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1 CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL – DANIEL SARMENTO 1ª AULA - 12/09/2000 Aristóteles tem uma obra que se chama “A Politéia de Atenas” onde ele descreve como é que funcionava aquela polis, qual era o papel dos órgãos, da praça pública onde se deliberavam as questões principais, qual era o papel dos pretores. O sentido de C. na Antigüidade era um sentido eminentemente descritivo, não era um sentido normativo. Falava-se na C. como se referia à realidade ontológica dos fatos. Descrevia-se como era o Estado, ou as vezes se dizendo como deveria ser o Estado ideal. Mas não havia ainda o sentido da C. como norma jurídica. Esse sentido de C. como norma jurídica começa a surgir na Inglaterra e outros países da Europa na Baixa Idade Média. Durante a Idade Média, na Inglaterra, reinos de Leão e Castela, Península Ibérica, havia a prática dos chamados iuras et libertatis – juramento que no momento da coroação os reis faziam, comprometendo-se a respeito de certos direitos de seus súditos. A partir dessa prática, começou a se formar o conceito de limitação do poder estatal e a idéia em torno da qual a C. e posteriormente o Constitucionalismo vai gravitar. Esse conceito vai assumir um contorno mais definido na Inglaterra depois da Magna Carta em 1.215. E a Magna Carta na verdade não foi uma C., ela foi um pacto que o rei João Sem Terra celebrou com os nobres e com o alto clero. Ele propôs esse pacto visando obter o apoio dos nobres, para que eles aceitassem a sua soberania lhe prestando vassalagem em troca de benefícios que ele lhes daria, durante seu reinado. A Magna Carta tinha um caráter estamental, não esse foro de generalidade que caracteriza as C. contemporâneas. Ela era uma espécie de pacto entre o rei e uma determinada classe social. A Magna Carta só começou a ser usada pelos outros cidadãos ingleses que não pertenciam ao alto clero e a nobreza em meados do século XVII por influência do Sr. Edward Co, que começou a interpretar a Magna Carta de outra forma, ou seja estendendo aquelas garantias a todos. Ainda no século XVII uma série de outros documentos constitucionais ingleses foram elaborados com essa inspiração – Bill of Rights, Petition of Rights, Habeas Corpus Act. Mas não havia nesses documentos ingleses algo visceral ao conceito de C., a idéia de que através daquele documento está se fundando o Estado, se constituindo alguma coisa. Os ingleses davam ao seus documentos constitucionais uma natureza declaratória, a cristalização de certos valores anteriores. A idéia era restabelecer direitos anteriores que o monarca atual estava descumprindo, porém não se criava nada. Com a eclosão das Revoluções Francesa e norte-americana passou a se viver dentro de um estado constitucional, pois elas representaram a consagração dos ideais políticos do Iluminismo – movimento filosófico que tinha como principal aspiração fundar o conhecimento na razão e não mais na tradição, libertar o homem do jugo do irracional e fundar uma sociedade antropocêntrica. A projeção das idéias iluministas no Direito chama-se Constitucionalismo. O Estado passou a encontrar limites jurídicos, e ao invés de apenas ditá-los, passou a estar vinculado a eles. A gde revolução copernicana que o iluminismo trará será a de passar a condicionar o Estado ao Direito, nascendo então o Estado de Direito, que é aquele que dita normas, mas tb está sujeito a essas normas, Estado que as relações políticas não são analisadas apenas sob a perspectiva do príncipe, passando a serem analisadas tb sob o prisma do povo. O homem passa a ser concebido como o fim último do Estado, o homem não existe p/ o Estado e sim o Estado existe p/ o homem. O Estado sendo formado p/ atender às necessidades humanas e por isso ele é o meio e não o fim. As formas de que se valeu o iluminismo p/ proteger o homem foram: 1) a engenharia institucional do Estado Moderno que se pauta pela necessidade de limitação do Estado Ex: Montesquieu dizia ser necessária a separação de poderes - pq? Para que o poder freie o poder, para que o poder na ponta não oprimisse o homem. Pq federação? Pq se o centro de poder estivesse mais próximo do homem, a tendência a opressão seria menor. 2 Pq o Controle de Constitucionalidade? Para que as maiorias não tivessem como oprimir as minorias, p/ que o direito das minorias fossem preservados. O Constitucionalismo por um lado vai criar uma determinada arquitetura do Estado que é moldada com finalidade específica de moldar esse Estado e com isso impedir que ele atropelasse os direitos do homem. Por outro lado as Constituições vão passar a garantir certas liberdades públicas, certas barreiras que protegem autonomia privada do indivíduo impedindo uma intervenção estatal em certos domínios. Esses diretos via de regra vão se traduzir em exigência de abstenção estatal. Ex: Liberdade de religião – como se garante isso? Na medida em que o Estado se abstém de impor uma religião, ou de perseguir quem profece um determinado credo. Liberdade de imprensa – é garantida tb impondo-se uma abstenção ao Estado, Liberdade de ir e vir etc. O Estado era visto potencialmente como inimigo dos direitos humanos, daí a necessidade de num 1º momento limitar, restringir, cercear, cingir atividade estatal. A visão latente da época antagonizava Estado e sociedade civil, criando um fosso entre Estado e sociedade civil. Do ponto de vista econômico, O Constitucionalismo nessa 1ª fase refletia aquela crença na mão invisível do mercado como o mecanismo mais hábil para equacionar os problemas que surgissem na esfera social e econômica. Quanto menos Estado melhor – tese do Estado mínimo, que se limitava a garantir a propriedade, a segurança externa e interna e a prestar um elenco muito reduzido de serviços públicos que não interessassem à iniciativa privada. Nessa fase do Constitucionalismo Liberal vai ressurgir a idéia de democracia – Demo = povo, Cracia = governo. Na polis grega, que foi onde surgiu essa idéia inicialmente, as grandes questões públicas eram resolvidas pelo povo diretamente sem intermediários, nas praças públicas ( Sócrates foi julgado na praça pública) –um tipo de democracia direta. Contudo esse tipo de democracia era inviável no Estado Moderno, sendo criada então a Teoria da Representação – o povo exerce o poder mas não diretamente e sim por representantes que ele elege p/ agir em seu nome configurando a democracia representativa, na qual se supõe que o poder é exercido em nome do povo, pelo povo, mas não diretamente e sim através de mandatários. É claro que a democracia não foi uma conquista imediata, ela vem sendo batalhada até os dias atuais, mas a idéia principal já se esboçava. É da tensão entre democracia e direito das minorias que vai frutificar o Constitucionalismo que vai sempre se equilibrar em torno desses dois valores. O Constitucionalismo tinha apostado na capacidade do homem e da sociedade civil de resolverem os seus problemas independentemente de qq intervenção pública, estatal. A crença econômica subjacente ao Constitucionalismo era o “laissez faire, laissez passer” , só que ia se tornando cada vez mais latente que não bastava limitar o Estado p/ assegurar que aqueles valores humanitários nos quais se lastreara o humanismo e o Constitucionalismo fossem ser atingidos, pq muitas vezes a opressão nascia do pp homem. Esse Constitucionalismo liberal e suas garantias forneceu o arcabouço institucional necessário para que surgisse e se desenvolvesse o capitalismo. Só que esse capitalismo sem limites acabou desembocando num capitalismo selvagem com a exploração do homem pelo homem o que aquele Constitucionalismo Liberal não resolvia. Então a partir daí vão começar a serem esboçadas críticas a esse Constitucionalismo Liberal – Marx! Dizia que aquilo tudo era só uma fachada para a dominação da burguesia sobre o proletariado.A doutrina social da Igreja Católica a partir de encíclicas como a rerum novarum começa a dizer ser necessária uma certa intervenção social do Estado para assegurar condições mínimas de subsistência etc. Nesse diapasão explode a Revolução Russa e os países da Europa Ocidental começam a abrir esse conceito de Constitucionalismo para o que pode ser chamado de Constitucionalismo Social. As Cs. passam a consagrar novos tipos de direitos que não exigiam apenas uma abstenção do Estado e pelo contrário, impunham uma intervenção ativa do Estado na cenário econômico e social p/ garantir condições mínimas de vida p/ a população. Ex: Direito à educação, saúde, previdência social – o Estado tinha que agir para que isso acontecesse, o que fez c/ que esse mesmo Estado se engrandecesse e as Cs. tb. Elas passaram a desempenhar um 3 papel muito maior, com um direito civil, comercial e de trabalho constitucional, entrando em áreas que antes permaneciam no campo do legislador infraconstitucional ou abandonadas `a autonomia privada da vontade das partes. Assim o pp papel do Constitucionalismo se altera, deixando de ser só limitação do Estado, passando a impor políticas redistributivas, busca de certos valores existenciais que impõe intervenções comissivas do Poder Público na arena social e econômica etc. O papel do Estado se transforma, deixando de ser ele mero espectador do que vinha ocorrendo no campo social e econômico, vindo a se tornar o gde protagonista desse processo. Essa fase a partir de meados da década de 70 começa a entrar em crise, e nós vivemos hoje o auge dessa crise. E isso por uma série de razões, quais sejam: - o constitucionalismo se baseia numa premissa que é a soberania do Estado. A C. é considerada como a norma superior a todas as outras, condicionando todas as forças políticas presentes nas fronteiras