis de glicose e de bicarbonato devem ser determinados para avaliar possíveis contribuições de diabetes ou acidose à hipercalemia. Ao contrário da hipocalemia, na hipercalemia a análise do potássio urinário contribui pouco no diagnóstico diferencial. Com relação ao tratamento, é importante classificar a hipercalemia de acordo com o seu grau de gravidade, que pode ser estimado tanto através da concentração de potássio plasmático quanto pelo eletrocardiograma. Tabela 1 - Classificação da hipercalemia de acordo com seu grau de gravidade Classificação Concentração de K + plasmático Alterações eletrocardiográficas Leve < 6 mEq/L Alterações limitadas a onda T Moderada 6 a 8 mEq/L Alterações limitadas a onda T Grave > 8 mEq/L Inclui ausência de onda P, complexos QRS alargados ou arritmias ventriculares A hipercalemia leve geralmente pode ser tratada pela eliminação da sua causa. Contudo, os casos mais graves ou progressivos requerem um tratamento vigoroso. A toxicidade cardíaca grave responde rapidamente a infusão de cálcio, mas apesar de seu efeito ser quase imediato, ele é transitório caso a hipercalemia não seja tratada diretamente. Na hipercalemia moderada ou grave, a infusão de soluções de glicose hipertônica diminuem a sua toxicidade induzindo a liberação de insulina e, conseqüentemente, o desvio do potássio para dentro das células. A insulina também pode ser administrada diretamente, por via subcutânea ou endovenosa. Da mesma maneira, a infusão de bicarbonato de sódio ajuda a diminuir rapidamente o potássio plasmático facilitando a entrada de potássio no interior das células. Apesar desse agente ter maior valor nos pacientes com acidose, ele também é efetivo em indivíduos com um equilíbrio ácido-básico normal. NEFROLOGIA - 27 A infusão de soluções hipertônicas de sódio pode ser efetiva em reverter a toxicidade cardíaca, principalmente em pacientes hipovolêmicos e com hiponatremia, através da simples diluição do potássio plasmático. A glicose, o bicarbonato e o sódio podem ser misturados para formar um “coquetel terapêutico”. NEFROLOGIA - 28 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ Nefrologia Equilíbrio ácido-básico Considerações fisiológicas Por definição, ácido é a molécula ou íon capaz de contribuir com um íon hidrogênio para a solução, como o H2CO3 (ácido carbônico), o ácido úrico, o ácido acetoacético, etc. Base, por sua vez, é a molécula ou íon que irá se combinar com íons hidrogênio para removê-los da solução, como o íon HCO3 – (íon bicarbonato), o HPO4 – (íon fosfato), as proteínas, etc. A maioria dos ácidos e das bases envolvidos na regulação normal do equilíbrio ácido-básico do organismo consiste em ácidos e bases fracos, dos quais os mais importantes são o ácido carbônico e a base bicarbonato. Os ácidos são produzidos continuamente durante o metabolismo normal do organismo. Apesar da deposição de 20.000 mEq de ácido carbônico e de 80 mEq de ácidos não-voláteis diariamente nos líquidos corporais, a concentraçãode íon hidrogênio livre (H + ) nesses líquidos permanece dentro de uma estreita faixa. O pH do líquido extracelular normalmente encontra-se entre 7,35 e 7,45. O limite inferior compatível com a vida de uma pessoa durante algumas horas é de cerca de 6,8, enquanto o limite superior é de cerca de 8,0. O pH dos líquidos intracelulares não pode ser determinado com precisão, mas a maioria dos métodos sugere que a média de pH intracelular encontra-se na faixa de 6,0 a 7,4, com uma média de 6,9. Apesar da concentração de hidrogênio livre nos líquidos corporais ser pequena, esses prótons são tão reativos que qualquer alteração na sua concentração pode alterar reações enzimáticas e processos fisiológicos. A defesa imediata contra essas mudanças no pH é fornecida pelos sistemas tampões, que podem receber (bases) ou liberar (ácidos) íons hidrogênio instantaneamente em resposta a alterações na acidez dos líquidos corporais. A regulação do pH, posteriormente, depende da função dos pulmões e dos rins. No organismo, os seguintes sistemas tampões são importantes: Bicarbonato; Fosfato O tampão fosfato não é muito importante no líquido extracelular porque sua capacidade de tamponamento