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Universidade Federal de Pernambuco Serviço Social Teoria Sociológica II Bianca David Souza Referência Bibliográfica: HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 13 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004. Rigidez x Liquidez David Harvey, em sua obra Condição Pós-Moderna, publicada em 1989, reflete sobre a transição para pós-modernidade, avaliando as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais.De forma que a obra é dividida em quatro partes. Este trabalho no entanto abordará apenas a segunda parte intitulada “A Transformação Político-Econômica do Capitalismo do Final do séc. XX”, dividida em cinco capítulos, onde Harvey trata das transformações na economia política do capitalismo, abordando a transição do fordismo para o que o autor denomina acumulação flexível . Primeiramente o autor busca introduzir a profunda mudança que ocorreu no modelo de produção capitalista no fim do século xx, e como princípios deste continuam sendo organizadores da vida econômica. Para isto ele monta uma linha cronológica onde pensa o fordismo desde sua criação a sua queda e apresenta a acumulação flexível. A transição do regime de acumulação e no modo de regulamentação social e política decorrente dele é marcada por modificações radicais nos hábitos de consumo, processos de trabalho e práticas do Estado.O regime de acumulação é materializado, formam-se normas, leis, hábitos e redes de regulamentação, esse conjunto forma o modo de regulamentação. Neste modelo o capitalismo também enfrenta grandes dificuldades, que no texto são divididas em duas grandes áreas. A primeira deriva das qualidades anárquicas dos mercados de fixação de preços, aqui cabe lembrar que a mão invisível nunca foi suficientemente eficaz em manter o capitalismo com um crescimento estável, fazendo com que o Estado intervenha e regule, buscando consertar/controlar/reduzir os danos causados pelas inúmeras falhas do mercado, de modo geral as pressões coletivas, não só vindas do Estado, afetam a dinâmica do capitalismo. A segunda área de dificuldade origina da necessidade do capitalismo de ter grande controle sobre o emprego da força de trabalho, ou seja depende da alienação do trabalhador, esse processo de “disciplinação” foi bem longo e precisa ser renovado a cada nova geração de trabalhadores e envolve uma mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação, além de tudo esses elementos têm de ser presentes não apenas no ambiente de trabalho mas em toda a sociedade. Ou seja exige um controle social das capacidades físicas e mentais do trabalhador. A educação, treinamento, mobilização de sentimentos sociais, persuasão e propensões psicológicas são ferramentas indispensáveis para que o controle seja efetivo, por isso são defendidas pela mídia, por instituições religiosas e por diversos setores do aparelho do Estado. O período de expansão pós-guerra (1945-1973) foi baseado em um conjunto práticas fordista-keynesiano, que após 1973 entrou em colapso dando lugar a um período de mudanças rápidas, fluidez e incertezas. Entretanto ainda não está claro se o este novo conjunto de práticas pode ser definido como um novo regime de acumulação, mas o contraste entre as práticas do pós-guerra e as da atualidade são bastante significativas a ponto de poder dizer que a uma passagem entre o fordismo e para o que o autor chama de acumulação flexível. Em 1914, Henry Ford introduziu o sistema de oito horas diárias e cinco dólares de recompensa, este ano ficou conhecido como data simbólica do fordismo, entretanto a implantação do fordismo foi muito mais complicada. Em muitos pontos a inovações de Ford eram apenas extensão das tendências já estabelecidas, ou seja em parte ele só fez racionalizar velhas tecnologias e uma divisão do trabalho preexistente, embora ao fazer o “trabalho chegar ao trabalhador” ele tenha conseguido ganhos surpreendentes de produtividade. O que distingue o fordismo do taylorismo era o reconhecimento explícito de que a produção em massa significava o consumo em massa, e reformulou a reprodução da força de trabalho, novos conceitos estéticos, nova psicologia, um novo modelo de sociedade, racionalizada e modernista. Antonio Gramsi, em