de determinado Estado. Esse conceito de soberania, cada vez mais se torna anacrônico para explicar a realidade das sociedades em que nós vivemos. Hoje inúmeras variáveis sobre as quais o Estado não exerce nenhum poder influem diretamente na nossa vida. Ex: Quebra da bolsa de N.Y. - Fortalecimento de instâncias supranacionais, o que vem ocorrendo no plano dos direitos humanos onde cada vez mais vc começa a conceber esses direitos como anteriores e limitadores à soberania do Estado (só no Brasil ainda se fala que o poder constituinte originário é ilimitado), o que em qq outro lugar do mundo é uma gde baboseira. Vc começa a assistir a processos de regionalização como por exemplo o da Comunidade Européia, onde a soberania dos Estados é compartilhada e não mais única e absoluta, o da formação do Mercosul... Com todas essas mudanças se delineia um tipo de mal-estar para o Constitucionalismo. O Estado hoje não é mais aquela entidade toda-poderosa como foi outrora. Pode-se dizer que essa fase do Constitucionalismo Social corresponde à Constituição dirigente, pois as Cs. não apenas protegem o status quo, elas tb contém projetos de mudança, elas se valem com gde freqüência de normas programáticas que tentam ou acenam no sentido de modificações nas estruturas sociais ou seja elas contém uma espécie de utopia constitucional. Nessa 3ª fase que nós começamos a atravessar, a idéia da C. dirigente está em crise. Canotillo que foi quem criou esse conceito disse numa última conferência que a C. dirigente morreu, alegando não acreditar mais nas normas programáticas. CONCEITOS DE CONSTITUIÇÃO O conceito de Constituição como norma jurídica começou a se esboçar na baixa Idade Média, em países da Europa como a Inglaterra por exemplo, a partir da Magna Carta, que tinha um caráter estamental. 1) TEORIA POSITIVISTA - Constituição – é a lei constitucional O positivismo apregoa que Direito e ética são domínios heterogêneos e não se confundem. O jurista deve se preocupar exclusivamente com a norma e não com o valor, que há um mundo do ser e do dever ser, e que o mundo do ser é ocupação do sociólogo e que o universo normativo pode ser estudado a partir de uma perspectiva pura. Hans Kelsen – Apresentava graficamente a ordem jurídica como uma pirâmide em cujo ápice situa-se a C. Dizia que o que caracterizava a C. era o fato dela representar o fundamento de validade de todas as outras normas ou outros atos normativos. A C. operaria como fundamento de validade do ordenamento, ou seja, todas as normas têm direta e indiretamente seu substrato na Constituição. A C. dita o modo de produção das outras normas e impõe regras processuais ou substanciais que tem que ser seguidas na elaboração de normas e na prática de atos que integrem o Direito. Crítica – não se pode dissociar a Constituição, o direito da ética como fez o positivismo. É preciso alicerçar o direito constitucional em valores, pois Constituição e ética são conceitos 4 estritamente correlacionados. Por outro lado o positivismo chegava a um ponto em que ele acabava incorrendo numa espécie de contradição, pq ele dizia: o fundamento de validade do ato está na lei, o da lei está na C. e qdo chegava na C., perguntavam : E qual é o fundamento de validade da C.? Kelsen dizia: É uma norma hipotética, não existe o que diz cumpra-se a C. e daí surgia a questão : E como eu posso saber qdo é e qdo não é C.? Como eu vou identificar uma C.? Kelsen dizia então que essa seria uma questão de fato e não mais de direito. É C. se a sociedade a aceitar como tal, ou seja, dizer que o problema é de fato é o mesmo que dizer que o problema é de força, daí em última análise o positivismo justifica o totalitarismo, ele é neutro em relação ao totalitarismo. É muito importante para a concepção de C. essa idéia do ordenamento hierarquicamente escalonado, da C. como fundamento de validade das outras normas etc. assim deve-se reter isso e expurgar as outras partes exageradas da teoria positivista. 2) TEORIA SOCIOLÓGICA – FERDINAND LASSALE - Visão Marxista sobre o direito – dizia que o direito integrava a superestrutura e a superestrutura é integralmente condicionada pela infra-estrutura. Ele via uma relação causal, a cultura, a ciência, as artes, o direito, tudo isso dependia das relações econômicas. O marxismo era extremamente cético em relação ao Direito. Marx dizia: “No momento em que se chegar a uma sociedade igualitária, sem classes, não haverá mais o Direito... O Direito é um instrumento dominador...” Marx não acreditava no direito. Lassale – C. é representada pelos fatores reais de poder numa determinada sociedade. Lei constitucional é um pedaço de papel. Ele dizia que a lei constitucional só valeria se ela de fato refletisse a relação de força que de fato existe numa sociedade. Ao contrário ela nunca vai sair do papel. Ele situa o fenômeno constitucional no mundo empírico, no mundo sociológico. A efetividade da Constituição derivaria dos fatores reais de poder. A Constituição efetiva é o fato social que lhe dá alicerce. Crítica – Essa visão é reducionista e maniqueísta pq se é fato indiscutível que a realidade social influi sobre o direito, por outro lado há um feedback, o direito tb influi e condiciona a realidade social. Da mesma forma que é criticável a visão positivista que reduzia a C. ao dado normativo, tb é condenável a visão lassariana, a visão sociológica pq cinge o fenômeno constitucional ao dado empírico, que coloca a Constituição baseada só nos fatos. 3) CONCEITO IDEAL - Esse conceito está expresso no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Você descreve como deve ser uma Constituição, qual o papel que a C. deve desempenhar. Esse conceito ideal não pode ser um conceito estático e é tb um conceito limitado, pois nos dá uma determinada dimensão do fenômeno constitucional, uma dimensão axiológica da Constituição. Porém a C. não é só valor, ela é valor, fato e norma. A teoria ideal dá um conceitode como a Constituição deve ser. 4) CORRENTE CONCRETISTA - HESSE - Constituição não é só fato, norma e valor, e sim resulta de uma síntese dialética desses 3 fatores, pois cada um deles interage com os outros. Norma, fato e valor interagem, se comunicam. Uma das funções da norma é modificar a situação fática vigente em determinada situação. O fato repercute sobre a norma assim como a norma repercute sobre o fato. As normas visam condicionar a realidade social, mudar a situação fática. Agora p/ que possa ser lubrificada essa relação entre norma e realidade social é preciso que a C. não prometa o impossível sendo necessário um certo realismo. Se vc começa a acenar com o que não é realizável, a prometer o que não pode ser concretizado, paulatinamente os destinatários da C. vão deixando de vislumbrá-la como norma jurídica e passando a considerá-la como depositório de utopias, desprovido de qq eficácia. Para que a C. tenha força normativa é preciso primeiro que ela tenha a pretensão de mudar, só que essa pretensão tem limites. 5) DECIONISMO POLÍTICO – CARL SCHMITT - Constituição não é a mesma coisa que lei constitucional 5 - Constituição × Lei constitucional. Há um ponto de interseção entre as leis constitucionais e a Constituição. Dentro das leis constitucionais encontramos as leis formalmente constitucionais stricto sensu e as lato sensu. As lato sensu englobam todas as leis constitucionais, tanto as materialmente como as formalmente constitucionais e as stricto sensu englobam somente aquelas que não tratam de matéria constitucional, as formalmente constitucionais, porém integram a Constituição. Essa definição de Schmitt é que levou à diferenciação entre lei materialmente constitucional e lei formalmente constitucional. CLASSIFICAÇÕES 1) ESCRITA × NÃO ESCRITA Essas expressões não devem ser tomadas de forma absoluta. Há norma constitucional mesmo onde não há texto. As escritas são aquelas cuja preceituação estruturadora do Estado vem documentada em texto. As não–escritas ou costumeiras são aquelas que se fundamentam nos usos e costumes cristalizados pela passagem do tempo, e obedecidos por aqueles aos quais se dirigem. 2) RÍGIDA X SEMI-RÍGIDA X FLEXÍVEL Rígida é aquela Constituição que demanda um processo mais complexo para que haja mudanças nas suas normas do que aquele necessário à mudança da legislação infra- constitucional. A rigidez constitucional é necessária para que para que a supremacia da Constituição seja efetiva. Se assim não fosse, a antinomia entre as normas iria se resolver pelo critério cronológico e não hierárquico. Geralmente as Constituições escritas são rígidas. Semi-rígida é aquela que possui uma parte rígida e outra parte flexível, assim para parte de seus dispositivos exige processo especial e mais difícil e para outra parte processo legislativo comum. Flexível é aquela inexigente do aludido processo especial, sendo aplicável procedimento legislativo comum para sua modificação. Maria Helena Diniz coloca uma outra classificação, qual seja, a super rígida que seria aquela nas quais há cláusulas pétreas – não vingou. Quanto ao papel que as Constituições desempenham: Garantia – corresponde ao modelo do constitucionalismo liberal. Garantia porque não continha um processo de inovação social. Dirigente – se adequa ao modelo do constitucionalismo social. Se vale das normas programáticas que apontam finalidades, metas e objetivos a serem atingidos mas não colocam a forma para se chegar a estes. Com relação ao tamanho das Constituições: Sintéticas – modelo da Constituição norte-americana de 1787 Analítica – a Constituição brasileira foi prolixa, quis normatizar tudo, o que na prática não funciona Quanto à efetividade da Constituição: Normativa – Constituição que realmente vigora como norma jurídica, que condiciona a realidade social Nominal – Constituição que acena num sentido de transformação etc., mas que na realidade acaba ficando no plano da norma, sem condicionar o fato social. Porém ela no mínimo fornece um elemento de luta para aqueles que queiram que aquilo se torne efetivo 6 Semântica – Visa conferir um verniz de legitimidade para aquilo que sabe que não irá acontecer, que é ilegítimo. Não tem a pretensão de alterar nada na realidade. Ex: Constituição brasileira de 1937. O que vem a ser hermenêutica? Parte da idéia de que existem mensagens que precisam ser repassadas. A hermenêutica jurídica é prática pois o direito visa resolver casos concretos. Hermenêutica Constitucional Quem interpreta a Constituição? Só os juristas? Não; a idéia é de que ela atinja a todos e assim todos devem interpretá-la devendo estar ela ao alcance de todos. O que se interpreta na Constituição? Fala-se muito que interpretar a Constituição é concretizá-la, é levar aquilo que está normatizado para a vida real, na incidência sobre determinado caso. Como se interpreta a Constituição? Critérios clássicos de interpretação: 1º) LITERAL = GRAMATICAL O ponto de partida para a interpretação da norma é ler a norma, o texto normativo. O texto representa também um limite pq vc não pode adotar uma interpretação que colida com a norma. 