é bem menor que a do sistema bicarbonato, mas ele é especialmente importante nos líquidos tubulares dos rins e nos líquidos intracelulares; Proteínas plasmáticas e tissulares É o sistema tampão mais abundante e mais potente do organismo; Hemoglobina É nas hemácias que se forma a maior parte do bicarbonato plasmático; Compostos organofosforados e Cristais de apatita do osso. NEFROLOGIA - 29 O principal produto ácido do metabolismo é o ácido carbônico, que é formado a partir do dióxido de carbono, ou gás carbônico (CO2), dissolvido em solução através da seguinte reação: CO2 + H2O H2CO3 (1) A concentração normal do ácido carbônico nos líquidos corporais é mantida pelos pulmões em cerca de 1,2 mEq/L (pCO2 = 40 mmHg). Nessa concentração, a excreção pulmonar de CO2 se iguala a sua produção metabólica. Além da produção de CO2, o metabolismo orgânico produz íons hidrogênio e radicais ácidos que dão origem aos ácidos não-voláteis ou fixos que, ao contrário do dióxido de carbono, não podem ser eliminados diretamente pelo pulmão. Quando um ácido não-volátil é produzido pelo metabolismo, seus íons hidrogênio são tamponados quase que instantaneamente, principalmente pelo sistema bicarbonato (HCO3 – ). A partir de então, através da conversão do ácido carbônico em água e dióxido de carbono, eles podem ser excretados pelos pulmões. A eliminação do dióxido de carbono pelos pulmões pode ser modulada pela ação direta dos íons hidrogênio sobre o centro respiratório no bulbo, que controla a respiração. Devido a capacidade do centro respiratório de responder à concentração de íons hidrogênio, o sistema respiratório atua como um controlador típico de “feedback”, isto é, toda vez que a concentração de íons hidrogênio se elevar, o sistema respiratório também fica mais ativo e, por outro lado, se a concentração de H + cair para níveis muito baixos, ele fica deprimido. Contudo, o controle respiratório é incapaz de fazer com que a concentração de íons hidrogênio retorne exatamente ao valor normal de 7,4, pois a medida que o pH retorna ao seu valor normal, o estímulo que causou a alteração respiratória começa a dissipar-se. Em geral, o mecanismo respiratório possui uma eficiência de controle de cerca de 50 a 75%. Apesar deste mecanismo minimizar as mudanças do pH, eliminando CO2 ele destrói o bicarbonato e esgota a capacidade de tamponagem celular. Como a capacidade de tamponagem total dos líquidos corporais é de cerca de 15 mEq por quilograma de peso, a taxa normal de produção de ácidos não-voláteis seria capaz de depletar completamente os tampões corporais em cerca de 10 a 20 dias, se não fosse a habilidade dos rins em eliminar íons hidrogênio do corpo sem destruir o íon bicarbonato, mantendo sua concentração entre 24 a 28 mEq/L. A principal fonte de ácidos não-voláteis é o metabolismo de metionina e cistina da dieta proteica, que produz ácido sulfúrico. Outras fontes incluem a combustão incompleta de carboidratos e gorduras, que produzem ácido úrico; e o metabolismo de compostos organofosforados, que liberam íons hidrogênio e fosfatos inorgânicos. As principais funções dos rins no equilíbrio ácido-básico são: 1. Retenção do bicarbonato extracelular; 2. Excreção dos íons hidrogênio de ácidos não-voláteis produzidos pelos processos metabólicos. A secreção de íons hidrogênio no fluido tubular, através da sua troca por sódio (mecanismo de contratransporte Na + /H + ) nos segmentos proximais do néfron (95%) e através da bomba H + -ATPase nos segmentos distais (5%), é feita a partir da NEFROLOGIA - 30 dissociação do ácido carbônico em H + e HCO3 – (íon bicarbonato), através da seguinte reação: H2CO3 H + + HCO3 – (2) O ácido carbônico é formado no interior das células epiteliais tubulares pela ação da enzima anidrase carbônica, que combina a água com o dióxido de carbono que se difundiu para o interior das células ou foi formado pelo seu metabolismo. Existe uma lei físico-química que se aplica a dissociação de todas as moléculas e estabelece que a divisão do produto das moléculas dissociadas pela concentração das moléculas não-dissociadas é igual a uma constante, K. H + × HCO3 – / H2CO3 = K (3) Essa fórmula pode ser