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texto sobre teoria crítica do Direito (profª Adriana)

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DISCIPLINA: CIÊNCIA POLÍTICA 
CURSO: DIREITO
PROFESSORA: ADRIANA VIEIRA DA COSTA
ASSUNTO: NOÇÕES DE TEORIA CRÍTICA DO DIREITO 
A TEORIA CRÍTICA DO DIREITO�
A teoria crítica do direito deriva de uma concepção que atribui ao sujeito do conhecimento um papel ativo e construtivo quanto ao respectivo objeto. No processo gnóstico, é o próprio sujeito quem cria seu respectivo objeto, adaptando os dados da experiência às categorias por ele próprio elaboradas, ainda que levando em conta os conceitos, juízos e raciocínios do senso comum teórico, os quais fazem da experiência uma atitude de engajamento e não uma atitude neutra e desinteressada.
Se esse engajamento é discutível quanto às ciências da natureza, parece evidente nas ciências sociais, entre as quais a Jurisprudência, na qual o cientista, na impossibilidade da absoluta correspondência entre seu próprio discurso e algo que, ao nível dos fatos, possa ser descrito objetivamente, cria esse objeto, para então considerá-lo como a própria realidade. Tal ocorre como o dinheiro, a justiça, o Estado e os valores, que não é possível predicar a existência factual de tais objetos, muito embora o saber jurídico tradicional os considere como algo que “está aí”, lançado no mundo e passível de descrição em um discurso semântico unívoco.
Se as instituições jurídicas são objetos criados pelo conhecimento, essa criação pode ser transformada, na medida em que a realidade social que sob ela se oculta merece ser transformada, e não apenas descrita em seus nexos causais. Ocorre, assim, uma ampliação do saber jurídico, que assume função crítica em relação a essa realidade social e função prospectiva, porque voltada para o futuro e não presa ao passado. A Jurisprudência, dessa forma, não somente incorpora a política jurídica como se vale da ciência política e das demais ciências do homem e da sociedade, não para descrever-lhes os prováveis nexos causais, mas para constituir algo melhor do que mostra a realidade presente. 
Tal é a nova dimensão que se atribui ao direito, tal é o papel da interpretação jurídica, que assim passa a configurar instância crítica do que ocorre no mundo, e não mero espectador do que os outros fazem.
A crítica do direito incorpora a visão do presente, mas voltada para o futuro. Ela se vale do saber teórico acumulado, não para dogmatizá-lo em seus postulados, mas para superá-lo na medida das necessidades para a reconstrução do homem e da sociedade. Nesse enfoque, ocorre o desmascaramento do conteúdo ideológico da ciência do direito, a qual não somente revela a ideologia do sistema de direito positivo como também assume um projeto político próprio, o ponto de vista do que é melhor para a transformação do direito e da ciência do direito.
Como estatuto epistêmico, a teoria crítica vale-se de suas próprias categorias, que não constituem a priori formal ou material, mas estruturas de pensamento construídas especialmente para pensar seu objeto, o fenômeno jurídico. A teoria crítica as apresenta sob a denominação de sociedade, ideologia, alienação e práxis. São significados que se reportam a seus referenciais semânticos – a sociedade, a ideologia, a alienação e a práxis -, mas que ao mesmo tempo constituem pontos de vista especiais, instrumentos para pensar o direito. Daí a denominação categorias do pensamento crítico ou “categorias críticas”.
A utilização das categorias críticas importa que o direito seja compreendido em função da sociedade, da ideologia, da alienação e da práxis, e não o oposto, atitude característica do positivismo. Significa que não se as estuda como objeto, do ponto de vista do direito, mas se estuda o direito do ponto de vista da sociedade, da ideologia, da alienação e da práxis.
A sociedade é vista não como ordem e progresso, mas como movimento social, ou seja, organização dos movimentos sociais de grupos marginalizados que tendem à ascensão social, em conflito com indivíduos e grupos que tendem à manutenção do status quo.
