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Indaial – 2020 Introdução aos Estudos HIstórIcos Profª. Aniele Almeida Crescêncio Prof. Jean Carlos Morell 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Profª. Aniele Almeida Crescêncio Prof. Jean Carlos Morell Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: C919i Crescêncio, Aniele Almeida Introdução aos estudos históricos. / Aniele Almeida Crescêncio; Jean Carlos Morell. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 181 p.; il. ISBN 978-65-5663-121-9 ISBN Digital 978-65-5663-122-6 1. História - Metodologia. - Brasil. 2. História - Estudo e ensino. – Brasil. I. Morell, Jean Carlos. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 907 III aprEsEntação Acadêmico, seja bem-vindo ao Livro de Introdução aos Estudos Históricos. O objetivo deste livro é apresentar ao leitor a origem do que entendemos como História, o processo de cientificização da história, bem como os conceitos essenciais ao trabalho do historiador. Para isso, vamos conhecer os principais nomes relacionados à História, assim como os principais temas e as principais problemáticas para o trabalho do historiador. Dentre os assuntos que vamos abordar em nosso livro, temos a discussão do conceito de História, da História enquanto ciência e dos estudos sobre o tempo. Na Unidade 1 estudaremos sobre o surgimento da concepção de História na Antiguidade e os principais historiadores do período. A importância da historiografia eclesiástica também será um tema em questão. Conjuntamente, iremos expor concepções de História importantes para a modernidade como a Historia Magistra Vitae, a mudança da História de Historie para Geschichte e o surgimento do Historicismo. Por fim, discutiremos a importância dos conceitos Memória, Esquecimento e Anacronismo para o trabalho historiográfico. Na Unidade 2 vamos explorar sobre os principais locais de trabalho do historiador. São eles os Arquivos Históricos, os museus e as bibliotecas. Vamos refletir sobre a função que o historiador exerce nestes locais. Também analisaremos a principal forma que os historiadores têm acesso ao passado, as fontes históricas. Abordaremos as fontes tradicionais, que dividimos em fontes escritas e fontes arqueológicas; bem como as fontes que surgiram com as novas tecnologias, as fontes orais e as fontes audiovisuais. Na Unidade 3 aprenderemos sobre o tempo. Mencionaremos a noção de tempo para áreas como a Filosofia, a Física, a Biologia e a Geologia. As noções de tempo de intelectuais como Agostinho de Hipona, Nietzsche e Henri Bergson serão apontadas. Também estudaremos a relação entre História e tempo, o tempo cíclico, o tempo linear, a temporalidade, a periodização da História, a duração e as formas de contar a passagem do tempo. Vamos conhecer sobre os diferentes calendários e o ensino das noções de tempo. Desejos de um trajeto repleto de curiosidade e conhecimento! IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – O QUE É HISTÓRIA ......................................................................................................1 TÓPICO 1 – AS PRIMEIRAS REFLEXÕES ACERCA DA HISTÓRIA ...........................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 AS FONTES COMO ACESSO AO PASSADO .................................................................................3 3 A NOÇÃO DE HISTÓRIA NA ANTIGUIDADE ............................................................................4 4 A HISTORIOGRAFIA ECLESIÁSTICA ............................................................................................9 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................13 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................14 TÓPICO 2 – AS MUDANÇAS DA HISTÓRIA NO TEMPO ..........................................................15 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................15 2 A HISTÓRIA COMO MESTRA DA VIDA .....................................................................................15 3 A MUDANÇA DE SIGNIFICADO NO TEMPO ............................................................................17 4 AS FILOSOFIAS DA HISTÓRIA E O POSITIVISMO .................................................................18 5 O HISTORICISMO E A CIÊNCIA DA HISTÓRIA .......................................................................20 6 A OBJETIVIDADE E A SUBJETIVIDADE PARA A HISTÓRIA ................................................22 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................26 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................27 TÓPICO 3 – A MEMÓRIA, O ESQUECIMENTO E O ANACRONISMO ...................................29 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................29 2 A MEMÓRIA .........................................................................................................................................29 3 O ANACRONISMO .............................................................................................................................33 RESUMODO TÓPICO 3........................................................................................................................38 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................39 TÓPICO 4 – A HISTÓRIA A PARTIR DA ESCOLA DOS ANNALES .........................................41 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................41 2 O SURGIMENTO DA ESCOLA DOS ANNALES .........................................................................41 3 MARC BLOCH E O OFÍCIO DO HISTORIADOR .......................................................................44 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................47 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................50 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................51 UNIDADE 2 – AS FONTES HISTÓRICAS ........................................................................................53 TÓPICO 1 – AS FERRAMENTAS DO HISTORIADOR ..................................................................55 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................55 2 UMA INTRODUÇÃO ÀS FONTES HISTÓRICAS .......................................................................55 3 OS LOCAIS DE TRABALHO DO HISTORIADOR ......................................................................57 4 OS ARQUIVOS HISTÓRICOS, OS MUSEUS E AS BIBLIOTECAS .........................................58 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................67 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................68 sumárIo VIII TÓPICO 2 – AS FONTES TRADICIONAIS 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................69 2 FONTES ESCRITAS .............................................................................................................................69 3 FONTES ARQUEOLÓGICAS ............................................................................................................73 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................81 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................82 TÓPICO 3 – UM NOVO OLHAR PARA AS FONTES .....................................................................83 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................83 2 FONTES ORAIS ....................................................................................................................................83 3 FONTES AUDIOVISUAIS .................................................................................................................87 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................95 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................99 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................100 UNIDADE 3 – HISTÓRIA E TEMPO ................................................................................................103 TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DO TEMPO ........................................................105 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................105 2 O TEMPO PARA A FILOSOFIA ......................................................................................................105 3 O TEMPO PARA AGOSTINHO DE HIPONA .............................................................................106 4 O ETERNO RETORNO DE NIETZSCHE ......................................................................................108 5 O TEMPO PARA HENRI BERGSON .............................................................................................111 6 NOÇÕES DO TEMPO FORA DO CAMPO DA HISTÓRIA .....................................................112 7 SALVADOR DALÍ E O TEMPO.......................................................................................................112 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................116 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................117 TÓPICO 2 – HISTÓRIA E TEMPO ....................................................................................................119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 