modificada para a seguinte: H + = K × H2CO3 / HCO3 – (4) Todavia, como é quase impossível medir a concentração do ácido carbônico não-dissociado porque ele se dissocia rapidamente, nós podemos substituí- lo pela pressão parcial de gás carbônico multiplicada por uma outra constante, . H + = K × × pCO2 / HCO3 – (5) (K × = 24) H + = 24 pCO2 / HCO3 – (equação de Henderson) (6) Se tomarmos o logaritmo de cada termo da equação 4 nós teremos a equação de Henderson-Hasselbalch: log H + = log K log H2CO3 / HCO3 – log H+ = log K log HCO3 / H2CO3 pH = pK log HCO3 / H2CO3 (eq. de Henderson-Hasselbalch) (7) Essas equações vão ser importantes para nós mais adiante. A reabsorção do bicarbonato filtrado pelos glomérulos inicia com a sua reação com os íons hidrogênio secretados pelas células tubulares, dando origem ao ácido carbônico (2). A seguir, o ácido carbônico dissocia-se em dióxido de carbono e água através da fórmula (1). Como o CO2 tem a capacidade de se difundir com extrema rapidez através de todas as membranas celulares, ele se difunde instantaneamente para a célula tubular e, em seguida, para o líquido extracelular, enquanto a água permanece no túbulo. NEFROLOGIA - 31 A destruição do bicarbonato por este processo é substituída pela produção de bicarbonato pelas células tubulares renais, pela transformação do ácido carbônico em H + e HCO3 descrita na fórmula (2), que mantém os estoques de bicarbonato constantes. Quando os íons hidrogênio são tamponados por outros tampões urinários que não o bicarbonato, este íon é poupado e, desta forma, vai representar um componente adicional ao sistema tampão do organismo. Contudo, a maior parte dos íons hidrogênio urinários são tamponados por íons bicarbonato e apenas uma pequena porção deles é tamponada por outros sistemas como pelo fosfato e a amônia. A quantidade de íons H + livres que são excretados na urina é mínima, mesmo quando o pH urinário é de 4,8. A acidificação da urina, contudo, é essencial paraa tamponação dos prótons por fosfato e amônia. Assim, toda vez que um íon H + é secretado nos túbulos, forma-se simultaneamente um íon bicarbonato na célula epitelial tubular e ocorre absorção de um íon sódio do túbulo para a célula epitelial. O íon sódio e o íon bicarbonato são, então, transportados juntos da célula epitelial para o líquido extracelular. HCO3 + Na + = NaHCO3 (8) Mudanças no pH dos líquidos corporais resultam em respostas regulatórias mediadas pelos rins. Na acidose, o excesso de dióxido de carbono ou a redução de bicarbonato de sódio leva a uma secreção de íons hidrogênio superior a filtração dos íons bicarbonato nos glomérulos. Em conseqüência, o excesso de íons hidrogênio nos túbulos aumenta a sua reação com os outros tampões do líquido tubular, principalmente a amônia. Na alcalose, a diminuição da pCO2 ou o aumento de bicarbonato aumenta a proporção de íons bicarbonato filtrados no filtrado glomerular. Por conseguinte, o delicado equilíbrio que normalmente existe nos túbulos entre os íons hidrogênio e o bicarbonato deixa de ocorrer. Como quase nenhum íon bicarbonato pode ser reabsorvido sem antes reagir com os íons hidrogênio, todo o excesso de íons bicarbonato passa para a urina, transportando com ele o íon sódio ou outros íons positivos. Estudos recentes mostraram que os rins podem secretar bicarbonato nos túbulos distais através de uma bomba Cl /HCO3 , que é estimulada pela alcalose. Os mecanismos regulatórios renais para o equilíbrio ácido- básico são influenciados por outros fatores além do pH dos fluidos corporais, como a pressão parcial de dióxido de carbono (pCO2), o volume de líquido extracelular, angiotensina, aldosterona, íons cloreto (Cl – ) e potássio (K + ). A hipercapnia (elevação da pCO2), que induz acidose intracelular, tende a estimular a reabsorção de bicarbonato renal, enquanto a hipocapnia tem um efeito oposto. Figura 1 - Esquema de eliminação e regeneração do bicarbonato NEFROLOGIA - 32 Os estados hipovolêmicos aumentam os níveis de bicarbonato provavelmente devido a estimulação da sua reabsorção juntamente com o sódio, mediada pela angiotensina II, e pela diminuição da sua filtração glomerular. A aldosterona