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BÉLICA LIÇÃO POLIBIANA

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
BÉLICA LIÇÃO POLIBIANA 
 
 
 
 
 Breno Battistin Sebastiani 
 
 
 
 
Tese apresentada ao programa de Pós-
graduação em História Social do 
Departamento de História da Faculdade de 
Filosofia, Letras e Ciências Humanas para 
obtenção do título de Doutor em História. 
 
 
 
 
Orientadora: Profa. Dra. Maria Luiza Corassin 
 
 
 
 
São Paulo 
2006 
 2 
 
 
 
 
“au1tàr e1gw> g! e5qelon fresì mermhríxaç 
mhtròç e1mh=ç yuch>n e2léein katateqnhkuíhç. 
trìç mèn e1fwrmh’qhn, e2léein té me qumòç a1nw’gein, 
trìç dé moi e1k ceirw=n skiñ= ei5kelon h6 kaì o1neírv 
e5ptat!. e1moì d! a5coç o1xù genésketo khróti ma=llon, 
kaí min fwnh’saç e5pea pteróenta proshúdwn * 
2mh=ter e1mh’, tí nú m! ou1 mímneiç e2léein memaw=ta, 
o5fra kaì ei1n 1Aídao fílaç perì cei=re balónte 
a1mfotérw krueroi=o tetarpw’mesqa góoio. 
h3 tí moi ei5dwlon tód! a1gauh> Persefóneia 
w5trun!, o5fr! e5ti ma=llon o1durómenoç stenacízw; 1 
 w4ç e1fámhn, h2 d! au1tík! a1meíbeto pótnia mh’thr * 
2w5 moi, téknon e1món, perì pántwn kámmore fwtw=n, 
ou5 tí se Persefóneia Diòç qugáthr a1pafískei, 
a1ll! au7th díkh e1stì brotw=n, o7te tíç ke qánñsin * 
ou1 gàr e5ti sárkaç te kaì o1stéa i3neç e5cousin, 
a1llà tà mén te puròç krateròn ménoç ai1qoménoio 
damnj=, e1peí ke prw=ta lípñ leúk! o1stéa qumóç, 
yuch> d! h1út! o5neiroç a1poptaménh pepóthtai. 
a1llà fówsde tácista lilaíeo”. 
 
 
 
 
 
Mhtrì ai1èn e1oúsñ. 
 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 tou= mén ken e1pì zeídwron a5roura 
 a5sbeston kléoç ei5h, e1gw> dé ke patríd! i2koímhn. 
 (Od., VII, 332-3) 
 
 
 
 
 4 
 
RESUMO 
 
Entender os significados histórico e historiográfico da Segunda Guerra Púnica na 
obra de Políbio constitui o principal objetivo deste texto. As duas partes da análise buscam, 
primeiro, a relação entre os princípios historiográficos e o projeto polibiano (a história 
pragmática) e, segundo, os elementos que compõem a narrativa da referida guerra, sua 
inserção no projeto do autor e a importância histórica do conflito, uma vez que esta 
depende das escolhas do historiador. A conclusão alinhava as duas partes e tenta 
demonstrar que a narrativa da Segunda Guerra Púnica constitui ponto de observação 
privilegiado pelo qual podem ser observados tanto a epistemologia polibiana quanto o 
período do historiador. 
Palavras-chave: Políbio, Historiografia Grega, História Pragmática, História 
Romana, Segunda Guerra Púnica. 
 
ABSTRACT 
 
To understand the historical and historiographical means of Punic War II in 
Polybius’ work constitutes this text main objective. The two parts of the analysis look for, 
first, the connection between historiographical principles and Polybius’ project (the 
pragmatic history), and second, the elements which compound the narrative about such 
war, their insertion in the author’s project and the historical importance of the conflict, 
seeing that it depends on historian’s choices. The conclusion gathers both parts and 
attempts to demonstrate that the narrative of Punic War II is a privileged focus by which 
polybian epistemolgy and historian’s time can be observed. 
Keywords: Polybius, Greek Historiography, Pragmatic History, Roman History, 
Punic War II. 
 5 
AGRADECIMENTOS 
 
 Ao meu pai, à minha irmã e à Chérie, pelo nada que é tudo. 
 Aos professores doutores Francisco Murari Pires (DH-FFLCH-USP) e Marcos 
Martinho dos Santos (DLCV-FFLCH-USP) pela visão aguda e trabalho exemplar não só 
por ocasião do Exame de Qualificação mas também pelas inúmeras conversas frutíferas 
depois travadas. 
 Aos meus amigos helenistas, latinistas, historiadores e bibliotecários, mestres ou 
alunos, pelas contribuições intelectuais, morais e materiais que impulsionaram reflexões, 
encorajando e ajudando a corrigir primeiras ousadias de final tão somente entrevisto. 
 A ti, Magistra, pela competência com que desceste à caverna e orientaste para o 
fogo o meu olhar. Posto ter freqüentado e aceito o convite do histórico-poeta alexandrino 
(se póleiç Aiguptiakéç polléç na paç, / na máqeiç kai na máqeiç ap! touç 
spoudasménouç) tomei de outro vate o preito que te faço de reconhecimento, de 
agradecimento e de admiração perpétuos: “O de li altri poeti onore e lume / vagliami 'l 
lungo studio e 'l grande amore / che m'ha fatto cercar lo tuo volume. / Tu se' lo mio 
maestro e 'l mio autore; / tu se' solo colui da cu' io tolsi / lo bello stilo che m'ha fatto onore. 
/ Vedi la bestia per cu' io mi volsi: / aiutami da lei, famoso saggio, / ch'ella mi fa tremar le 
vene e i polsi.” / ‘A te convien tenere altro viaggio’, / rispuose poi che lagrimar mi vide”. 
A ti, Profa. Dra. Maria Luiza Corassin, o kléoç da empreitada, do qual tão somente a 
errância coube a mim realizar. 
 6 
ÍNDICE 
 
 
INTRODUÇÃO 7 
 
I – PRINCÍPIOS HISTORIOGRÁFICOS 8 
Princípio onomasiológico 11 
Princípio teleológico 24 
Princípio axiológico 31 
Princípio arqueológico 35 
Princípio etiológico 38 
Princípio metodológico 45 
Síntese dos princípios 76 
 
 
II – PROJETO HISTORIOGRÁFICO 83 
 Historiografia trágica 83 
 História universal 91 
 História pragmática 102 
 História e retórica 126 
 História (in)circunscrita 132 
 
III – CAUSA E INÍCIO DA SEGUNDA GUERRA PÚNICA 148 
 O acaso 150 
 Causas da formação do poderio romano 160 
 Início da formação do poderio romano 163 
 Responsabilidade pelas causas da guerra 170 
 Imperialismo romano: conceito 183 
 
IV – A CONSTITUIÇÃO ROMANA 193 
 Sistema constitucional romano 203 
 Constituições de Cartago e Roma: comparações 228 
 Imperialismo romano e instituições 236 
 
V – A SEGUNDA GUERRA PÚNICA 245 
 Ibéria 246 
 Itália 269 
 Sicília 285 
 Líbia 287 
 A Segunda Guerra Púnica e o imperialismo romano 290 
 O futuro para Políbio 298 
 
CONCLUSÃO 301 
 
BIBLIOGRAFIA 332 
 7 
INTRODUÇÃO 
 
 Da polissemia do título derivam as duas preocupações centrais desta tese: a 
compreensão da inserção do relato da Segunda Guerra Púnica (219 – 202 a.C.) no projeto 
historiográfico de Políbio (210? – 120? a.C.) e a conseqüente tentativa de demonstrar que, 
para o historiador atual, não apenas historicamente, mas sobretudo historiograficamente tal 
relato constitui ponto de observação privilegiado em relação à epistemologia da obra 
polibiana e ao próprio período em questão, dialeticamente relacionados. 
 Para a realização da primeira parte o texto foi analiticamente desconstruído na busca 
pela identificação do arcabouço teórico do historiador e de seu projeto historiográfico. Tal 
parte corresponde aos capítulos I e II, operando o cap. III a transição para a segunda, ao 
principiar inserindo a guerra em questão em sua etiologia própria. 
 A pretendida demonstração da segunda parte deriva da análise contida nos caps. III 
a V, constituindo o último item deste o passo de transição para a conclusão, onde a síntese 
das duas partes constitui a demonstração. 
 Ambas as desconstruções analíticas foram feitas visando a reconstrução paulatina e 
panorâmica do pensamento do historiador antigo, de acordo como necessário exercício de 
leitura presente proposto por F. Hartog1. Por meio do questionamento do historiador antigo 
e daquilo que é atualmente definido como sua época e suas perguntas, tal reconstrução 
almeja tentar recriar a problemática discutida por Políbio, o que constitui a almejada 
demonstração. 
 A tradução dos passos polibianos selecionados como objeto documental da pesquisa 
constituem seu ponto de partida. Foi privilegiado o conteúdo das informações em 
detrimento da forma quando necessário, visto tratar-se de um autor para quem a exatidão do 
primeiro importa muito mais do que a busca pela segunda. Quando requerido buscou-se os 
eqüivalentes latinos dos conceitos gregos, e por via daqueles chegou-se ao uso do 
português. Nos passos em que a intelecção não ficaria prejudicada, procurou-se manter o 
estilo simples, porém por vezes perifrástico, arrevesado, redundante e obscuro do original. 
Todas as traduções constantes da tese, além das de Políbio, executadas a partir da edição 
Teubner de T. Büttner-Wobst, são de responsabilidade do autor, salvo indicação contrária. 
 