RELACIONANDO HISTÓRIA E TEMPO ....................................................................................119 3 TEMPO CÍCLICO ...............................................................................................................................120 4 TEMPO LINEAR .................................................................................................................................121 5 TEMPORALIDADE ............................................................................................................................122 5.1 PASSADO ........................................................................................................................................122 5.2 PRESENTE ......................................................................................................................................123 5.3 FUTURO ..........................................................................................................................................123 6 PERIODIZAÇÃO DA HISTÓRIA ...................................................................................................125 7 DURAÇÃO ...........................................................................................................................................126 8 FORMAS DE CONTAR A PASSAGEM DO TEMPO .................................................................128 8.1 AS ERAS ..........................................................................................................................................130 8.2 O RELÓGIO ....................................................................................................................................131 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................135 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................136 TÓPICO 3 – OS DIFERENTES CALENDÁRIOS ............................................................................137 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................137 2 OS CALENDÁRIOS DA ANTIGUIDADE ....................................................................................137 3 CALENDÁRIO JUDAICO ................................................................................................................1384 CALENDÁRIO CHINÊS ...................................................................................................................139 5 CALENDÁRIO MUÇULMANO ......................................................................................................140 6 OS CALENDÁRIOS DAS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS ........................................141 IX 7 CALENDÁRIOS NA TRADIÇÃO AFRICANA ...........................................................................142 8 CALENDÁRIOS JULIANO E GREGORIANO ............................................................................143 9 O CALENDÁRIO REVOLUCIONÁRIO FRANCÊS ...................................................................145 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................148 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................149 TÓPICO 4 – O TEMPO HISTÓRICO ................................................................................................151 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................151 2 OS HISTORIADORES E O TEMPO HISTÓRICO ......................................................................151 3 O TEMPO PARA O POSITIVISMO ...............................................................................................154 4 O TEMPO PARA O MARXISMO ....................................................................................................154 5 O TEMPO HISTÓRICO PARA KOSELLECK ...............................................................................155 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................159 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................160 TÓPICO 5 – O ENSINO DAS NOÇÕES DE TEMPO ....................................................................161 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................161 2 O ENSINO DO TEMPO NAS AULAS DE HISTÓRIA ...............................................................162 3 A UTILIZAÇÃO DE DIFERENTES .................................................................................................164 LINHAS DO TEMPO NO ENSINO DE HISTÓRIA ......................................................................164 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................171 RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................173 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................174 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................175 X 1 UNIDADE 1 O QUE É HISTÓRIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade você deverá ser capaz de: • compreender o surgimento da História; • conhecer conceitos básicos de História; • expor as mudanças principais no ambiente historiográfico; • identificar diferentes perspectivas sobre os estudos historiográficos. A unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 - AS PRIMEIRAS REFLEXÕES ACERCA DA HISTÓRIA TÓPICO 2 - AS MUDANÇAS DA HISTÓRIA NO TEMPO TÓPICO 3 - A MEMÓRIA, O ESQUECIMENTO E O ANACRONISMO TÓPICO 4 - A HISTÓRIA A PARTIR DA ESCOLA DOS ANNALES Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 AS PRIMEIRAS REFLEXÕES ACERCA DA HISTÓRIA 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, nesta Unidade estudaremos sobre a origem das fontes, o acesso do historiador ao passado, o surgimento da História na Antiguidade e a compreensão dos historiadores da Antiguidade acerca da História. Entenderemos a função das fontes para o trabalho historiográfico e a importância de fazer perguntas a elas. Estudaremos as peculiaridades dos historiadores da Antiguidade em relação aos estudos historiográficos. Veremos por qual motivo Heródoto é considerado “o pai da História”, compreenderemos a importância de Tucídides, escritor da História da Guerra do Peloponeso, bem como de Plutarco, escritor de vários volumes das Vidas Paralelas, para os estudos historiográficos. Também veremos, ao final, a importância da História Eclesiástica, que tem como autor principal Eusébio de Cesaréria, para os estudos historiográficos. Feita essa rápida explanação acerta do tópico, convido você à leitura desses temas e que envolvem as primeiras reflexões acerca do conhecimento histórico. Espero que os saberes presentes neste tópico o ajude a aprofundar os seus conhecimentos acerca dos estudos históricos e lhe deem fundamento para o seu trabalho de historiador. 2 AS FONTES COMO ACESSO AO PASSADO Introdução aos Estudos Históricos é o primeiro contato do acadêmico com o universo que envolve o campo científico da História. É a partir deste módulo que o estudante começa a refletir sobre os elementos básicos do trabalho do historiador. Nossa primeira reflexão sobre a História será acerca das condições em que acessamos as nossas fontes e a intencionalidade que pode haver por trás destas. Quando entramos em contato com qualquer vestígio do passado, seja ele material ou imaterial, devemos nos perguntar sobre a origem do documento que estamos investigando. Uma fonte pode estar disponível apenas por ter sobrevivido ao tempo, como um fóssil, ou pode ter sido guardada com a intencionalidade de UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 4 ser preservada por um longo período. Saber a origem das documentações com as quais estamos lidando nos ajuda a desenvolver o nosso trabalho de História. A forma com que a fonte foi produzida ou armazenada pode mudar o nosso olhar sobre ela. Ter conhecimento das complexidades que envolvem o nosso acesso ao passado nos ajuda a entendê-lo melhor. O único acesso que temos ao passado é pelo presente, por objetos, textos ou recordações de indivíduos vivos que existem hinc et nunc e que os historiadores, com seu olhar treinado, identificam como restos de um passado que já não existe, como sobrevivências que podem ser tratadas como documentos. O universo desses vestígios constitui um terceiro sentido para o termo História: o de passado realmente existente hoje (GUARINELLO, 2003, p. 43, grifos do autor). O nosso acesso ao passado será sempre a partir das fontes de que nos restaram no presente. As fontes não falam por si só. Quando o historiador entra em contato com a fonte, é essencial que ele faça perguntas sobre o contexto em que esta foi escrita. Entender o recorte espacial e temporal da fonte, bem como quem a escreveu, nos ajuda a entender sua existência. Enquanto historiadores, é essencial que façamos perguntas aos nossos objetos de estudo. O historiador é um dos produtores da narrativa histórica. Ele, enquanto um escritor da ciência da História, precisa de alguns meios para produzir o seu saber. Segundo Guarinello, o historiador é um produtor de sentido e “impõe ordem ao caos da documentação, assumindo coerência e continuidade no que é, por si mesmo, incoerente e descontínuo” (GUARINELLO, 2003, p. 45). Um bom exemplo de criação de sentido pelos historiadores é o de uma sociedade que nos influencia muito nos dias atuais, a sociedade que denominamos como sociedade grega. A civilização que consideramos como pertencenteà Grécia Antiga não é uma civilização homogênea. Havia diversas sociedades diferentes, com suas peculiaridades, muitas vezes opostas entre si. A visão da Grécia Antiga difundida atualmente foi construída em um período temporal posterior à Antiguidade. 