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Desejo Sexual: Uma investigação filosófica – Roger Scruton – Resumo Prefácio: O desejo sexual foi, depois de alguns autores como Freud, cientificado demais. De tal forma que perdemos o elemento humano na análise do mesmo. O sexo para o autor, tem uma decência, mas para entendê-la necessitamos entender a indecência. Capítulo 1 – O Problema Autores como Platão e posteriores como São Tomás de Aquino acreditavam que o desejo sexual era apenas um impulso, que fugia do amor racional e, para eles correto. Daí surge o amor platônico que é apenas a sensação erótica mas não instintiva. Para o autor isto não está certo, e ele irá argumentar que o desejo sexual é fruto da intelectualidade humana, e por isso deve ter uma ética. Sexo normalmente é visto como algo "bom por si só", as coisas ruins que o envolvem não estão diretamente ligados a ele, como a violência sexual que é negativa por ser violenta e não sexual. Porém, ao analisar questões sexuais como masturbação, fornicação etc, ele tende a ir contra indivíduos como Freud e dizer que estão erradas, por mais que não seja judicialmente errado. O que será feito aqui será uma investigação filosófica, e tendo em vista isso, precisamos entender alguns conceitos como transcendentais e empíricos. O primeiro dá conta de explicar a experiência humana e o segundo, o estudo da análise científica. Na análise científica por vezes não temos a dimensão que realmente nos afeta e que moldou determinada ação na sociedade ou no indivíduo. Como por exemplo as constelações, que são criações humanas devido às nossas contingências, mas que não tem padrão científico algum. Ou seja, ficar se atendo a questões científicas por vezes nos faz deixar de dar a real importância ao que nos afeta. Neste ponto, chamaremos essa nossa consciência do mundo externo (baseado em ideias como crença, percepção, imaginação) de "Lebenswelt". O autor então tenta descrever o desejo sexual nesse Lebenswelt e assim percebe que uma descrição científica do mesmo não explica o fenômeno humano que o caracteriza. Considere se relacionar com alguém apenas se preocupando com sua dimensão química e molecular, seria impossível ter sentimentos como raiva ou alegria em relação a algo assim. Coisa e ser humano estão divididos filosoficamente a tempos, e Kant foi um expoente nesse ponto de vista. Ao fim desse capítulo o autor expõe que irá tratar de vários assuntos envolvendo sexualidade por vezes a luz da religião, não como fonte de conhecimento própria mas sim dos efeitos na sociedade, esses efeitos fazendo parte do Lebenswelt irão ser importantes para entender a dimensão ética desse desejo. Capítulo 2 – Excitação O fenômeno para seres racionais têm camadas de significado totalmente diferentes dos outros animais. Não podemos entendê-lo apenas como um processo mecânico hormonal e reprodutivo. Podemos começar percebendo essas camadas no ato do beijo. Ele induz excitação mas não pelo seu processo físico, afinal de contas na boca não temos a mesma quantidade de promotores dessas sensações como em zonas erógenas. E, se o simples ato de beijar causasse esse tipo de professor, beijar um parente ou mesmo numa peça de teatro teriam os mesmos efeitos que o beijo de um casal apaixonado. O que transforma o prazer do beijo no prazer sexual é a excitação, ela muda o conteúdo intencional das ações. Para compreender melhor esses conceitos devemos entender e diferenciar prazeres intencionais dos não-intencionais. Um exemplo de não intencional é o prazer que se tem num banho quente, não há controle sobre esse prazer, a menos que uma racionalidade intencional, como descobrir que a água na verdade é ácido, mude o conteúdo da nossa sensação, por mais que a ação do banho seja a mesma. O autor cita o exemplo de uma condessa que sentia prazer em sentir as bicadas de uns patos nas suas coxas, nesse ponto ele argumenta que não era exatamente a sensação física que a deixava excitada, e sim o fato dela estar "se rebaixando" à ação dos patos sobre ela. A bestialização é sempre algo horripilante, a menos que se veja os animais como caricaturas humanas, e se sentir associada com uma delas, ou seja, se rebaixando e cortando o elemento de responsabilidade humana da relação, é isso que dá o prazer. Aí temos o surgimento da fantasia, que são pensamentos ordenados para dar sentido à ações mecânicas. A excitação verdadeira é uma tendência para o outro, ações como o carinho nos permitem entender melhor esse conceito. O carinho acaba por ser a "linguagem" que comunica que você está em função da outra pessoa e a outra pessoa em sua função (elementos de linguagens estão normalmente fora de fantasias, principalmente as bestiais). Claro, não podemos resumir todo o ato de desejo sexual como uma linguagem, algumas ações não podem ser "traduzidas". O desejo permite umas cadeias de pensamentos ad eternum, como Sartre dizia, a reciprocidade é uma delas (estou com desejo porque o outro está com desejo, que está com desejo porque eu estou com desejo etc.) e dentro desse contexto existe também a linguagem. Por exemplo, quando uma mulher demonstra traços de ninfomania, ela não está preocupada com a mensagem que um instrumento fálico a passa, pois, em geral, ele não pode corresponder a seu apetite. Da mesma forma que olhar por vários horas um desenho mal feito não vence o apetite de olhar belas obras de arte. A excitação sexual tem uma intencionalidade epistêmica, ou seja, ela depende do conhecimento e descoberta do outro, e isso não tem como ser substituído por "outra pessoa" além daquela que você deseja. Essa excitação, por consequência, necessita de privacidade, essa entrega não pode ser completa aos olhos do outro. Por isso numa obra citada pelo autor, a figura das duas pessoas se olhando no espelho durante o ato toma tons cômicos. Para concluir o capítulo, o autor afirma que esses são elementos iniciais para a negação da teoria de Platão que desejo e excitação estão desvinculados. Capítulo 3 – Pessoas Para poder argumentar que o desejo sexual é algo presente apenas em pessoas, o autor precisa definir o que é pessoa. Para ele um animal não é uma pessoa e, por consequência, ele não tem desejo. Mas o animal é um ser paradigmático, onde pode nos servir de laboratório para a compreensão de conceito de pessoa. Por exemplo, os animais podem ser definidos como uma Unidade Real, onde o todo vale mais que a soma das suas partes. Uma pedra continua sendo uma pedra quando repartida, mas um animal não. Porém, diferente de um animal, uma pessoa tem consciência de si mesma, e só um ser consciente pode sentir desejo, projetar coisas no futuro, presumir responsabilidades, todos conceitos presentes apenas em pessoas. A linguagem é ponto importante nesse conceito, pois com ela nos diferenciamos de animais ao interpretar eventos externos. Quando um cavalo se fere ele não consegue construir uma argumentação para não passar naquele lugar ou naquela situação que o feriu. Mesmo se existissem seres inteligentes sem linguagens, nós, que a temos, teríamos que criar uma linguagem para eles, caso eles a tivessem (parecido com o que fazemos com bebês). Neste ponto, podemos argumentar que um animal se distingue de outros como indivíduo, mas a sua individualidade é igual a qualquer outro. Aqui temos então o que chamamos de “caso em primeira pessoa” onde o indivíduo toma suas responsabilidades e pode arguir sobre coisas que o afetam, como dor por exemplo. Algo diferente de uma pessoa não teria como, mesmo um animal com dor não tem capacidade intelectual de se perceber como um indivíduo, por ter dores. Um bebê, por mais que seja um ser humano, ainda não tem capacidade intelectual para dizer que está com dor, e quando criança pode usar essa frase sem realmente estar, não como uma mentira, mas por não estar a par das responsabilidades e intenções que este evento pode lhe causar. A ideia de intenção é bem ilustrativapara compreendermos o que é ser uma pessoa, pois quando uma pessoa não cumpre com uma intenção, não sendo por ter mudado de ideia ou por impossibilidade temporal, temos situações bem delicadas de insanidade ou irracionalidade. Agentes que têm desejos sexuais, tem em algum nível essas características. Então, o autor cita que tudo que se refere à pessoas está no espaço da interpessoalidade, e