aumenta a secreção de íons hidrogênio nos segmentos distais do néfron por estimulação direta da bomba H + -ATPase e pela maior reabsorção de sódio, que retém os íons H + no fluido tubular por aumento da eletronegatividade intraluminal. A diminuição da concentração de íons cloreto diminui a excreção de íon bicarbonato devido a sua necessidade na secreção de HCO3 – pela troca HCO3 – /Cl – . Desta forma, resumidamente, os sistemas tampões podem atuar dentro de fração de segundos para impedir a ocorrência de alterações excessivas na concentração de íons hidrogênio. Por outro lado, são necessários 1 a 12 minutos para que o sistema respiratório possa fazer ajustes agudos e outro dia ou mais para efetuar ajustes adicionais crônicos. Por fim, os rins, apesar de constituírem o mais potente de todos os sistemas de regulação ácido-básica, necessitam de muitas horas a vários dias para reajustar a concentração de íons hidrogênio. Avaliação do equilíbrio ácido-básico Na prática, a classificação dos distúrbios ácido-básicos são baseados na medida das alterações no sistema bicarbonato-ácido carbônico, o principal sistema tampão do líquido extracelular. A relação entre os elementos do sistema bicarbonato é geralmente descrita em termos da equação de Henderson-Hasselbalch: pH = pK + log HCO3 – / H2CO3 A acidose é definida como um distúrbio que tende a adicionar ácido ou remover álcalis dos líquidos corporais, enquanto alcalose é um distúrbio que tende a remover ácido ou adicionar base a eles. Por sua vez, acidemia é o aumento de íons hidrogênio no sangue enquanto alcalemia é a sua diminuição. Como os processos compensatórios podem minimizar ou prevenir alterações na concentração dos íons hidrogênio no plasma, a acidose ou a alcalose nem sempre resultam em acidemia ou alcalemia. Distúrbios metabólicos são aqueles em que a perturbação primária encontra-se na concentração do bicarbonato. Como o bicarbonato figura no numerador da equação de Henderson-Hasselbalch, um aumento na sua concentração causa elevação do pH (alcalose metabólica), enquanto uma redução do bicarbonato resulta em sua diminuição (acidose metabólica). Os distúrbios respiratórios são aqueles em que a alteração primária está na concentração de ácido carbônico. Conforme pode ser observado através da equação de Henderson-Hasselbalch, uma queda na concentração de ácido carbônico causa alcalose respiratória e uma elevação, acidose. O principal problema na determinação dos distúrbios ácido-básicos resultam das respostas compensatórias dos pulmões e dos rins. NEFROLOGIA - 33 Os distúrbios respiratórios induzem uma resposta renal compensatória que altera a concentração plasmática de bicarbonato na mesma direção, para cima ou para baixo. Semelhantemente, um distúrbio metabólico induz reposta respiratória que modifica a concentração de ácido carbônico na mesma direção. Por exemplo, considere um paciente com insuficiência respiratória crônica que apresente uma acidose respiratória com as seguintes medidas: pCO2 = 70 mmHg (normal = 40 mmHg) HCO3 = 31 mEq/L (normal = 24 mEq/L) pH = 7,25 (normal = 7,4) É importante para o clínico diferenciar se a elevação do bicarbonato é meramente uma resposta renal apropriada a hipercapnia ou um distúrbio ácido-básico metabólico associado. Acidose metabólica A acidose metabólica é causada por um de três mecanismos: 1. Produção aumentada de ácidos não-voláteis; 2. Diminuição da excreção renal de ácidos; 3. Redução do bicarbonato extracelular. A diminuição do pH estimula a respiração e, conseqüentemente, a pressão parcial de dióxido de carbono se reduz. Normalmente, a pressão parcial de dióxido de carbono diminui em 1,2 mmHg para cada 1 mEq/L de decréscimo no bicarbonato plasmático. Na acidose metabólica, uma compensação respiratória completa raramente ocorre, principalmente nas acidoses metabólicas crônicas. A máxima compensação respiratória alcançável só é evidente em 12 a 24 horas e uma hiperventilação fisiológica não consegue reduzir a pCO2 abaixo de 10 mmHg. Quando a função renal está normal, a excreção de ácidos aumenta imediatamente em resposta a acidose metabólica, especialmente devido a sua titulação com fosfatos. Depois