1
 1991, p. ii. 
 8 
I – PRINCÍPIOS HISTORIOGRÁFICOS 
 
A obra de Políbio é uma narrativa que se pretende geograficamente universal dentro 
do intervalo temporal que vai de 220 a.C. a 146 a.C. mais os dois livros introdutórios2 
concernentes às relações do mundo romano com outras partes da Europa a partir da 
Primeira Guerra Púnica (264 a.C.), articulando-se em torno da descrição da formação do 
poderio político-militar romano no período. A Segunda Guerra Púnica é apresentada como 
marco cronológico inicial do processo3, momento decisivo em que a conjunção de 
estratégias vitoriosas, lideranças competentes e uma constituição muito bem estabelecida 
fizeram de Roma o centro de um império quase universal. 
A compreensão do significado histórico dessa guerra depende também do 
entendimento de sua inserção historiográfica em Políbio, ou seja, de quais elementos 
teóricos o historiador empregou a fim de legitimar, encadear e apresentar seu raciocínio. É 
preciso perceber que o historiador apresenta sua obra como a única capaz de dar conta do 
processo em questão, configurando-a como um projeto historiográfico único e diferente de 
todos até então escritos: a história pragmática. Assim, é necessário analisar que tipo de obra 
ele escreveu, que indicações forneceu para que seu trabalho pudesse ser tomado como 
 
2
 A designação é aproximativa, fruto do moderno conceito de “introdução”, que não corresponde 
precisamente ao pensamento polibiano. Políbio nomeia (II, 71, 7) os dois primeiros livros th>n e1pístasin 
kaì prokataskeuh>n th=ç o7lhç i2storíaç (preâmbulo e preparação de toda a história). Dada a 
dificuldade de sintetizar todo o conteúdo do raciocínio polibiano em um conceito analítico, também Ziegler, 
1952, c. 1510 emprega a expressão ‘livros introdutórios” [Einleitungsbücher]. Klotz, 1952, p. 325 chama a 
atenção para o fato de que o enfoque polibiano relativo aos anos 264-220 a.C. como preparação 
[Vorbereitung] é destacado pelo próprio historiador em I, 13, 7: ou1 gàr i2storei=n u2pèr au1tw=n 
protiqémeqa, mnhsqh=nai dè kefalaiwdw=ç proairoúmeqa cárin th=ç prokataskeuh=ç tw=n 
mellousw=n u2f1 h2mw=n i2storei=sqai práxewn (não nos propomos a historiar a seu respeito, mas 
decidimos recordar sumariamente em função da preparação das ações que serão por nós historiadas). 
Coerente com sua proposta metodológica (ver p. 44), uma vez que lhe era impossível observar pessoalmente o 
período, o historiador distingue entre história, fruto da experiência pessoal, e recordação, produto do 
questionamento de testemunhas e da consulta a documentos. 
3
 Ao tratar do conceito de “nacionalismo” durante o período helenístico, H. Bengtson, 1956, p. 176 faz a 
observação: “sob a palavra ‘nacionalismo’ devemos estar conscientes que este conceito é justo somente em 
linhas gerais”. Do mesmo modo, ao longo deste trabalho entendem-se todos os conceitos modernos aplicados 
à história antiga (processo, imperialismo, geografia, cronologia, princípio onomasiológico, etiológico, 
metodológico etc): entendidos tão somente enquanto símbolos que resumem categorias do pensamento antigo, 
jamais são aplicados à antigüidade buscando encontrar anacronicamente reflexões que só dizem respeito ao 
presente. A partir dessas considerações foi seguida, por exemplo, a lição de K. Ziegler, 1952, c. 1475 que, ao 
tratar dos objetivos da obra de Políbio, afirma que estes configuram a “demonstração das causas desse 
processo da história mundial” [die Darlegung der Ursachen dieses weltgeschichtlichen Prozesses], 
circunscrevendo e atribuindo a idéia de “processo” a um recorte que resume as considerações de Políbio. 
Também Collingwood, 1946, p. 302 e Young Jr., 1988, p. 8 utilizam a noção de “processo” significando 
“recorte temporal”. 
 9 
história do período e por que seu projeto é único e apropriadamente específico para 
aquilatar e conferir importância histórica à Segunda Guerra Púnica. Nesse sentido, este 
primeiro momento deve tratar da estruturação epistemológica da obra. É preciso estudar 
quais princípios historiográficos Políbio utilizou, a partir da seleção desse evento como fato 
histórico, para construir sua narrativa e imprimir significação a esse fato. 
Só é possível a análise daquilo que o historiador circunscreve como fato e em torno 
do qual articula seu pensamento quando se tem clara noção das diretrizes que o 
condicionaram a redigir um trabalho de tal conformação a partir da seleção e determinação 
de certo momento como objeto histórico. Sem questionar os objetivos, a metodologia e o 
tipo de narrativa almejados pelo historiador, situando-os em sua relação com os 
desenvolvimentos praticados por seus predecessores, ou seja, estudando a evolução da 
epistemologia historiográfica, i. é, do modo a evitar o cumprimento da efetividade do 
tempo contra as criações humanas4, no mundo de cultura grega, a análise arrisca-se a 
pressupor que a formação do poderio político-militar romano no período e a própria 
Segunda Guerra Púnicas são fatos por si mesmos, independentemente dos recortes operados 
pelo historiador. Esta primeira parte visa explicitar quais os procedimentos utilizados por 
Políbio para determinar esse evento como fato, ou seja, trata-se de um estudo dos 
elementos-base para a construção teórica de um fato e seus desdobramentos, a partir da 
estruturação epistemológica de toda a narrativa. Busca-se determinar que tipo de obra 
Políbio redige, como o faz e por que essa obra seria a mais apropriada para tratar do objeto 
selecionado. 
Em Mithistória, F. Pires5 assinala que a narrativa histórica herda da epopéia “as 
convenções de exposição inicial que enunciam os tópicos declarativos de sua identidade de 
memória narrativa de acontecimentos passados”, partindo do estudo do prólogo tucidideano 
e remontando ao de Heródoto. A identidade da narrativa histórica é determinada a partir da 
constatação de seis princípios constitutivos: 1) princípio axiológico, relativo à grandeza da 
práxis humana a partir da determinação do critério de seletividade episódica da narrativa; 2) 
princípio teleológico, relativo à finalidade das ações humanas a partir do valor/utilidade da 
 
4
 Pires, 1999, p. 194. 
5
 1999, pp. 147-149 e 181ss. Políbio não dialoga explicitamente com Tucídides, mas igualmente discorre 
sobre as significações da narrativa histórica. A respeito da herança que a historiografia recebe da poesia épica, 
cf. também Ziegler, 1952, c. 1514 (“Políbio conhecia Tucídides muito bem”), Marincola, 1999, pp. 6-7 e 
Cartledge, 2002, pp. 21 e ss. 
 10 
narrativa; 3) princípio onomasiológico, relativo à questão dosujeito-autor da narrativa; 4) 
princípio metodológico, relativo à veracidade da composição; 5) princípio arqueológico, 
relativo ao início factual da narrativa e 6) princípio etiológico “que, desdobrando o 
princípio arqueológico, apreende o início factual do episódio como origem de que advém 
seu desencadeamento e, pois, como causa que dá sua razão de ser”6. K. Ziegler7, por sua 
vez, identifica a existência de vasta reflexão epistemológica por parte de Políbio a partir da 
qual é possível o estabelecimento de princípios que condicionam sua narrativa, herdados e 
retrabalhados: “Políbio refletiu muito, ao longo de toda sua vida, a respeito da natureza, do 
valor, da finalidade, da tarefa e do método da historiografia grega, dos quais trata em 
muitos passos de sua obra”. Muito embora expostas de modo não sistematizado, as 
reflexões de Políbio fazem dele o autor antigo que mais e de forma mais diversificada 
refletiu sobre o tema da i2storía, ao lado de Luciano, apesar de sua falta de seriedade em 
algumas passagens. Junto do proêmio de Tucídides, são as considerações de Políbio que 
constituem praticamente todo o manancial de teoria da historiografia legado pela 
antiguidade8. 
Há, porém, uma significativa diferença entre a maneira pela qual Heródoto e 
Tucídides se reportam a Homero e como Políbio se relaciona com seus predecessores. 
Heródoto e Tucídides eram imitadores e rivais de Homero, enquanto que os historiadores 
posteriores imitavam e rivalizavam com os dois maiores do século V a.C9. Os princípios 
que a historiografia tucidideana sistematizou a partir do debate com Homero são recebidos 
por Políbio como pressupostos10 teóricos do métier historiográfico, estruturados 
freqüentemente um em função do outro, e convergindo para a constituição da história 
pragmática que, por sua vez, dialoga diretamente não com Heródoto e Tucídides, mas com 
a geração de historiadores que lhe é imediatamente anterior. 
 
6
 Pires, 1999, p. 149. 
7
 1952, c. 1500. 
8
 Ziegler, 1952, c. 1500-1. 
9
 Marincola, 1999, p. 14. 
10
 A respeito da influência específica de Tucídides sobre Políbio, problemática mas possivelmente restrita aos 
princípios metodológicos, cf. Hornblower, 1995, p. 59. Neste mesmo artigo o autor assinala que Heródoto e 
Xenofonte seriam mais conhecidos pelos historiadores helenísticos do que Tucídides; cf. idem, pp. 47 e 60. 
 11 
Conhecedor da historiografia grega que o precedeu, encabeçada por um prólogo 
onde se explicitavam esses princípios11, Políbio também se baseia neles para escrever, 
porém não redige uma porção inicial unicamente dedicada a explicitá-los. Em meio a uma 
discussão sobre a importância do conhecimento do passado como condicionante do agir 
humano, o historiador afirma: caso alguém suprimisse da história as categorias “por meio 
de que”, “como”, “por causa do que algo foi feito” e “se porventura obteve fim razoável”, 
o restante da obra se tornaria declamação e não lição, agradaria no momento, mas de 
modo algum auxiliaria o futuro12. Constatar o por meio de que algo ocorreu se reporta à 
pesquisa das variáveis que condicionam o historiador a interpretar uma situação como 
digna de relato: seu significado intrínseco, que diz respeito à sua importância para a 
narrativa, e a finalidade almejada com tal tipo de obra. Relatar como isso aconteceu implica 
a necessidade de um método de percepção da realidade que capacite o historiador para 
torná-la literariamente inteligível. Dizer a causa por que isso veio à luz diz respeito à 
investigação do início e da causa. Permeando essas considerações está subjacente a questão 
da autoria do relato, sem a qual nenhuma das outras pode ser pesquisada. Abarcando a 
todas, por fim, está a necessidade, implicada no projeto historiográfico polibiano, de uma 
história desenvolvida a partir de um ponto final constatável que forme um todo coerente. 
 