2º) CRITÉRIO ou ELEMENTO HISTÓRICO É aquele que busca subsídios a partir da história da norma para precisar seu sentido e seus limites. Não é necessariamente definitivo. Não se pode aprisionar o sentido da norma à vontade do legislador histórico. A importância do elemento histórico é diretamente proporcional à criação da norma. 7 2ª AULA – 19/09/2000 Constituição Compromissória – é aquela que não cristaliza uma única ideologia, uma única visão de mundo. Ela é antes o resultado do embate de forças políticas muito díspares presentes num determinado momento histórico e que acabam resultando na elaboração de um texto que contém normas potencialmente colidentes entre si, que é o típico caso da Constituição brasileira. No art. 170, CR, por exemplo, que vem estabelecer os princípios que regem a nossa ordem econômica, vc vai notar isto de pronto pois vc tem desde normas cuja inspiração política é socialista como por exemplo o primado do trabalho sobre o capital até normas de inspiração tipicamente liberal com o principio da propriedade privada e da livre iniciativa. O intérprete ao se defrontar com a tarefa de aplicar a Constituição, tem de abstrair esse dado e tem que buscar conciliar tais normas mesmo onde haja aparente conflito. É tarefa dele buscar uma exegese que minimize essas discrepâncias que freqüentemente se estabelecem entre as normas constitucionais. ELEMENTO SISTEMÁTICO - Exemplos de recurso ao elemento sistemático: Sigilo bancário – como deduzir os limites do sigilo bancário? Não devemos buscar apenas um artigo na C. p/ chegarmos a essa resposta, temos que analisar o sistema, o modo das garantias constitucionais, o regime de proteção das nossas liberdades públicas... Por outro lado, há necessidade muitas vezes indeclinável de se ter o acesso a essas informações p/ que sejam atingidos outros objetivos tb tutelados pela C., então isso revela que muitas vezes embora a C. seja um sistema, as partes desse sistema podem entrar em tensão. É aí que vai caber ao intérprete resolver essa tensão que as vezes se encontra latente no texto constitucional, de modo em que a restrição a cada um dos bens jurídicos em disputa seja a mínima possível, de modo a atingir potencialmente a concordância prática no caso concerto dos interesses constitucionais que se apresentam com antinômicos numa det. situação. No direito constitucional esses problemas decorrentes da aplicação do elemento sistemático são mais intensos, sobretudo pelo caráter compromissório que a maioria das C. contemporâneas têm, aliado ao fato da linguagem utilizada pelaC. ser uma linguagem muito abstrata, muito aberta, o que dá um espaço maior p/ a discricionariedade do intérprete. Alguns casos fáceis de aplicação do elemento sistemático: Art. 68, ADCT – Questão: Vc tira a terra do particular sem indenização ou vc tem que antes desapropriar? A redação do artigo aponta num sentido de que a C. está reconhecendo a terra, então muitos dizem não ser desapropriação, pois a pp C. já tirou a terra não havendo que se falar em indenização. Para o prof. qdo a C. quer que se retire a propriedade sem indenizar, ela faz, como no caso da expropriação onde há tipo de planta psicotrópica, ela fez o mesmo em terra indígena, mas não adotou forma semelhante aos remanescentes de quilombo. Então pela interpretação sistemática, se fosse se basear exclusivamente no artigo podia-se dizer que não havia indenização pois a C. criou aquele direito, então o antigo proprietário perde a terra. Pelo dado sistemático porém o prof. considera que a conclusão é no sentido contrário, vc antes de reconhecer uma área como remanescente de quilombo e outorgar o título à comunidade, vc tem que antes desapropriar e indenizar o proprietário. ELEMENTO TELEOLÓGICO: Telos = fim Elemento teleológico é aquele que busca através da identificação do fim almejado pela norma uma delimitação mais precisa do conteúdo da norma e de seus limites. O elemento teleológico em direito constitucional se confunde muito com a dimensão axiológica da Constituição. As normas constitucionais são extremamente ricas em termos axiológicos. Fonte dos principais valores que latejam no ordenamento jurídico é a Constituição. Dignidade da pessoa humana, liberdade, são normas muito ricas em termos de valores. O elemento teleológico busca sempre identificar os fins. A identificação do escopo de uma norma, 8 ou do interesse ou do valor que ela protege, é vital para que se possa precisar os limites dessa norma. Exemplo: O pp caso do sigilo bancário: Em SP o pp MP requisitou informações sobre movimentação de verba pública ao BB. O BB respondeu que não ia transferir esses dados pq eles estão acobertados pelo sigilo bancário e o sigilo bancário só pode ser quebrado por ordem judicial. O STF decidiu que naquele caso aquilo não operava pq o sigilo é uma garantia constitucional ao direito à privacidade, e não há privacidade se a verba é pública. Então vc identificou o fim da norma para a partir daí esclarecer o seu sentido. Uma outra hipótese de utilização do elemento teleológico: Há o princípio da anterioridade tributária pelo qual qdo se cria ou se majora uma incidência tributária, só no exercício financeiro subseqüente é que a norma se torna eficaz. Antes da CF de 88 havia uma prática de se fazer o seguinte: vc tinha o ano aí dizia-se que o imposto, como o imposto de renda tinha um fato gerador complexivo, ou seja, a renda ia sendo adquirida durante esse interstício temporal mas que o fato gerador só ocorria na passagem de um ano para o outro. A jurisprudência tolerava que se no dia 31 de dezembro vc fizesse uma lei majorando o imposto de renda, vc estava respeitando a anterioridade pq aquilo só iria ser cobrado no outro ano e estava respeitando a irretroatividade pq o fato gerador ainda não havia ocorrido. Na realidade com esse exemplo vc poderia até estar cumprindo a letra da C. mas vc está violando o valor que nela se encontra latente, isso pq o escopo do princípio da Anterioridade é a proteção da segurança jurídica do contribuinte e a segurança jurídica impõe que a carga tributária que recai sobre uma determinada atividade econômica seja conhecida de ante-mão por aquele que a exerce. Então a partir do elemento teleológico, foi possível que a doutrina posterior à Constituição de 88 passasse a dizer que o P. da Anterioridade só é realmente respeitado qdo a lei feita em 1990 incide sobre os fatos ocorridos a partir de 1991 e esse imposto só vai poder ser cobrado em 1991. Então a partir da identificação do telos da norma vc alterou a intelecção de um dispositivo constitucional. Todos esses elementos aos quais nós nos referimos, quais sejam, gramatical, histórico, sistemático e teleológico, não devem ser usados de modo isolado. Não se pode usar um deles com abstração dos demais. E não há uma regra que estabeleça precedência ou hierarquia entre esses métodos, daí a riqueza da tarefa de interpretar, imperando sempre a lógica do razoável e não a lógica matemática. Principais Controvérsias Existentes Hoje no Mundo em Torno da Hermenêutica Constitucional: EUA X ALEMANHA Nos EUA, a principal discussão está matizada por fatos políticos que lá ocorreram e que se resumem da seguinte forma: Nas décadas de 50, 60 e início da de 70 a Suprema Corte era muito mais progressista que o governo, sendo a mesma que afirmou uma série de direitos fundamentais. A partir de meados de década de 70 começou a se esboçar uma reação dos EUA dizendo que aquele tipo de interpretação muito criativa, construtiva era ilegítima sobre o prisma democrático pq os juízes não são eleitos e o legislador sim é eleito. Então qdo juízes tendem a traçar caminhos que uma determinada nação deve traçar, vc estaria ali consagrando um governo de juízes, o que é profundamente anti-democrático. Por outro lado esse discurso oculta o propósito dos conservadores de anular uma série de conquistas progressistas que foram afirmadas através da interpretação evolutiva da C. norte-americana pela Suprema Corte. Então hoje há duas espécies de correntes nos EUA – INTERPRETATIVISTAS X NÃO- INTERPRETATIVISTAS INTERPRETATIVISTAS – geralmente sustentam que a exegese da Constituição é similar à interpretação que deve se praticar em todos os outros ramos do direito e que ela deve se basear sobretudo no elemento literal e no elemento histórico. Se vc permitir que cada julgador no caso concreto diga a sua opinião sobre