que: 1 - Não pode haver uso verdadeiro da linguagem sem os privilégios do “caso em primeira pessoa”; 2 - Com esses privilégios, ele se torna um ser racional; 3 - Então ele pode “dar e receber” razões de outros seres racionais. Para concluir, o autor diz que as ideias Kantianas de Eu transcendental, que é aquele que se percebe acima da natureza e não sofre os efeitos dela, não existe, porque o único ambiente que este pode exercer sua individualidade é no mundo empírico. Conceitos como esse são apenas sombras da identidade atômica e real “eu”. Capítulo 4 - Desejo Como já argumentado, animais têm muitas diferenças em relação aos humanos no que acomete a individualidade. Uma pessoa, diferente de um animal, não está sujeita a erro quando algo que lhe caracteriza como ser único (por exemplo a dor) lhe ocorre. Questões como a "perspectiva em primeira pessoa" são importantes aqui para entendermos o desejo. Um ponto nesse estudo, a dependência da visão do outro sobre mim. Não nos excitamos apenas pelo outro como indivíduo, mas pela visão que ele tem de mim. Levando em conta que ele como humano racional sabe que também tenho essas competências, temos a mistura que inicia o processo. Como no exemplo citado pelo autor onde dois homens que não podiam se tocar e se comunicar conseguem ter seu momento de êxtase à distância apenas com mímica. Logo, o outro acaba se tornando parte de mim por ser em parte responsável pelo meu desejo involuntário. Este conceito de involuntariedade é importante na excitação, pois elementos como sorriso e rubor, que são totalmente involuntários, induzem muitas reações sexuais. Quando vemos uma pessoa sorrir ou ficar ruborizada, sem dúvida temos a conclusão de que ela está devido a alguém ou algo. Por mais que esteja sozinha, em seus pensamentos existem coisas que a competem. Para compreender a diferença entre os desejos humanos em relação ao desejo sexual, a compreensão da encarnação é importante. Alguns autores acham que o corpo é apenas um instrumento para a ação do eu, porém é mais válido, até mesmo por questões científicas, associar o corpo ao indivíduo, eu sou meu corpo. E é justamente por eu ser meu corpo, que ações involuntárias destes são tão importantes no âmbito sexual: sorriso, choro, rubor etc comunicam vontades, pensamentos e desejos que nos caracterizam. É absurdo imaginar alguém que se apaixona apenas por órgãos sexuais, por mais que sejam eles que para alguns autores, têm toda a função sexual. O comum é nos apaixonarmos pelo resto, que é o ponto principal de toda demonstração involuntária. Existe o conceito de pessoas desencarnadas, estes podem ser instituições como empresas, o Estado, ou até mesmo o próprio deus. Por mais que tenham alguns sentimentos humanos em relação a esses "indivíduos", não é possível que tenhamos desejos sexuais pelos mesmos, de tal forma que percebemos aí um vínculo entre desejo e encarnação. Enquanto alguns estudiosos como Freud e aqueles do Relatório Kinsey dizem, o desejo sexual está apenas associado à modificações nas glândulas e o orgasmo é o objetivo final de todas essas alterações no corpo. Porém, se olharmos a situação no ponto de vista humano,, percebemos que na verdade o desejo está fora de si. Quando queremos nos relacionar com alguém, dizem que "queremos ela/ele". O desenvolvimento da linguagem nesse âmbito é muito revelador, porque normalmente nunca podemos substituir o "quero ela" por "quero fazer sexo com ela", não é o ato que se busca, e sim o indivíduo. Se fosse o ato, a substituição de ela por "outra" ela, ou simplesmente um animal ou objeto, seria o suficiente. O pensamento individualizante está tão presente no âmbito do desejo sexual que por vezes na literatura, como em Romeu e Julieta, é necessário que exista a desvinculação da pessoa com seu nome para que o desejo da mocinha da obra seja concretizado. Dessa forma, observamos o fenômeno de que, ao imaginarmos que estamos diante do objeto do nosso desejo sentimos prazer mesmo que este não o seja, e a repulsa vem quando isso se descobre. Novamente, podemos desmistificar a associação de desejo sexual e fome, em enquanto a fome não denota a necessidade de individualização (posso comer um prato de cenoura, independente de ser "este" prato ou "aquele") o ato de sentir desejo por uma pessoa não lhe imbui de sentir por todas as outras. A ética kantiana, tão usada em nossa sociedade, não é muito feliz ao tentar explicar o desejo sexual, pois ela erroneamente associa desejo com apetite, mas diferente da fome, que necessita de fontes animais e vegetais, o desejo sexual necessitaria de seres humanos. Esta visão do "imperativo categórico" não leva em conta a "intencionalidade individualizante" e seu "foco na encarnação". Levemos em conta também a importância da curiosidade no desejo sexual, enquanto seres racionais temos essa necessidade e prazer pelas respostas de nossas dúvidas, em geral isso é levado ao sexo, porém, para o autor, ele se dissolve na hora que o amante começa seus atos, sai a curiosidade e entra a preocupação pessoal. De tal forma que vem a pergunta: qual o objetivo do desejo? Ao fazermos uma analogia com o jogo de futebol, por vezes podemos nos confundir que nesse jogo o objetivo é o gol, o que não é o caso. Podemos perceber 4 tipos de objetivos para este: o imediato (pontuar), o longínquo (vencer), o motivo (diversão) e a satisfação (experiência significativa). A essa altura do livro ainda não temos todas essas respostas, mas temos a imediata que é a "união com o outro", o contato físico do tipo que é causa e objeto da excitação. De tal forma que quando alguém está sedento por sexo, ele não está com desejo por alguém, mas com desejo pelo desejo, este só se configura como desejo sexual quando a mulher (que no caso do exemplo do marinho a longos dias apenas vendo homens) é a primeira mulher que se apresenta. O prazer sexual mútuo também é um dos objetivos, quando um dos lados não se preocupada com o prazer de outrem, surgem as chamadas perversões. Nos casos mais graves pode chegar a perversões de necrofilia ou ao usar a imagem de outrem sem a sua permissão, em casos de justiça. Este último caso curiosamente ocorre quando o outro é objeto de desejo e não o quer ser. O fenômeno de sê-lo é importante neste contexto, pois o mesmo ato sexual que causa desgosto em alguém, pode não causá-lo caso seja desinteressado (esbarrações num ônibus), estes mesmos atos quando imbuídos de desejo de um só dos lados são criminosos, como já citado. Para concluir, o autor diz que orgasmo não é objetivo do prazer pois ele pode ser objetivo mecanicamente e mesmo assim não satisfaz todos os nossos interesses sexuais e que existem duas etapas importantes no caminho do desejo que irão ser comentadas, intimidade e a realização do desejo no amor erótico. Capítulo 5 - O Objetivo Individual Para definir a individualidade, o autor tem seis ideias: – O universal e o particular: para que você despreze alguém, é necessário que ele tenha algum elemento para isso, se outro indivíduo tiver o mesmo elemento, também será odiado. – O fundado em razões: algo que uma pessoa tem como qualidade pode ser motivo para ser amada, porém surge a discussão: você ama a pessoa se ela deixar de ter isso. Em geral, é um conjunto de razões que vai definir o “ele” que eu amo. – Atenção e desatenção: aqui o autor introduz o conceito kantiano de “interesse desinteressado” que surge de elementos que você não busca mas te encanta esteticamente. – O propósitoe o despropositado: nem sempre um relacionamento tem objetivos. Uma amizade, por exemplo, é um tipo de relação interpessoal sem um objetivo a ser seguido, mas é um fim em si só. – O transferível e o intransferível: aqui o conceito fica mais claro, quando estamos gostando de alguém não podemos simplesmente transferir esse sentimento para outra pessoa. Ser tão bom quanto não vale, não é possível. – Mediato e imediato: Posso gostar de alguém sem conhecer simplesmente por alguma característica que sei que a pessoa tem, esse é o caráter imediato da individualidade. Aqui já podemos fazer uma distinção de amor e desejo, pois o amor tem objetivos e razões. Porém o desejo é muito forte também, o que normalmente o faz ter atitudes que não consegue estimar. O conceito do eu toma conta do capítulo, onde ele define que se relacionar com