3 A NOÇÃO DE HISTÓRIA NA ANTIGUIDADE Quando estudamos acerca da cultura helenística, percebemos que ela está presente em nossa sociedade até os dias de hoje. Ela é o fundamento de vários âmbitos da vida contemporânea, como o nosso sistema judiciário e as nossas noções de filosofia. Com a História não foi diferente. As primeiras reflexões sobre a História surgiram na Grécia Antiga. Os historiadores da Antiguidade estavam, em certa medida, preocupados em buscar um discurso coerente para os seus relatos. Xenofonte, por exemplo, ao narrar a vida do rei persa Ciro, buscava narrar os relatos dessa personagem associados a uma investigação própria, preocupado com a credibilidade de sua obra. TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS REFLEXÕES ACERCA DA HISTÓRIA 5 Heródoto, considerado o Pai da História, buscava se distanciar de Hecateu de Mileto por vê-lo apenas como um contador de relatos. “Pai da História” (pater historiae) é o epíteto conferido a Heródoto pelo orador romano Cícero no século I a.C., em sua obra Das Leis, I, 1. De fato, a palavra história foi uma invenção de Heródoto, uma derivação do termo ἵστορ (hístor), que significa “aquele que sabe”, mas aquele que conhece os fatos por “interrogar”, por “informar-se” a respeito de algo, daí “investigar”, como expressa o verbo ἱστορέω (historéō) do qual deriva esse substantivo. Por essas denominações, Heródoto criou a palavra ἱστορίαι (historíai), título de sua obra, que significa “investigações”. Portanto, Heródoto foi o primeiro a conceber um método histórico capaz de reconstituir e de explicar a história dos povos do seu tempo (SILVA, In: HERÓDOTO, 2015a, p. 10, grifos do AUTOR). Era preocupação de Heródoto promover suas investigações e não apenas, como era de costume no período, confiar nas musas, que eram vistas como as únicas detentoras de saber. Ele se preocupava em fazer suas investigações a partir das testemunhas dos fatos históricos que investigava. O historiador foi o primeiro a relatar os acontecimentos de forma escrita seguindo um método, porém, a forma como Heródoto escrevia História se difere da escrita da História nos dias atuais. Diferente da pesquisa científica da modernidade, há no historiador “a influência, sobretudo, de dois gêneros já existentes em sua época: a poesia épica e a filosofia” (SILVA, 2015b, p. 40). FIGURA 1 – BUSTO DE HERÓDOTO FONTE:<https://haber.kursistem.com/dorieus.html>. Acesso em: 13 mar. 2020. Os estudos do historiador se transformaram em uma série de livros. Está é denominada Histórias e contém 9 volumes. O primeiro volume das séries de Heródoto é dedicado a Clio. Este volume trata das Guerras Persas e transforma as Histórias Orais do período em narrativa (SILVA, In: HERÓDOTO, 2015a, p. 23). UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 6 Os livros da série de Heródoto são dedicados as musas gregas. Silva (2015a) apresenta os nove livros dedicados, sequencialmente a Clio, a musa da História; Euterpe, musa da lírica e da música de flauta; Talia, musa da comédia; Melpomene, musa da tragédia; Terpsícore, musa da dança; Érato, musa dos hinos e da música para lira; Polímnia, musa dos cantos sacros; Urânia, musa da astronomia; Calíope, musa da poesia épica. (SILVA, In: HERÓDOTO, 2015a). NOTA Outro historiador de fundamental importância para a História da Antiguidade foi Tucídides. Assim como Heródoto, Tucídides também escreveu a História sobre uma guerra. Seu relato foi acerca da guerra entre os peloponésios e os atenienses, a obra é denominada História da Guerra do Peloponeso (GASTAUD, 2001, p. 133-134). Este foi o seu único escrito. A guerra também foi tema de vários outros escritos historiográficos da Antiguidade, sendo que Xenofonte, Políbio, César, Tito Lívio e Salústio também tiveram em seus estudos os temas guerra e revolução (MOMIGLIANO, 1993, p.144 apud GASTAUD, 2001, p. 133). Assim como aconteceu em relação a Heródoto, “o universo de Tucídides é o universo da filosofia, da sofística e da tragédia” (GASTAUD, 2001, p. 133). Há referências em alguns autores “a um encontro de Heródoto, historiador da guerra entre os persas e os gregos, já famoso na época, “[...] Tucídides ter-se-ia emocionado até as lágrimas, revelando a sua vocação de historiador” (KURY, 2001, p. XLI e XLII). Porém, mesmo com um tema de estudo semelhante, os historiadores desenvolvem sua escrita da História de formas distintas. Hartog destaca a diferença que existe entre os parágrafos introdutórios de Heródoto e Tucídides, a “rapprocher les deux overtures, on voit que l’exposition hérodotéenne est remplacée par l’ecriture thucididéenne”: enquanto Heródoto apresenta/expõe (apodexis) o resultado de suas investigações, Tucídides escreve (sunégrapse) a guerra entre peloponésios e atenienses. O termo empregado por Heródoto pertence ao mundo da oralidade, o termo utilizado por Tucídides o instala, au debut, no mundo da escritura (GASTAUD, 2001, p. 135, grifos do autor). Tucídides demostra a sua escolha por narrar os fatos mais notáveis. O historiador, com sua base em conhecimento militar e arqueologia, faz críticas à poesia de Homero e também critica o engrandecimento dos fatos nos relatos do poeta, que tinham a intencionalidade de imortalização. Ele faz questão, também, de separar a tarefa dos historiadores e dos poetas. (LIMA; CORDÂO, 2010, p. 270-274). Tucídides observa que a investigação do caráter verdadeiro dos fatos através de evidências (tekmeríon) e de vestígios arqueológicos (semeíon) constitui a diferença essencial da história em relação à poesia. Parte TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS REFLEXÕES ACERCA DA HISTÓRIA 7 dessas evidências foi encontrada por Tucídides nas próprias obras dos poetas que, para ele, contribuíram, ao menos, para o estudo das coisas antigas (LIMA; CORDÂO, 2010, p. 274). Heródoto e Tucídides foram contemporâneos, porém, apesar de Tucídides conhecer o termo História, cunhado por Heródoto, que significa investigações, o autor nunca utilizou a palavra História ou mencionou Heródoto diretamente em seus escritos (GASTAUD, 2001, p. 156). NOTA FIGURA 2 – BUSTO DE TUCÍDIDES FONTE: <https://minionu15anoscgp421ac.files.wordpress.com/2014/09/tucidides. gif?w=253&h=300>. Acesso em: 13 mar. 2020. Caso você queira saber mais sobre o tema, as historiadoras Marinalva Vilar de Lima e Michelly Pereira de Sousa Cordão relatam em seu artigo não apenas sobre como Xenofonte, Heródoto e Tucídides faziam suas pesquisas. Elas também abordam, no texto denominado História e Historiografia Antigas: A Construção de um Gênero Discursivo, as formas de abordar o passado de investigadores como Tito Lívio, Tácito, Aristóteles, Horácio e Cícero. NOTA Um outro historiador clássico na Antiguidade e estudado até os dias atuais foi Lúcio Méstrio Plutarco. UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 8 FIGURA 3 – PLUTARCO FONTE: <https://vidasfamosas.com/2009/10/05/plutarco-el-gran-historiador-griego/> Acesso em:13 mar. 2020. Plutarco é um grande nome da Antiguidade, conhecido por escrever Vidas Paralelas. Nesta obra ele sempre compara as biografi as de um grego e um romano. Dentre elas, comparou as vidas de Temístocles e Camilo; Alexandre Magno e Júlio César; Demóstenes e Cícero. Plutarco, ao realizar seus estudos, preocupou-se com vários aspectos do trabalho do historiador. Dentre eles, as fontes utilizadas e a credibilidade dos conteúdos. O historiador realizou os seus trabalhos em consonância com os estudos historiográfi cos da época, sua metodologia era própria de um historiador (SILVA, 2006). Recomendamos a leitura da obra Plutarco Historiador: Análise das Biografi as Espartanas, da historiadora Maria Aparecida de Oliveira, caso você tenha interesse em aprofundar as análises sobre a forma como o historiador construiusuas análises das biografi as. Um bom livro para se aprofundar no assunto é As raízes clássicas da historiografi a moderna, de Arnaldo Momigliano. O historiador relata, em seis capítulos, diversas infl uências historiográfi cas da Antiguidade na modernidade. DICAS DICAS TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS REFLEXÕES ACERCA DA HISTÓRIA 9 4 A HISTORIOGRAFIA ECLESIÁSTICA A influência da religião cristã na escrita da História é indispensável. Eusébio de Cesaréia e a sua História Eclesiástica dá início a uma nova maneira de pensar a escrita histórica. Ele “foi o primeiro a escrever a História da Igreja a partir do ponto de vista do fiel, ele abriu um novo período na história da historiografia” (MOMIGLIANO, 2004, p. 195). A historiografia eclesiástica tem características específicas. Definimos o que nos parecem ser os elementos essenciais da historiografia eclesiástica: a inter-relação contínua entre dogmas e fato; o significado transcendental atribuído ao período das origens; a ênfase na documentação factual; a necessidade sempre presente em relacionar os acontecimentos das Igrejas locais ao corpo místico da Igreja Universal (MOMIGLIANO, 