Princípio onomasiológico 
 
O primeiro princípio epistemológico com que se depara o leitor da obra de Políbio 
(não) responde à pergunta: quem a redigiu? A narrativa polibiana inicia-se sem menção 
explícita ao autor da obra13, diferentemente de Heródoto e Tucídides14. Ao longo do 
 
11
 Conceito válido para a obra de Tucídides, cujo prólogo em que são sistematizados esses princípios 
compreende os parágrafos 1-23 do livro I. Na obra de Heródoto alguns deles encontram-se nos parágrafos 1-5 
do livro I e outros espalhados ao longo da obra, todos apenas esboçados como base da praxe historiográfica. 
12
 Pol., III, 31, 12-13: i2storíaç gàr e1àn a1félñ tiç tò dià tí kaì pw=ç kaì tínoç cárin e1prácqh 
tò pracqèn kaì póteron eu5logon e5sce tò téloç, tò kataleipómenon au1th=ç a1gw’nisma mèn 
máqhma d! ou1 gínetai, kaì parautíka mèn térpei, pròç dè tò méllon ou1dèn w1felei= tò 
parápan. Para Ziegler, 1952, c. 1503 e Walbank, 1957, v. I, ad locum, essa passagem seria paráfrase de 
Tuc., I, 21-2, e refletiria considerações bastante divulgadas entre vários historiadores desde o século V a.C. a 
respeito da utilidade da história. 
13
 Não constituía uma necessidade a menção ao próprio nome e à nacionalidade. Xenofonte não o faz, 
iniciando as Helênicas e a Anabase “in medias res”. Políbio e Diodoro utilizam seus prefácios para magnificar 
seus temas e sua importância. Cf. Marincola, 1999, p. 273. Segundo a partição da obra polibiana feita por K. 
Ziegler, 1952, cc. 1478-82, o prefácio de Políbio corresponde aos capítulos I, 1-5. 
14
 2Hrodótou Qouríou i2storíhç a1pódexiç h7de (I, 1 – Esta é a exposição da história de Heródoto de 
Túrio); Qoukidídhç 1Aqhnai=oç xunégraye tòn pólemon tw=n Peloponnhsíwn kaì 1Aqhnaíwn w2ç 
 12 
prólogo, a única menção feita por Políbio a si próprio é indireta: aqueles que descreviam 
ações antes de nós15. Utiliza-se do plural majestático sem citar o próprio nome. Só vai 
identificar-se como autor da narrativa ao final da obra, depois de nomear-se explicitamente 
como participante de eventos16, e por razões outras que não a de deixar clara a autoria. Em 
digressão marginal, adverte os leitores de que não é caso de espanto se às vezes referimo-
nos a nós mesmos pelo nome próprio17. A preocupação de Políbio é estilística, calcada na 
repetição freqüente do próprio nome e nas alternativas para que tal repetição não pareça ao 
leitor um modo desagradável de falar18. 
Embora não mencione seu próprio nome logo ao início, Políbio nunca está ausente 
de seu texto, recortado por prefácios, digressões explicativas e polêmicas. Constantemente 
juiz e crítico, está longe da “desdenhosa impassibilidade de Tucídides”19. Políbio associa 
uma narrativa de ações largamente não-intrusiva a uma explicação altamente intrusiva da 
própria narrativa. Muitos episódios significativos são explicados, analisados, aprovados ou 
censurados pelo historiador em sua própria pessoa, em digressões espalhadas pela obra. 
Freqüentemente esboça questões morais e enfatiza interpretações. Se isso correspondia ou 
não a uma prática dos historiadores helenísticos, não pode ser determinado20. Neste 
momento em que se procura estabelecer os princípios epistemológicos da narrativa, 
circunstância marcada pela “explicação altamente intrusiva”, faz-se necessário estudar 
como a questão do sujeito condiciona freqüentemente o estabelecimento dos outros 
princípios. 
A questão do sujeito-autor das Histórias apresenta desdobramentos muito 
particulares a partir das reflexões de Políbio sobre um modelo ideal de historiador, 
desdobramentos cuja análise demonstra que se aplicam aos outros cinco princípios. A 
 
e1polémhsan pròç a1llh’louç (I, 1, 1 – Tucídidesde Atenas compôs a guerra dos peloponésios e 
atenienses tal qual combateram uns contra os outros). Sobre o prólogo de Heródoto e sua relação com a épica 
homérica e com Hecateu, cf. Krischer, 1965, passim. 
15
 Pol., I, 1, 1 : toi=ç prò h2mw=n a1nagráfousi tàç práxeiç. Para Sacks, 1981, p. 158 Políbio não teria 
necesariaente um predecessor específico em mente. 
16
 A partir de XXVIII, 12. Antes de mencionar o próprio nome, já desde I, 4, 1 utiliza expressões como “nossa 
obra” (th=ç h2metéraç pragmateíaç) para referir-se às Histórias. 
17
 Pol., XXXVI, 12, 1: ou1 crh> dè qaumázein e1a’n potè mèn tv= kurív shmaínwmen au2toùç o1nómati. 
Nenhum outro historiador comenta os aspectos formais da auto-apresentação na obra. Cf. Marincola, 1999, 
pp. 175 e 189. 
18
 Pol., XXXVI, 12, 2-5. 
19
 Lévêque, 1987, p. 112. 
20
 Marincola, 1999, pp. 10-11. 
 13 
primeira dessas digressões teóricas situa-se no início da obra. Discutindo os pontos de vista 
de Filino e Fábio Píctor21, Políbio assinala: quando alguém assume a ética da história, é 
preciso ignorar esse tipo de coisas [e.g., favoritismos patrióticos], muitas vezes elogiando e 
celebrando os inimigos com os maiores louvores, sempre que as ações o demandem, e 
muitas outras reprovando e censurando duramente os mais próximos, sempre que as falhas 
de conduta o demonstrem. Pois assim como a privação da visão de um vivente o torna 
completamente inútil, do mesmo modo o restante de uma história privada da verdade 
torna-se narração vã22. Assumir o h3qoç i2storíaç implica a assunção de uma ética 
autoral em necessário detrimento de sentimentos pessoais23. Escrever história implica 
pensar mirando a verdade (th=ç a1lhqeíaç) da narrativa24. O historiador ideal constitui um 
modelo desenvolvido a partir de um pilar ético que se manifesta em todos os outros 
princípios: o primado da verdade histórica e historiográfica. Também o princípio 
metodológico da narrativa, se estriba no estabelecimento da verdade, sem o qual a obra se 
torna tão inútil quanto um vivente sem visão, instrumento fundamental para se chegar a 
essa verdade. Mais do que metodológica, a preocupação de Políbio é também teleológica: a 
ausência de verdade torna a obra inútil. Sem verdade, não existe nem conteúdo, nem causa, 
nem início verdadeiros. A definição de tal ética a partir da figura do historiador condiciona, 
portanto, a estruturação de toda a obra. 
O mesmo raciocínio Políbio aplica a si próprio, quando tece uma digressão a 
respeito de sua idoneidade relativa aos erros dos gregos por ocasião da conquista romana, 
 
21
 Filino de Agrigento (meados/final do séc. III a.C.), historiador da Primeira Guerra Púnica e simpatizante 
dos cartagineses. Quinto Fábio Píctor (meados/final do séc. III a.C.), primeiro historiador romano, escreveu 
em grego sobre a Segunda Guerra Púnica, da qual participou. Cf. também Balsdon, 1953, pp. 160-1. Sobre a 
obra de Fábio Píctor, cf. Gelzer, 1934, p. 54; Momigliano, 1972, p. 287 e Timpe, 1972, p. 931. Para a 
contextualização dos historiadores mencionados por Políbio a partir deste momento, cf. Klotz, 1952, p. 325; 
Ziegler, 1952, cc. 1559-64 e Marincola, 1999, pp. 267 e ss. Para F. Walbank, 1945, p. 1, os dois historiadores 
teriam sido as únicas fontes de Políbio para a Primeira Guerra Púnica. 
22
 Pol., I, 14, 5-6: o7tan dè tò th=ç i2storíaç h3qoç a1nalambánñ tiç, e1pilaqésqai crh> pántwn tw=n 
toioútwn kaì pollákiç mèn eu1logei=n kaì kosmei=n toi=ç megístoiç e1paínoiç toùç e1cqroùç, 
o7tan ai2 práxeiç a1paitw=si tou=to, pollákiç d! e1légcein kaì yégein e1poneidístwç toùç 
a1nagkaiotátouç, o7tan ai2 tw=n e1pithdeumátwn a2martíai tou=q! u2podeiknúwsin. w7sper gàr zv’ou 
tw=n o5yewn a1faireqeisw=n a1creiou=tai tò o7lon, ou7twç e1x i2storíaç a1naireqeíshç th=ç a1lhqeíaç 
tò kataleipómenon au1th=ç a1nwfelèç gínetai dih’ghma. 
23
 Para Momigliano, 1978, p. 5, Heródoto escreve imbuído de um “historian’s ethos” já existente. 
24
 A respeito da questão da verdade coordenada com a da visão, ver análise do princípio metodológico, p. 45. 
A respeito da questão relativa ao elogio e à censura, é de notar que, apesar da proximidade com a preceituação 
aristotélica (Ret., I, 1358b12-13 e cap. 9) relativa ao gênero epidítico Políbio, entretanto, rechaça qualquer 
possibilidade de se assimilar a história a ele: em X, 21, 8 afirma que, apesar da existência de elogio e censura 
 14 
afirmando que cabe a um homem resoluto não afastar-se da verdade com medo de 
melindrar algum contemporâneo, e sim expor suas falhas25. Do mesmo modo, sendo 
conhecidas as ações, o historiador de modo algum deve mostrar que escreveu outra coisa a 
respeito das que analisou senão a verdade. Pois quanto mais se prolongue a transmissão, 
por meio de documentos, daquilo que foi dito numa dada ocasião, na mesma medida é 
ainda mais necessário que quem escreve sobre muitas coisas reporte a verdade e mostre a 
própria escolha aos leitores. (...) Transmitimos aos contemporâneos documentos relativos 
ao passado sem qualquer vestígio de falsidade, não para agradar os leitores no presente, 
mas para reorientar suas almas a não mais incidir nas mesmas [falsidades]26. A 
necessidade de o historiador ater-se à verdade torna-se pressuposto de uma ética pessoal 
situada acima de quaisquer sentimentos ou preferências relativos inclusive a seus 
contemporâneos e compatriotas. O historiador se apresenta como alguém que tão somente 
relata de modo racional: assim como Políbio não deixa passar as falhas de seus 
contemporâneos, o historiador ideal deve desligar-se de qualquer tipo de sentimento quando 
se atém exclusivamente à apreensão da reclamada realidade, capaz de redigir uma obra que 
sirva à posteridade como ensinamento corretivo, e não apenas momentaneamente 
agradável27. Políbio encarna um ideal comum a todo historiador antigo; por via da assunção 
de um ideal ético de veracidade aplica o mesmo atributo ao conteúdo da obra, implicando 
autor e relato: “não se imagina um historiador sério sem o sonho de sua própria 
objetividade”28. A reconstrução historiográfica é apresentada como apreensão perfeita da 
realidade. 
De modo análogo ao Sócrates da Apologia, o historiador preceitua a dependência 
entre quem escreve e o conteúdo escrito: depois de pedir aos atenienses que aceitem seu 
modo usual de falar (17c-d) o acusado pede: isto deve-se observar e a isto prestar atenção, 
 