alguém é se relacionar com o “eu” dele. Mas ele não é tão individual ao ponto de não termos uma concepção clara do que ele experimenta, apenas por ser um ser individual, suas experiências podem ser universais. Quando nos relacionamos com ele, levamos em conta o nosso eu, e de tal forma, ao eu único do próximo. O autor começa então a falar sobre o paradoxo de Sartre, que não explica a importância do “outro” na fenomenologia do prazer sexual. Para ele tem duas formas de consumar a união de duas pessoas, o desejo sexual normal e o sadomasoquismo. Para Sartre a primeira desaba na segunda, pois o objetivo é sempre se apropriar da encarnação do outro. Alguns autores como Hegel dizem que não é o desejo sexual que tem essas contradições, mas sim a luxúria, que é a bestialidade humana que em linhas mais pesadas chega ao estupro. Para o autor, o desejo não tem contradições, pois ele leva ao trabalho mútuo, que é diferente das conclusões paradoxais de Sartre. Discorrendo sobre o objetivo do desejo, o autor conclui que este é entrar o outro em seu corpo. No qual nós acabamos por ter essa busca pelo corpo do outro, pois é lá que ele demonstra a sua individualidade, no sorriso que percebo que o estou afetando sem o seu controle. Por tanto, quando eu beijo, se não estou sendo perverso, estou beijando o sorriso e não a boca, o eu que se revela em ações involuntárias e não a ferramenta corpo. Então o autor propõe sobre o desejo as seguintes afirmações: – A intransferibilidade tem fundamento no objetivo do desejo – o objetivo do desejo é individualizante – Esses pensamentos individualizantes definem na individualidade ilusória (perspectiva de primeira pessoa) e da verdadeira (corpo humano). – O desejo tenta unir esses dois padrões. Alguns elementos de contato estão em outros tipos de relação, por exemplo com crianças, mas eles não denotam excitação, justamente porque a criança ainda não tem uma perspectiva em primeira pessoa formada para que tenhamos esses vínculos e buscas. Esta busca da perspectiva em primeira pessoa é extremamente importante no entendimento do desejo, devemos levar em conta que, por mais que busquemos este eu verdadeiro, nunca estaremos "na pele" da pessoa para vivenciá-lo. Esta vontade é tão forte, de ver o que o outro está vendo, que alguns cometem o erro de fazer sexo se olhando no espelho. Claro, alguns autores moralistas cristãos como Agostinho demonizavam totalmente o sentimento sexual, dizendo que ele era o reflexo da queda. Vale a pena destacar ao final do capítulo que por vezes os humanos empreendem para se amarem como animais, tirando o elemento individualizante da jogada, como, por exemplo, no poliamor. A experiência mostra que esse tipo de desenvolvimento só destrói o desejo. Apenas quando acreditamos fielmente (por mais que cientistas digam o contrário) que cada indivíduo é único para nós no que compete a desejo sexual, é que nos livramos de ansiedades, sentimentos falsos e luxúria. Capítulo 6 - Fenômenos Sexuais Neste capítulo o autor refletirá sobre experiências sexuais fora da normalidade. – Obscenidade: Quando algo se torna obsceno sexualmente falando, isto ocorre quando vemos a relação sexual em terceira pessoa. Obras artísticas que observam o sexo em primeira pessoa normalmente não usam de elementos como órgãos sexuais para explicá-los. Diferente da pornografia que foca nisso. Neste âmbito, a curiosidade toma papel importante, pois por vezes ela supera o desejo, e quando ocorre o fim da relação sexual, esses elementos nos envergonham. Como diziam os romanos, “animal post coitum triste”. Dizendo que essa tristeza vem da nossa alma animal. De acordo com o autor isto é meio errado pois nosso desejo não surge disso. - Modéstia e vergonha: São sensações difíceis de lidar. A vergonha, por exemplo, é perigosa para o indivíduo que a sofre, pois normalmente é fruto de uma evidência que é impossível de ser contradita. O autor promove a ideia, baseado no estudo de Havelock Ellis, que a vergonha sexual é um tipo diferente deste fenômeno. E que possivelmente está associado com o lado escatológico dos órgãos sexuais. Podemos evidenciar isso até nas palavras utilizadas para se entender alguns conceitos sexuais (como puro e impuro). Levando em conta que seios também são fruto da vergonha sexual, esse estudo não está completamente certo. Essas teorias não explicam, então, a vergonha sexual. Podemos observar outros elementos interessantes, como por exemplo a vergonha no pós-sexo. Este desprezo por si mesma surge pois (a mulher em específico) percebe que aquele que lhe fez mostrar sua nudez não o deseja mais. Percebemos então que essa "vergonha sexual" é fruto de uma questão maior, a vergonha do corpo, que em outras palavras têm medo de demonstrar a encarnação do eu no corpo para os outros. – Significado dos órgãos sexuais: O autor mostra que esses órgãos, como o corpo, indicam individualidades que não controlamos. Somos escravos desses órgãos, não os controlamos, como um sorriso ou choro. Os elementos escatológicos que esses órgãos permeiam demonstram a nossa dependência do corpo. Na arte, alguns homens demonstram ódio a seu pênis quando o mesmo não funciona, querendo que o mesmo pare de funcionar para aquilo que também serve, urinar. – Prostituição: Vencer o próprio corpo é endurecer a alma, pois é impossível desvincular sua individualidade do seu corpo. Tentar reduzir uma relação sexual a um custo monetário tende a minimizar a personalidade da pessoa, apoiando-se na perversão da transferibilidade sexual já discutida aqui. No fim, o homem que busca isso usa o corpo da mulher como uma ferramenta, transformando a mulher num meio. Numa sociedade de consumo como a nossa, a beleza da mulher acaba se “bonecalizando”, por isso que as prostitutas e modelos de passarela tem esse aspecto. E assim, a mulher prostituta por sua vez, busca seu prazer no dinheiro, mas isso não é possível, pois o dinheiro não tem nem um aspecto individual admirável. No máximo, ela teria prazer sobre o poder do homem, mas esse elemento não se mostra potencializado numa relação de prostituição. – Enamoramento: Aqui o autor mostra a distinção entre a pessoa que ama (esta vê todos os atos e gestos de quem ama e fica encantada por eles) e a apaixonada, que faz a assimilação inversa (os gestos de outrem despertam seu desejo, e após o surgimento desse desejo, busca outros elementos importantes). - Ciúme: Para o autor, o ciúme é uma tirania, uma dependência ontológica (ou seja que detêm a natureza da realidade e da existência). Em suas palavras: Quanto maior o amor, maior será a inveja. O ciúme é uma catástrofe sofrida apenas por aqueles que entraram na condição de “dependência ontológica” que existe no amor erótico - a dependência de quem procurou, dentro e através do desejo sexual, as consolações de uma intimidade perfeita." Ele associa o ciúme por completo ao desejo sexual mal estabelecido. Os elementos individualizante tomam papel principal aqui, pois é quando a individualidade de um é humilhada e renegada por outro.No sexo, em geral temos uma necessidade que além de nossa individualidade, a pessoa nos ame por sermos “o melhor membro do grupo”, só que dessa forma outros membros do grupo podem tomar esse posto, daí surge o medo da traição. A teoria escatológica é um elemento a ser analisado em algumas obras clássicas, como em Espinosa, que ele cita que essa raiva do ciúme pode surgir de sua mulher em contato com partes que produzem escatologias de outra pessoa. Obviamente isso perdeu força com o passar dos anos, mas o elemento sexual, que para o autor é o mais importante no ciúme, se mantêm. - Donjuanismo: A busca desenfreada por sedução de pessoas. Não necessariamente com o ato sexual, mas que a pessoa seja sua. Nisto, o don-juan lhe dá toda a atenção possível, tratando cada uma com uma atenção máxima. Pode parecer que este está buscando o “eu” de cada uma, mas, na verdade, a transferibilidade desse fenômeno sexual mostra que o indivíduo não importa. Este é um dos fenômenos mais perigosos pois lhe demanda muito tempo e trabalho para desenvolvê-lo, pois a demanda de novas pessoas é infinita. – Tristanismo: a pessoa se sente tão apaixonada por alguém, que só consegue se livrar desse sentimento esmagador com a morte. Neste ponto, o suicida na verdade está procurando ter o controle sobre