A ideologia é a imagem que a sociedade projeta dela mesma e dos indivíduos e agrupamentos que a integram, imagem geralmente inconsciente, manipulada por meio dos instrumentos de que dispõem os segmentos dominantes, no sentido de induzir comportamentos que atendam a seus interesses. Entre esses instrumentos, destacam-se a mídia, a educação e a indústria cultural.
A alienação é o produto da ideologia, e significa a inconsciência dos membros da coletividade acerca do papel que realmente desempenham na sociedade. Ou seja, existem atitudes, crenças e comportamentos induzidos pela ideologia e aceitos como legítimos, mas que ocultam e dissimulam a situação verdadeira; por exemplo, o representante político que se diz defensor do povo, mas que na verdade defende seus interesses particulares, ou o advogado que se julga honesto defensor de seus clientes, mas que se vale da corrupção e da mentira, o industrial que se julga criador de empregos e riqueza do país, mas contribui para a miséria de populações inteiras na medida em que polui os rios e se entrega a práticas oligopolistas, e o magistrado “dogmático” que se declara defensor das leis, em nome da certeza jurídica e da segurança jurídica, e ao mesmo tempo ignora as existências da justiça material e os valores mais altos que pairam acima das leis, o juiz que se isola em sua solidão e não se mistura com o povo, em nome de falsa neutralidade ideológica.
Finalmente, a práxis é a união entre o saber e o fazer. Equivale à dimensão ética da teoria crítica e importa a irrenunciável tarefa de engajamento político do jurista na defesa dos direitos fundamentais do homem, como ser humano e como cidadão, e a utilização das expressões históricas do direito para construção e reconstrução da sociedade e do próprio direito como justiça.
É a partir dessa visão crítica, construtiva e prospectiva que a teoria crítica do direito efetua a revisão da hermenêutica jurídica tradicional.
De um ponto de vista metametodológico, a ciência do direito considera a lógica dialética voltada para a compreensão do direito em sua totalidade e dinamismo imanentes, como objeto impregnado de valorações.
Do ponto de vista da metodologia, os procedimentos referidos à compreensão e à extensão das leis são despojados de seu conteúdo formal e submetem-se a novas atitudes, condizentes com alguns avanços determinados pela epistemologia, pela lógica e pela semiologia.
Assim, o método gramatical passa a ser lingüístico-semiológico, dando-se mais importância aos efeitos sociais das decisões jurídicas do que a sua correspondência semântica com pretensos significados originários dos textos legais.
Os procedimentos lógicos abandonam o exclusivismo do pensamento analítico e adotam pontos de vista dimanados de novas lógicas, as quais concedem prioridade ao conteúdo dos enunciados. Sem abandonar a lógica formal do direito, intervêm aí as elaborações da lógica material, da lógica do razoável, da tópica, da nova retórica e da lógica paraconsistente. Ou seja, a interpretação lógico-formal é enriquecida com a interpretação lógico-material.
A interpretação sistemática passa a ser entendida não mais a partir da idéia de sistema lógico-formal, mas como interdisciplinaridade, partindo do pressuposto de que a sociedade é interação de sistemas diversos – familiar, econômico, político, internacional, empresarial etc. -, os quais se articulam com o sistema jurídico.
Quanto à interpretação histórica, denuncia-se o caráter falacioso e mitológico da pretensa vontade do legislador, do Estado e da lei para conceder maior importância às circunstâncias sociais que ensejaram conduzir a uma produção normativa específica, em confronto com as necessidades atuais da vida social. Nesse aspecto, a interpretação histórica dilui-se na interpretação sistemática, pois prevalece a história interna do direito, levando-se em conta todos os fatores interdisciplinares que levaram ao estado atual das instituições jurídico-políticas.
Do ponto de vista da extensão da lei, os procedimentos tradicionaisda interpretação declarativa, extensiva e restritiva igualmente se valem da lógica material. Considera-se a existência de lacunas internacionais no ordenamento jurídico, já que voltadas para a manutenção de estruturas sociais injustas e de uma ordem jurídica igualmente injusta, e atribui-se à consciência jurídica dos operadores do direito a colmatação das lacunaridades e insuficiências do discurso dogmático, a partir da postura crítico epistemológica.