seus cadernos do cárcere definiu brilhantemente o fordismo e o americanismo ao dizer que estes buscavam produzir um novo tipo de trabalhador, um novo tipo de homem e que os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo de viver e de pensar, sentir a vida. Para Ford se o poder corporativo fosse corretamente aplicado se construiria um novo tipo de sociedade, o dia de oito horas por exemplo obrigava que o trabalhador a ter disciplina e o dava tempo de lazer onde o mesmo consumiria o que era produzido em massa pelas grandes corporações, obviamente que para isso funcionar o trabalhador teria que saber como gastar seu dinheiro. Henry acreditava tanto nesse controle do trabalhador que em 1916 enviou assistentes sociais as casas de seus trabalhadores, para garantir que esses tinham bons valores e capacidade de consumo prudente. Essa ideia não durou muito, mas mostrou claramente os problemas que o fordismo poderia trazer para a sociedade. Em 1930 a mão invisível mostrou novamente sua ineficiência e o New Deal, intervenção do Estado, salvou o capitalismo, no início da grande depressão Ford aumentou os salários, isso mostra o quanto ele acreditava em seu modelo, entretanto com o passar do tempo até ele teve de demitir e cortar salários. A história de como o fordismo se estabeleceu é bastante complicada pois envolve o estado, os trabalhadores e as corporações. Pode-se dizer que a disseminação do fordismo nos anos entre guerras teve dois grandes impedimentos, primeiro no momento o estado das relações de classe não era favorável a um sistema que se apoiava tanto na familiarização do trabalhador, a segunda barreira estava nos modos e mecanismos de intervenção estatal, o choque da grande depressão de 30 fez com sociedades capitalistas repensarem as formas e usos dos poderes do Estado, o problema era como chegar a um conjunto de estratégias que fossem capazes de estabilizar o capitalismo e obviamente houveram tentativas diversas em diferentes nações-estados, esse problema só foi resolvido depois de 1945. O fordismo se aliou bastante ao keynesianismo, as expansões internacionalistas só atraíram mais nações para a rede do fordismo. No pós-guerra várias indústrias de tecnologias amadurecidas ascenderam, regiões-chave da economia foram definidas, a hierarquia cada vez mais clara. O estado se remodelou, o capital se ajustou para lucrar em modelos mais suaves, o trabalho organizado teve de ganhar nova configuração.O equilíbrio de poder que prevalecia entre o trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado não foi facilmente alcançado, a derrota dos movimentos operários radicais por exemplo prepararam o terreno para o fordismo. Aqui vale ressaltar que o fordismo era favorável ao sindicalismo e este foi umafigura importante nas negociaçõe podemos dizer, a grosso modo, que mediaram a relação chefe-empregado, obviamente que em alguns momentos eram mais valorizados que em outros, fazendo por vezes acordos que favoreciam a produção, Ford defendia os sindicatos como uma das colunas de seu sistema, pois via o quanto eles poderiam favorecer a corporação, ou seja eles eram bons desde que respeitassem os interesses da indústria. A expansão do fordismo internacionalmente se deu em um momento que os Estados Unidos estava no topo da hierarquia dos mercados e dominava com um sistema de alianças militares e relações de poder. O fordismo trouxe muitos problemas para a sociedade, desde problemas psicológicos, motores, falta de senso crítico, infelizmente muitos desses não foram visíveis logo de cara, mas a desigualdade que esse sistema causava era inegável, e logo gerou movimentos. A maneira que a raça, o gênero e a origem étnica classificava os que ficariam com os melhores empregos era gritante, neste momento os sindicatos dos trabalhadores das fábricas passaram a ser vistos como grupos de interesse, que não tinham ideais em prol da coletividade e dos excluídos. Além disso os países do terceiro mundo sofria com um processo de modernização tardio, que prometia desenvolvimento, mas só gerava destruição das terras, das culturas, dos povos e muita opressão, numerosas formas de domínio capitalista em troca de ganhos insignificantes no padrão de vida e de serviços públicos. Mesmo com tudo isso o regime