na história, é precípuo que ela seja verdadeira. Ver também análise de Pol., XII, 28, 8 – 28a, 2 e XII, 28a, 6, p. 
126. 
25
 Pol., XXXVIII, 4, 1-4. 
26
 Pol., XXXVIII, 4, 5-6; 8: suggraféa dè koinw=n práxewn ou1d! o7lwç a1podektéon tòn a5llo ti 
perì pleíonoç poioúmenon th=ç a1lhqeíaç. o7sv gàr ei1ç pleíouç diateínei kaì e1pì pleíw 
crónon h2 dià tw=n u2pomnhmátwn parádosiç tw=n pròç kairòn legoménwn, tosoútv crh> ma=llon 
kaì tòn grafónta perì pleístou poiei=sqai th>n a1lh’qeian kaì toùç a1koúontaç a1podécesqai 
th>n toiaúthn ai7resin. (...) th>n d! u2pèr tw=n gegonótwn toi=ç e1piginoménoiç dià tw=n 
u2pomnhmátwn parádosin a1migh= pantòç yeúdouç a1poleípesqai cárin tou= mh> tai=ç a1koai=ç 
térpesqai katà tò paròn toùç a1naginw’skontaç, a1llà tai=ç yucai=ç diorqou=sqai pròç tò mh> 
pleonákiç e1n toi=ç au1toi=ç diasfállesqai. 
27
 Cf. Tuc., I, 22, 4 e ver análise do princípio teleológico, p. 24. 
 15 
se falo com justiça ou não; tal é a excelência do juiz e, do orador, o dizer a verdade29. A 
crítica polibiana se desenvolve por meio precisamente dos dois procedimentos: como juiz, 
atenta para a veracidade daquilo com que toma contato; posteriormente, quando redige, 
procura ater-se à mesma verdade sempre procurada. Uma vez que a buscasempre, define 
um modelo de historiador ideal a partir dos mesmos pressupostos. 
Constituído por reflexões teóricas relativas ao conteúdo e à metodologia 
historiográficos suscitadas a partir de discussões daquilo que Políbio considera erros de 
Timeu30 e Calístenes31, o livro XII constitui o maior manancial polibiano no que diz 
respeito à construção do modelo ideal de história e de historiador. Ao final, Políbio traça o 
perfil deste: ele [e.g., Homero], desejando mostrar-nos como deve ser o homem 
pragmático, apresenta a personagem de Odisseu e diz mais ou menos assim: 
 narra-me o homem, Musa, astucioso, que muito vagou, 
e em seguida 
 de muitos homens viu as praças e conheceu o juízo, 
 e no mar muitas dores sofreu no peito, (Od., I, 1-3) 
e ainda 
 percorrendo as dolorosas vagas e as guerras dos homens (Od., VIII, 183). 
 Parece-me que tal homem investiga a noção de história. Platão afirma que a vida 
humana estará bem quando os filósofos reinarem ou os reis filosofarem; também eu diria 
que a história estará bem quando os homens pragmáticos empreenderem escrevê-la, não 
como agora, por lazer, mas julgando que isso lhes é o que há de mais necessário e belo, 
dedicando-se com seriedade por toda a vida, ou quando os que desejarem escrever 
considerem necessário à história o conhecimento a partir dos próprios fatos. Antes disso 
não cessará a ignorância dos historiógrafos32. Assim como Tucídides, que aceitava Minos 
 
28
 Strasburger, 1975, p. 50. 
29
 Plat., Apol., 18a4-7: au1tò dè tou=to skopei=n kaì toútv tòn nou=n prosécein, ei1 díkaia légw h6 
mh’* dikastou= mèn gàr au7th a1reth’, r2h’toroç dè ta1lhqh= légein. 
30
 Timeu de Tauromênio (IV-III a.C.). Mais famoso e importante historiador da Sicília e dos gregos do 
ocidente: Marincola, 2001, p. 109. Escreveu uma história da Sicília desde as origens até 289 a.C. em 38 
livros, narrou as guerras entre Pirro e Roma até 264 a.C. e redigiu uma cronologia dos vencedores olímpicos. 
31
 De Olinto (370-327 a.C.), um dos continuadores de Tucídides e constituinte da primeira geração de 
historiadores a escrever sobre Alexandre: Marincola, 2001, pp. 106-7. Escreve uma obra intitulada Helênica 
narrando a história grega de 386 a 356 a.C., em 10 livros, e um relato dos feitos de Alexandre. 
32
 Pol., XII, 27, 10-11 - 28, 1-5: e1kei=noç gàr boulómenoç u2podeiknúein h2mi=n oi4on dei= tòn a5ndra 
tòn pragmatikòn ei3nai, proqémenoç tò tou= 1Odusséwç próswpon légei pwç ou7twç* 
 a5ndra moi e5nnepe, Mou=sa, polútropon, o8ç mála pollà plágcqh, 
 16 
e Agamenão como personagens reais; e como os estóicos, que “viam em Homero um 
modelo de homem sábio tanto em astronomia e geografia quanto em poesia”33, Políbio crê34 
na existência de Odisseu, identificando-se com o herói, dado que ambos foram grandes 
viajantes35. A via para que o historiador ideal obtenha um conhecimento verdadeiro 
depende da existência de atributos que configurarão o exercício da metodologia 
historiográfica: o historiador ideal é antes de tudo um homem de ação (tòn a5ndra tòn 
pragmatikón) que se comporta como Odisseu: vivenciou muitas coisas, usou da visão e 
 
kaì probáç, 
 pollw=n d! a1nqrw’pwn i5den a5stea kaì nóon e5gnw, 
pollà d! o7 g! e1n póntv páqen a5lgea o8n katà qumón, 
kaì e5ti 
 a1ndrw=n te ptolémouç a1legeiná te kúmata peírwn. 
 Dokei= dé moi kaì tò th=ç i2storíaç próschma toiou=ton a5ndra zhtei=n. o2 mèn ou3n 
Plátwn fhsì tóte ta1nqrw’peia kalw=ç e7xein, o7tan h6 oi2 filósofoi basileúswsin h6 oi2 
basilei=ç filosofh’swsi* ka1gw> d! a6n ei5poimi dióti tà th=ç i2storíaç e7xei tóte kalw=ç, o7tan h6 
oi2 pragmatikoì tw=n a1ndrw=n gráfein e1piceirh’swsi tàç i2storíaç, mh> kaqáper nu=n parérgwç, 
nomísanteç dè kaì tou=t! ei3nai sfísi tw=n a1nagkaiotátwn kaì kallístwn, a1períspastoi 
paráscwntai pròç tou=to tò méroç katà tòn bíon, h6 oi2 gráfein e1piballómenoi th>n e1x au1tw=n 
tw=n pragmátwn e7xin a1nagkaían h2gh’swntai pròç th>n i2storían. próteron d! ou1k e5stai pau=la 
th=ç tw=n i2storiográfwn a1gnoíaç. A citação de Platão está em Rep., V, 473c11-e2: 1Eàn mh’, h3n d! e1gw’, 
h6 oi2 filósofoi basileúswsin e1n tai=ç pólesin h6 oi2 basilh=ç te nu=n legómenoi kaì dunástai 
filosofh’swsi gnhsíwç te kaì i2kanw=ç, kaì tou=to ei1ç ta1utòn sumpésñ, dúnamíç te politikh> 
kaì filosofía, tw=n dè nu=n poreuoménwn cwrìç e1f! e2katéron ai2 pollaì fúseiç e1x a1nágkhç 
a1pokleisqw=sin, ou1k e5sti kakw=n pau=la, w3 fíle Glaúkwn, tai=ç pólesi, dokw= d! ou1dè tv= 
a1nqrwpínv génei, ou1dè au7th h2 politeía mh’ pote próteron fuñ= te ei1ç tò dunatòn kaì fw=ç 
h2líou i5dñ, h8n nu=n lógv dielhlúqamen (Digo que, caso os filósofos não reinem nas cidades nem os reis 
ora mencionados e dinastas filosofem sincera e suficientemente; que, caso não convirjam num mesmo 
indivíduo a capacidade política e a filosofia; e que, caso não sejam impedidas por necessidade as muitas 
naturezas dos que buscam separadamente cada uma dessas coisas, não há fim dos males, ó Glauco, para as 
cidades, penso até que nem para a raça humana; também essa constituição, que percorremos pelo 
pensamento, jamais será possível nem verá a luz do sol). 
33
 Walbank, 1948, p. 170. O autor cita o exemplo de Crates de Malos, contemporâneo de Políbio que talvez 
fosse o responsável por essa concepção. À página seguinte, F. Walbank analisa as divergências entre “Políbio, 
Crates, Possidônio e outros estóicos até Estrabão” e “Eratóstenes e a ciência alexandrina” quanto à 
historicidade de Odisseu. Sobre a aceitação da historicidade de Homero e dos relatos épicos por parte dos 
alexandrinos cf. Brown, 1954, pp. 831-2, Pfeiffer, 1968, p. 164, Strasburger, 1975, p. 69 e Neville, 1977, p. 3. 
Segundo Marincola, 1997, pp. 9-10 as duas aplicações práticas do modelo odisséico especificamente por 
Políbio dizem respeito não só à definição do historiador ideal, mas também à perspectiva da história 
universal, a única capaz de abarcar um relato de experiências e viagens de alguém semelhante a Odisseu, e à 
questão do necessário sofrimento por que tem de passar o historiador na busca das informações e na 
construção do relato. Esta última questão adentra o estoicismo por via de Antístenes, que também influencia 
os cínicos: para o discípulo de Sócrates Odisseu e Héracles emblematizariam o sofrimento daqueles que, 
como o historiador, o filósofo e o poeta, beneficiam a humanidade. 
34
 Para a questão da aceitação do passado mítico como temporalidade real por parte de Políbio cf. Walbank, 
1990, p. 17. Ao longo de XXXIV, 2-4, discutindo a respeito do périplo que teria sido realizado por Odisseu, o 
historiador o trata como personagem real. Cf. especialmente Pol., XXXIV, 4, 8: pròç dè toùç 
e1pizhtou=ntaç pw=ç trìç ei1ç Sikelían e1lqw>n ou1d! a7pax dià tou= porqmou= pépleuken 
1Odusseúç, a1pologei=tai dióti kaì oi2 u7steron e5feugon a7panteç tòn plou=n tou=ton (em vista 
daqueles que pesquisam como Odisseu foi três vezes para a Sicília e nenhuma vez navegou pelo estreito, 
[Políbio] se defende dizendo que todos os atuais [navegantes] também evitaram essa navegação). 
35
 Grant, 1995, p. 26. Para a extensão das viagens de Políbio, cf. todo o livro XXXIV. 
 17 
do intelecto para apreender a realidade e por isso está habilitado a transcrevê-la. Na busca 
por um paradigma de sujeito-autor pragmático da narrativa, o modelo odisséico36 aponta 
para Políbio o primado da visão (i5den) como instrumento metodológico primordial do 
historiador ideal, ou seja, aquele que busca a verdade acima de tudo, e sinaliza a 
experiência pessoal (plágcqh, páqen, peírwn) comocondição para o exercício da visão 
que leva ao conhecimento (e5gnw). 
 J. Marincola37 aponta a conexão inerente à Odisséia entre viagem, pesquisa e 
conhecimento, a mesma que norteia a proposta polibiana e que já está na base das mesmas 
formulações de Hecateu, Heródoto, Tucídides e Teopompo. A diferença é que Políbio é o 
primeiro historiador a reclamar efetivamente a personagem de Odisseu como modelo 
emblemático de historiador38, nele identificando sua própria pessoa: viajante e experiente 
por via de esforço próprio, lugar-comum da historiografia grega. Essa identificação, por sua 
vez, tem de situar-se na imbricação das duas funções reclamadas para si por Políbio, ao 
mesmo tempo homem de ação e conseqüentemente historiador39. A. Duarte40 atenta para o 
fato de que, quando Fêmio canta para Telêmaco o “retorno funesto” dos heróis que foram a 
Tróia (Od., I, 326-7), “é como se a tranqüilidade que os caracteriza não acrescesse valor 
heróico aos seus protagonistas, que voltam da guerra com o coeficiente de kléos inalterado. 
O percurso de Odisseu, por contraste, árduo e eivado de riscos, produz uma ‘mais-valia 
heróica’. À glória troiana soma-se a advinda de suas viagens e do seu enfrentamento com 
os pretendentes”. Do mesmo modo, para Políbio a competência do historiador pode ser 
medida pelo tanto de vivência que apresenta. Porém Odisseu continua: “contrapondo-se ao 
aedo Demodoco, que cantara os seus sucessos marciais, Odisseu, ao assumir a narrativa de 
seu retorno, tenta estabelecer um novo parâmetro para o que é digno de ser preservado pela 
épica, assim como Fêmio o fizera no primeiro canto. Cria-se então uma situação inusitada 
em que o herói reivindica, em 1ª pessoa, a glória para si, uma glória advinda de feitos que 
 