aquilo, partindo para tal de parâmetros muito abstratos, usando assim o seu poder discricionário, iríamos ter o governo dos juízes, que a 9 invalidação das leis feitas pelo Parlamento e das normas editadas pelo Executivo só é democrática qdo o Poder Judiciário se ancora em solo muito firme e que esse solo firme é construído exatamente pela letra da C. e pela vontade histórica do Constituinte, que essa tem como ser objetivamente aferida. NÃO-INTERPRETATIVISTAS – os autores tendem a defender que a C. pela sua carga axiológica, pela sua natureza aberta ela é maleável e que é papel do Judiciário que adaptando a C. às mudanças do tempo, reafirmando e descobrindo valores latentes na ordem constitucional e através disso sim invalidando atos que contrariem a Constituição. Um dos autores principais sobre esse tema diz que a C. é baseada fundamentalmente na ética. ALEMANHA – MÉTODO TRADICIONAL – ERNST FORSTHOFF Defendia e sustentava que a interpretação da Constituição deve ser uma interpretação bem tímida, se atendo muito aos elementos objetivos da norma para impedir exatamente que vc gerasse uma insegurança muito gde, ou uma ilegitimidade decorrente de um reforço do papel do Judiciário em detrimento dos outros poderes na estrutura do Estado Democrático. Ele entrou numa polêmica com outro estudioso alemão chamado RUDOF SMEND que dizia + ou – o seguinte: ele separava as ciências naturais das ciências do espírito que são as ciências humanas e que lidam com valores. Ele dizia que eles não podiam tentar importar p/ o direito que era uma ciência do espírito já que lida c/ o ser humano, valores, ou seja, dados que não são empiricamente mensuráveis, aquela epistemologia pp das ciências naturais, que segue a idéia de que há sempre uma resposta p/ um caso. O método de Rudof que é o Método das Ciências do Espírito, enfatizou o dado axiológico na interpretação da Constituição, e ele foi vital na construção da jurisprudência na corte constitucionalalemã logo depois do pós-guerra. Esse método contudo era criticado pois acabava carreando p/ seara constitucional um grau de indeterminação muito grande. THEADOR VIEWHEG - TÓPICA É o primado do problema sobre a norma, é o raciocínio a partir do problema. Exemplo: há uma estrada que corta uma aldeia indígena em Parati, pela Constituição e pela lei, ela teria que ser fechada. O fato da estrada ser anterior à aldeia é irrelevante. Se fosse ser aplicado o método tradicional, o silogismo, partir da norma p/ o problema, teria se que entrar c/ uma ação p/ fechar a estrada. Contudo se a estrada fosse fechada, a comunidade local ia passar a odiar os índios pois aquela estrada é o único meio p/ se chegar à praia, e o comércio artesanal da região ia acabar pois são os turistas que vão à praia os compradores daquele comércio informal que ali se criou e que é o meio dos índios ganharem algum dinheiro. Assim resolver o problema de acordo com a norma não ia resolver o problema na realidade, e o prof. pensou que tb não era possível deixar aquela estrada ali solta, e está pleiteando algum tipo de compensação econômica pelo uso da estrada p/ os índios junto à prefeitura da cidade. O raciocínio jurídico não é um raciocínio linear, ele tem que ser circular, em que vc parte do problema e ao problema volta, tentando sempre buscar a melhor solução. Isso tem muito a ver c/ a pp estrutura do processo que é dialético, o juiz não pega a norma e aplica ao caso, ele ouve os argumentos das partes sempre voltando ao problema p/ dar a este a melhor solução. O processo exegético não é um processo linear, onde vc parte da norma, vê o caso e só há uma resposta possível para aquele problema. A tópica vai dizer que a ênfase não é da norma e sim do problema, o raciocínio jurídico é circular, onde vc vai testando as soluções possíveis que a norma te oferece e vendo qual a solução que mais atende aos reclamos do caso. Vc sai do problema, testa soluções e ao problema retorna, até que se alcance a solução ideal. Esse método foi extremamente importante pq ressaltou a relevância do elemento indutivo no direito. A tópica tomada em sua pureza é muito perigosa, pq ela reduz a norma a um elemento não vinculante do intérprete, ela funcionaria só como um ponto de vista que pode ser definitivo ou não p/ a resolução do problema, o que acaba enfraquecendo a pp força normativa da Constituição, o que em 2ª instância cria o risco de se dar poder demais aos juízes. 10 MÉTODO CONCRETIZADOR – HESSE Sustentam a realização de uma tópica no espaço franqueado pela norma. A norma vincula, ela estabelece balizas que o intérprete não pode transcender, porém dentro desse espectro, dentro desse espaço permitido há lugar p/ na tópica, há lugar p/ a busca casuística da solução mais justa para o caso concreto. Hesse dizia que interpretar uma norma constitucional é concretizá-la, pois vc só interpreta aplicando a norma ao caso, que à luz do caso é que a norma ganha suas feições definitivas. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO 1º) SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO Superioridade hierárquica da Constituição em face das outras normas. Na hipótese de antinomia entre a interpretação da Constituição e da lei, prevalece sempre a da Constituição. É a Constituição que condiciona a exegese das leis. Esse princípio, sob o ponto de vista jurídico formal, tem como pressuposto a rigidez constitucional, pois se a C. fosse flexível, a lei posterior à C. com ela inconciliável revogaria a Constituição. A supremacia será tanto mais verdadeira qto maiores forem os mecanismos num ordenamento jurídico de controle de constitucionalidade das leis, que não é outra coisa senão um instrumento de afirmação da supremacia da Constituição. Entretanto, apesar da afirmação da supremacia da C. , isso não significa que a exegese das leis não repercuta sobre a compreensão da Constituição. A Constituição muitas vezes emprega termos que já tem um sentido sedimentado no direito infra-constitucional, por ex. qdo a Constituição fala em tributo, eu vou achar a definição de tributo no CTN, que é lei infra-constitucional; qdo ela fala em direito adquirido, eu vou achar a definição no art. 6º da LICC, então p/ compreender a norma constitucional, eu estou recorrendo à lei. 2º) PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE DA CONSTITUIÇÃO / FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO A idéia é de que a Constituição é norma jurídica e não uma mera exortação ao legislador ou as forças políticas de determinado estado. As normas jurídicas têm a aspiração de condicionar a realidade social e por isso não há norma jurídica absolutamente desprovida de efeitos, todas as normas jurídicas têm efeitos, e que o intérprete é sempre obrigado a buscar aquela exegese que amplie mais os efeitos da norma constitucional interpretada. Esse princípio impõe ao intérprete a busca da exegese da norma constitucional que lhe confira mais efeitos práticos. Dentre várias interpretações possíveis de uma norma, o exegeta deve sempre optar por aquela que outorgue à norma uma força concreta mais intensa. Na prática esse princípio não é muito aplicado, como no caso dos servidores públicos. A C. diz que eles têm direito à greve e que a lei vai regulamentar. A interpretação que daria mais efetividade à norma seria a de que o direito de greve já existe mas que a lei pode regulamentar. Na classificação de José Afonso da Silva, seria uma norma de eficácia contida, e não de eficácia limitada sendo assim uma norma que já gera efeitos. Porém, apesar disso o STF adotou a interpretação contrária, dizendo que o direito de greve não era auto-aplicável. O STF não seguiu o P. da Efetividade nesse caso... Um dos meios mais insidiosos de se frustrar a efetividade de uma C. é através da inércia do legislador que ao não regulamentar certas normas, impede a incidência concreta dos desígnios do constituinte. 3º) PRINCÍPIO DA UNIDADE É a projeção na seara constitucional da idéia de sistema. Deve-se buscar sempre a exegese que concilie. Esse princípio foi uma das razões que levou o STF a não aceitar a tese do Otto Bachof sobre as Normas Constitucionais e Inconstitucionais. A teoria do Bachof surgiu 11 em 1951, qdo a Alemanha havia acabado de perder a 2ª Guerra Mundial, período em que se deu o maior atentado ao Estado de Direito que se sabe até hoje. Isso se deu sob as barbas da Constituição que vigorava na época que não continha nenhuma cláusula pétrea. O parlamento alemão promoveu mudanças formalmente válidas, tirando a cidadania dos judeus e atribuindo plenos poderes ao Hitler. Se você fizer uma análise puramente positiva, o regime nacional socialista foi válido, então depois da 2ª Guerra Mundial, os positivistas ficaram em uma situação difícil pq eles não tinham como justificar o ocorrido. O maior abalo na filosofia do direito no século XX foi a 2ª Guerra Mundial. Bachof a partir de então quis alicerçar a Constituição em algo mais do que a vontade ditatorial do constituinte, dizendo que as Constituições repousam sobre valores que lhe são superiores, ou seja, há um quê nitidamente jusnaturalista na teoria constitucional do Bachof, que vai distinguir dois tipos de norma constitucional. O 1º tipo decorre da vontade do constituinte, da manifestação volitiva do constituinte originário, ou seja, é o resultado de uma criação do Poder Constituinte. Ex: A norma fala que o mandato do presidente é de 4 anos, não há nenhum valor supra-positivo que defina se são 4, 5 ou 6 anos, isso é apenas uma criação do constituinte. Há ainda outra normas constitucionais que são a positivação, a inscrição na ordem jurídico positiva, de valores que sobrepairam o ordenamento do Estado. Princípio da Igualdade, Dignidade, a Liberdade etc. Qdo o Constituinte edita uma Constituição contendo normas desse quilate, ele não está criandonada, mas sim inscrevendo no texto constitucional um valor que ele apenas reconheceu e recolheu do mundo dos valores. Segundo essa teoria, qdo as normas criadas pelo constituinte colidissem com aquelas que consagram valores supra-positivos, as 1ªs normas não teriam força jurídica e os órgãos encarregados do controle de constitucionalidade das leis (no caso da Alemanha só a Corte Constitucional, pois a Alemanha tem um controle concentrado), teriam não só o poder, mas o dever de expurgar essas normas da Constituição. Logo depois dessa obra do Bachof, a Corte Constitucional Alemão reconheceu que o Poder Constituinte Originário está sujeito a limites jurídicos. Porém, no Brasil não existe a possibilidade de controle de constitucionalidade de norma da Constituição Originária, inclusive em função do P. da Unidade da Constituição, pois se há unidade, em caso de conflito cabe ao intérprete resolvê-lo. Você pode até afastar no caso concreto a incidência de uma norma, mas jamais retirá-la de modo definitivo da ordem jurídico constitucional. 