permaneceu estável até aproximadamente 1973 quando então a recessão abalou o quadro e um rápido processo de transição de modelos de acumulação teve início. Desde os anos 60 o sistema já mostrava sérios problemas, por exemplo a recuperação da Europa e do Japão dependiam do crescimento mercados externos, os Estados Unidos enfrentavam problemas fiscais que fizeram o dólar cair. sinais da redução do poder norte-americano de regulamentação do sistema financeiro internacional.Já o terceiro mundo vivia uma onda de industrialização fordista onde o as relações trabalhas ou não eram respeitadas ou eram inexistentes. De 1963 a 1975, a incapacidade do sistema fordista se manter ficou evidente, tanto este quanto o keynesianismo não conseguiam mais lidar com as contradições do capitalismo. Já o período 1968-1972 foi marcado por greves e problemas trabalhistas, o que Harvey acredita derivar da rigidez na alocação e nos contratos de trabalho e da rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção de massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. O Estado em meio a tudo isso aumentou seus programas de assistência, buscando mais uma vez ajudar o capitalismo, a única política de resposta flexível era a monetária,com sua capacidade de imprimir moeda para manter a economia estável, foi assim que começou a onda inflacionária que acabaria por afundar a expansão do pós-guerra. A depressão de 1973 tirou o mundo do estado de estagflação, colocou em movimento processos que foram destruindo as bases do compromisso fordista, de forma a representar a passagem para um novo regime de acumulação, por sua vez associado com um sistema de regulamentação política e social bem distinta. Este novo regime é o da acumulação flexível, que confronta diretamente a rigidez do fordismo e se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Podemos caracterizar a acumulação flexível pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.Ou seja é um processo que envolve muitas mudanças nos padrões estabelecidos pelo fordismo, criando assim um movimento de emprego no chamado setor de serviços, e conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas. Entre outras características que chamam bastante atenção estão a taxa de desemprego, que salta com a implantação do modelo flexível, o trabalho regular e reduzido e o informal e de tempo parcial crescem, o salário que sofre redução, o poder sindical que passa a ser inexistente, aqui fica impossível não lembrar que no regime fordista os sindicatos influíam, mesmo que pouco em favor ao trabalhador. .Se o fordismo já gerava problemas a acumulação gera mais, o trabalhador fica sem voz, a possibilidade do trabalho parcial, com pouca ou nenhuma regulamentação permite o crescimento de negócios de médio/pequeno porte, e o ressurgimento de modelos de trabalhos antigos, e facilita a vida das grandes indústrias,em detrimento dos direitos dos trabalhadores, que têm sua capacidade de organização comprometida de forma que por vezes a base da luta de classes parece não existir. .Estas novas formas organizadas de produção, entretanto, colocaram em risco os negócios de organização tradicional, espalhando uma quebradeira que ameaçou até as instituições mais poderosas, mesmo que o poder de distribuição e alcance dos pequenos capitalistas não seja tão grande. Outros pontos de destaque, a onda de fusões que aconteceram no regime flexível e o quanto a informação e o conhecimento técnico passaram a ser ainda mais valorizadas, o que é de fácil compreensão pois em um regime tão rápido, com competição exacerbada, o conhecimento de uma nova técnica, uma informação, pode e faz grande diferença na competição. .Para que o capitalismo se fizesse expansível e sustentável foi preciso a desregulamentação do sistema financeiro, que em meados de 1986, abrangeu todos os centros financeiros do mundo num sistema integrado, coordenado pela telecomunicações instantâneas. Ao contrário do que pode parecer o capitalismo está cada vez mais organizado, para tanto faz uso da mobilidade geográfica, das respostas flexíveis nos mercados e de grandes inovações tecnológicas. .No capítulo teorizando a transição o autor retoma a discussão sobre a transição do fordismo para um novo modelo e o quanto esta não