2004, p. 194). FIGURA 4 – EUSÉBIO DE CESARÉIA FONTE: <https://institutobiblicosapiranguense.files.wordpress.com/2009/04/eusebio-de- cesareia.jpg>. Acesso em: 13 mar. 2020. O historiador da Igreja não encontrou nenhum opositor a seus escritos e também teve, no mínimo, quatro sucessores do seu trabalho. Foram eles Sócrates, Sozomeno, Gelásio e Teodoreto (MOMIGLIANO, 2004). Os escritos de Eusébio influenciaram também historiadores na Idade Média. Ele foi lido por intelectuais como Gregório de Tours, Beda, Isidoro e Santo Agostinho. O bibliotecário Anastácio, junto com João Diácono, cogitou a possibilidade de “reviver o tipo de história universal eclesiástica característico de Eusébio” (MOMIGLIANO, 2004, p. 205), o que nunca aconteceu. Diferente da Antiguidade, “o padrão dominante de história medieval eclesiástica é aquele que enfatiza os acontecimentos locais de uma sé ou de um mosteiro particular” (MOMIGLIANO, 2004, p. 205). A História Eclesiástica de Eusébio também teve a sua influência no início da Idade Moderna, no período da Reforma Protestante, “o que os protestantes e cristãos queriam provar era que eles tinham a autoridade dos primeiros séculos da Igreja do lado deles” (MOMIGLIANO, 2004, p. 209). UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 10 UMA MORFOLOGIA DA HISTÓRIA: AS FORMAS DA HISTÓRIA ANTIGA Norberto Luiz Guarinello Comecemos com uma pergunta bastante ampla: o que é História Científica? Qual seu objeto de estudo? Não é uma pergunta fácil. Em minha perspectiva, o objeto da História não é algo real, no sentido de ser uma coisa, algo que possa ser definido com precisão dentro de claros limites espaciais, cronológicos e conceituais. A História científica, em todos seus campos de especialização, opera de fato com formas (ou, antes, fôrmas), mediante as quais os historiadores tentam dar sentido ao passado, criando uma sensação de realidade e de completude (ANKERSMIT, 1988). Esta afirmação tem tons pós-modernistas sem dúvida, mas não estou preocupado aqui com o debate sobre o suposto caráter retórico ou fictício da disciplina. Aceito o estatuto científico da História e a validez e utilidade de seus produtos1. O problema que desejo investigar são essas “formas” que há pouco mencionei, pelas quais o historiador tenta fazer o passado inteligível para o presente. O que é uma forma no trabalho de um historiador? Para entender o sentido dado aqui a esta palavra tenho que fazer algumas observações preliminares. Primeiramente, é importante ter em mente o modo como os historiadores produzem e escrevem História. Normalmente, História é pensada como res gestae, ou como narratio rerum gestarum, ou seja, o passado como tal, como aconteceu realmente, ou sua reconstrução ou narrativa por um especialista, um cientista moderno, porém, os historiadores não narram ou reconstroem o passado, pela razão simples que o passado nos é inacessível, não existe mais e não pode ser reavivado ou recuperado como realmente foi. O único acesso que temos ao passado é pelo presente, por objetos, textos ou recordações de indivíduos vivos que existem hinc et nunc e que os historiadores, com seu olhar treinado, identificam como restos de um passado que já não existe, como sobrevivências que podem ser tratadas como documentos. O universo desses vestígios constitui um terceiro sentido para o termo História: o de passado realmente existente hoje. Tais vestígios, contudo (e este é um ponto crucial), não importa sua quantidade ou qualidade, não são o próprio passado, mas algo bastante diferente. Não são representativos do que aconteceu de um modo uniforme ou regular; não são o passado como se reduzido a uma versão pequena de si mesmo. São mais como escassos pontos de luz na escuridão: isolados, desordenados, caóticos, filtrados, irregulares. Permitem-nos falar sobre o passado sem jamais vê-lo. Esta possibilidade tem, porém, um custo, porque estes restos caóticos também determinam nossas visões do passado. Realidades que não deixaram vestígios, fossem importantes ou não, desapareceram completamente, estão fora de alcance, permanecerão sempre desconhecidas, coisas esquecidas. Mas até mesmo o que sobreviveu só nos permite representar o passado de TÓPICO 1 | AS PRIMEIRAS REFLEXÕES ACERCA DA HISTÓRIA 11 um modo muito indireto, por múltiplas mediações. Estas mediações são precisamente o que denominamos “Ciência da História”, e as formas são uma parte decisiva delas. Algumas dessas mediações, como teorias ou modelos, são frequentemente explícitas. Outras, como as formas, são bem menos visíveis. Pensemos um momento sobre essas mediações, antes de olhar especificamente para as formas. Sobre o que é a História dos historiadores? É uma produção específica das sociedades modernas, mas também uma parte da memória coletiva, ou antes, uma parte da produção social da memória, e muito particular. Seu principal pressuposto é ser uma Ciência e, portanto, diferente da ficção histórica e de outros produtos da memória coletiva. Isso é assim porque, entre outras coisas, pressupõe que haja ordem no passado ou, em outras palavras, que a História (acontecida) é racional, que as sociedades humanas sempre foram organizadas e que seu desenvolvimento segue certos princípios (até mesmo se o princípio for o puro acaso). Também é científica porque considera que os documentos são o fundamento de qualquer reconstrução do passado, a base com a qual se pode confirmar ou negar realidades e a prova definitiva de que uma ordem existiu no passado. Essa ordem é fixada por teorias ou modelos de realidade (cuja diferença não discutirei aqui). As teorias e os modelos usados por historiadores são precisamente pressuposições da existência de uma ordem, da mesma maneira que as várias teorias e modelos de realidade da Física (relativística, quântica). Na História, contudo, os modelos diferem grandemente entre si, porque a realidade social é mais complexa que a natureza. E também, é preciso reconhecê-lo, porque há interesses sociais diferentes, e até mesmo contraditórios, na produção científica da memória, e estes interesses mudam com o passar do tempo. Teorias e modelos são mediações. Têm um papel fundamental na prática da História, no modo como os historiadores a escrevem. Estes selecionam fatos entre os vestígios (os documentos), baseando-se em certas teorias da sociedade e da ação humana e em modelos mais específicos da sociedade que querem estudar. Teorias e modelos são cruciais; são modos de encarar os objetos pesquisados, de selecionar fatos pertinentes e pô-los em relação. Mesmo quando implícitos, teorias e modelos são modos de transformar os vestígios em interpretações do passado e de propor reconstruções específicas da história humana ou de partes dela. Eles relacionam os fatos desconexos que aparecem nos documentos de vários modos, por exemplo,considerando- os concomitantes ou colocando-os em relação de causa e efeito. Se, para um historiador, eventos políticos ou a atitude das elites forem fatores decisivos na História, ele selecionará informações dos documentos para extrair eventos e relacioná-los, explicando ou interpretando uma realidade passada de modo a que faça sentido. Se conferir, porém, prioridade à economia como a dimensão explicativa na estruturação das sociedades humanas, selecionará fatos UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 12 econômicos e os colocará em uma certa ordem, seja privilegiando as relações de propriedade e produção, como o fazem os marxistas, seja atribuindo mais importância às relações de troca, ao mercado, e assim por diante. Teoria, modelos e documentação são assim complementares e inseparáveis. Isto é mais ou menos consensual. Quero ressaltar outro ponto. Há uma outra dimensão dentro da prática da História para a qual os historiadores raramente voltam sua atenção. A associação entre teoria, modelos e documentos não basta para explicar o trabalho do historiador e a interpretação do passado que propõe. Aqui entram as formas. Para definir o que são formas, temos que ir por partes. 1. Contento-me aqui em transcrever as palavras de Cameron (1989, p. 206): “At least some elements in most historical narratives can in principle be falsified: it follows then that a historian’s relation to some such concepts as ‘truth’ must of necessity be different from that of, say, a novelist or a literay critic. The abandonement of this relation not only brings History in a Derridean denial of its own value, but also removes all distinctions between it and other narrative forms”. 