de diversos dias, a produção de amônia pelos rins também aumenta e se torna o mecanismo mais importante para a excreção do ácido em excesso. A quantidade de bicarbonato que o rim devolve a circulação também aumenta de maneira progressiva. As principais causas de acidose metabólica são: Cetoacidose Diabética Alcoólica Nutritiva Acidose lática Secundária a insuficiência circulatória Choque séptico Infarto agudo do miocárdio Hemorragia Secundária a insuficiência respiratória NEFROLOGIA - 34 Exercícios físicos vigorosos ou convulsão Podem causar uma desproporção entre o suprimento de oxigênio e a demanda metabólica muscular, levando a uma acidose lática clinicamente benigna e transitória. Associada a diversos distúrbios Os mecanismos fisiopatológicos dessa associação são pouco conhecidos Leucemia Linfoma Tumores sólidos Diabetes mellitus Insuficiência hepática grave Drogas e toxinas Frutose parenteral Nitroprussiato de sódio Epinefrina e norepinefrina Defeitos enzimáticos congênitos Principalmente no metabolismo dos carboidratos Glicose-6-fosfatase Frutose-1,6-bifosfatase Piruvato carboxilase Piruvato desidrogenase Intoxicação e drogas Salicilatos Produzem um bloqueio metabólico que leva a produção de uma mistura de ácidos orgânicos endógenos. Os salicilatos tem o efeito adicional de estimular o centro respiratório diretamente. Assim, a alcalose respiratória pode ser o primeiro sintoma da intoxicação por salicilatos e, em alguns pacientes, pode ser o único distúrbio. Etilenoglicol É convertido em ácidos glioxílicos e oxálicos. Além disso, o etilenoglicol produz bloqueios metabólicos que podem levar ao aumento da produção de ácidos orgânicos endógenos. Metanol O metanol é convertido em ácido fórmico e também pode levar a produção de ácidos orgânicos endógenos pelo bloqueio metabólico. NEFROLOGIA - 35 Insuficiência renal Crônica Seu principal defeito é a redução na excreção de amônia, mas alguns pacientes também perdem bicarbonato, reduzindo seus níveis plasmáticos para cerca de 12 a 18 mEq/L. Aguda A concentração de bicarbonato cai de 1 a 2 mEq/L/dia quando a redução da excreção de ácido renal é a única causa da acidose metabólica. Disfunção tubular renal Acidose tubular renal Hipoaldosteronismo Causa acidose associada a hipercalemia Diuréticos poupadores de potássio Inibem a secreção tubular distal de íons hidrogênio e potássio Perda de bicarbonato Diarréia grave Síndrome da malabsorção intestinal Ureterosigmoidostomia Inibidores da anidrase carbônica Acetazolamida Diamox® Produção de ácido clorídrico O bicarbonato é titulado pelo ácido e substituído pelo cloro. Existem poucos sintomas ou sinais específicos de acidose metabólica. Na acidose metabólica aguda, a hiperventilação (ritmo de Kussmaul) é freqüente e pode ser intensa. Contudo, na acidose metabólica crônica, a hiperventilação quase nunca está presente, a despeito da redução substancial da pressão parcial de dióxido de carbono. Uma acidose aguda e grave produz uma variedade de sintomas inespecíficos variando desde fadiga até confusão mental, estupor e coma. Sintomas cardiovasculares incluem hipocontratilidade cardíaca e vasodilatação, que levam a insuficiência cardíaca ou a hipotensão. A acidose metabólica crônica pode ser assintomática ou estar associada com fadiga e anorexia, apesar de geralmente ser difícil determinar se esses sintomas refletem a acidose em si ou se eles estão relacionados a doença de base. As características laboratoriais incluem diminuição do bicarbonato plasmático e do pH sangüíneo, associados com a redução compensatória na pressão parcial de dióxido de carbono. Geralmente ocorre hipercalemia em decorrência da saída de potássio do interior das células. Isso ocorre devido a um fenômeno denominado desvio iônico, em que a maior quantidade de íons hidrogênio no espaço extracelular induz a sua entrada no interior das células, resultando na saída do potássio e, conseqüentemente, em hipercalemia, que pode mascarar significativamente uma depleção de potássio. Em termos gerais, para cada redução no pH em 0,1 unidade, a concentração plasmática de potássio aumenta em 0,6. NEFROLOGIA - 36 Quando a causa da acidose metabólica