sua amada, destruindo seu corpo, o único elemento que os une. Saber como a sociedade leva em cota os mortos (os mantendo vivos em sua memória) faz parte da atitude do tristão, pois assim ele estará para sempre como um novo “ego” na cabeça da sua amada. - Sadomasoquismo: Este nem sempre é pervertido, pois atos de amor como mordidas levam a dor mas são completamente aceitos. Atos assim refletem a vontade de se “entrelaçar” com a pessoa que ama, de buscar infundir-se nele. Também temos o elemento involuntário no sadomasoquismo, onde a pessoa demonstra ações que obviamente estamos causando nela, superando a vergonha (já citada aqui). Porém tudo isso é diferente da tortura, onde o sadista machuca o outro e tem prazer na consciência que o outro tem de que está sofrendo. O vê como uma ferramenta, não como alguém a alcançar uma individualidade. Para Sartre, o torturador busca o momento em que a vítima se trai e se humilha, em suas palavras: “Na abjuração, a liberdade opta por ser inteiramente identificada com este corpo; este corpo distorcido e decadente é a imagem mesma de uma liberdade quebrada e escravizada”. Capítulo 7 - Ciência do Sexo No decorrer dos capítulos anteriores, o autor não se preocupou no aprofundamento de ideias científicas associadas ao sexo. Neste, ele irá, analisando mais precisamente questões de Sociobiologia e psicologia freudiana. Como seres humanos, temos nossas atitudes racionais, mas levamos alguns pontos em comum com animais, como o instinto sexual. Para Montaigne, essa dicotomia entre o lado racional e bestial é uma questão sem resposta. No decorrer do desenvolvimento de nossa ciência, observamos comportamentos sexuais de alguns animais e fizemos as analogias com os nossos, colocando-os todos num mesmo caldeirão chamado sociobiologia, que tenta nos provar que todos estes comportamentos ocorreram por sua questão utilitarista ao desenvolvimento e evolução da espécie. Aqui encontramos o primeiro problema em reduzir tudo à ciência: o desejo sexual e seus fenômenos concomitantes, apesar de estarem importantemente enraizados em nossa condição biológica enquanto seres que se reproduzem sexualmente, não são irredutíveis a nenhum aspecto da conduta humana que seja compartilhado com animais. Reduzir tudo à ciência nos afasta da relação fenomenal que temos com determinada ação interpessoal. No caso do sexo em específico, chegamos até a perder seu real efeito ao reduzi-lo a uma questão genética e química. Os cientistas, como os marxistas, não dão importância à questão fenomenal, reduzindo a "verdade real" biológica da condição humana, da mesma forma que os seguidores de Marx o fazem sobre a essência oculta social do materialismo. Aqui podemos fazer uma analogia com o pensamento matemático para entender porque a sociobiologia não está certa. Quando compreendemos que 2 mais 2 é quatro, sabemos isso não devido ao surgimento da matemática e sua necessidade para a construção da espécie humana, mas antes de construirmos a matemática como entendemos hoje, essa ideia de que 2 mais 2 é quatro já estava posta. De tal forma que se descobrirmos o porquê a matemática é útil para a espécie humana, isso não fará nenhuma diferença ao conhecimento matemático e suas teorias em si. Trocando matemática por comportamentos sexuais, a analogia está feita. Um dos seus grandes defensores, E. O. Wilson, defende que o comportamento sexual humano, baseado na sociobiologia, é intrinsecamente poligâmico e não preocupado com a reprodução, apenas com a união entre indivíduos. Se assim o fosse, ele não seria poligâmico, pois a moralidade liberal não dá valor à fidelidade, modéstia e contenção, que são elementos importantes nas relações interpessoais. Alguns outros autores como Schopenhauer também analisaram o fenômeno do desejo sob a luz da sociobiologia, diferentemente de seus colegas cientificistas, Schopenhauer fez uma análise metafísica também, dizendo que este desejo surge não por um elemento genético, apenas, mas sim pelo fruto das duas individualidades que se encontram no ato, ou seja, outra individualidade que é o filho. Então, para ele, este desejo nos faz submeter à tirania do outro, e por consequência da criança. Tudo isso é fruto, claro, de instintos selvagens também. Porém aqui nossa situação biológica alimenta nossa compreensão intencional, que a coisa que nos supera em desejo funciona através do outro, mas não provém inteiramente dele. Isto vai de encontro a ideia de Aristófanes de que nós e nossos amados somos duas almas separadas. De elementos como este, Hartmann deriva a conclusão de que essa busca desenfreada pela pessoa que nos deixa apaixonado é, novamente em termos genética, o projeto de construir um individuo que mais completamente represente a ideia de raça, ideia que surge do nosso subconsciente. Eventualmente estes elementos são sintetizados por Freud. Freud trata a mente em termos hidráulicos, onde fortes sentimentos são presos por barreiras e forças, estes sentimentos então barrados acabam causando outras reações. Ações mentais automáticas do ego na infância acabam levando a construções complexas na vida adulta. Três elementos dinâmicos que fazem a análise das informações que devem ou não chegar ao consciente são o ego,que é o "eu" dentro de cada um, pois é o "observador interno" dos estados mentais. Este nos protege da "id" nosso lado animal. E o "superego" é mestre e criação desse ego ao qual ele atormenta. Estes elementos metafóricos são base para todas as explicações "científicas" de Freud, mas por si só não são propriedades que realmente são observáveis. Freud diria que eles são fruto de realidades neurológicas, que curiosamente até hoje não foram observadas. Aqui temos uma primeira incongruência, pois se o "ego" não for uma espécie de homenzinho que vai nos protegendo de pensamentos que ele mesmo não observa (pois este é o "eu dentro da nossa mente) e sim uma região do espaço mental, por que então animais não tem ego e todas as suas consequências individualizantes? Agora analisemos apenas a questão sexual em Freud. Ele define como "libido" a força que nos leva a ter instinto sexual e a busca por objetos que nos satisfaçam sexualmente. Elementos que ele "catexisa" como os órgãos sexuais são chamado por ele de zona erógena, ao fim de seu desenvolvimento qualquer parte do corpo pode ser uma dessas zonas. Ele divide o desenvolvimento sexual em duas partes: a ocorrida na infância, onde ocorre a "repressão" (analogia hidráulica) e a segunda na adulta, onde "forças" mantêm determinados desejos escondidos. Freud tenta se manter científicoem sua análise, mas a transição da primeira fase para a segunda não é nem um pouco explicada em qualquer conceito científico que seja. Elementos como "ego", "id" e "superego" também não tem local nessa transição. Na crítica à libido freudiana, podemos observar elementos já discorridos no livro como suas analogias ao desejo sexual e fome. Ele diz, grosso modo, que os processos são os mesmos. No caso, podemos fazer a analogia freudiana com um amigo conversando à mesa conosco sendo o objeto de nosso desejo e a matar a fome o ato de se satisfazer sexualmente. Diferente do que Freud propõe na sua analogia alimentícia, não podemos inferir que estar sentado a mesa com o amigo vai matar nossa fome, e nem comer vai nos dar o prazer da amizade se o amigo está longe. Nestes termos, Freud também não leva em conta a transferibilidade de sentimentos. Assim, "o fato de a minha libido estar "engarrafada" não tem mais relevância para a questão se é certo fazer amor com esta mulher diante de mim do que o fato da minha adrenalina estar "engarrafada" para a questão de saber se eu deveria estar zangado com ela". Na crítica à "zona erógena" temos o mais baixo da estrutura de pensamento de Freud. Para ele o prazer da zona erógena tem a mesma estrutura superficial de se coçar, a mais da intencionalidade interpessoal. Nas palavras dele, os trejeitos de satisfação de um bebê após ser amamentado, indicam que o prazer sexual já está no bebê, e mais propriamente dizendo, nos lábios dele, onde agora esta parte do corpo também é uma zona erógena. Ele desconhece o fato (talvez por falta de tato) que determinados órgãos não são zonas de prazer, mas canais de comunicação do mesmo (levemos em conta aqui o rubor, já citado anteriormente). O atual "funcionamento" das teorias de Freud é, para o autor, fruto de sua boa retórica. Esta, aplicada na hora do tratamento de um paciente com determinados problemas de afirmação vem ao momento em que o psiquiatra induz ao seu paciente de que o problema está "realmente dentro dele", e assim, lhe dá respostas associadas a teoria freudiana que correspondem aos anseios de seu paciente como se estas respostas estivessem "na ponta da língua" do doente. Levando em conta que as teorias freudianas normalmente tiram do paciente a carga das responsabilidades (como por exemplo citando que seus sentimentos estão presos numa represa criada pela "sociedade ou pais opressores", assim, não sendo culpa dele quando esses sentimentos "vazam" e causam problemas) estas correspondem e são bem vistas pelos pacientes em seus tratamentos. A proibição do incesto é um bom exemplo para finalizarmos este capítulo: na visão da sociobiologia, esta ojeriza ocorre porque a manutenção de mesmos genes na prole pode causar sérios problemas físicos e mentais. Para Freud, em contraste, está preocupada inteiramente com o conteúdo intencional da repulsa, mas onde está o pensamento que nos afasta desse ato e porque? No fim, percebemos que a teoria de Freud é na verdade um "revisionismo intencional", onde busca nas consequências os motivos de seus meios. Para o autor, o desejo sexual não é impedido pela moralidade, mas criado por ela. A vergonha só impede as expressões perversas do desejo. Sem vergonha, nossos desejos se reduzem a coceiras infantis. Capítulo 8 - Amor Para Platão e alguns autores clássicos, desejo e amor não são a mesma coisa. Para Platão, o amor de verdade era o amor cortês, onde este tinha algum objetivo nobre, e essa nobreza não dava espaço a um desejo "animalesco" como o sexual. Porém, temos que o amor pode ser manifestado em várias formas. O autor irá discorrer sobre algumas delas. Mas ele adianta que o movimento romântico fez muito mal à concepção de amor pois estes associariam o verdadeiro sentimento de gostar de alguém a seus sintomas mais extremos. Seria o mesmo que associar a alta temperatura que uma febre causa ao rubor causado por uma saúde em plenas condições. O autor critica Platão, dizendo que sua teoria sobre o amor não explica o desejo. Ele até mesmo compara a teoria de Platão com a de Hume, que simplesmente iguala o desejo erótico por alguém ao ato de querer se alimentar da pessoa. Diz que todo aquele objeto que alguém se debruça a entender lhe dá intenção de tê-lo para si. Podemos fazer vários contra exemplos escatológicos. Para o grego, o desejo na verdade surge da manifestação carnal da transcendência do "eu", a beleza. Reduzindo a dimensão, surgem algumas incongruências do tipo "só existe amor e desejo de verdade em relações homossexuais", pois essas estão livres do elemento fechatório reprodutivo. Buscando a moralidade sexual, o autor destrincha um dos seus ramos, como a amizade. Por sinal para Shakespeare, a mesma palavra que definia amizade servia para amor (philia). Aristóteles dizia que existiam três tipos de amizade, a útil, a prazerosa e a virtuosa. Para o autor a mais válida dessas seria a terceira, pois a diferença de vício e virtude é que na virtude o "eu" se mantém inteiro, não é dominado pela atitude do vício, a pessoa pode estar louca de raiva mas não de justiça, por exemplo. De tal forma que a amizade verdadeira surge nessa autoidentificação de "Eu’s", e não do gozo de uma diversão descontrolada. Sem dúvida a diversão é necessária e fruto de uma amizade, mas isso só ocorre de forma saudável quando vemos o outro como um fim em si só (não esperando, por exemplo, uma versão melhor desse mesmo ser). Ou seja, buscando a já discutida, individualidade insubstituível. Para introduzir o amor erótico, o autor usa a obra de Montaigne, que fala do seu grande amigo e cunhado Boatie. Eles tinha uma relação de respeito e estima tão próxima, individualizando um ao outro de forma tão imponente como no trecho "que nenhum homem compare qualquer das amizades comuns a esta", que esta poderia ser confundida com amor. O amor, que é uma continuação da amizade, não é um projeto extinguível, para ser cumprido e deixado de lado, este é parte do que já sou. De tal forma que a morte exige pesar pois é a cessão de algo que não se esperava ter fim. Sobre o amor erótico, o autor começa citando que pode surgir mesmo em relações arranjadas como casamentos medievais. Na verdade, situações como essa acontecem até hoje em esquadrões ou grupos de trabalho, onde nos deparamos com pessoas apenas pela contingência e mesmo assim acabamos gostando delas. O amor erótico está mais associado a carne, como no caso do amor de uma mãe pelo filho, onde ele a ama independente de seus vícios e virtudes, mesmo sem amar seu corpo, mas essa dimensão "bruta" acaba nos lembrando de que somos animais, e somos regidos por essas exigência não apenas metafísicas, mas da carne também, pela encarnação de um objeto. Por mais que o amor erótico nos conduza a uma situação onde permite que a pessoa que estamos juntos cometa mais falhas do que numa amizade, por exemplo, as falhas acabam tendo que se tornar uma espécie de virtudes, existe uma estima por essa situação. Se isso não ocorrer, este "amor totalmente invertido" haverá quebra (normalmente esses fenômenos ocorrem em amores baseados em desejo, criando uma espécie de "estima artificial"). O desejo não implica em amor, mas fornece um motivo para amar, e aí que compreendemos a intencionalidade do desejo. Quando estamos adjetivando qualidades de nosso amado, estamos fazendo nosso amor parecer uma decisão. Já o amor erótico, que incide sobre a encarnação do outro, não é uma resposta racional, não está baseado em estima. O amor nos leva a construir uma versão de nós mesmos baseado no que o outro espera de nós, de tal forma que este deixa de ser uma promessa de afeto, mas um voto de lealdade, assegurando assim um futuro ao lado da pessoa. Tendo em vista então que este desejo vai passando com o tempo e o amor crescendo baseado em confiança, como evitar que um terceiro elemento destrua a relação? Esta resposta será dada nospróximos capítulos do livro, mas está associada a moralidade sexual já discutida aqui. Assim, observamos que o amor pode ser expresso pelas manifestações do desejo como beijos e abraços. Estes gestos não precisam estar carregados de amor, mas quando estão é que surge a ternura. Analogias com isso podem ser tidas de outros elementos que também carregam sentimentos, como músicas tristes por exemplo. Então, devemos levar em conta o estudo já feito sobre a beleza para perceber que a tradução desses gestos depende também do tato da outra pessoa para saber apreciá-los. Podemos notar alguns absurdos criados pelo cinema, por exemplo, na demonstração do amor. Em filmes como James Bond este sentimento é totalmente pervertido, sendo mostrado como fruto de uma situação cheia de perigos e ansiedades, onde gestos e vontades complexas como as presentes no amor não podem florescer. Para finalizar o capítulo, o autor cita que é apenas entendendo o amor erótico que se torna claro o agente moral em você e o objeto de minha atenção para sua forma encarnada. É com ele que podemos compreender o terror de um assassinato ou estupro. Assim, o autor nega Kant (que pede para ver o eros fora da área do verdadeiro respeito) e Platão (que não vê o valor do indivíduo encarnado, apenas no tal "mundo das ideias"). Capítulo 9 - Sexo e Gênero A reprodução faz parte do ser humano e da filosofia por trás do sexo. Tendo em vista que animais copulam e se reproduzem. Teria então alguma ligação dos nossos sentimentos com essa questão animal? Esta é a questão de Platão. Uma analogia é feita com o crescimento de árvores. Hoje levamos em conta que ela tirá sua força das raízes e do barro, mas só levamos em conta sua existência devido aos frutos e folhagem. O mesmo é para a sexualidade, pois só temos compreensão de nosso lado animal, justamente devido a nossa racionalidade. Sabemos da existência de nossas raízes, justamente por causa de nossos frutos. Para conseguirmos entender a dimensão de desejo associada a reprodução, devemos entender a moralidade da homossexualidade e suas consequências, tal como a ideia de gênero e sexo. Gênero, para o autor, são os comportamentos que, para o coletivo, define