4º) PRINCÍPIO DA PONDERAÇÃO DE INTERESSES Embora a Constituição seja una, seja dotada de organicidade, configurando um sistema e não a justaposição de normas isoladas, o fato é que muitas dessas normas entram em conflito na resolução do caso concreto. Dizer que antinomias jurídicas são sempre aparentes, é um grande equívoco pois há antinomias concretas. Ex: Liberdade de Imprensa X Privacidade. Diante disso, a doutrina tradicional reconheceu três critérios para a resolução das antinomias jurídicas: Cronológico, Hierárquico e de Especialidade. Cronológico – não se pode usar para resolver antinomias constitucionais, pois a Constituição foi feita toda num mesmo momento. Só poderia ser utilizado qdo uma emenda revogou um artigo da Constituição mas fora isso não. Hierárquico – tb não pode ser utilizado, pois se aceitássemos esse critério acabaríamos aceitando tb a tese do Bachof. Especialidade – às vezes sim, mas nem sempre. Por esse critério o STF disse que qdo um crime doloso contra a vida é cometido por quem tem foro por prerrogativa de função, essa pessoa vai ser julgada no foro por prerrogativa e não pelo Júri. O STF usou o critério de Especialidade. Contudo ele não pode ser usado sempre – Ex: A farra do boi - vc tem de um lado a proteção ao meio ambiente e de outro o direito legítimo à manifestações culturais, pq aquilo é uma tradição cultural em Santa Catarina. Qual norma é mais especial, o direito à cultura ou o direito ao meio ambiente? Não há especialidade nesse caso. Por isso se torna necessária a utilização de uma outra técnica que sempre foi usada no Brasil, mas de modo velado. Dentro do julgamento feito pelos juízes há uma margem para discricionariedade. A ponderação torna muito nítida essa margem para a valoração subjetiva. A 12 ponderação vem a ser o seguinte: quando vc tem normas que consagram bens jurídicos concorrentes, e ambas as normas incidem sobre o mesmo caso, você vai ter que buscar o ponto ótimo onde a compressão aos bens jurídicos protegidos por cada uma dessas normas seja o menor possível. A análise porém terá de ser casuística, pois não há como se dizer abstratamente o que prevalece, se a liberdade de imprensa ou a proteção da intimidade, o direito à propriedade ou a tutela ao meio ambiente? Isso sempre vai depender das circunstâncias do caso, das variáveis presentes no caso etc. Essa ponderação será materialmente balizada pelos valores constitucionais e procedimentalmente pelo princípio da proporcionalidade, que é o meio para se chegar a esse ponto ótimo. A restrição a cada bem jurídico constitucional é a mínima necessária à salvaguarda do bem jurídico contraposto. Isso franqueia uma certa dose de insegurança, de subjetividade na jurisdição constitucional, contudo não há como fugir disso, pois a C. não regula detalhadamente as suas hipóteses de incidência, o constituinte não prevê e nem pode prever tudo. Daí nessas hipóteses de conflito é inevitável o recurso ao método da ponderação. 5º) FILTRAGEM CONSTITUCIONAL A idéia de filtragem constitucional está muito ligada à idéia de supremacia da Constituição. É a obrigatoriedade daquele que for praticar qualquer ato jurídico, interpretar qq norma, a ter presente os valores constitucionais. É mais do que interpretação conforme a Constituição, que é quando uma norma tem dois sentidos possíveis, um é inconstitucional e você tem que ficar com o outro. A filtragem constitucional pressupõe uma determinada visão da Constituição que aposta na sua força normativa, aposta na incidência da Constituição no âmbito das relações privadas e converte a mesma no epicentro em torno do qual gravita todo o direito. Ex: Quando o sujeito vai interpretar uma cláusula num Contrato de Locação, ele não pode desconsiderar o dado constitucional. Qdo estiver aplicando a norma da instrução do Banco Central, ele não vai aplicar se for inconstitucional e ainda tem que aplicar e interpretar a partir da compreensão profunda dos valores constitucionais que lastream toda a ordem jurídica. Mas o que vem a ser realmente fazer uma filtragem constitucional? Ex: Separação, divórcio - é absolutamente inconstitucional vc dizer que a pessoa tem que esperar um prazo para se separar, viola a privacidade e a liberdade daquela pessoa, pois tal escolha é algo plenamente existencial e o legislador não deveria ter nunca colocado um prazo para tal. Assim a filtragem constitucional é mais ou menos como uma postura do intérprete sempre favorável à aplicação direta da Constituição e sempre favorável à busca de subsídios na Constituição à resolução de controvérsias jurídicas. A sua premissa filosófica é que durante muito tempo o pensamento esquerdista negou a possibilidade de transformação das leis e da Constituição. Porém a idéia hoje é de que super-estrutura e infra-estrutura interagem, então vc não pode abrir mão das virtualidades transformadoras que tem a Constituição, tentando extrair dela os maiores efeitos possíveis, tentando buscar uma resposta a partir dos valores constitucionais em cada controvérsia surgida. 6º) PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO Lei 9868/99 – art. 28 – alusão expressa à interpretação conforme a Constituição. Princípio exegético, pois impõe ao intérprete sempre buscar a compreensão de uma norma que a torne compatível com a Constituição. Isso decorre da supremacia da constituição e da pp presunção de constitucionalidade das leis. Só se vai afastar uma norma do ordenamento reconhecendo a sua inconstitucionalidade, depois de frustradas todas as tentativas de interpretá- la em consonância com a Constituição. Existem limites nesse sentido da interpretação conforme a Constituição na medida em que o intérprete não pode da sua cabeça retirar uma interpretação que o texto normativo não acomode para conciliá-lo com a Constituição. O intérprete tem que verificar dentre os sentidos possíveis da norma se há algum compatível com a Constituição e só se não houver nenhum, deve-se reconhecer a inconstitucionalidade da norma. Esse princípio também é uma técnica de decisão no controle de constitucionalidade das leis: 13 Vamos supor que tem uma lei com dois sentidos possíveis, A e B. Pelo sentido A a lei é inconstitucional e pelo sentido B ela é constitucional. Antigamente se alguém propusesse uma ADIN contra essa lei, o STF chegaria à conclusão de que o sentido B era constitucional. Decidia então que a ADIN era improcedente. A parte em que ele reconhecia que uma das interpretações da norma era inconstitucional estava na fundamentação e não na parte dispositiva que é o que faz coisa julgada. Então no controle abstrato o STF via que uma das interpretações da norma era inconstitucional mas não podia fazer nada, pq ou ele tirava a norma da ordem jurídica ou mantinha.A interpretação conforme a Constituição permite que você transporte a parte da fundamentação que reconhecia que parte da norma era inconstitucional para o dispositivo, então o STF vai decidir que a lei será inconstitucional desde que interpretada da forma X, ou desde que afastada a interpretação Y, e isto por se encontrar no dispositivo vai vincular a todos, tendo eficácia erga-omnes. Assim esse princípio é tb uma técnica de decisão no controle de constitucionalidade das leis. Tem sido feita uma confusão entre dois institutos parecidos que contudo não significam a mesma coisa, que são a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, sendo o STF o maior responsável por essa confusão pois ele tende a considerar tudo como interpretação conforme a Constituição. Como prova disso temos que a própria lei prevê ambos. O art. 28 da lei 9868/99, no seu parágrafo deixa claro essa diferença, pois se a Constituição se referiu a ambos é porque trata-se de institutos distintos. Interpretação conforme a Constituição ( I C C ) X Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto ( DPISRT ) Diferenças: ICC > a norma tem duas ou mais interpretações possíveis, você afasta a interpretação inconstitucional, permitindo que a norma continue vigorando desde que interpretada das outras formas. DPISRT > a norma tem uma interpretação só, só que por aquela interpretação a norma iria incidir em hipóteses sobre as quais ela não poderia recair, então você afasta a possibilidade da incidência da norma sobre esses casos. Ex: O STF foi apreciar um artigo da lei complementar 75 ( lei do MP Federal) que dispõe que o Procurador da república não pode exercer função político partidária, salvo a filiação. O STF entendeu que eles ainda assim não poderiam pois tal filiação poderia vir a comprometer a isenção. Entendeu que para se filiar