36
 Sobre o conhecimento de Homero por Políbio, cf. Ziegler, 1952, cc. 1466-7. 
37
 1997, pp. 1 e 6. Cf. também Pagden, 2000, p. 4. 
38
 Marincola, 1997, p. 9. 
39
 Durante seus primeiros trinta anos (210?-180? a.C.), Políbio desenvolveu intensa atividade política junto a 
seu pai Licortas no comando da liga aquéia. Em 181/0 a.C. foi designado pela liga um dos três embaixadores 
para visitar Ptolomeu V Epifânio no Egito, visita que não se realizou devido à morte do rei. Em 170/69 a.C. 
tornou-se hiparca da liga. Cf. Walbank, 1957, v. I, pp. 1-3. 
40
 2001, p. 92. 
 18 
extrapolam o campo de combate”41. É também nesse momento que Políbio se define como 
historiador: depois de acumular vivência, passa a publicá-las sob a forma de história, 
relatando e aplicando tal vivência adquirida para aquilatar os fatos que narra. Por outras 
palavras, a autoidentificação42 de Políbio com Odisseu visa ressaltar a dupla função de 
ambos enquanto modelos de historiador: a história tem de seguir forçosamente a vivência e 
não, como nos casos de Fêmio ou Demódoco, uma tradição, a qual não acrescentaria valor 
ao relato, nem conseqüentemente ao historiador. O historiador e o herói, por fim, dada a 
conjunção de empresas, falam de um passado que é forçosamente presente dado que 
vivenciado, enquanto que o aedo fala do passado em si, já transcorrido e acessado apenas 
por mediação, ofício que o historiador criticará. 
Dada a necessidade da experiência para a constituição do homem de ação, Políbio 
compara o historiador também ao filósofo platônico, cujo sentido único da existência é 
assumir o governo da cidade ideal com vistas a promover o máximo de bem aos seus 
concidadãos. Do mesmo modo que em relação a essa cidade ideal, para a história só haverá 
bem em plenitude quando os homens possuidores de experiência passarem a redigi-la ou 
quando aqueles que desejam fazê-lo se conscientizarem da necessidade de haver vivenciado 
os assuntos que possivelmente viriam a relatar. Desdobrando e ampliando a argumentação a 
partir do modelo odisséico, a comparação com Platão reforça a necessidade 
(a1nagkaiotátwn, a1nagkaían), quanto à metodologia rumo à finalidade ética, do 
historiador ideal. 
Essa comparação feita por um historiador entre a máxima finalidade de sua própria 
existência e a de um filósofo não é mero procedimento literário com vistas a demonstrar 
erudição ou conferir autoridade a uma argumentação. Antes é uma atitude de quem 
identifica que história e filosofia têm algo em comum desde seus fundamentos. Assim 
como a historiografia tucidideana, a filosofia platônica “desde seu fundamento é marcada 
por sua origem como antidoro (contra-dom) do mito”43. “Essa nova modalidade de discurso 
denominada ‘História’ é assim fundamentalmente determinada pelo mito como um discurso 
que se dá contra e assim possivelmente também em vez de o mito, i.é., como um antidoro 
 
41
 Duarte, 2001, p. 93. Cf. também Hartog, 2000, p. 390. 
42
 Walbank, 1962, pp. 10-1. 
43
 Torrano, 1988, p. 30. Cf. também pp. 153 e ss para a questão da historiografia tucidideana. 
 19 
do mito”44. Depois de apropriar-se do mito homérico de modo racionalizado, Políbio denota 
entender ambas ciências como capazes de apreender e por isso mesmo sobrepor-se ao mito, 
pondo história e filosofia lado a lado a partir de uma adaptação conceitual de uma 
conclusão platônica: aquilo que para Platão é a finalidade última da existência do filósofo 
converte-se para Políbio em premissa para a configuração do papel do historiador. 
Estabelecida para ressaltar, a partir das noções metodológicas deduzidas de 
Homero, a importância de o homem de ação escrever história, a comparação com a 
conclusão platônica restringe-se exclusivamente à determinação de um sujeito-autor ideal, 
de modo algum se reportando a quaisquer considerações metodológicas. Nas obras dos 
historiadores posteriores a Tucídides é constante a indiferença apresentada em relação à 
necessidade da experiência pessoal direta devido à influência da Academia, que critica a 
identidade entre percepção e conhecimento45. 
Nas Leis, o Ateniense dialoga com Clínias a respeito do que garante a salvação de 
cada ser vivente, concluindo que é a alma e a cabeça: para uns o intelecto habita na alma, 
para outros a visão e a audição habitam na cabeça; em suma, misturado aos mais belos 
sentidos, e tornado um, o intelecto seria a chamada salvação mais justa de cada um46. 
Platão estabelece o primado do intelecto sobre a visão e a audição como forma de se chegar 
à verdade, em discussão relacionada à salvação de cada ser. Os dois instrumentos 
fundamentais para a metodologia historiográfica, circunscritos à apreensão do tópoç 
o2ratóç e localizados na cabeça, seriam imperfeitos se comparados com o intelecto que 
habita na alma, sede das idéias dos viventes no mundo sensível. 
 No Fédão, Sócrates estabelece com Símias a imprecisão e falta de clareza da visão e 
da audição: para os homens, a visão e a audição têm alguma verdade, ou é assim como os 
poetas nos repetem sempre, que nada ouvimos com precisão nem vemos? Mas se elas 
mesmas dentre as sensações corpóreas não são nem precisas nem claras, ainda menos as 
outras; pois todas são inferiores a essas; ou não te parecem? – E muito, ele disse47. 
 
44
 Torrano, 1988, p. 153 (destacado no original). 
45
 Schepens, “L’occhio e l’orecchio: selezione delle testimonianze nel metodo degli storici Greci”, p. 68, in: 
Musti, 1979 
46
 961d8-11: Yucñ> mèn pròç toi=ç a5lloiç nou=ç e1ggignómenoç, kefalñ> d! au3 pròç toi=ç a5lloiç 
o5yiç kaì a1koh’ * sullh’bdhn dè nou=ç metà tw=n kallístwn ai1sqh’sewn kraqeíç, genómenoç te 
ei1ç e7n, swtería e2kástwn dikaiótat! a6n ei5h kalouménh. 
4765b1-7: 3Ara e5cei a1lh’qeián tina o5yiç te kaì a1koh> toi=ç a1nqrw’poiç, h6 tà ge toiau=ta kaì oi2 
poihtaì h2mi=n a1eì qrulou=sin, o7ti ou5t! a1koúomen a1kribèç ou1dèn ou5te o2rw=men; Kaítoi ei1 au4tai20 
Admitindo-se que o último questionamento (“não te parecem?”) diga respeito aos três 
anteriores, e não apenas àquele que lhe está imediatamente anteposto, estabelece-se a 
relativização platônica quanto ao valor cognitivo das duas instâncias que mais diretamente 
se relacionam com a apreensão do tópoç o2ratóç. Esse questionamento incide sobre o 
conceito de precisão (a1kríbeia) caro a Tucídides quando determinava o modo pelo qual 
aquilatava as informações provenientes de relatos alheios48. 
 Preocupado com o estabelecimento da verdade no tópoç nohtóç, onde visão e 
audição têm pouca ou nenhuma serventia, Platão nunca foi visto como um teórico da 
metodologia historiográfica. Os télh metodológicos da história e da filosofia se encontram 
em planos diferentes, e por isso são obtidos por vias diversas. O fato de história e filosofia 
se apresentarem como antidoro do mito, ou seja, possuírem um ponto de partida comum na 
determinação de seu objeto cognitivo, não implica que metodologicamente se comportem 
da mesma maneira. Antes de tudo ocupam lugares bastantes distintos na configuração da 
sofía grega, e por isso nunca é demais ressaltar que a comparação de Políbio possui 
cunho ilustrativo da identificação indireta dos fundamentos e direta da finalidade ética de 
ambas. O fato de a comparação com Platão apontar as necessidades metodológicas do 
historiador ideal não implica que elas sejam as mesmas que as dos filósofos ideais. A partir 
de comparações com a literatura, Políbio apenas condiciona as qualidades inerentes ao 
historiador ideal aos dois elementos fundamentais para a composição dos procedimentos 
metodológicos do historiador: a visão e a experiência pessoal49. 
 Nenhuma narrativa historiográfica possui valor enquanto objeto de conhecimento se 
o sujeito que a levou a cabo não for dotado de qualificações que o distingam do comum dos 
homens, qualificações que conferem valor à obra devido ao conhecimento do autor nela 
empregado. Também Heródoto ecoa os preceitos de Homero ao fim de seu prefácio, ao 
falar do modo como conduzirá sua narrativa: avançarei na seqüência do relato, 
percorrendo igualmente as pequenas e grandes cidades dos homens50. Heródoto conheceu 
os e5rga de gregos e bárbaros, o que resultou na i2storíhç a1pódexiç que configura sua 
 