se a pessoa é homem ou mulher. Este é um problema para alguns gays e feministas pois em sua militância eles não acreditam que exista uma forma “definitiva” de ser homem ou mulher. De todas as formas de feminismo, a mais sensata é o feminismo kantiano, que se baseia na ideia de que gênero é uma construção social devido ao fato de que o ser humano é livre para ser o que ele quer, que é um direito inerente do ser humano, e por mais que alguém julgue sua humanidade (como na escravidão) eles estão errados e você está certo. De tal forma que o conceito de homem e mulher é um tanto difuso. Para o autor essa forma de ver a realidade não está totalmente certa, os três erros inerentes a essa filosofia são: que ela atribui um papel implausível para o conceito de gênero, que não consegue considerar seriamente o fato da encarnação e que deixa de reconhecer que no sentido de que as distinções de gênero são artificiais, o mesmo ocorre com a pessoa humana. Temos distinções claras sobre o comportamento de homens e mulheres. Aos olhos da sociobiologia elas se resumem à procura ativa de fêmeas e do cuidado das proles por parte dos homens, e na forma modesta e distantes das fêmeas na procura por um macho que possa dar segurança à ela e sua cria. Ao tentar explicar nosso lado animal, esses cientificistas reduziram nossos comportamentos sexuais a tradução evolutiva, veremos que está errado. Comecemos explorando a encarnação. Esta que deixa claro o sexo de que fazemos parte por vezes é negada como representação do eu. Curiosamente, é quando tentamos esconder nosso sexo, com roupas, que mostramos o nosso gênero, com determinados comportamentos. Ou seja, percebemos que sem gênero, o sexo deixa de desempenhar um papel na encarnação humana, e o ato sexual, longe de ser libertado da mera animalidade" é no final das contas, separado da sua interpretação moral mais natural. Observamos isso claramente no comportamento teatral de muitos homossexuais que tentam atrair pessoas do mesmo gênero aparentando o comportamento do gênero aos quais não tem atração (afeminados e masculinizadas). Na moda, dança e maquiagens, sempre expomos a nossa sexualidade, traduzida pelo nosso gênero. Curiosamente, quando estes efeitos estão se tornando andrógenos no mundo contemporâneo, buscamos formas mais bruscas de mostrar nossa sexualidade, com dietas e treinos para moldar o corpo. A construção do gênero é o que percebemos no Lebenswelt como sujeito que nos divide entre homens e mulheres, assim, se torna uma característica inventiva do nosso mundo, não menos real por ser de nossa própria criação. Se o feminismo kantiano estivesse certo, seria impossível pensar em mim como um homem, e não como uma pessoa. O feminismo kantiano se perde quando desconsidera a importância da encarnação na identificação sexual. Muitas de nossas qualidades morais dependem dessa dimensão, como o calor do coração e a vivacidade. Pensemos no gênero, então, como um tronco pelo qual a flor e a folhagem do desejo são alimentadas. Para começar a responder a questão de Platão sobre a raiz do desejo, devemos começar entendendo que a forma de fazer sexo para um ser humano é diferente de um animal. Quando um ser humano faz sexo, ele pensa em si como um homem, toda a sua fisiologia é transformada mediante a isso e isso lhe dá prazer. Diferentemente de um animal, que pode ter o prazer do sexo, mas não pela intencionalidade de fazer sexo. Da mesma forma que ele pode ter o prazer de pular e se mexer, mas nunca terá o prazer de estar dançando, pois isso foge de sua individualidade. Nas palavras do autor: Parece, portanto, que desde que o sexo seja visto como gênero, há uma adequação intrínseca que une o ato sexual à atitude interpessoal do desejo. Assim, tal como a intencionalidade do desejo se enraíze nos prazeres do congresso sexual, uma ideia de sexo entra no conteúdo intencional do desejo, determinando o tipo de coisa que é seu objetivo. O indivíduo sempre será procurado sob o signo de seu gênero, como uma instância de um tipo sexual". Por consequência dessa necessidade do gênero para o ato sexual, só conseguimos observar a beleza física de um ser humano quando pensamos em termos sexuais, um homem pode ser bonito como homem ou ter traços femininos, mas sempre está associado à questão de gênero. Uma criança pode ser dita como uma "bela criança" pois sua sexualidade ainda não foi desenvolvida. Então, podemos ampliar a análise pelo desejo homossexual como a falta da necessidade de transpor o poço gigantesco que existe entre o gênero masculino e feminino. Onde, num nível mais superficial de análise, se fixa na técnica do ato. Capítulo 10 - Perversão Para Freud, todo ato sexual que não era voltado à reprodução era uma perversão. Curiosamente Freud dizia que era perverso aquilo que nos diferenciava dos animais, que apenas copulam por instinto. Assim sendo atos muito naturais como felação e beijos seriam perversos, mas sabemos que excluir esses atos do exercício normal do desejo somente por não ser reprodutivo é privar a ideia de normalidade e qualquer significado verdadeiramente humano. Se for para seguir totalmente o reino animal, por que não fazer o mesmo que os louva-deus, onde a fêmea canibaliza o macho durante a cópula? Seguindo a lógica freudiana, fazer sexo sem o intuito de engravidar é uma perversão, de certo tão perverso quanto bestialidade, pedofilia, ou mesmo atitudes estranhas não vistas no mundo animal como podolatria. Para o autor, perversidade na verdade é quando removemos o que há de mais profundo em nós mesmos - nossa vida - da nossa transação moral, e a afastamos para um reino que está livre da soberania de uma lei moral, umreino de prazer curioso, no qual o corpo é soberano e obsceno. O autor define algumas perversões e explica porque elas o são. - Bestialidade: quando um ser humano sente desejo por um animal, ele está destruindo a intencionalidade interpessoal que define o desejo, pois aquele ser, por mais que tenha atitudes sexuais, não está ciente do que faz. É impossível amar um animal sexualmente falando, por mais que o amor como um ser vivo seja possível. Este desejo acaba por refletir uma deficiência moral associada ao medo de confrontar a perspectiva do outro, de ser “sexualmente” conhecido. - Necrofilia: para o autor, este é o modo mais ultrajante de perversão, pois deixa de lado qualquer possibilidade de intencionalidade interpessoal do desejo, afinal o corpo sem vida não tem nenhum comportamento humano. Novamente, busca a forma máxima de excluir o outro do desejo. - Pedofilia: nesta perversão, aquele que o comete, diferentemente dos casos anteriores, busca a interpessoalidade com uma criança. Porém este ainda não tem sexualidade feita. Podemos perceber a questão de gênero presente aqui, pois a criança é justamente caracterizada por essa falta de definição do que é sexualmente. Sua reciprocidade no sexo é impossível. Ele busca no seu “despreparo sexual” o prazer. Para o autor essa dimensão está associada à procura de "cerimônias" que definem o que é uma criança ou adulto. Como se houvesse uma barreira que transformasse um no outro da mesma forma binária que existe a "virgem" e a "não-virgem". O pervertido então busca criar na criança as mesmas excitações curiosas que teve em sua infância. Neste ponto é interessante afirmar a visão do autor de que as crianças não são seres totalmente pré-morais: por vezes eles tomam atitudes certas e por vezes erradas, mas na nossa forma de tratá-los tentamos amoralizá-los para tirar não "misturarmos" essa concepção com a sua pureza, por mais que seria uma mistura de conceitos. - Sadomasoquismo: o autor faz uma analogia com a escravidão para explicar o prazer nesta forma de perversão. Mais especificamente, ele demonstra na escravidão hegeliana (aquela em que o senhor e o escravo tem uma relação dialética de poder) um análogo à perversão sadomasoquista. Diferentemente do sadomasoquismo "normal" onde o indivíduo quer demonstrar sua existência para o outro através da força, na forma pervertida ele simplesmente não se importa com o próximo, ou seja, a violência não transcende para uma relação de respeito e desejo mútuo. O senhor não vê a dor em quem bate, a partir de seus golpes quer impor alguma vida àquele corpo ao qual não tem nenhum respeito. O mesmo para o masoquista, que a