tem uma definição clara e trouxe bastante dificuldade para as teorias no geral, deixando claro que não se pode esquecer as mudanças que vem acontecendo no capitalismo desde a década de 70. .O sistema capitalista sempre busca o crescimento, os lucros, entretanto esquece ou melhor ignora as questões sociais, ecológicas, políticas. O tão desejado e defendido crescimento até vem, mas a que custo? Explorando o trabalhador, alienando-o, acabando com recursos naturais, subjugando pessoas, culturas, países. Uma base do capitalismo é a desigualdade, o controle da salario, do tempo, da vida do trabalhador é indispensável para que este sistema produza e se reproduza, outro ponto chave do sistema é sua dinamicidade, ele está sempre se reformulando após crises e mostra-se cada vez mais hierarquizado e excludente. .O progresso defendido pelocapitalismo não é progresso é o aumento da exploração. Marx já alertava para a inconsistência e contradição do sistema e também para a propensão a crises de superacumulação,uma tendência que nunca pode ser eliminada do capitalismo. O que pode vir a conter a superacumulação é o controle macroeconômico, por meio de regulações entretanto caso a contenção aconteça é por um curto período de tempo.Mas como visto foi necessário uma grande crise de superacumulação para ligar a produção fordista a um modo keynesiano de regulamentação estatal antes de se poder garantir alguma espécie de crescimento macroeconômico estendido e equilibrado. .Outra saída para a superacumulçao é a absorção da superacumulação por intermédio do deslocamento temporal e espacial. Um bom exemplo disso, os empréstimos feitos a países periféricos, para a construção de infra-estrutura de longo prazo ou para a compra de bens que ajudem a gerar produtos por muitos anos, essa foi por exemplo a solução do modo fordista para as crises de superacumulação.Em 1973 a capacidade de resolver pelo deslocamento geográfico se esgotava, a competição especial aumentava, surge então a acumulação flexível, um regime que como capitalista busca o lucro, fazendo uso da mais-valia absoluta e relativa. .Como dito no início do texto Harvey observa a transformação em vários ângulos, nesta resenha são citados apenas os principais pontos que diferenciam a modernidade da pós-modernidade. O coletivo vira individualidade, os sindicatos são esquecidos,desvalorizados, o conceito de classe social entra em confronto com as identidades e passa por uma reconceituação, o sistema industrial dá lugar a era da informação, a burocracia substituída pelas redes, a economia antes mecanizada agora informacional, a rigidez agora substituída pela liquidez, o liberalismo sucedido pelo neoliberalismo, o fordismo deu lugar a acumulação flexível, onde o trabalho formal, fixo, estável é quase inexistente, a moda é o trabalho temporário, onde a empresa tem poucas ou nenhuma obrigação com o trabalhador além de pagar o salário, que obviamente não é justo, nem está passível a discussão afinal o exército de reserva é grande, e o trabalhador acaba se sujeitando a salarios ridiculos, condições insalubres, desrespeito e humilhações, pois ele tem de garantir sua subsistência, nesse mundo cada vez mais doente. .O capitalismo é instável, as crises inevitáveis, a mão invisível nunca será suficiente para garantir a estabilidade do sistema, e o Estado se faz necessário. Entretanto o sistema se mantém, pois é extremamente dinâmico, tem uma capacidade surpreendente de se remodelar frente a crises e consegue controlar/alienar de maneira magnífica, sempre atualizando suas instituições e formas de enfeitiçar o ser. O capitalismo ao se manter garante a reprodução das desigualdades, a era do fordismo realmente passou, um novo modelo está em curso entretanto não sou capaz de dizer se este já está maduro ou apenas no início de sua formulação, mas fica claro que este novo tem um poder de destruição ainda maior que seu antecessor, e a maioria dos Estados estão rebaixados a meros fantoches do sistema, atuando sempre em favor do capital e esquecendo o seu papel social, usando de falácias como a meritocracia para validar sua posição, que na verdade é em defesa do acúmulo de riquezas na mão de poucos, da desigualdade.
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