tw=n perì tò sw=ma ai1sqh’sewn mh> a1kribei=ç ei1si mhdè safei=ç, scolñ= ai7 ge a5llai* pa=sai gár 
pou toútwn faulóterai ei1sin* h6 soì ou1 dokou=sin; - Pánu mèn ou3n, e5fh. 
48
 Ver análise do princípio metodológico, p. 45. 
49
 Idem nota anterior. 
50
 Hdt., I, 5, 3: probh’somai e1ç tò prósw tou= lógou, o2moíwç smikrà kaì megála a5stea 
a1nqrw’pwn e1pexiw’n. Cf. Woodman, 1988, p. 2. Sobre o eco homerizante cf. Immerwahr, 1960, p. 264 e 
Marincola, 1997, p. 3. 
 21 
obra. Suas pesquisas, fruto de sua visão inquisitiva51 exercitada por meio de viagens, 
determinam não apenas o conteúdo, mas também atribuem valor à obra historiográfica 
enquanto fonte de um conhecimento único que apenas ela (ou o historiador) poderiam 
transmitir. No caso de Heródoto, a pesquisa inquisitiva qualifica esse indivíduo de 
Halicarnasso, dentre muitos outros, como o mais apto a compor tal tipo de obra. O próprio 
historiador, sabendo possuir algo que o diferencia de seus contemporâneos (o fato de ter 
viajado e muito visto), reivindica precisamente essa diferença, por meio da obra 
historiográfica, como fator que legitime sua autoridade enquanto produtor de um texto e 
transmissor de um conhecimento que, sem o historiador, não seria alcançável por seus 
contemporâneos. Como autor de uma obra que de imediato atende primeiramente apenas ao 
seu próprio interesse, o historiador reivindica sua importância com um refinado exercício 
de subjetividade que lhe permite alçar ao grau de importância para a humanidade aquilo 
que ele próprio considera significativo. 
 Também Tucídides parte de elementos subjetivos para legitimar sua autoridade 
enquanto autor de uma obra historiográfica. Na investigação do passado remoto, cujo 
acesso não se daria nem pela presença física do historiador nem pelo questionamento de 
testemunhas, o historiador aponta elementos que ressaltam sua capacidade: assim descobri 
as coisas antigas, difíceis de crer a partir de qualquer indício52. A dificuldade de crer por 
meio de indícios leva o historiador a consultar poetas, logógrafos, relatos de fundação de 
cidades e toda espécie de informação de segunda mão, uma vez que constituem indícios a 
partir dos quais, pesquisando ao máximo, a mim convém acreditar53: o passado mais 
recuado (tà palaítera – I, 1, 2) não é facilmente apreensível pelo historiador porque 
dele só existem indícios, e não mais ele próprio na forma de objeto do conhecimento. Para 
Tucídides é difícil ter convicção por meio de indícios, e ainda assim essa convicção só 
advém após vasta pesquisa. Mas não só o passado e as fontes de segunda mão que a ele 
permitem algum acesso representam dificuldades para o historiador. Tucídides se depara 
também com dificuldades na apreensão do presente, constatando que nem a presença física 
do sujeito cognoscente garante a apreensão completa e sem problemas da realidade a ser 
 
51
 2Istoría provém do verbo *ei5dw, que guarda a noção de perceber pelo intelecto. 
52
 Tuc., I, 20, 1: Tà mèn ou3n palaià toiau=ta hu3ron, calepà o5nta pantì e2xh=ç tekmhrív 
pisteu=sai. 
53
 Tuc., I, 1, 2: e1k dè tekmhríwn w4n e1pì makrótaton skopou=ntí moi pisteu=sai xumbaínei. 
 22 
historiada54. Quando se trata de informações apreendidas pelo ouvido, a memória 
representa a primeira dificuldade. No caso das recebidas pela visão apenas as que são 
produto da direta experiência do historiador parecem não apresentar dificuldades na hora de 
serem traduzidas para o relato55. Quanto àquelas que a visão alheia lhe transmitiu, a 
dificuldade relativa à simpatia ou à antipatia do informante podem comprometer o relato do 
historiador56. 
 Tanto para Heródoto quanto para Tucídides são pressupostos subjetivos (extensão 
das viagens, limitações da capacidade humana de preservar e transmitir informações do 
passado e do presente) fundados sob formulações objetivas (relativas à composição da 
própria obra) os critérios que legitimam a autoridade do historiador. Condicionando 
também a delimitação de um historiador ideal a uma proposta metodológica, a partir de 
considerações sobre sua própria pessoa enquanto sujeito-autor de uma narrativa 
historiográfica Políbio avança um passo nessas reflexões, ao teorizar sobre seu protótipo de 
historiador ideal a partir do modelo odisséico. Políbio ocupou cargos políticos, viajou pela 
bacia do Mediterrâneo e teve contato com as melhores bibliotecas de sua época57; por isso 
define o modelo ideal de história e, por conseguinte, o modelo ideal de historiador a partir 
da fusão entre sua experiência pessoal e o conhecimento que possuía da historiografia grega 
precedente, por via de julgamento por critérios metodológicos: a história pragmática é 
tripartida: uma parte diz respeito à consulta a documentos e à comparação de seus 
conteúdos, outra à observação de cidades e da localização de rios, de portos e de todas as 
particularidades e distâncias na terra e no mar, a terceira às ações políticas. Muitos a ela 
se lançam devido à sua antiga reputação, e a maioria dos escritores nada acrescenta ao 
gênero exceto a facilidade, a ousadia e a indolência, semelhantemente aos boticários que 
aspiram à glória e por conveniência dizem sempre coisas de ocasião a fim de ganhar a 
vida com isso58. Tendo a si próprio por modelo, Políbio define e prescreve os atributos54
 Cf. Tuc., I, 22, 1. 
55
 Cf. Tuc., I, 22, 2. 
56
 Cf. Tuc., I, 22, 3. 
57
 Sobre a biografia de Políbio cf. Sihler, 1927, pp. 77 e ss; Shutt, 1938, passim; Ziegler, 1952, cc. 1444-64; 
Pédech, 1961, pp. 145-156; Eckstein, 1992, pp. 387-406; Marincola, 2001, pp. 113-116 e principalmente Von 
Fritz, 1954, cap. I – “Polybius’Life and Political Background”, pp. 3-30. 
58
 Pol., XII, 25e, 1-3: (...) th=ç pragmatikh=ç i2storíaç u2parcoúshç trimerou=ç, tw=n dè merw=n 
au1th=ç e2nòç mèn o5ntoç tou= perì th>n e1n toi=ç u2pomnh’masin polupramosúnhn kaì th>n paráqesin 
th=ç e1k tou’twn u7lhç, e2térou dè tou= perì th>n qéan tw=n pólewn kaì tw=n tópwn perì te potamw=n 
kaì liménwn kaì kaqólou tw=n katà gh=n kaì katà qálattan i1diomátwn kaì diasthmátwn, trítou 
 23 
necessários ao sujeito-autor de uma obra de história, codificando as exigências de um 
gênero já aceito e qualificado como ramo do conhecimento59. Os pressupostos 
metodológicos para a construção de uma história ideal condicionam intrinsecamente a 
existência de um historiador ideal, que assim se configura no momento em que transpuser 
para o plano literário a execução e os resultados advindos da prática desses pressupostos. 
 Estribado na analogia entre o historiador e o homem de Estado, Políbio considera 
que não convém a este passar o tempo a elaborar discursos, mas dizer o que a situação 
exige60, assim como não [convém] aos historiógrafos exercitar-se às custas dos ouvintes 
nem exibir sua própria capacidade, mas expor claramente as palavras ditas conforme a 
verdade, na medida de seu empenho diligente, e dentre essas as mais oportunas e 
pragmáticas61. O historiador não deve desempenhar sua função como se fizesse exercício 
oratório, mas com a consciência de que o limite de seu estilo é a veracidade daquilo que 
tem de ser reportado. Além da veracidade limitante, é preciso também a consciência 
seletiva que constrange seu relato a permanecer circunscrito às questões mais significativas 
dentre toda a gama de possibilidades a relatar. A insistência reiterada sobre a necessidade 
de veracidade mais uma vez reporta a questão do sujeito ao princípio metodológico; quando 
circunscrita a uma finalidade “oportuna e pragmática”, também ao princípio teleológico. 
O estabelecimento do critério de seletividade para Heródoto consiste no 
estabelecimento da separação entre “história da realidade” e os mais antigos domínios da 
 
dè tou= perì tàç práxeiç tàç politikáç, paraplhsíwç e1fíentai mèn taúthç polloì dià th>n 
progegenhménhn perì au1th=ç dóxan, prosférontai dè pròç th>n e1pibolh>n oi2 mèn plei=stoi tw=n 
grafóntwn a2plwç díkaion ou1dèn plh>n eu1céreian kaì tólman kaì \jdiourgían, paraplh’sion 
toi=ç farmakopw’laiç doxokopou=nteç kaì pròç cárin légonteç a1eì tà pròç toùç kairoùç 
e7neka tou= porízein tòn bíon dià toútwn. Ver análise da história pragmática, p. 101. Para Ziegler, 1952, 
cc. 1522-3, as duas últimas partes constituem uma evidente herança tucidideana de Políbio. Para F. Walbank, 
1948, pp. 157 e 168, a segunda parte demonstraria, pela importância atribuída por Políbio à geografia, a 
herança herodoteana bem como a afinidade com concepções de Éforo. 
59
 Muito embora o termo grego historia não chegou a indicar na Antigüidade o que hoje entendemos por uma 
disciplina. O sentido aristotélico do termo foi-se impregnando cada vez mais do de exposição das pesquisas, a 
ponto de não mais se distinguir nele claramente a investigação da narração. A história tornou-se um gênero 
do discurso e é com este sentido que ela é contraposta a ficção na Poética”. Chiappetta, 1996, p. 17 (grifos no 
original). Mas seja com o sentido de exposição de pesquisa (derivado do prólogo herodoteano), seja como 
gênero do discurso, a história se configura como ramo do conhecimento ao reclamar a possibilidade de 
apreensão verdadeira e objetiva do passado. 
60
 Pol., XXXVI, 1, 6. 
61
 Pol., XXXVI, 1, 7: ou5te toi=ç i2storiográfoiç e1mmeleta=n toi=ç a1koúousin ou1d! 
e1napodeíknusqai th>n au2twn dúnamin, a1llà tà kat! a1lh’qeian r2hqénta kaq! o7son oi4ón te 
polupragmonh’santaç diasafei=n, kaì toútwn tà kairiw’tata kaì pragmatikw’tata. Sobre a 
passagem, cf. Wooten, 1974, pp. 242-3. Segundo o comentário ad locum de Walbank, 1999, v. III, Políbio 
contrapõe historiadores a políticos falando de si mesmo. 
 24 
i2storíh jônica (principalmente ciências da natureza e mitologia)62, ou seja, é um 
procedimento metodológico. Para Tucídides, determina e circunscreve o objeto de sua 
narrativa, consistindo no princípio axiológico63. Políbio sintetiza as duas concepções: 
selecionar diz respeito a ater-se à verdade, e por isso configura-se como necessidade 
requerida do historiador ideal que diz respeito à metodologia de sua narrativa. Por outro 
lado, a seleção operada incide sobre o assunto realmente significativo e por isso digno de 
figurar como objeto historiográfico. Ao centrar-se nas matérias mais importantes (ou 
pragmáticas), o historiador ideal tem de refletir também sobre o princípio axiológico que 
condiciona a determinação de seu objeto. 
 