partir de golpes desferidos por um senhor "acima da moral" tenta tomar penitência por alguma transgressão sexual interna. No análogo hegeliano percebemos o sadomasoquismo em atitudes cotidianas, como em brigas de casais onde o primeiro quer se sentir amado pelo próximo mas quer que isso seja intencional da parte do próximo, assim não o diz, mas como o próximo sabe dessa necessidade, diz que ama, o primeiro então pode pensar que isto só ocorreu devido ao desejo inicial de se sentir amado, assim surgem brigas, pedidos de desculpa. De tal forma que percebemos o senhor sadista que auer se sentir amado sofrendo devido a esse desejo, nos moldes de Freud, que dizia que sadismo é "um masoquismo voltado a si mesmo" e vice-versa. Assim, concluímos que, nas palavras do autor: " a forma normal de sadomasoquismo é uma estratégia destinada a corrigir um desequilíbrio perigoso, compreender a ameaça da servidão e conquistá-la por meio da representação. A forma pervertida, no entanto, envolve o colapso da relação pessoal e a incorporação do ato sexual em um exercício de aniquilação mútua. - Homossexualidade: o autor argumenta que o simples fato de se gostar de alguém do mesmo sexo não caracteriza uma perversão. O que pode acarretar numa sexualidade pervertida são alguns elementos que ele próprio tem dificuldade de afirmar com certeza. Claramente a homossexualidade é completamente diferente da heterossexualidade. E as homossexualidades são distintas entre si, pois o desejo entre dois homens normalmente é mais promiscuo que entre duas mulheres, pois elas têm por natureza serem menos afoitas na exposição sexual. A justificativa científica para a histórica condenação do ato homossexual é porque ele não "promove os genes". Mas isso não explica o conteúdo intencional diferente do desejo homossexual do heterossexual. Devemos levar em conta que o relacionamento entre um homem e uma mulher os coloca numa situação de mistérios e responsabilidades que os relacionamentos homossexuais pouco podem emular. Também é fato que este tipo de desejo por vezes acaba sendo a manifestação narcísica de alguém que não tem interesse no que é diferente a ela. Desejar um gênero que diferente de você te leva ao complemento, e não ao simulacro de um desejo que você compreende em primeira pessoa como o homossexual. Em geral, os argumentos religiosos, por mais que tenham passado pelo ônus funcional da prova, não apresentam uma base filosófica muito grande, como o apresentado pelo autor, que é cheio de metáforas e metafísica. Para concluir, o autor cita que a homossexualidade só é pervertida quando despersonalizada ou intrinsecamente obscena. - Incesto: este é perverso, pois quebra a lógica interpessoal que ocorre dentro de uma família, onde a forma a se tratar irmãos e filhos já é posta antes mesmos de eles nascerem. Diferentemente do que propõe os sócio biólogos (que a repulsa natural a isso é de fundo genético) e dos freudianos (que afirma que o desejo sexual surge do desejo reprimido pelos pais na infância) um parênteses se abre na resposta quase acertada de Paley, que cita que a repulsa é uma resposta natural à preocupação necessária ao controle de um desejo avassalador. Podemos perceber o caos criado pelo desejo entre membros de uma família, por mais que não consanguíneos, como entre padrasto e enteada. Essa violação de um laço doméstico, ou seja, o incesto, é uma perversão apenas no sentido atenuado, ocasionado pela ameaça aos laços interpessoais, e não no ato em si. - Fetichismo: este é o mais inofensivo das perversões, pois busca criar uma relação interpessoal com um objeto, mas normalmente está associado ao desejo por alguém, ou a alguma experiência com fundo sexual ocorrida no passado do indivíduo. - Masturbação: o autor cita que existem dois modos desta, uma normal e a outra pervertida. A normal se caracteriza pela liberação da tensão sexual baseada numa experiência ou fantasia sexual. A segunda, pervertida, se caracteriza pela substituição do contato humano, por vezes deixando essa opção cada vez mais aterradora e substituindo assim os pontos bons e maus do contato sexual. No segundo caso as fantasias não são pessoais, mas sim corpóreas, ou seja transportando para imagens tecnicalidades justamente para se evitar o lado humano da cópula e fixá-lo na sua dimensão carnal. Por mais que esta prática não seja obscena por si só, ela assim o torna quando feita em público, ou mesmo no privado, por vezes negligenciando a ação do outro no sexo. - Castidade: por vezes demonizada, essa não é uma perversão porque justamente leva a um contato mais claro e pessoal a quem realmente se deseja estar perto insubstituivelmente. Devemos diferenciar essa castidade que nos faz controlar os desejos físicos por um objetivo maior da castidade de Klingsor, que nos coloca num mundo de solidão Capítulo 11 - Moralidade Sexual Definimos moralidade como uma condição sobre o raciocínio prático. É uma restrição aplicável a todos os seres pensantes, observada numa perspectiva em primeira-pessoa. Kant é conhecido como o filósofo da moral mas para o autor do livro, Kant está errado por pensar na moral como algo que depende apenas da perspectiva em primeira-pessoa em contato com o imperativocategórico, ou seja, buscando um caminho "transcendental" em contato do nosso eu não-transcendental. Para o autor só é possível. Obtermos uma moral numa perspectiva em terceira-pessoa aristotélica. Expliquemos. Para os kantianos “eu é anterior aos fins que são afirmados por ele” dessa forma as circunstâncias individuais terão mais importância que sua consequência para o outro a longo prazo. Essa abstração acaba por abstrair também os desejos e interesses que causam as ações. Para Aristóteles não é assim que funciona. Ele desenvolve uma espécie de raciocínio em terceira pessoa que pode ser aplicado por cada agente a si mesmo, tornando-se prático e transformando os desejos do agente. Observamos essa ação na educação de crianças por exemplo. Buscamos que ele seja racional pois isso leva a felicidade a longo prazo, e para isso sacrifícios de felicidade momentânea tem que ser feitos. Afinal, para Aristóteles, felicidade é a única resposta a pergunta "por que fazer isso?". Kant a rejeitava por ser uma generalidade a sentimentos humanos. Mas Aristóteles a entendia como o objetivo, na alegoria do autor ele explica que a felicidade para um jardineiro é que as flores floresçam, a planta que não floresce tende a não existir. Florescer faz parte do ser da planta da mesma forma que ser feliz faz parte do ser humano, como uma lei natural. Porém seres humanos não são plantas, e esse florescimento para o ser humano só existe quando ele é movido pela razão e assim ter remorso dos seus erros e orgulho das suas conquistas e virtudes (eu máximo). Sem essa, ele não está apto a ser considerado como um indivíduo, pois suas escolhas estarão a mercê dos outros ou da contingência (eu mínimo). Buscamos aqui um ser ativo e não apenas observador, consciente de consequências do passado e do futuro. Para o aristotélico, a verdadeira questão da moralidade não é se eu, aqui e agora, posso ser convencido a mudar meu curso, mas se há razões para que outros, que podem ainda ser corrigidos, devem alterar o deles, dessa forma tirando a carga individual da filosofia kantiana. Voltemos então a moralidade sexual. O desejo sexual é uma atitude interpessoal com consequências de longo alcance para a maioria daqueles que são unidos por ela, ou seja, não pode ser moralmente neutro. Amor erótico é então um elemento de auto reforço mútuo, gera a sensação de valor insubstituível tanto do outro quanto de si mesmo, e das atividades que os ligam, se tornando consciente da realidade do ponto de vista dele e do outro. Observamos então que existem hábitos sexuais (as perversões discutidas no capítulo anterior) que tiram o elemento interpessoal e neutralizam a capacidade de amar, isto vai contra a moral aristotélica. Tal como o ciúme é um elemento presente em todas as culturas, mesmo as mais liberais, percebemos que por mais que algumas culturas sejam poligâmicas e aceitem bem sexo antes do casamento, nenhuma vê com bons olhos a promiscuidade e infidelidade. Levemos em conta o importante fato: a pureza sexual não proíbe o desejo, apenas indica que este deve ser interpessoal, senão estará fadado