não está evidente, o cálculo do fator R ou “anion gap” pode ajudar no diagnóstico diferencial. O fator R é calculado através das concentrações plasmáticas dos seguintes eletrólitos: Fator R = Na + – (Cl– + HCO3 – ) ou Fator R = (Na + + K + ) – (Cl– + HCO3 – ) (9) Como a concentração plasmática de potássio é mais ou menos constante, a primeira fórmula é a mais utilizada. Considerando-se como valores normais as concentrações plasmáticas dos eletrólitos citados, o fator R normalmente está em torno de 8 a 16 mEq/L (12 mEq/L). R = Na + – (Cl– + HCO3 – ) R = 140 – (103 + 24) R = 140 – 127 R = 13 O termo em inglês “anion gap”, que poderia ser traduzido como hiato aniônico, não é correto, porque na verdade não existe um hiato entre a concentração de ânions e cátions. Sabemos que a concentração de cátions no plasma deve ser igual à concentração de ânions. Os cátions do plasma são o Na + e os cátions não-determinados (CND), tais como o potássio, o cálcio e o magnésio. Os ânions do plasma são o Cl – , o HCO3 – e os ânions não-determinados (AND), como as proteínas, os íons fosfato, os íons sulfato e os ácidos orgânicos. Portanto: [cátions] = [ânions] Na + + CND = (Cl – + HCO3 – ) + AND Na + – (Cl– + HCO3 – ) = AND – CND Fator R = AND – CND Conclui-se, assim, que o fator R, embora seja determinado a partir do sódio, cloro e íon bicarbonato, é na verdade determinado a partir das concentrações dos cátions e ânions não-determinados. Desta forma, quando a acidose metabólica é devido ao aumento na produção de ácidos ou à insuficiência renal, o fator R encontra-se geralmente aumentado, devido a elevação na concentração dos ânions não-determinados. A causa da acidose com um fator R elevado geralmente é determinada facilmente pela clínica ou por exames laboratoriais. A cetoacidose deve ser considerada quando a acidose ocorre em pacientes com diabetes mellitus não-controlada, alcoolismo ou desnutrição. Cetoacidemia pode ser detectada por testes séricos que reagem com o acetoacetato, mas não com o - hidroxibutirato. A reação para o -hidroxibutirato exige testes específicos. O diagnóstico de acidose lática é suspeitado nos pacientes com insuficiência circulatória grave quando outras causas de acidose foram descartadas. Um teste específico para o lactato plasmático pode ser realizado quando o diagnóstico é duvidoso. NEFROLOGIA - 37 A concentração elevada a níveis tóxicos de salicilato confirma a suspeita de intoxicação por salicilato e a acidose causada pela intoxicação com etilenoglicol ou metanol deve ser presumida se a osmolaridade plasmática mensurada exceder a osmolaridade calculada. Em todos os outros tipos de acidose metabólica, o fator R está normal porque não há nem uma produção aumentada nem uma excreção reduzida dos ácidos orgânicos. O tratamento da acidose metabólica depende da sua causa e da sua gravidade. Na insuficiência renal crônica, uma acidose metabólica leve ou moderada não requer tratamento. Quando o bicarbonato plasmático cai abaixo de 15 mEq/L, o tratamento pode ser feito via oral com álcalis, tais como bicarbonato de sódio ou citrato de sódio. Cuidados devem ser tomados para evitar a rápida alcalinização do plasma, que pode levar a tetania. Um excesso de sódio dado com o bicarbonato pode agravar uma hipertensão ou edema. Os pacientes com insuficiência renal aguda normalmente também não requerem terapia específica para a acidose. A diálise instituída para a insuficiência renal deve manter níveis adequados de bicarbonato. A acidose causada por disfunção tubular renal deve ser completamente tratada para evitar o desenvolvimento de hipercalciúria, osteomalácia, nefrocalcinose e litíase. A cetoacidose diabética responde bem a insulina e a maioria dos pacientes não requer tratamento com álcalis, a não ser quando o pH reduz-se de 7,1. A cetoacidose alcoólica responde rapidamente a infusões de glicose ou solução salina. Na acidose lática, a acidose pode ser corrigida pelo próprio metabolismo do lactato, que produz bicarbonato, quando o distúrbio puder ser revertido. O tratamento com bicarbonato endovenoso é controverso porque, primeiramente,
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