 Princípio teleológico 
 
A segunda questão que se coloca para Políbio diz respeito ao valor/utilidade da 
narrativa. Para Heródoto, a imortalização pela memória constitui a finalidade da narrativa 
histórica64: esta é a demonstração da história de Heródoto de Túrio, a fim de que nem as 
realizações humanas pereçam com o tempo, e nem as obras grandiosas e maravilhosas, 
realizadas por gregos ou por bárbaros, restem inglórias65. Por meio da pesquisa (i2storíh) 
Heródoto constrói uma exposição (a1pódexiç) que preservasse o seu objeto dos efeitos do 
tempo66. 
 No caso de Tucídides, “a proposição de um saber respeitante às ações humanas, 
que bem apreenda as persistências temporais desse agir, dada essa sua precípua realidade, 
privilegiado pela clarividência resultante de seus procedimentos constitutivos, é o que a 
narrativa da história finaliza. A memória projetada por esse saber que a narrativa da 
história decanta institui a aquisição preciosa, valor duradouro – (ktema es aiei) – que 
define o seu fim (télos) enquanto bem”67. Nestes termos o historiador define o princípio 
 
62
 Strasburger, “La storia secondo i Greci: due modelli storiografici”, p. 5, in: Musti, 1979. Cf. também 
Momigliano, “Il tempo nella storiografia antica”, pp. 81 e ss, in: Musti, 1979. 
63
 Cf. Strasburger, “La storia secondo i Greci: due modelli storiografici”, pp. 10 e ss, in: Musti, 1979. 
64
 Pires, 1999, p. 182. A fruição do entretenimento prazeroso também concorria para a atualização das 
Histórias herodoteanas. Cf. idem, p. 196. 
65
 Hdt., I, 1: 2Hrodótou Qouríou i2storíhç a1pódexiç h7de, w2ç mh’te tà genómena e1x a1nqrw’pwn tv= 
crónv e1xíthla génhtai, mh’te e5rga megála te kaì qwmastá, tà mèn 7Ellhsi tà dè barbároisi 
a1podecqénta, a1kléa génhtai. 
66
 Cf. Strasburger, 1975, p. 54. 
67
 Pires, 1999, p. 181; destaques no original. 
 25 
teleológico da narrativa: para um auditório talvez o seu caráter não mítico parecerá sem 
atrativos; mas àqueles que desejarem observar o que há de evidente nos acontecimentos 
ocorridos como também nos futuros, que algum dia de novo, conforme a condição humana, 
ocorrerão tais quais ou semelhantes, será o bastante julgarem tais coisas proveitosas. 
Constituem uma aquisição para sempre antes que uma peça para ouvir no momento68. “A 
História de Tucídides, enquanto obra narrativa, ao dissociar sua finalidade e seu valor 
daquela convencional proposição de atender aos prazeres efêmeros de fruição por um 
auditório ocasional, a que justamente poetas e logógrafos submetiam as suas, pretende, sim,alcançar os foros imortalizadores com que estes as proclamavam”69. “A teleologia que 
prime pela certeza clarividente na apreensão dos fatos da história humana, assim 
altivamente proclamada por Tucídides para sua obra narrativa da guerra de peloponésios e 
atenienses, desloca a teleologia disposta pela tradição da epopéia ainda desdobrada pela da 
história herodoteana, a qual sacrificava a expressão da verdade pelos desígnios ou 
apologéticos de engrandecimentos heróicos ou fúteis de entretenimentos de auditórios 
ocasionais. Com Tucídides, o primado da verdade no conhecimento dos acontecimentos 
humanos é plenamente instituído como imperativo absoluto da história, seu signo 
distintivo”70. 
Emulando a última frase de Tucídides I, 22, 4, Políbio considera, de modo geral, 
que sua obra constitui um relato mais abrangente e duradouro que as peças de ocasião: 
estende-se a mais leitores e por mais tempo a transmissão de documentos em comparação 
com o que é dito de ocasião71. Nesse sentido, o relato sobre o passado existe para os 
pósteros72. Do mesmo modo, apresenta sua obra a partir da perspectiva de uma finalidade 
tão somente epistemológica: dizíamos ser a parte mais bela e proveitosa aos leitores de 
nossa obra o conhecer e aprender como e devido a que tipo de constituição em cinqüenta e 
três anos incompletos quase todo o mundo habitado caiu dominado sob um único poder, o 
 
68
 Tuc., I, 22, 4: kaì e1ç mèn a1króasin i5swç tò mh> muqw=deç au1tw=n a1terpésteron fanei=tai* o7soi 
dè boulh’sontai tw=n te genoménwn tò safèç skopei=n kaì tw=n mellóntwn potè au3qiç katà tò 
a1nqrw’pinon toioútwn kaì paraplhsíwn e5sesqai, w1félima krínein au1tà a1rkoúntwç e7xei. 
kth=ma te e1ç ai1eì ma=llon h6 a1gw’nisma e1ç tò paracrh=ma a1koúein xúgkeitai. 
69
 Pires, 1999, p. 201. 
70
 Pires, 1999, p. 202. 
71
 Pol., XXXVIII, 4, 6: (...) ei1ç pleíouç diateínei kaì e1pì pleív crónon h2 dià tw=n u2pomnhmátwn 
parádosiç tw=n pròç kairòn legoménwn (...) A tradução segue a opção de Walbank, 1999, v. III, ad 
locum. 
72
 Pol., XXXVIII, 4, 8: th>n d! u2pèr tw=n gegonótwn toi=ç e1piginoménoiç (...) 
 26 
dos romanos, fato nunca antes ocorrido73. Neste primeiro momento o historiador situa o 
w1felimw’taton de sua obra tão somente sobre tò gnw=nai kaì maqei=n. Do mesmo modo 
como Tucídides, para Políbio a utilidade da história constitui um saber. 
Derivada desta, Políbio atribui à história enquanto gênero literário dupla finalidade: 
existem duas finalidades, proveito e prazer, às quais é necessário fazer referência aqueles 
que desejam empreender algo por meio da audição ou da visão. Isso é conveniente 
sobretudo ao gênero da história, onde não cabe a amplificação desses dois em favor de 
sucessos espantosos74. A finalidade do gênero historiográfico portanto implica no princípio 
da utilidade unido ao prazer derivado do estudo75, dentro da fusão entre a perspectiva 
utilitarista nascida com a concepção sofística de paideia76 e a ética da utilidade associada 
ao estoicismo77. Porém não deve haver exagero na apresentação de um ou outro, sob pena 
de fatigar o leitor78. Para Políbio é preciso que a redação excite emulação ou seja 
prazerosa; a amplificação de um evento em separado é mais própria da tragédia que da 
 