2. The demonstration could be repeated from what one is tempeted to call primary evidence, but evidence conveys nothing outside a framework... It is not a bad idea to inspect the foundations once in a while and prod the framework” (REEVE, 2001, p. 246) (Tradução: A demonstração pode ser repetida a partir do que se tenta chamar de evidência primária, mas a evidência não transmite nada fora de uma estrutura... Não é uma má idéia inspecionar as fundações de vez em quando e estimular a estrutura.). (GUARINELLO, 2003, p.42-45) 13 Neste tópico, você aprendeu que: • As fontes são o acesso do historiador ao passado. É indispensável o questionamento das mesmas para uma investigação historiográfica de qualidade. • Os historiadores da Antiguidade estavam preocupados com uma investigação séria em seus estudos. • O conceito de História foi uma invenção de Heródoto, escritor das Histórias. • Tucídides, em suas investigações sobre a História, a diferencia da poesia. • Plutarco foi um grande biógrafo da Antiguidade que escreveu biografias comparadas entre gregos e romanos. • Eusébio de Cesaréia inaugurou, com seus estudos de História Eclesiástica, uma importante maneira de pensar a História, que influenciou os historiadores da Idade Média e do início da Modernidade. RESUMO DO TÓPICO 1 14 1 As fontes históricas são a forma como o historiador acessa o passado. A partir do que foi apresentado sobre elas no Tópico 1, pode-se afirmar que: I- Quando o historiador entra em contato com as fontes, é essencial que ele faça perguntas sobre ela. II- O historiador lida com um passado que não existe mais, o seu acesso ao passado é pelas fontes. III- É considerado como fonte apenas os documentos que tiveram a intencionalidade de serem preservados ao longo do tempo. IV- Entender o recorte espacial e temporal da fonte nos ajuda a entendê-la com maior profundidade. Estão CORRETAS: a) ( ) As afirmativas I e II. b) ( ) As afirmativas I e IV. c) ( ) As afirmativas I, II e IV. d) ( ) As afirmativas II, III e IV. e) ( ) Todas as alternativas estão corretas. 2 Os historiadores da Antiguidade não tinham critérios delimitados e pré- definidos para a escrita da História, mas eles estavam preocupados com o seu oficio. Retome o conteúdo deste tópico atribuindo V para as sentenças verdadeiras e F para as sentenças falsas: ( ) Heródoto tinha como maior inspiração para a sua escrita o pensador Hecateu de Mileto. ( ) Tucídides, que tinha base em conhecimento militar e arqueologia, fazia elogio às poesias de Homero. ( ) Xenofonte, em sua narrativa, buscava narrar os relatos dos personagens associados a uma investigação própria. ( ) Plutarco foi um historiador da Antiguidade muito conhecido por escrever as Vidas Paralelas, relatos históricos que comparavam as biografias de um grego e um romano. Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência correta: a) ( ) V – V – V – V. b) ( ) F – F– V – V. c) ( ) V – V – F – F. d) ( ) V – F – F – V. e) ( ) F – V – V – F. AUTOATIVIDADE 15 TÓPICO 2 AS MUDANÇAS DA HISTÓRIA NO TEMPO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, neste tópico estudaremos concepções de História que são fundamentais para a modernidade. A primeira noção abordada é a História como Mestra da Vida, expressão que foi criada por Cícero, mas atravessou a Idade Média e perdurou até o Século XVIII. Também aprenderemos sobre a mudança do conceito de História, de Historie para Geschichte, em língua alemã. Esta mudança altera a função da História nos estudos historiográficos. Adentraremos também no entendimento das Filosofias da História e um movimento influenciado por estas, o Positivismo. O próximo tema será o momento em que a História se torna uma disciplina científica e, com ele, o surgimento do Historicismo. Por último, refletiremos acerca da Objetividade e da Subjetividade da História. Feito este esclarecimento do tópico, esperamos que estes temas lhe ajudem a construir o aporte teórico necessário para o ofício do historiador. 2 A HISTÓRIA COMO MESTRA DA VIDA O termo em latim, História Magistra Vitae, é traduzido para o português como História Mestra da Vida. Esta expressão de Cícero já foi fortemente aceita e utilizada pela historiografia. A partir dela tem-se intenção de estudar o passado como um exemplo, a fim de não repetir erros. A partir desta forma de pensar “a história seria um cadinho contendo múltiplas experiências alheias, das quais nos apropriamos com um objetivo pedagógico” (KOSELLECK, 2006, p. 42). Porém, esta noção de História já recebeu e ainda recebe críticas no meio historiográfico. Ela foi considerada como útil por muito tempo, pois com ela era possível usufruir dos exemplos do passado em benefício do presente. Porém, ela também foi utilizada como uma forma de manipulação para obter benefícios. Há um relato onde Friedrich von Raumer nos concede um exemplo, como podemos ver abaixo: Durante uma reunião em Charlottenburg, Oelssen [chefe de departamento no Ministério das Finanças] defendia vivamente a impressão de grande quantidade de papel-moeda para pagar dívidas. Uma vez esgotados os argumentos contrários, eu (conhecendo meu homem) disse com demasiada ousadia “Mas senhor Conselheiro Privado, o senhor certamente se lembra que UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 16 já Tucídides falava do mal que sucedeu quando, em Atenas, decidiu-se imprimir papel-moeda em grande quantidade”. “Essa é uma experiência de grande importância”, ele retrucou em tom conciliador, deixando-se assim convencer, para manter a erudição (von RAUMER, 1861, p. 118 apud KOSELLECK, 2006, p. 42). Com este relato podemos perceber que a História como Mestra da Vida foi utilizada, neste contexto, sem compromisso com a verdade. A intenção era defender interesses próprios. FIGURA 5 – BUSTO DE CÍCERO FONTE:< https://p2.trrsf.com/image/fget/cf/940/0/images.terra. com/2014/05/14/140514cicerohistoriavoltaire3.jpg > Acesso em: 13 mar. 2020. A noção de Cicero atravessou o período da Idade Média. As obras do historiador foram catalogadas em mosteiros. A Igreja Católica demonstrou, de início, certa resistência à Historia Magistra Vitae de Cícero e seu caráter pagão. Porém, clérigos influentes, como Isidoro de Sevilha e Beda, defenderam desta forma de pensar a História. Ambosos clérigos “contribuíram para que também o motivo das máximas profanas conservasse algum lugar, ainda que subalterno, ao lado da história que era legitimada por seu conteúdo religioso” (KOSELLECK, 2006, p. 44). No período do Renascimento, Maquiavel também exalta essa forma de pensar a História, não só com a intenção de admirar o passado, mas de imitá- lo (KOSELLECK, 2006). Segundo Koselleck a Historia Magistra Vitae teve o seu significado semântico modificado ao longo no tempo, mas o uso da expressão “perdura quase ilesa até o Século XVIII” (KOSELLECK, 2006). Até este período, as transformações sociais ocorriam lentamente e os exemplos do passado eram proveitosos ao presente. Mas havia incoerência entre os que a utilizavam. Montaigne e Bodin, por exemplo, utilizaram a História como exemplo para demonstrar coisas opostas. Um queria romper com regras gerais, outro encontrá-las (KOSELLECK, 2006, p. 42-43). A Historia Magistra Vitae demonstrou, neste caso, certa incompatibilidade. Sendo assim, esta forma de pensar historicamente entrou em descrédito, com isso “não se pode mais TÓPICO 2 | AS MUDANÇAS DA HISTÓRIA NO TEMPO 17 esperar conselho a partir do passado, mas sim apenas de um futuro que está por se constituir [...] não se poderia tirar mais nenhum proveito de uma História que instruía por meio de exemplos” (KOSELLECK, 2006, p. 58). Na modernidade, a noção de História que orientava à vida das pessoas é substituída por outra noção, como veremos a seguir. 3 A MUDANÇA DE SIGNIFICADO NO TEMPO O conceito de História, como já apontado, surgiu na Antiguidade. Os historiadores do período não tinham uma formação específica e o significado que competia ao termo na Antiguidade não lhe compete nos dias atuais. A palavra Historie era utilizada para relatar os acontecimentos, porém, ela foi substituída, no início da modernidade, por outro termo. Se a velha história [Historie] foi arrancada de sua cátedra, e, certamente, não apenas pelos iluministas, a quem tanto aprazia servir- se de seus ensinamentos, isso aconteceu na esteira de um movimento que organizou de maneira nova a relação entre passado e futuro. Foi finalmente “a história em si” [die Geschichte selbst] que começou a abrir um novo espaço de experiência. A nova história [Geschichte] adquiriu uma qualidade temporal própria. Diferentes tempos e períodos de experiência, passíveis de alternância, tomaram o lugar outrora reservado ao passado entendido como exemplo (KOSELLECK, 2006, p. 44, grifos do autor) Na língua alemã a palavra Historie aludia a narrativa de algo, enquanto Geschichte aludia a um acontecimento ou a uma série de ações cometidas ou sofridas. Ao fim, o uso do conceito Geschichte predominou. Por ora, o conceito Historie perdeu para Geschichte a pretensão de ser História como Mestra da Vida. Porém, o conceito Geschichte também abandonou, com o tempo, essa pretensão (KOSELLECK, 2006). A palavra Geschichte “de maneira imperceptível e inconsciente, e por fim com a ajuda de diferentes reflexões teóricas, condensou-se no coletivo singular” (KOSELLECK, 2006, p. 50). Com a singularização da História, “a Historie foi destituída de seu objetivo de atuar imediatamente sobre a realidade” (KOSELLECK, 2006, p. 57). A noção de História como Geschichte, ou seja, um coletivo singular, trouxe vários benefícios a historiografia. Uma das mudanças significativas é que, diferente das expectativas do termo Historie, as expectativas do termo Geschichte eram de se aproximar de uma História verdadeira, uma História real, a realidade histórica. A ideia de coletivo singular possibilitou outro avanço. Permitiu que se atribuísse à história aquela força que reside no interior de cada acontecimento que afeta a humanidade, aquele poder que a tudo reúne e impulsiona por meio de um plano, oculto e manifesto, um poder frente ao qual o homem pôde acreditar-se UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 18 responsável ou mesmo em cujo nome pôde acreditar estar agindo. (KOSELLECK, 2006, p. 52). Com a mudança do conceito de História, no meio historiográfico, de Historie para Geschichte, a História abandona a pretensão de ser uma coleção de exemplos. Ela se preocupa com os pequenos acontecimentos, o singular. 