teria que se licenciar. Se ele tirasse a norma toda, nem o licenciado iria poder se filiar e o Procurador da República iria ser inelegível. Daí o STF fez uma Declaração Parcial de Inconstitucionalidade sem redução de texto para dizer que o membro do MP em atividade não pode estar filiado, mas que ele poderia se licenciar, se licenciando ele se filia, concorre ao pleito e depois da eleição ele volta ao cargo. Essa era uma das interpretações possíveis do texto? Não, a única interpretação do texto era a de que o membro do MP podia se filiar a partido político. O Supremo foi naquele universo de incidência da norma e subtraiu e extirpou aquelas hipóteses em relação as quais a norma não poderia incidir sob pena de inconstitucionalidade. As pessoas confundem esses institutos pq há uma confusão que vem do positivismo entre norma e texto da norma. A norma não é o texto da norma, sendo possível extrair algo da norma sem mexer com o texto da norma. É como o guaraplus e a embalagem, o texto é a embalagem, é o invólucro, é a pele que recobre a norma, porém se eu jogar um pouco do guaraplus fora, o copo continuará íntegro. Você pode tirar algo da norma sem afetar o seu texto. Então eu fiz uma Declaração Parcial de Inconstitucionalidade da norma, mas o texto subsistiu em parte. O que a ICC e a DPISRT têm em comum é que em ambos os casos não se mexe no texto, só que na ICC opta-se por uma das exegeses em detrimento de outra, e na DPISRT ocorre uma outra coisa, pois retira-se do âmbito de incidência da norma alguns casos sobre as quais a norma não poderia recair sob pena da incorrer em inconstitucionalidade. A idéia é da máxima conservação do que se encontra no ordenamento, que é um princípio do Direito, aproveitar o que puder ser aproveitado do que surgiu no ordenamento. Os órgãos que exercem o controle atualmente mantêm o máximo que eles puderem, as vezes retiram alguma coisa da norma, mas não precisam retirar tudo. 14 A interpretação da Constituição deve se conciliar com os postulados do Estado Democrático. Por isso cada um dos poderes têm que saber o seu papel da interpretação da Constituição. O Judiciário por exemplo quando interpreta essas normas muito abertas, muito abstratas ou quando exerce controle de constitucionalidade tomando como parâmetro essas normas, ele deve ter uma certa deferência com relação as opções feitas por quem detêm a legitimidade democrática como o Legislador e o Executivo. Ex: Razoabilidade da lei - a idéia é que você quando vai interpretar a Constituição, tentar aplicar esses conceitos jurídicos indeterminados, você deve em princípio acatar as decisões do legislador e do administrador pq afinal de contas eles têm legitimidade para isso. Você só vai afastar essas normas quando for flagrante a incompatibilidade delas com a Constituição. Você só tem que afastar aquelas normas que forem teratológicas, cuja a incompatibilidade com os parâmetros de justiça constitucionalmente delimitados for flagrante. Essa é a idéia do Judiciário saber qual o papel dele na interpretação da Constituição dentro de um Estado Democrático. Isso vale também para os outros poderes! Ex: Viola a correção funcional o caso do STF ter adotado uma orientação sobre uma matéria. O legislador vai e edita uma lei no sentido contrário. O fundamento do STF não vincula, o efeito vinculante não se estende ao fundamento, porém, o legislador quando vai atuar deve se pautar pela interpretação que o Judiciário está consagrando da Constituição. O Executivo também. Para o Professor viola esse princípio da correção funcional essa recalcitrância do Governo, que disse que vai recorrer até a última instância, criando todos os empecilhos para que as pessoas façam jus a correção do FGTS. Se o Executivo reverencia a Constituição ele tem que agir no sentido de concretizar aquele direito. Ex: O Collor editou uma MP criando um tipo penal. Houve um alvoroço contra tal atitude, todo mundo dizendo que ele não podia criar tipo penal e ele então editou uma segunda declarando a inconstitucionalidade da primeira. O STF então julgou duas ADINS , julgando em 1º lugar a MP da inconstitucionalidade, dizendo que o Executivo não pode declarar a inconstitucionalidade, pois essa é uma função do Judiciário, só ele podendo tirar a norma inconstitucional do ordenamento, tendo seu julgamento efeito erga omnes. Depois ele julgou a outra MP dizendo ser ela também inconstitucional. Não é papel do Executivo nem do Legislativo, na interpretação da Constituição, declarar a inconstitucionalidade de norma. Cada um dos poderes do Estado têm a sua função na interpretação da CRFB. 7º) PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS O Barroso considera como mais um princípio de interpretação da Constituição, mas o Daniel o considera apenas como um princípio jurídico. Esse princípio denota a idéia de que deve-se sempre tentar manter a lei, só a afastando se não houver outro jeito. O Judiciário só aprecia se a lei é inconstitucional, se aquilo for indispensável para a resolução do caso. É um princípio que em última análise decorre da reverência devida pelo Judiciário aos atos praticados pelos outros poderes até em razão da legitimidade democrática dos outros poderes. Barroso coloca também dentro dos princípios de interpretação da Constituição os Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade. Para Daniel esses princípios não são de interpretação da Constituição e sim princípios que limitam o legislador do Poder Público. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL A hermenêutica alcança também a integração, na hipótese de lacuna, ela contém regras sobre-direito que não se esgotam na interpretação. Algumas discussões ligadas à hermenêutica constitucional: Integração da Constituição – saber se há ou não integração da Constituição nos exige a resposta prévia a uma pergunta: A Constituição contém lacunas? É óbvio que ela contém lacunas. E como vai se preencher estas lacunas? Há umasérie de princípios que regem a matéria e que não são estranhos ao domínio constitucional. Temos os princípios gerais do direito (do direito constitucional, pois não se pode recorrer a um princípio de direito infra-constitucional para suprir lacunas da Constituição), analogia – grande parte da doutrina sustenta que por analogia você aplica pelas limitações da lei delegada do art. 68 às lacunas da Medida Provisória 15 (MP), a CRFB estabelece o que não pode ser regulado por lei delegada, a doutrina raciocina que se não pode para lei delegada, por mais razões ainda não deve poder para a MP porque a MP traduz uma exceção ainda maior à separação de poderes do que a lei delegada. Na lei delegada o Presidente pede autorização ao Congresso para poder legislar, na MP o Presidente já sai legislando. A ratio de uma é a mesma para a outra, e isso é analogia. Não é verdadeira a assertiva de que a Constituição não contém lacunas, e essas lacunas tem que ser supridas através de uma série de expedientes, como a analogia, princípios gerais do direito constitucional e se for o caso, até mesmo a eqüidade. Essa questão envolve uma outra que é a existência ou não de reserva de Constituição. Reserva de Constituição é a concepção de que certos temas só podem ser tratados em sede de Constituição. Só há lacuna se o legislador infra-constitucional não puder regular. Senão o que existe não vai ser uma lacuna da Constituição e sim uma remissão ao legislador, então só há lacuna se nós pressupormos que determinado assunto está sujeito à reserva de Constituição. APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NO TEMPO Também está dentro do conceito de hermenêutica. A teoria clássica concebe o Poder Constituinte Originário como um poder inicial que instaura a ordem jurídica, que funda ou refunda o Estado. Essa teoria que equipara o Poder Constituinte a uma espécie de “big bang” jurídico enfrenta algumas dificuldades práticas, sobretudo porque quando as Constituições são feitas elas normalmente se deparam com uma multiplicidade de normas anteriores. Seria utópico desejar que o legislador começasse tudo do zero. Essa incompatibilidade da teoria do Poder Constituinte (PC) com a realidade empírica da sociedade moderna que explica até o caráter obsoleto da teoria do PC que nós estudamos. Na revolução Francesa por exemplo realmente se estava mudando tudo, estava rompendo, começando tudo do zero, agora será que nós rompemos tudo do zero com a CRFB de 1988??? Será que não é forçar a barra essa história de PC Original que funda o Estado, será que o Estado Brasileiro foi realmente fundado em 1988? Talvez haja um pouco de exagero e incompatibilidade entre a teoria e a realidade política que nós vivenciamos. O fato é que para conciliar essa necessidade pragmática de continuidade da ordem jurídica com a teoria do PC Inicial é que foi criada a Teoria da Recepção, que significa que a nova Constituição não receberá as normas anteriores que forem com ela substancialmente incompatíveis, e as que forem compatíveis continuam vigorando. A rigor o que Kelsen dizia é que não são as mesmas normas, mesmo que versem sobre a mesma coisa, são novas normas que agora repousam sobre um novo fundamento de validade. Ocorreu uma novação no seu fundamento de validade (isso na realidade não deixa de ser uma ficção Kelseniana, pois na realidade é a mesma norma só que você vai interpretá-la de modo diferente, a luz dos novos valores, da nova realidade que advém de uma ordem constitucional recém instaurada. A Constituição deixa de recepcionar apenas aquelas normas que forem materialmente incompatíveis com ela. Materialmente incompatível porque a recepção não se ocupa da incompatibilidade entre o processo legislativo do qual resultou a norma anterior à Constituição