73
 Pol., VI, 2, 3: kálliston e5famen, a7ma d! w1felimw’taton ei3nai th=ç h2metéraç e1pibolh=ç toi=ç 
e1ntugcánousi tñ= pragmateíj tò gnw=nai kaì maqei=n pw=ç kaì tíni génei politeíaç 
e1pikrathqénta scedòn pánta tà katà th>n oi1kouménhn e1n ou1d! o7loiç penth’konta kaì trisìn 
e5tesin u2pò mían a1rch>n th>n 2Rwmaíwn e5pesen, o8 próteron ou1c eu2rísketai gegonóç. Esta 
elaboração é uma redefinição aperfeiçoada daquilo que o historiador deixara enunciado de modo vago nos 
livros anteriores. Em II, 2, 2 o historiador identifica o propósito (próqesin) de sua obra com o exame do 
crescimento e da construção do império romano (sunqeásasqai kaì th>n au5xesin kaì kataskeuh>n th=ç 
2Rwmaíwn dunasteíaç). Em III, 4, 12, Políbio afirma que o telesioúrghma de sua obra será conhecer qual 
a situação de cada povo após cair sob o domínio romano. F. Walbank, “Polybius between Greece and Rome”, 
pp. 30-1, in: Gabba, 1973, aponta como finalidade da obra de Políbio o desejo do historiador de dar a 
conhecer ao mundo grego as causas e o processo da ascensão romana ao poder mundial. Cf. também Ziegler, 
1952, c. 1502. 
74
 Pol., XV, 36, 3: duei=n gàr u2parcóntwn telw=n, w1feleíaç kaì téryewç, pròç a8 dei= th>n 
a1naforàn poiei=sqai toùç dià th=ç a1koh=ç h6 dià th=ç o2rásewç bouloménouç ti 
polupragmonei=n, kaì málista tv= th=ç i2storíaç génei toútou kaqh’kontoç, a1mfotérwn toútwn o2 
pleonasmòç u2pèr tw=n e1kplhktikw=n sumptwmátwn e1ktòç píptei. Para um comentário à passagem, 
cf. Ziegler, 1952, cc. 1503-4. 
75
 Cf. Momigliano, 1978, p. 8 e Hartog, 2001, p. 19. Para Ziegler, 1952, c. 1505, o prazer ocuparia um 
segundo lugar em relação ao proveito, uma vez que, da definição polibiana dos três gêneros de historiografia 
em IX, 1, apenas o último, a própria história pragmática, é classificado como a1yucagw’ghtoç (sendo 
yucagwgía um dos vocábulos empregados por Políbio como sinônimo de terpnón). Walbank, 1957, v. I, p. 
7 afirma que, dos dois communes loci retóricos, o campo da utilidade é muito mais vasto, para o historiador, 
que o do prazer. 
76
 Chatelet, 1962, p. 238. Segundo o autor, na esteira dessa concepção a ambição tucidideana à inteligibilidade 
epistemológica se reduz ao ensinamento moral por via de exemplos: idem, p. 250. Entende-se por paideía 
“the entire body of Greek literature”: Pfeiffer, 1968, p. 128. 
77
 Erbse, 1951, p. 160. 
78
 Pol., XV, 36, 4: ou1dè mh>n qew’menoç ou1d! a1koúwn h7detai sunecw=ç ou1deìç tw=n parà fúsin 
genoménwn pragmátwn kaì parà koinh>n e5nnoian tw=n a1nqrw’pwn (nem vendo nem ouvindo alguém 
apreciará continuamente os fatos contra a natureza e contra a noção comum dos homens). 
 27 
história79. A história deve ater-se à conveniência de sua dupla finalidade: a utilidade 
própria da história pragmática e o prazer intelectual derivado de sua leitura80. Ultrapassá-la 
enfatizando apenas o prazer de emoções suscitadas é incidir no erro de Filarco, que escrevia 
kaqáper oi2 tragvdiográfoi, criticado por Políbio em II, 56, 10-1181. Políbio se 
reporta a Heródoto quando distingue dupla finalidade para a história, mas o faz de modo 
prudente, limitado pelo primado da verdade estabelecido por Tucídides. A finalidade 
prazerosa não mais se volta inutilmente para o entretenimento, o elogio ou a amplificação, 
mas converte-se em ingrediente a ressaltar o proveito advindo do estudo de uma obra de 
história que fornece um saber verdadeiro. 
Políbio inicia sua obra concordando com afirmações de historiadores que o 
precederam, que diziam o conhecimento da história constituir a educação e o exercício 
mais verdadeiros relativamente às ações políticas, e a recordação dos revezes alheios o 
mais evidente e único mestre para capacitar a suportar nobremente as mudanças do 
acaso
82
. Políbio condiciona a finalidade epistemológica da história a uma outra de caráter 
ético-política83: o conhecimento histórico pode ser empregado de modo prático, posto que 
ensina (paideían, didáskalon) e exercita (gumnasían) na política, por um lado, e serve 
de consolo (u2poférein) frente ao desconhecido por via da contemplação do revés alheio84. 
Ela é escrita para a inspiração e aprendizado85 de homens de Estado, funções dentre as 
quais se encontra o desenvolvimento da capacidade de suportar as mudanças que ocorrem 
sem a concorrência de sua vontade86. Muito embora um mesmo homem possa ser político e 
ter de suportar um revés do acaso, é possível ver também na divisão polibiana uma menção79
 Pol., XV, 36, 7: h6 zhlwtòn ei3nai dei= tò legómenon h6 terpnón* o2 dè th=ç e1ktòç toútwn 
sumfora=ç pleonasmòç oi1keióterón e1sti tragvdíaç h5per i2storíaç. A tradução segue a opção de 
Walbank, 1999, v. II, ad locum. 
80
 A partir da perspectiva aristotélica eboçada em Poét., 1448b12-3, em que o filósofo pesquisa as motivações 
da imitação, concluindo que ai5tion dè kaì toútou o7ti manqánein ou1 mónon toi=ç filosófoiç 
h7diston, a1llà kaì toi=ç a5lloiç o2moíwç (causante disso é que aprender é o mais prazeroso não só para 
os filósofos mas igualmente para todas as pessoas). 
81
 Para uma descrição dos métodos da historiografia trágica, cf. Walbank, 1972, pp. 34 e ss, e a partir da p. 38 
especificamente sobre a crítica de Políbio a este gênero de historiografia. Ver também p. 82. 
82
 Pol., I, 1, 2: fáskonteç a1lhqinotáthn mèn ei3nai paideían kaì gumnasían pròç tàç politikàç 
práxeiç th>n e1k th=ç i2storíaç máqhsin, e1nargestáthn dè kaì mónhn didáskalon tou= dúnasqai 
tàç th=ç túchç metabolàç gennaíwç u2poférein th>n tw=n a1llotríwn peripeteiw=n u2pómnhsin. 
83
 Ziegler, 1952, c. 1552 e Sacks, 1981, p. 134. 
84
 Walbank, 1957, v. I, ad locum. 
85
 A respeito da conexão operada por Políbio entre história pragmática e paideía, cf. Sacks, 1981, pp. 178-
181. Para Pires, 2005 a finalidade da obra polibiana consiste em uma “ética de aprimoramento humano 
disposta pela ciência das ações do passado” (destacado no original). 
 28 
aos dois leitores-alvos de sua obra: ensina romanos dominadores e consola gregos 
submetidos. Esta específica finalidade ético-política da obra de Políbio não existe em 
Tucídides87: o primeiro se distancia do segundo ao tomar o conhecimento da história como 
base da ação, o que reflete a diferença das ambições de cada um em relação à própria obra: 
Tucídides, mais intelectual que estratego, buscou compreender; Políbio, invertendo a 
relação, ensinar88. 
Para F. Walbank89 a finalidade ético-política da obra de Políbio também diz respeito 
a outros diferentes públicos leitores: as discussões do livro III, por exemplo, sobre a 
distinção entre causa, pretexto e início, ou as do livro VI, relativas à constituição romana, 
constituiriam a lição mais apropriada ao homem político, público mais restrito. Já as lições 
éticas, relativas à instabilidade do acaso, à necessidade de moderação etc., muito embora 
também úteis ao político, visariam um público mais amplo. 
A perspectiva didática inerente à proposta polibiana deriva de preocupações 
análogas da filosofia e da historiografia do século IV a.C., e remonta ao ideal ético maior 
do h3qoç i2storíaç associado à verdade. Platão buscava o governante-filósofo ideal de 
uma cidade ideal por meio de uma educação ideal, Xenofonte e Isócrates discorreram sobre 
a formação também de um governante ideal90. Políbio emprega precisamente a conclusão 
político-epistemológica da paideía platônica quando trata da definição do historiador 
ideal, fundindo-a à perspectiva ético-política dos dois últimos e compondo, assim, uma 
obra que preenche função ao mesmo tempo filosófica e histórica. 
 
86
 Cf. também Walbank, 1957, v. I, pp. 6-7 e Marincola, 1999, p. 23. 
87
 Cf. De Romilly, “L’utilité de l’histoire selon Thucydide”, p. 42, in: Latte et alii, 1956. 
88
 Para Ferrero, 1970, p. 66 a vinculação entre a proposta de uma história rigorosa a uma perspectiva didática 
constituiria uma inovação de Políbio própria da mentalidade romana, com uma diferença: enquanto Políbio 
pensa na formação do político, os romanos seus contemporâneos pensam na formação do homem e sua 
humanitas a partir do mos patrius, tema dominante da historiografia desde Fábio Píctor e Catão até Tácito 
(Ferrero, 1970, p. 96). A fusão de ambas as perspectivas é absorvida em Roma principalmente por Cícero, ao 
definir a historia magistra uitae (De or., II, 36) e invertida um século e meio depois por Tácito, numa época 
em que a participação dramática nas convulsões políticas torna-se mestre da historiografia: cf. Ferrero, 1970, 
p. 60. Para Strasburger, 1975, p. 53 a definição ciceroneana comportaria dois extratos: a historia uita 
memoriae, lux ueritatis corresponderia à recordação-compilação erudita do passado, e a historia magistra 
uitae definiria a história utilitária, cujos exemplos seriam Tucídides e Políbio (predomínio de lições político-
militares) e Salústio e Tácito (predomínio de lições éticas). Sobre a questão da consciência do historiador 
romano enquanto juiz do passado implícita nas considerações de Cícero cf. Ferrero, 1970, p. 139. 
89
 1957, v. I, p. 7. 
90
 Cf. Chatelet, 1962, pp. 262-9, a partir da análise principalmente da Ciropedia de Xenofonte e do discurso a 
Nícocles, sua biografia (Nícocles), do Evágoras e do Arquidamo de Isócrates. 
 29 
A obra de Heródoto busca salvar do esquecimento91 as ações de gregos e bárbaros 
por meio de um relato concomitantemente instrutivo e agradável; o kth=ma e1ç ai1eí 
tucidideano almeja atribuir à obra valor perene enquanto existirem homens sobre a terra, 
dada a uniformidade de seus modos de ação. Segundo A. Momigliano92, “a permanente 
contribuição para o conhecimento que Tucídides reclama para si próprio não é o mesmo 
que o treinamento para suportar as mudanças do acaso na vida política, que era o objetvo de 
Políbio. Mas o que o historiador, em todo caso, tem a oferecer é uma descrição das 
mudanças no passado que ajudaria a reconhecer as causas e prever as conseqüências de 
mudanças similares no futuro. (...) A lição que a história poderia ensinar diz respeito a 
como encarar a mudança”. Políbio escreve principalmente93 para seus contemporâneos 
gregos, política e militarmente impotentes ante a hegemonia romana94. Assim, é preciso 
matizar essa finalidade política reclamada por Políbio: certamente ela se aplica a um leitor 
romano com possibilidades de traçar uma trajetória político-militar de sucesso, mas não 
vale para um leitor grego do período, independentemente de sua posição social, uma vez 
que à época da redação de Políbio, pós-Pidna (168 a.C.), a Grécia já era província romana. 
Para este resta a obtenção de um saber cujo desconhecimento certamente contribuiu para 
sua posição submissa. A duplicidade dos enfoques passíveis de serem dados, dependendo 
de que tipo de leitor tenha acesso à obra de Políbio, reflete diretamente a condição ambígua 
do próprio historiador dentro da Roma de meados do século II a.C.: de um lado é um 
indivíduo altamente prestigioso95 e influente junto a Cipião Emiliano devido ao seu 
conhecimento, erudição e experiência política, um tanto devido à sua extração social e de 
modo algum devido à sua força política na urbe, que não possuía. Por outro lado era um 
 
91
 Para Momigliano, 1966, p. 15, toda a historiografia greco-romana representaria uma luta contra os efeitos 
deletérios do tempo. 
92
 1972, p. 286. 
93
 Mas não exclusivamente. Cf. Pol., XXXI, 22, 8: safw=ç o2 gráfwn ñ5dei málista 2Rwmaíouç 
a1nalhyoménouç ei1ç tàç creíaç tà bublía tau=ta (o escritor sabe claramente que sobretudo os 
romanos acolherão com proveito esses livros). Walbank, 1972, p. 46 parece haver ignorado esta passagem, 
quando afirma taxativamente serem “as Histórias um manual de instrução política e moral para seus leitores 
gregos”. Porém no comentário ad locum, de 1979, o autor afirma que Políbio se dirige aos romanos 
exatamente porque seus livros não tiveram boa acolhida entre os gregos; além disso, os romanos seriam 
melhores testemunhas de sua veracidade, dada a familiaridade do assunto. A respeito do público leitor de 
Políbio e da maneira como o historiador representa os romanos, cf. Champion,

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