4 AS FILOSOFIAS DA HISTÓRIA E O POSITIVISMO No início da profissão de historiador os caminhos a se seguir não estão completamente claros. Dentre as dúvidas, nos questionamos se o nosso labor é considerado uma ciência, pois, afinal, produzimos narrativas. Trataremos, a seguir, sobre as Filosofias da História e sobre um movimento subsequente a este, o da transformação da História em uma disciplina científica. O termo Filosofia da História foi cunhado por François-Marie Arouet, conhecido pelo pseudônimo Voltaire, na França do Século XVIII. Ele é dos conhecidos pensadores do Iluminismo. Esses filósofos do Século XVIII, que chamamos hoje de iluministas, definiam a si mesmos como homens do “século das luzes”. Para eles o Século XVIII foi o ápice da maturidade intelectual e racional do homem. Mas tais filósofos não seguiam uma única e coerente corrente de pensamento, pelo contrário, possuíam múltiplos discursos, não tinham nenhum manifesto ou programa de ideias, e muitos, inclusive, se contestavam mutuamente. Essas divergências dificultam a definição do Iluminismo como um movimento, pois não havia coerência de pensamento. Todavia, a maioria desses pensadores compartilhava algumas ideias em comum: a defesa do pensamento racional, a crítica à autoridade religiosa e ao autoritarismo de qualquer tipo e a oposição ao fanatismo (SILVA; SILVA, 2009, p. 210, grifos dos autores). Sob os ideais do iluminismo francês, Voltaire também era defensor do despotismo esclarecido, que é a inserção de ideais iluministas em monarquias. FIGURA 6 – VOLTAIRE. NICOLAS DE LARGILLIÈRE, 1928. FONTE: <http://opiniaoenoticia.com.br/wp-content/uploads/2014/11/Voltaire-e1447866215942. jpg> Acesso em: 13 mar. 2020. TÓPICO 2 | AS MUDANÇAS DA HISTÓRIA NO TEMPO 19 Dentre os intelectuais que criaram uma Filosofia da História temos também o iluminista alemão Immanuel Kant (1724-1804), A Filosofia da História de Kant ambiciona chegar ao Esclarecimento (Aufklärung), que “é a saída do homem da menoridade pela qual é o próprio culpado. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio entendimento sem direção alheia” (KANT, 2009, p. 407, grifos do autor). Este texto, bem como demais obras de Kant, são fundamentais para os intelectuais até os dias atuais. As Filosofias da História também foram criadas por intelectuais desvinculados ao Iluminismo. Elas também não se restringiram ao Século XIX. Outros pensadores conhecidos e importantes também criaram suas visões escatológicas do mundo. A Filosofia da História de Georg Wilhelm Friedrich Hegel defendia “auto reconhecimento do espírito através da Racionalidade” (RODRIGUES, 2017, p. 47), a de Karl Marx tinha como objetivo final o comunismo. Escatologia é o “estudo do fim”. Como nos explica Abbagnano, este é um “termo moderno que indica a parte da teologia que considera as fases ‘finais’ ou extremas’ da vida humana ou do mundo. [...] Os filósofos usam às vezes esse termo para indicar a consideração dos estágios finais do mundo ou do gênero humano” (ABBAGNANO, 2007, p. 334). NOTA Como acabamos de apresentar, a Filosofia da História de Voltaire influenciou várias outras. Segundo Barros, dois ideais Iluministas foram de grande importância para o Positivismo do Século XIX, são eles “a perspectiva universalista” e “a busca por leis gerais que estariam por trás do desenvolvimento das sociedades humanas” (BARROS, 2011, p. 86). [...] é particularmente importante, para percebermos a essência do pensamento positivista da primeira hora, considerar que esta passagem de modelo iluminista ao modelo positivista envolveu uma reapropriação conservadora das ideias, que tinham desempenhado um papel importante no contexto revolucionário francês (BARROS, 2011, p. 86). OPositivismo estabelece certa continuidade do Iluminismo, ele “iria acrescentar, ao ideal iluminista de Progresso, o conceito de Ordem” (BARROS, 2011, p. 91). O fundador do Positivismo foi Augusto Comte. Comte formulou a Lei dos Três Estados da Humanidade. O primeiro, que seria a infância da humanidade, era a religião; em seguida, a filosofia representava a adolescência da humanidade; e, por último, a ciência era vista por Comte como a fase adulta da humanidade. Sell (2001) nos explica o estado positivo que Comte idealizou a seguir: UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 20 Estado positivo ou científico: o homem tenta compreender as relações entre as coisas e os acontecimentos através da observação científica e do raciocínio, formulando leis; portanto, não procura mais conhecer a natureza íntima das coisas e as causas absolutas. As causas primeiras e absolutas são substituídas pela observação da relação entre os fenômenos, mediante a rigorosa pesquisa científica (SELL, 2001, p. 13, grifos do autor). Ainda há quem defenda o Positivismo em nossa contemporaneidade. Na Bandeira do Brasil está estampada o lema positivista “ordem e progresso” (SELL, 2001, p. 11). Também foram criados alguns templos positivistas em nosso país. Um dos templos é situado no Rio de Janeiro, foi construído no Século XIX e hoje funciona como um museu, porém está interditado atualmente. Oposto ao Positivismo, o próximo tema, o Historicismo, não segue mais os ideais Iluministas. 5 O HISTORICISMO E A CIÊNCIA DA HISTÓRIA A Alemanha é unificada apenas no ano de 1871, mas os territórios unificados carregavam histórias e identidades diferentes. O novo país precisava de uma identidade compartilhada e uma História comum. Os historiadores, com intenção de elaborar uma História comum a todos os estados do Império Alemão, começaram a pensar em uma Ciência da História. Sendo assim, a Unificação da Alemanha coincidiu com a constituição da Ciência da História (BENTIVOGLIO, 2011). Este período foi, posteriormente, conhecido como o surgimento do Historicismo. Entende-se por “historicismo” a época do desenvolvimento da ciência histórica, na qual esta se constituiu, como ciência humana compreensiva, sob a forma de uma especialidade acadêmica. Cronologicamente essa época se situa no século XIX e, embora seus principais representantes sejam historiadores alemães (Niebuhr, Ranke, Droysen, Mommsen), não se deve esquecer de que se trata de um fenômeno de história da ciência e da inteligência que abrangeu toda a Europa. Como os poucos historiadores brasileiros do século XIX (Francisco Varnhagen, Capistrano de Abreu) são intelectualmente “europeus”, o historicismo os inclui igualmente. Deve-se destacar também que o historicismo foi importante não apenas no desenvolvimento da ciência histórica. Deve-se recordar também que sua concepção própria de história, do método de pesquisa e do valor formativo do conhecimento histórico influenciou a evolução de diversas outras ciências, notadamente as sociais. (MARTINS, 2004, p. 2, grifos do autor). TÓPICO 2 | AS MUDANÇAS DA HISTÓRIA NO TEMPO 21 O historicista Johann Gustav Droysen (1818-1884) elaborou um Manual de Teoria da História que é dividido nos capítulos A Metódica, A Sistemática e A Tópica. Este é um bom material para compreender a Ciência da História no Século XIX. DICAS FIGURA 7– UNIFICAÇÃO DA ALEMANHA (1871) FONTE:<https://abrilguiadoestudante.files.wordpress.com/2016/07/gehistoria-10-63-ed. jpg?quality=100&strip=info&w=700&h=458>. Acesso em: 13 mar. 2020. A criação de um ambiente científico para a História na Alemanha do Século XIX definiu as diretrizes da nossa disciplina. A História cujo renascimento se organiza e estrutura na passagem do Iluminismo para o Romantismo e se consolida ao longo do Século XIX nos cenários do positivismo, do historicismo, das escolas metódicas [...] é a História como ciência. História como ciência, cujos resultados historiográficos são expressos em narrativas que encerram argumentos demonstrativos articuladores da base empírica da pesquisa e da interpretação do historiador em seu contexto. A historiografia, assim, encerra em si as características de ser empiricamente pertinente, argumentativamente plausível e demonstrativamente convincente (MARTINS, 2010, p. 10). UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 22 Leopold von Ranke (1795-1886) é o principal nome do Historicismo alemão, considerado o pai do Historicismo. Para ele a História é simultaneamente ciência e arte. A História “é ciência na medida em que recolhe, descobre, analisa em profundidade; e arte na medida em que representa e torna a dar forma ao que é descoberto, ao que é apreendido” (RANKE, 2015, p. 202). Ranke também definiu as exigências das quais resultam a pesquisa histórica. Estas são, para ele: O amor à verdade, a investigação documental, o interesse universal, a fundamentação do nexo causal e o apartidarismo (RANKE 2015, p. 207-2010). O Positivismo e o Historicismo são muitas vezes considerados como o mesmo movimento, a partir de uma frase de Ranke. É a frase em que o historiador afirma que tem a intenção de expor as coisas como elas