com aquele estabelecido no novo texto constitucional. Caso contrário o Código Comercial não estaria em vigor pois o C. Comercial é um decreto e será que decreto pode criar Código? Se fosse assim não teria quase nenhuma lei em vigor pois a CRFB de 1988 mudou o processo legislativo com relação à Constituição de 69, então todos as leis anteriores teriam sido não recepcionadas. A idéia é em termos de processo legislativo vigora tempus regit actum , quer dizer, o processo legislativo é exclusivamente regulado pela Constituição em vigor quando uma determinada norma é elaborada. Partindo desta premissa o que significa a não recepção de uma norma? Existem duas teorias divergentes: STF – Sustenta que a Constituição revoga as normas anteriores (Daniel acha absurdamente errado tal entendimento). A discussão é a seguinte: 16 Nós temos uma incompatibilidade entre normas, sendo que dois critérios dentre esses três, cronológico, hierárquico e especialidade, são hábeis para a resolução desta antinomia. Entre o hierárquico e o cronológico, porém qual tem primazia? O hierárquico, pois se fosse o cronológico as leis posteriores à Constituição ia acabar com a mesma, revogaria a Constituição. Quando as normas têm a mesma hierarquia é que o passo seguinte é examinar qual vem antes e qual vem depois. Então se o critério hierárquico é usado antes, a 1ª coisa que você vê quando uma lei conflita com a CRFB é que a CRFB é lei superior. O nome que se dá à incompatibilidade entre lei e Constituição é inconstitucionalidade. Se se colocasse a pergunta: Mas então essa é uma discussão inútil na medida em que em qq das hipóteses a lei deixa de vigorar? Não porque se nós considerarmos que o caso é de inconstitucionalidade superveniente, nós aceitaremos que todos aqueles instrumentos próprios do controle de constitucionalidade das leis incidam em relação as normas anteriores à uma Constituição, enquanto que se nós acharmos que o caso é de simples revogação não vai ser possível haver ADIN de lei anterior à Constituição, o Senado não vai poder suspender a lei anterior à Constituição, quando o STF declarar no seu plenário, em controle difuso que a lei é inconstitucional, quando um órgão fracionário do Tribunal entender que a lei é inconstitucional não vai submeter à Reserva de Plenário, ou seja, não vai precisar mandar para o Pleno ou para o Órgão Especial, ou seja, não vai ser dado o tratamento de inconstitucionalidade a essa questão, que é como o STF vem entendendo. O Professor discorda veementemente, mais por razões pragmáticas do que por razões teórico-jurídicas. O STF sempre se assustou com o assoberbamento das suas funções devido a gde quantidade de processos que recebe. Enxergou então como um meio de restringir dizendo que só veria o que viesse da CRFB de 1988 para frente. No direito comparado não há nenhum país que não diga que o conflito de lei anterior à Constituição é questão de inconstitucionalidade (Sepúlveda Pertence faz um levantamento, mostrando o absurdo da afirmação de que a Constituição revoga lei e não que a Constituição acarreta a inconstitucionalidade superveniente da lei incompatível). O Barroso sustenta que essa tese de que a lei anterior à Constituição é não recepcionada e isso decorre de revogação já tinha sido consagrada pelo STF antes da CF 88. O Constituinte sabia dela, então se o Constituinte quisesse mudar ele teria dito isto na CF. Como ele não fez nenhuma afirmação nem num sentido nem no outro, implicitamente ele consentiu com a interpretação anterior. Outra discussão em torno da Constituição no tempo, diz respeito ao direito adquirido e a Constituição. DIREITO ADQUIRIDO EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ORIGINÁRIA O poder constituinte originário não precisa respeitar direito adquirido até porque ele tem essa característica de inicialidade, de romper uma ordem pretérita. A proteção ao direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito está na pp Constituição, é um princípio dela. O constituinte pode não respeitar, agora quando o constituinte institui uma norma que nãodispõe sobre a sua aplicação no tempo, deve-se partir da premissa de que essa aplicação é só dali para frente. Quando a Constituição introduz uma nova norma, se ela mesma não diz nada , devemos partir da premissa de que essa norma só se aplica dali para frente, que ela não importa na desconstituição de direitos anteriormente se incorporaram à esfera jurídica de seus titulares. Resumindo: Se a Constituição quiser ela desfaz o direito adquirido, porém só quando ela o disser expressamente. Quando uma nova norma da Constituição fala algo, ou determina algo, nós devemos partir da premissa de que essa determinação se destina a acolher, regular situações futuras, situações que ainda estão para acontecer e não incidir sobre fatos ou situações que se consumaram no passado. Contudo a Constituição pode dispor diferentemente dizendo que aquela norma vale também para o que aconteceu antes, porém tem que ser expresso! 17 Antes da CF 88 existia aquela possibilidade de incidência em cascata de vantagens para o servidor. A CF 88 disse que era vedada a percepção de vantagens em cascata, cumulativas que incidam umas sobre as outras e que isso se aplicava também ao passado não podendo então ser invocado o direito adquirido quanto a aplicação dessa norma. Isso é válido porque a Constituição disse expressamente. Se ela não tivesse dito nada, essa norma só valeria dali para frente. Outra discussão sobre a aplicação da Constituição no tempo – EXISTÊNCIA OU NÃO DA DESCONSTITUCIONALIZAÇÂO: Esse é um termo que foi cunhado pelo Pontes de Miranda e que a doutrina sempre repete. Tivemos a Constituição de 69 e posteriormente a de 88. Suponhamos que a de 69 tratava de um assunto que não foi regulado pela CF 88 mas também não era incompatível com a mesma. Para Pontes de Miranda ambas as normas continuavam vigorando, contudo com uma queda hierárquica da norma da Constituição de 69 para legislação infra-constitucional. O entendimento atual porém, é de que isso não ocorre mais. Hoje entende-se que a Constituição nova revoga tudo o que ela não falar sobre ou que for incompatível. Quando não dispuser expressamente nesse sentido, o seu advento acarreta em bloco a revogação da Constituição anterior. REPRISTINAÇÃO – não há nenhuma diferença entre Constituição e lei no que concerne à repristinação. Exemplo de repristinação: Lei A – maio de 1997 Lei B – novembro de 1997 Lei C - fevereiro de 1998 Em primeiro lugar foi editada a lei A que foi posteriomente revogada pela lei B e depois essa lei B foi revogada pela lei C. Se houvesse repristinação, com a revogação da lei B pela lei C, a lei A voltaria a vigorar, renasceria. A lei A voltaria a vigorar com a revogação da lei B pela lei C pois a lei B foi a responsável pela revogação da lei A. A repristinação não existe, não acorre aqui no Brasil. APLICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO NO ESPAÇO Problemas de aplicação da Constituição no espaço: 1) Conflito entre a Constituição e a norma internacional Há uma corrente do direito internacional – Monismo Clássico – que sustenta que as normas internacionais têm primazia sobre a Constituição – Hanz Kelsen STF – adota o monismo moderado equiparando a norma internacional a lei infra- constitucional e colocando como fator determinante de qual das duas prevalecerá o fator cronológico, ou seja, a mais recente prevalece sobre a anterior. O tratado pode se incorporar à ordem jurídica brasileira, contudo quando isso ocorre, ele não tem primazia sobre a Constituição, valendo como lei ordinária (isso se no confronto entre tratado e lei ordinária, o tratado for posterior). Esse tema vem sendo rediscutido a propósito dos direitos fundamentais - § 2º, art. 5º, CF. A doutrina mais moderna defende que esse tratado sobre direitos fundamentais tem a mesma validade da Constituição, pois este assunto não poderia ser colocado no mesmo nível da lei ordinária que pode ser revogada a qualquer momento. STF – apreciou essa questão em três casos e reiterou a posição ortodoxa de que os tratados sobre direitos fundamentais têm validade de lei ordinária e podem ser revogados por lei posterior. O argumento foi o de que se a Constituição é rígida, o tratado não pode ser englobado à Constituição já que eles seriam aprovados pela maioria e para ser aprovada uma emenda à Constituição, ela deve ser aprovada por 3/5 dos membros do CN. 18 2) Aplicação da Constituição fora do território nacional e aplicação da Constituição estrangeira no Brasil É possível se controlar a constitucionalidade da norma estrangeira : a) pela incompatibilidade com a Constituição Brasileira? Sim, é possível. O que não se pode é aplicar lei estrangeira quando ela viole a CRFB. Ex: Casamento de brasileira com argelino realizado sob as leis da Ãrgélia que permite a poligamia. Aqui esse casamento poderia ser anulado pois conflita com a lei brasileira, que não permite a poligamia. b) pela incompatibilidade com a Constituição do país de origem para negar sua aplicabilidade? O juiz brasileiro aplica a lei do país estrangeiro tal como o juiz estrangeiro faria. Ex: Na França não há controle de constitucionalidade, só há o controle preventivo. Na Inglaterra não há nem o preventivo. 