a se desgastar e se tornar vicioso (filosofia que vai de encontro com dados da neurologia). Como em Freud, o autor consegue fazer análogos na literatura com a obra de Wagner chamada Parsifal, onde Amfortas só pode sair da poluição de um mundo estético ao agir como uma pessoa casta. Nas palavras de Shakespeare (soneto 129) o autor também destrincha a luxúria, que é percebida por todas as pessoas, mas sem agir com razão sobre ela, esses atos sexuais acabam se tornando hábitos com efeitos catastróficos. Levemos em conta, dentro do contexto da luxúria, a fantasia, que nos ajuda a fugir de um momento difícil que não controlamos, nos faz perder a interpessoalidade devido a masturbação, e mesmo quando essa luxúria envolve outra pessoa, ela acaba por se tornar uma ferramenta de nossa imaginação, longe da realidade e refém de nossos pensamentos e perversões, que podem crescer e se tornar um problema para nós e para os próximos. Capítulo 12 - Política sexual Neste capítulo o autor faz uma defesa da filosofia conservadora aplicada à vida sexual. Por mais que se discuta que questões como inocência e amor erótico estão apenas no âmbito da vida do indivíduo ou do casal, percebemos que eles dependem sim da sociedade, grosso modo se não dependessem, estaríamos no mesmo patamar sexual de animais, com nossos desejos ditados pela contingência. Explicações do desejo sexual e de relacionamentos são dados pela ciência, mas na prática, o vinculamos muito mais ao nosso Lebenswelt. Dessa forma, o associando à questões que denotamos como sagradas. Diferentemente disso sobraria apenas o Kinseyismo aqui já discutido, o dispositivo pelo qual o ato sexual é devolvido à natureza e destituído do seu significado. Assim, podemos fazer um vínculo com nossas atitudes sexuais e a polis Aristotélica, que é onde estão as nossas instituições e suas consequências práticas no cotidiano. Nas palavras do autor, o ser humano necessita da estrutura social que vai sustentar tanto o desejo quanto o amor que se desenvolve a partir dele. Em cima disso é que podemos vencer o nosso eu mínimo, baseando nossas atitudes em questões como sacralidade, fidelidade, inocência desenvolvidas por milênios nas instituições que hoje regem a nossa vida. Este eu máximo que procuramos nunca existiu no estado de natureza, o "bom selvagem" rousseauniano, mas sim na sociedade e é sustentado por costumes, hábitos e crenças que são facilmente destruídas e que destruímos imprudentemente. Percebemos essa destruição em ideologias revolucionárias. Essas ideologias tem como prática destruir a religião e aí percebemos um dado importante: quando um indivíduo se destitui de sua fé, naturalmente surge um vácuo do transcendental em sua vida, e como a natureza (o caminho de nossas leis naturais) abomina o vácuo, este indivíduo facilmente aceita ideologias que compensam essa transcendentalidade, buscando então utopias, liberação total, psicanálise etc. Estas se mostram tão antiquadas como as religiões sem fundo científico mas com amplo fundo filosófico, onde suas atitudes só foram comprovadas no ônus do tempo. A busca pelo sagrado é um dos objetivos dessas instituições pois a perda da inocência, por mais que não seja um problema de indivíduos, é um problema de instituições e costumes e esses danos se mostram cada vez mais efetivos na destruição do tecido social (observemos, por exemplo, a relação de rebaixamento econômico ocorrente em famílias compostas apenas por mãe e filhos). Enquanto isso, políticas de liberação sexual e esterilização são aplaudidas. Assim, a sociedade está ameaçada, e não meramente na sua continuidade, mas em sua própria existência, pela alienação sexual de seus membros e sendo esse um reflexo de declínio institucional, devemos buscar políticas de instituições sexuais. Não obteremos isso sem o auxílio das instituições clássicas mediadas pelo Estado. Estas passaram pelo ônus da prova, são frutos de tradição e tem a intenção (e efetivamente conseguem) unir grandes e pequenos grupos em torno de valores que realmente são engrandecedores. Por mais que algumas instituições pareçam atentar contra a individualidade humana, por vezes os nossos valores precisam de barreiras naturais para serem promovidos e florescidos, como a fidelidade no casamento, por exemplo. O casamento se mostrou uma dessas instituições que passaram pelo ônus da prova do tempo. Com ele floresce o potencial de amor humano e dedicação. Sua experiência pode ser repassada para outras famílias na forma de tradição. Por mais que o desejo sexual pareça diminuir durante o casamento, onde seus membros por vezes buscam a infidelidade, esta forma “abrupta” de desejo só existe justamente por causa da instituição que promove a fidelidade. Seus votos, mesmo hoje, tem carátertranscendental, e a vida de alguém que não os segue leva a caminhos dificultosos. Como se toda a sua alma devesse se voltar apenas à resolução de eventuais problemas que surgiram por causa dessa quebra de voto. Por vezes, para algumas teorias revolucionárias, pode parecer que estas instituições (como o casamento) só existem em caráter transitório. Porém, observa-se que a natureza humana que nos ordena a amar também ordena a construção de instituições civis, legais e religiosas, e não existe prova alguma de que elas não prestam, até a chegada de intelectuais que colocam o ônus da prova de que essas instituições milenares não existem naqueles que as usufruem. Percebe-se na prática que quanto mais se seguem essas ideias destruidoras, mais morre o desejo e a estrutura social. Epilogo Diferente do que propõe Foucault, que diz que a problematização de questões como o sexo são referentes apenas a um tipo específico de sociedade, a burguesa, o autor propõe neste livro que ela é pertinente a todas as sociedades em diferentes épocas, e mostra isso com exemplos. Por sinal, ignorando a teoria marxista (preferida de Foucault) pouco argumento sobra para associar o que foi dito à “burguesia” e mesmo mantendo essa ligação, não há motivos para ela negativar o que foi dito, pois essa sociedade foi o ápice de muitas outras. Apêndice 1 - A Primeira Pessoa O caso da primeira pessoa, com seu acesso privilegiado e a perspectiva que surge dele, é um fenômeno publicamente identificável. Ele não cria, nem testemunha, um reino “interior” distinto. Não existe um "sujeito transcendental", nem um "ego cartesiano", nem uma "essência interior", que possa fornecer o objeto de uma investigação puramente fenomenológica. Quaisquer que sejam as peculiaridades do caso da primeira-pessoa, elas não podem sustentar a ilusão de que eu sei algo sobre mim que me torna, em princípio, inacessível a você. As consequências ontológicas são enormes. Não só temos de abandonar a visão cartesiana da mente, como também somos, inevitavelmente levados em direção a visão de que a mente, como qualquer objeto de referência, é publicamente identificável. É, portanto, uma parte da natureza, e se quisermos expressar esse pensamento na (enganosa) linguagem moderna, diremos que a mente é uma coisa física. Para nós, no entanto, o interesse pelo argumento não é tanto ontológico como metodológico. Pois isso implica que não pode haver uma "fenomenologia pura". A tentativa de apreender a essência de um estado mental, concentrando-se em sua manifestação em primeira pessoa está fadada ao fracasso. Além disso, a ilusão da primeira pessoa - a ilusão de que o que eu sou para mim, eu não sou, e nunca poderei ser, para você. - não tem fundamento. É uma ilusão de que sou inevitavelmente presa. Mas também não é mais que uma "ideia da razão", que me representa como algo que eu não posso ser, seja para o outro, seja para mim mesmo. Apêndice 2 - Intencionalidade Existem elementos que não precisam de uma descrição física para ser o que são. Este é o Lebenswelt - o mundo apresentado ao agente. Este é um mundo que não é analisado apenas pelo agente. Isto seria desnecessário. O Lebenswelt é tanto um objeto público, e tão suscetível a descrição de terceira-pessoa, como é um mundo da ciência. Podemos esboçar isso ao analisar um rapaz que é apaixonado por uma gêmea, e as duas são tão iguais que mesmo se entrássemos na cabeça dele, não conseguiríamos distingui-las. A distinção só seria possível numa visão em terceira-pessoa.
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