realmente aconteceram (wie es eigentlich gewesen). Quando analisamos a frase de perto percebemos que ela criticava dois movimentos: a Historia Magistra Vitae e as Filosofias da História. Sendo assim, as críticas são uma visão errônea sobre o historiador e sobre o Historicismo. Diferente do Positivismo, que tinha um caráter universalista, ou seja, a busca por leis gerais, o Historicismo tem duas dimensões principais opostas ao Positivismo, são elas “o caráter dinâmico e mutável e histórico” e “a sua inefável singularidade” (MATA, 2008, p. 50). Para entender melhor como a Historia estava sendo pensada no ocidente no Século XIX recomendamos a leitura da obra A História Pensada e em especial o texto O conceito de História Universal (1831) de Leopold von Ranke. DICAS 6 A OBJETIVIDADE E A SUBJETIVIDADE PARA A HISTÓRIA Uma importante discussão que tange o conhecimento histórico é a sua relação com a objetividade e a subjetividade. Quando a História se tornou uma disciplina científica houve uma grande discussão acerca do seu caráter objetivo, bem como se ela se tornaria uma ciência com caráter comprovável, como as ciências naturais. A partir de um longo debate entre a comunidade historiográfica, houve uma separação entre a noção de ciência das Ciências Humanas e das Ciências Naturais. Sobre a intenção de se alcançar uma objetividade da História, Barros explica através de Collingwood que “a História não poderia postular alcançar um tipo de objetividade análogo à das ciências naturais, e a operação historiográfica achar-se-ia radicalmente imersa na subjetividade do historiador” (BARROS, 2011, p. 169). TÓPICO 2 | AS MUDANÇAS DA HISTÓRIA NO TEMPO 23 Para compreender as discussões acerca da objetividade e da subjetividade da História, primeiramente vamos compreender as definições de objetivo e subjetivo, a partir de Adam Schaff em seu clássico História e Verdade: 1) É “objetivo” o que vem do objeto, ou seja, o que existe fora e independentemente do espírito que conhece; portanto, é “objetivo” o conhecimento que reflete (numa acepção particular desta palavra) este objeto; 2) é “objetivo” o que é cognitivamente válido para todos os indivíduos; 3) é objetivo o que está isento de afetividade e, portanto, de parcialidade. O adjetivo “subjetivo” designa respectivamente: 1) o que vem do sujeito; 2) o que não possui um valor cognitivo universal; o que é emocionalmente colorido e, por esse motivo, parcial. (SCHAFF, 1995, p. 280) O historiador ainda complementa que o conhecimento histórico sempre está ligado a um sujeito, o sujeito que conhece. Neste caso, haverá sempre a subjetividade do sujeito no conhecimento (SCHAFF, 1995). Sendo assim, o historiador divide a subjetividade em duas categorias. A primeira categoria é a boa subjetividade, “ou seja, aquela que provém da essênciado conhecimento como relação subjetivo-objetiva e do papel ativo do sujeito no processo cognitivo” (SCHAFF, 1995, p. 282) enquanto a má subjetividade é “a subjetividade que deforma o conhecimento por causa de fatores tais como o interesse, a parcialidade, etc” (SCHAFF, 1995, p. 282). Não se pode nunca exigir do historiador a imparcialidade no sentido estrito deste termo. Apenas o fato histórico que o historiador estuda pode ser imparcial. […] A posição do historiador pode e deve ser científica, pode ser elevada e cada vez mais elevada, mas será sempre uma posição, um ponto de vista. O seu sucessor, que subirá a uma posição ainda mais elevada, terá um horizonte mais amplo, fará um juízo mais imparcial e mais fundamentado, mas, por sua vez, encontrará alguém para o ultrapassar (BOBRZYNSK, 1963, p. 190-191 apud SCHAFF, 1995, p. 280). “Se a objetividade do conhecimento devesse significar a exclusão de todas as propriedades individuais da personalidade humana, […] a objetividade seria pura ficção, porque implicaria em que o homem fosse um ser sobre-humano ou a-humano” (SCHAFF, 1995, p. 285). Não há como excluir todo o grau de subjetividade do conhecimento histórico, mas o historiador que trabalha de forma séria sempre terá a pretensão de objetividade. O que culminará no que Schaff descreve como relação subjetivo- objetiva. UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA 24 OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE NO CONHECIMENTO HISTÓRICO: A OPOSIÇÃO ENTRE OS PARADIGMAS POSITIVISTA E HISTORICISTA José D’Assunção Barros A historiografia dos Séculos XIX ao XXI oferece um arco interessante e diversificado de posições relacionadas à questão da oposição e interação entre objetividade e subjetividade em História. Praticamente o Século XIX abre- se e encerra-se com este debate, pois além de ser o século da História, será constituído de décadas de confronto entre duas posições fundamentais com relação a esta questão: o positivismo e o historicismo. [...]. A oposição fundamental entre positivismo e historicismo dá-se em torno de três aspectos fundamentais: a dicotomia objetividade/subjetividade no que se refere à possibilidade ou não de a História chegar a leis gerais validas para todas as sociedades humanas; o padrão metodológico mais adequado à história (de acordo com o modelo das Ciências Naturais, ou um padrão específico para as ciências humanas); e a posição do historiador face ao conhecimento que produz (neutro, imerso na própria subjetividade, engajado na transformação social). Com relação aos padrões positivista e historicista, é importante ressaltar que, enquanto o positivismo, como paradigma, já está praticamente pronto desde o início do Século XIX – já que herda uma série de pressupostos do Iluminismo, embora por vezes invertendo a sua aplicação social e vindo a constituir de fato uma visão de mundo tendencialmente conservadora, ao contrário dos setores mais revolucionários do pensamento ilustrado – já o historicismo estará construindo o seu paradigma no decurso do próprio Século XIX. Influências mais isoladas lhe chegavam de autores precursores como Herder ou Vico, que já estavam no Século XVIII atentos à relatividade das sociedades humanas contra a tendência predominante na intelectualidade da época, o Iluminismo, que tendia a pensar na natureza universal do homem e em uma história ‘universalizante’, e não ‘particularizante’. Mas foram poucas as vozes que sintonizariam, neste século anterior, com as preocupações dos historicistas oitocentistas. Os positivistas contam de fato com toda uma fortuna crítica que inclui as já clássicas discussões iluministas em torno de questões que lhes seriam caras: a possibilidade de um conhecimento humano inteiramente objetivo; a construção de uma história universal, comum a toda a humanidade; a possibilidade de amparar um conhecimento científico sobre as sociedades humanas com base na ideia de imparcialidade do sujeito que produz o conhecimento. Estes princípios, no que apresentam de mais essencial, sustentam-se sobre a noção de que haveria uma “natureza imutável do homem”. São estes fundamentos, que já vinham sendo discutidos há muito pelo pensamento ilustrado, que o positivismo tomaria para si, emprestando-lhes uma nova coloração. Por isto, podemos dizer TÓPICO 2 | AS MUDANÇAS DA HISTÓRIA NO TEMPO 25 que, no essencial das questões que irá colocar a si mesmo, o positivismo já inicia o Século XIX com um quadro bastante claro de seus posicionamentos, enquanto que já o historicismo se apresentará no decurso do Século XIX como algo que aqui tomaremos a liberdade de chamar de “historicismo em construção”. Para os primeiros historicistas, nada de fato está propriamente pronto. O historicismo ainda precisará construir a si mesmo, estendendo contribuições diversas em um arco que irá de Leopold Ranke – ainda preocupado em “narrar os fatos tal como eles aconteceram” – até Droysen e Dilthey, historicistas relativistas que já se ocupam em trazer para a historiografia uma reflexão sobre a subjetividade do próprio sujeito que constrói a história, bem como sobre a singularidade do padrão metodológico a ser encaminhado pela Historiografia: um padrão “compreensivo” e não “explicativo” como nas ciências naturais. Esta mesma discussão estende-se através do Século XX, chegando a nomes como Gadamer, Paul Ricoeur, e outros historicistas modernos como Marrou. Já pontamos alguns traços iniciais do confronto entre historicismo e positivismo. Poderemos prosseguir fazendo notar que a distinção fundamental entre positivistas e Historicistas, de um lado, refere-se ao contraste de suas perspectivas sobre o homem – percebido como uma natureza imutável, pelos positivistas, e como um ser em movimento e em processo de diferenciação, pelos historicistas. De outro lado, os dois paradigmas também se opõem precisamente no que se refere ao papel da objetividade e da subjetividade na produção do conhecimento histórico. Aferrados a um modelo cientificista que procura aproximar ou mesmo fazer coincidir os modelos das Ciências Naturais e das Ciências Sociais e Humanas, os positivistas tendem a enxergar a subjetividade – do mundo humano examinado, mas também do historiador – como um problema para uma história que postula ocupar um lugar entre as ciências. Já os historicistas, que construirão seus posicionamentos em torno desta questão ao longo das várias décadas do Século XIX, tenderão no limite a enxergar a subjetividade não como um problema, mas como uma riqueza, ou mesmo como aquilo o que precisamente permite à História constituir-se em um conhecimento dotado de uma especificidade própria. Haverá também, no arco historicista, os que, reconhecendo-a, buscam controlar a subjetividade, impor-lhe limites; mas os maiores nomes das últimas décadas do Século XIX, que estendem sua contribuição para uma continuidade com os historicistas do Século XX, chegam a realizar efetivamente a virada relativista, e a lidar com a subjetividade (inclusive a do próprio historiador) como algo que não compromete a cientificidade do trabalho historiográfico. Em vista disto, será fundamental para estes historicistas opor o paradigma explicativo das Ciências Naturais (e reivindicado pelos positivistas) ao paradigma da compreensão, aspecto que é operacionalizado de maneiras distintas por alguns historicistas quando contrapostos entre si. Será oportuno recolocarmos a contextualização sócio-política específica dos dois paradigmas – Historicista e Positivista – antes de passarmos a um estudo mais específico de alguns casos que ilustrem as posições descritas. FONTE: BARROS (2010 p. 76-78). 