19 3ªAula – 26/09/2000 A) PODER CONSTITUINTE A.1) Poder Constituinte Originário (PCO) Há um enorme hiato entre a teoria do Poder Constituinte que é utilizada nos nossos manuais e o pensamento político-filosófico dominante, hoje, no mundo todo. Isso se deve, em grande parte, às raízes históricas da Teoria do Poder Constituinte que ainda hoje é por nós utilizada. Essa Teoria foi formulada por Siéyes, um revolucionário da Revolução Francesa. Essa Teoria tinha por objetivo formar uma nova sociedade a partir do nada. Daí advindo a idéia do Poder Constituinte Originário (PCO). Desse modo, o PCO é: 1) inicial - porque funda, institui o Estado; 2) ilimitado – porque não está adstrito a qualquer outra norma moral, jurídica ou de qualquer outra natureza; 3) incondicionado – porque não se pauta em regramento pré –existente; 4) absoluto – porque expressão da soberania popular. Questão: A CRFB/88 criou ou recriou o Estado brasileiro? Será que se hoje viesse uma nova CF e reinstituísse a escravidão, essa norma seria válida? R: Não, porque o PCO não é inicial, não é incondicionado e não é ilimitado. O PCO foi uma criação mítica da teoria política iluminista, que não responde minimamente às exigências éticas e pragmáticas do direito contemporâneo. Hoje, o que se faz, no mundo todo, é uma releitura do PCO, a qual tem passado por uma desconstrução de seus pilares teóricos que não respondem mais aos imperativos de uma sociedade como a nossa. Fenômenos como o da Universalização da Tutela dos Direitos Humanos levaram a que se passasse a conceber esse direito como limita à soberania do Estado. O atual Estado não permite que se conceba qualquer Poder como absoluto. Casso contrário correremos o risco de um novo nazismo, pois, sob o prisma jurídico, a instituição do nazismo foi válida, uma vez que a Constituição de Weimar não continha nenhuma cláusula pétrea. O Partido Nacional Socialista tinha maioria no Parlamento alemão, promoveu mudança que deram plenos poderes a Hittler, que caçaram a cidadania dos cidadãos judeus. Então, após o advento da 2ª Guerra Mundial, essa teoria de poder juridicamente ilimitado, qualquer que seja ele, não cabe mais. Entretanto a doutrina brasileira ainda a adota, em descompasso com o resto do mundo. Desse modo, para concurso público, deve-se aplicar a teoria em comento. Siéyes dizia que o PCO é inicial porque institui ou reinstitui um Estado. A primeira questão que se coloca é como justificar essa inicialidade do PCO com a necessidade pragmática, indeclinávelde continuidade da ordem jurídica. É por esse motivo que, no início do século, autores como Paul Laband e Hans Kelsen começaram a falar sobre a Teoria da Recepção, que vem para tentar superar essa dicotomia entre inicialidade do PCO e necessidade pragmática de que haja uma continuidade na ordem jurídica. 20 Esse termo “recepção” é condenado por Jorge Miranda, porque entende que não há recepção, mas uma novação da ordem jurídica anterior, já que alicerçada num fundamento de validade completamente diverso. A inicialidade produz alguns efeitos práticos, como por ex. a presunção de constitucionalidade das norma posteriores. Desse exemplo decorre que a reserva de Plenário para declaração de inconstitucionalidade só se aplica às normas posteriores à Constituição. Quanto às anteriores o órgão fracionário pode declarar de plano a sua revogação, ou não-recepção. O Caráter ilimitado do PCO significa, basicamente, que uma nova Constituição não está adstrita a limitações jurídicas preexistentes. Essa problemática foi reavivada por Otto Bachof, com a teoria das normas constitucionais inconstitucionais. Esse doutrinador dizia que existem valores supraconstitucionais que condicionam o PCO e, sendo esses valores dotados de jurisdicidade, portanto, permitem o controle de constitucionalidade da Constituição Originária. A Corte Constitucional alemã não admite o controle da Constituição Originária, mas admito que o PCO está limitado por valores supraconstuticionais. O STF, do mesmo modo, não admitiu a possibilidade de controle do constitucionalidade da Constituição Originária, mas nunca disse que o PCO não está sujeito a limites. Ainda que partamos da premissa de que não há limites jurídicos ao PCO, não há como negar que existam limites práticos, sociológicos, empíricos ao exercício desse poder. A elaboração de uma Constituição resulta de um processo político, que tem sempre a pretensão de inovar, mas estará, na prática, adstrita àquelas forças que ensejaram o seu advento. A CRFB/88 surgiu de um movimento pela redemocratização do País, um movimento de reação ao Estado de exceção. Seria inconcebível que a CRFB/88 não consagrasse o pluripartidarismo, a liberdade de imprensa; era o limite sociológico que decorria daquele “caldo cultural” no qual o processo constituinte estava imerso. Fala-se também do caráter incondicionado do PCO. Incondiconado e ilimitado não são a mesma coisa. Incondicionado refere-se ao modo de exercício, ilimitado refere- se à substância (conteúdo). Ou seja, quando se fala em PCO incondicionado, quer dizer que o processo pelo qual ele eclode não tem como ser analisado a partir de uma perspectiva jurídica externa, não há critério jurídico para aferir a validade de uma Constituinte (forma). O PCO se autolegitima, ele não busca fundamento formal em qualquer norma ou força jurídica exterior.1 Esses 2 últimos predicados fazem surgir a aporia sobre se o PCO é um poder de fato ou de direito. Se partirmos da premissa de que o PCO não tem limite material, não tem limite formal, não há como saber quando é PCO ou não é. Para a perspectiva positivista o AI-5 é Constituição. Desse modo, o PCO seria uma questão de fato (de força). Quem parte da premissa de que o PCO é condicionado e limitado pode 1 Existe uma autora portuguesa chamada Luísa Marques que sustenta existirem não apenas limites materiais ao PCO, mas também limites formais, no sentido de que a Constituição deve ser a expressão das forças políticas existentes em uma determinada sociedade. Então o processo constituinte tem que ser feito de uma determinada forma que tenha como sintonizar essas forças. Por essa teoria, uma Constituição outorgada seria formalmente inválida, porque estaria desrespeitando limites procedimentais para o próprio Poder Constituinte 21 argumentar que o AI-5 não foi Constituição. Nesse caso, o PCO é uma questão de direito. A sociedade evolui. É preciso que as normas contemplem mecanismos que as permitam acompanhar essa mutações que acontecem na sociedade. O paradoxo é que a possibilidade de mudança é condição para permanência. Qualquer Constituição que se pretender imutável irá durar meses, porque assim que as forças hegemônicas se alinhassem no sentido de mudança da Constituição, simplesmente ter-se-ia que mudar de Constituição. Do ponto de vista sociológico, Constituição imutável existiria naqueles países onde ainda não ocorreu a laicização do Estado, onde a norma religiosa desempenha o papel de Constituição. Maria Helena Diniz, em seu livro sobre normas constitucionais, classificas as Constituições em: rígidas, super rígidas e imutáveis. Nunca houve Constituições imutáveis. Além disso, sua classificação é infeliz porque todas as Constituições rígidas contêm cláusulas pétreas, o que para ela seriam as super rígidas. A.2) Poder Constituinte Derivado (PCD) Em razão dessa necessidade de mudança que se coloca sempre nos Estados, surgiu também o conceito de Poder Constituinte Derivado (PCD). Este se subdivide em Poder Reformador (PCDF) e Poder Decorrente (PCDD). A.2.1) Poder Constituinte Derivado Reformador (PCDF) As Constituições possuem mecanismos formais e informais de mudança. Aos mecanismos informais de mudança se dá o nome de “mutação constitucional”2. Mutação constitucional são processos, através dos quais, se altera a Constituição sem que se modifique o texto constitucional. Exemplos: a interpretação evolutiva, o costume constitucional, a mudança decorrente de subversões nas premissas fáticas de certas normas. Esses mecanismos informais têm limites, sob pena de colisão ostensiva com o texto claro da Constituição. Então, as Constituições costumam regulamentar o processo necessário à sua alteração. Quando a Constituição não regulamenta o processo de sua alteração, isso não significa que ela é imutável, significa que ela é flexível. Ou seja, a mudança da Constituição se dá do mesmo modo em que ocorre a alteração da norma infraconstitucional. Esse processo de mudança da Constituição vai variar de ordenamento jurídico positivo para ordenamento jurídico positivo. A CRFB/88 estabeleceu três formas de alteração de seus dispositivos. Duas delas já ocorreram e foram previstas para acontecer uma única vez: o plebiscito sobre forma e sistema de governo e a revisão constitucional. A outra modalidade que ainda subsiste é a emenda à Constituição. 2 Titulo de um livro da autora paulista Ana Cândida Cunha Ferraz. Um outro autor recomendado é Luís Roberto Barroso. 22 a) Plebiscito – art. 2º ADCT. Poder-se-ia discutir se, através de nova emenda, seria possível instituir novo plebiscito para escolha de regime, ou seria possível, através de emenda instituir-se o parlamentarismo? O professor entende que existe uma diferença entre o titular do poder e o agente. O titular é o povo e o agente o governante. Não poderia o agente se voltar contra a vontade do titular, portanto não seria possível uma emenda, uma vez que o povo, através do plebiscito ocorrido, já optou pelo presidencialismo. Quanto à questão da emenda para instituir novo plebiscito, as duas respostas são defensáveis, embora o prof. entenda que não seria possível pelo conceito de cláusula pétrea, que diz respeito, entre outras coisas, à estrutura básica do Estado. A mudança de sistema seria alterar toda a Constituição. Com o plebiscito, o presidencialismo tornou-se uma cláusula pétrea implícita. Defende essa posição Fábio Konder Comparato. Uma outra questão concernente ao plebiscito é que ele foi antecipado por emenda à Constituição. O PT impetrou uma ADIN contra essa emenda argumentado que como se tratava de norma regulamentando o processo de mudança
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