A hermenêutica crítica opõe-se a uma ciência construída sobre princípios dogmaticamente aceitos pelo senso comum teórico dos juristas e problematiza as respostas do saber jurídico tradicional, questionando a própria situação social em que elas incidem. Assumindo a existência real de lacunas na legislação, contempla a situação que deve ser normatizada, avaliando as possibilidades, os meios e as oportunidades de normatização. Projetando-se para além dos horizontes estreitos da dogmática jurídica, procura constituir-se em instrumento de transformação dos postulados da dogmática e não de sua legitimação, papel que cabe à política do direito, mas que a crítica assume para fazê-la integrar o objeto da jurisprudência segundo o paradigma construtivo e prospectivo da ciência.
Seu compromisso fundamental não é a legitimação retórica de postulados dogmáticos, mas a própria transformação positiva do direito, num sentido de aperfeiçoamento que nunca cessa, pois o direito se aperfeiçoa na medida em que o próprio homem e a sociedade que ele constitui se aperfeiçoam.
Como teoria prospectiva, a ciência do direito assume sua função política e ideológica, devendo ser encarada como disciplina compromissada com a realidade social e voltada para a construção de uma ordem jurídica e social progressivamente melhor. O direito passa, então, a ser encarado não como instrumento de dominação dos poderosos sobre os demais segmentos da sociedade, mas como instrumento de transformação social, expressão da justiça que deve ser realizada.
Com essa função problematizadora, as construções teóricas do saber acumulado são reveladas em suas lacunas, suas insuficiências e pressupostos, constitutivos de princípios gerais. Tal questionamento enfatiza o vazio dos conceitos elaborados pela teoria geral do direito para abranger as exigências, sempre renovadas, da vida social numa sociedade em permanente transformação.
Os conceitos de sujeitos de direito e personalidade, ato e negócio jurídico, propriedade, sanção, delito, a série infindável de conceitos que definem a experiência jurídica, as categorias gerais utilizadas para fundamentar acadêmicos discursos sobre a natureza jurídica dos institutos, não devem ser encarados como algo perene e intocável, à maneira do fetichismo conceitual dos pandectistas, mas como idéias em evolução, cuja vocação é serem complementadas e ampliadas em função das necessidades reais da vida.
Assim, a teoria crítica invade os domínios da teoria geral do direito, seja redefinindo seus conceitos fundamentais, de modo a neles integrar as valorações subjacentes no meio social e inerentes aos direito como um todo, seja reelaborando os princípios gerais fundamentadores dos ordenamentos jurídicos históricos, seja construindo novos conceitos e categorias aptos a abarcar de maneira prospectiva a realidade social e axiológica, especialmente a ordem que se pretende construir. Assim sendo, ela fundamenta a revisão epistêmica dos chamados conceitos jurídicos básicos, revelando-lhes o significado ideológico subjacente, elidindo por aparente neutralidade científica, e problematizando o caráter dogmático de que se revestem perante o senso comum teórico, em virtude da própria racionalidade que espelham.
Do ponto de vista da dogmática geral, a teoria crítica procura reelaborar a teoria geral do direito mediante a adequação dos conceitos gerais à experiência total e dinâmica do direito.
Pode-se acrescentar que o papel do jurista não é manter os conteúdos normativos estabelecidos pelo poder, mas substituí-los por outros mais condizentes com as exigências da justiça material e da realidade social. Ao juiz, especialmente, não cabe aplicar a lei, mas fazer justiça. 
BIBLIOGRAFIA
COELHO, L. F. Aulas de Introdução ao Direito, Barueri-São Paulo: editora Manole, 2004.
� Texto extraído do livro “Aulas de Introdução ao Direito”, editora Manole, 2004, de Luiz Fernando Coelho, doutor em ciência humanas, livre-docente em Filosofia do Direito e especialista em Direito Comparado.

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