26 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A expressão Historia Magistra Vitae, História como Mestra da Vida, foi cunhada por Cícero, na Antiguidade, e perdurou na forma ocidental de pensar a História até o Século XVIII. • A principal ideia da Historia Magistra Vitae é orientar o presente a partir do passado, para não repetir os erros. •No campo historiográfico o termo Historie foi substituída pela palavra alemã Geschichte. • O termo Filosofia da História foi cunhado por Voltaire, as filosofias da História tinham caráter escatológico. • O Positivismo, inspirado nos ideais Iluministas, tinha uma perspectiva universalista e buscava leis gerais para a humanidade. • O Historicismo preza o caráter dinâmico e mutável da História, bem como a singularidade. • A Objetividade da História não é análoga a das Ciências Naturais. • De acordo com Schaff, há sempre um grau de subjetividade no conhecimento histórico. 27 1 A noção de Historia Magistra Vitae, História Mestra da Vida, orientou a forma com que as pessoas se orientavam pela História por muito tempo. A partir do que foi apresentado no sobre esta no Tópico 2, pode-se afirmar que: I- A Historia Magistra Vitae entrou em descrédito no período da Idade Média. II- A expressão cunhada por Cícero tem como intenção se orientar pelo passado, a fim de não repetir erros no presente. III- Esta forma de pensar a História foi utilizada, por vezes, para demonstrar ideias opostas. Temos como exemplo Montaigne e Bodin. IV- Com as transformações sociais do Século XVIII a Historia Magistra Vitae começa a ser questionada, pois para-se de esperar orientações do passado. Estão CORRETAS: a) ( ) As afirmativas I e II. b) ( ) As afirmativas I e III. c) ( ) As afirmativas III e IV. d) ( ) As afirmativas II, III e IV. e) ( ) Todas as alternativas estão corretas. 2 Para Ranke uma das exigências que resultam para a pesquisa histórica é o interesse universal. Sobre ele Ranke (2015, p.208) afirma que “Há aqueles que se interessam apenas pelo estudo das instituições burguesas ou das constituições, pelos avanços da ciência ou pelas realizações artísticas ou pelos enredos políticos. A maior parte da história tratou até agora da guerra e da paz. Como, porém, tais campos nunca se dão apartados um do outro, mas estão sempre articulados e até mesmo condicionando-se mutuamente - como, por exemplo, os diferentes campos científicos influenciam tanto a política externa quanto, e sobretudo, a interna -, é necessário dedicar um interesse uniforme por todos eles. De outra forma nos tornaríamos incapazes de entender um por meio do outro, e caminharíamos rumo a uma meta oposta à do conhecimento”. FONTE: RANKE, Leopold von. O conceito de história universal. Tradução: Sérgio da Mata. In:. Estevão de Rezende Martins. (Org.). A história pensada: teoria e método da historiografia européia do Século XIX. São Paulo: Contexto, 2015. Com base na afirmativa acima, assinale a alternativa correta: ( ) Os campos científicos influenciam apenas as políticas internas. ( ) Houve uma predominância, até o escrito de Ranke, no estudo das instituições burguesas. ( ) Os estudos das realizações artísticas são mais importantes do que os dos enredos políticos. ( ) É necessário o interesse uniforme a todos os campos. De outra forma se caminha em direção oposta ao conhecimento. AUTOATIVIDADE 28 29 TÓPICO 3 A MEMÓRIA, O ESQUECIMENTO E O ANACRONISMO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, como temos visto ao longo do nosso livro, os estudos historiográficos foram se modificando ao longo do tempo. Com o passar dos anos, o historiador foi se especializando. A História foi se tornando, aos poucos, o estudo do específico. Com isso, fomos trabalhando com temas e recortes cada vez mais limitados, em vez de Histórias grandes e generalizadoras. Um conceito que passou a ser estudado pela historiografia apenas recentemente, foi o conceito de memória. Refletir sobre a memória é, hoje em dia, indispensável para o historiador. A memória pode ser dividida em três categorias: lembrar, esquecer e comemorar. Dentre as várias classificações da memória, a que geralmente é estudada pelos historiadores é a memória coletiva. Outro conceito importante que perpassa as discussões sobre a memória, é o conceito de esquecimento. Nietzsche foi um dos grandes críticos do que ele denomina, entre nos estudos da História, como excesso de memória, porém, tanto ele quando outros intelectuais, nos alertam sobre o perigo que envolve o esquecimento. Um terceiro termo essencial para os historiadores é o anacronismo. Este é um conceito controverso entre os historiadores, há os que defendem a sua utilização enquanto uma prática controlada e os que o abominam. Quando melhor conhecemos a época que estudamos, menor é o risco de agir de forma inconsciente e anacrônica. Convidamos você, leitor, a apreciar este tópico e aprender mais sobre estes temas fundamentais para os historiadores. Boa leitura! 2 A MEMÓRIA A memória é um conceito muito importante para os estudos historiográficos nos dias atuais, mas não foi sempre assim. O conceito começou a ser estudado pela historiografia apenas na década de 1970, com os historiadores da chamada Nova História. No período, os estudos em outras áreas, como a psicanálise, já estavam avançados (SILVA; SILVA, 2009). “Quando os historiadores começaram a se apossar da memória como objeto da História, o principal campo a trabalhá- la foi a História Oral” (SILVA; SILVA, 2009, p. 276), mas hoje em dia este tema perpassa vários campos historiográficos. 30 UNIDADE 1 | O QUE É HISTÓRIA Para entender a memória é importante classificá-la. Dentro de seu livro História e Memória o medievalista Jacques Le Goff apresenta uma definição geral de memória. Ele afirma que: “A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas” (LE GOFF, 2003, p. 419). O historiador afirma, ao final, que as informações podem ser passadas ou representadas como passadas, pois, nem toda a memória foi vivida. Levando em consideração a complexidade da memória ao estudo historiográfico, explanaremos sobre ela mais detalhadamente a seguir. É importante se atentar que memória não é sinônimo de lembrança. A lembrança é pessoal e individual, já a memória pode ser tanto individual, quanto coletiva. A memória também não é necessariamente vivida. Ela pode ser transmitida de geração em geração. NOTA Para Martins (2008, p. 37-39) é uma constante atividade humana apropriar-se do tempo pela memória. Ele ainda considera que é comum na contemporaneidade lidar com três categorias da memória: lembrar, esquecer e comemorar. O historiador categoriza a memória em três sentidos. O primeiro é lembrar na acepção de chamar a memória, ou seja, a memória subjetiva, que está conectada a lembrança. O segundo é denominado lembrança provocada, isso significa que os documentos e monumentos nos trazem alguma lembrança. O terceiro tipo é o do termo comemoração, o lembrar que é de interesse individual e coletivo. Dentre os tipos de memória possíveis, existe um que é mais estudado pelos historiadores, a memória coletiva. O estudo histórico da memória coletiva começou a se desenvolver com a investigação oral. Esse tipo de memória tem algumas características bem específicas: primeiro, gira em torno quase sempre de lembranças do cotidiano do grupo, como enchentes, boas safras ou safras ruins, quase nunca fazendo referências a acontecimentos históricos valorizados pela historiografia, e tende a idealizar o passado. Em segundo lugar, a memória coletiva fundamenta a própria identidade do grupo ou comunidade, mas normalmente tende a se apegar a um acontecimento considerado fundador, simplificando todo o restante do passado. Por outro lado, ela também simplifica a noção de tempo, fazendo apenas grandes diferenciações entre o presente (“nossos dias”) e o passado (“antigamente”, por exemplo). Além disso, mais do que em datas, a memória coletiva se baseia em imagens e paisagens. O próprio esquecimento é também um aspecto relevante para a compreensão da TÓPICO 3 | A MEMÓRIA, O ESQUECIMENTO E O ANACRONISMO 31 memória de grupos
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