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EDSON ARTÊMIO DOS SANTOS
A CONTRIBUIÇÃO DE GIAMBATTISTA VICO PARA A HISTÓRIA CULTURAL
Canoas
2005
EDSON ARTÊMIO DOS SANTOS
8
A CONTRIBUIÇÃO DE GIAMBATTISTA VICO PARA A HISTÓRIA CULTURAL
Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura em História
Centro Universitário La Salle
Orientadora: Rejane Silva Penna
Canoas
2005
9
DEDICATÓRIA
A minha querida esposa Lilia pela 
paciência, abnegação e amor. 
Virtudes que já tens e que foram 
fortalecidas ainda mais durante este 
tempo de estudo.
Aos meus queridos filhos 
Guilherme, Juliane, Fernando, Rafaela 
e Edson por seus abraços e beijos a 
cada retorno.
10
AGRADECIMENTO
Agradeço a meus queridos pais 
Dorvalino e Eloiza por seu exemplo e 
direção em todos os momentos de 
minha vida.
Agradeço aos meus irmãos 
Giovana e Evandro por também 
acreditarem na Educação.
Agradeço a minha competente 
orientadora Rejane Silva Penna pela 
paciência e carinho com que sempre 
me acolheu, bem como por ter me 
despertado para as possibilidade 
ilimitadas de pensar a história.
11
“ Historiadores 
competentes não são 
aqueles que dão descrições 
12
gerais dos fatos e os 
explicam referindo-se às 
condições gerais, senão os 
que entram nos maiores 
detalhes e revelam a causa 
particular de cada 
acontecimento.”
Giambattista Vico
RESUMO
Este trabalho apresenta a contribuição do pensador italiano 
Giambattista Vico para a linha teórica conhecida como História Cultural.
Destacamos principalmente a sua visão da validade do conhecimento 
per causas como de suma importância para as ciências humanas e a 
valorização das fontes míticas para os estudos históricos.
Palavras-chave: Vico, História Cultural, Mito.
ABSTRACT
13
This work presents the contribution of the Italian thinker Giambattista 
Vico for the known theoretical line as Cultural History. We mainly detach 
its vision of the validity of the knowledge to per causes as of utmost 
importance for sciences human beings and the valuation of the mythical 
sources for the historical studies. 
Word-key: Vico, Cultural History, Myth.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................8
O PENSAMENTO DE GIAMBATTISTA VICO.................................11
PODEMOS CONHECER AQUILO QUE CRIAMOS.......................20
FONTES POÉTICAS E MÍTICAS.........................................................24
VICO E A HISTÓRIA CULTURAL.....................................................30
CONCLUSÃO............................................................................................
39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................42
14
OBRAS CONSULTADAS......................................................................44
 
INTRODUÇÃO
 
O presente estudo irá considerar a obra de Giambattista Vico como 
uma das fontes ainda não muito exploradas e que podem contribuir 
com uma melhor sustentação de pressupostos importantes para a 
História Cultural.
O contato com o pensamento de Giambattista Vico ocorreu durante 
os estudos na cadeira de Teoria da História I, no curso de graduação em 
História no Centro Universitário La Salle. A principio chamou-nos a 
atenção sua tese sobre o movimento cíclico da história das nações, 
estabelecendo uma explicação para o processo e sentido da história, a 
15
sua conhecida divisão da história das nações em idade dos deuses, 
idade dos heróis e idade dos homens.
Vico demonstra, resumindo, o avanço do homem de um modelo de 
conhecimento do mundo baseado nas divindades representadas pelo 
fenômenos naturais compreendidos como a manifestação da vontade 
divina, passando por um tempo dos grandes heróis ou entes 
aglutinadores de povos, que são nominados e tem suas peripécias 
contadas nos mitos chegando por fim no mundo controlado pela razão 
ou idade dos homens. Ele irá aplicar este esqueleto de sustentação 
teórico para explicar o desenvolvimento da linguagem, do aprendizado 
e em uma teoria do Estado.
Também percebemos que em muitos pontos Vico, de certa forma, 
antecipa pressupostos teóricos, que mais tarde, seriam afirmados pela 
História Cultural.
Isso nos incentivou a buscar relaciona-los, afim de introduzir o 
pensamento de Vico como referência para o desenvolvimento teórico 
desta linha de compreensão da história.
No capítulo um, apresentaremos uma síntese biográfica de 
Giambattista Vico, onde percorreremos o desenvolvimento de suas 
principais idéias, seu empenho na construção de uma ciência nova que 
explicaria o desenvolvimento das nações e culminando com a defesa 
de Vico da História como ciência capaz de compreender a realidade 
humana, tendo por base a sua tese do verum factum e a utilização de 
fontes culturais como estudos filológicos e análise dos mitos. Para isso 
utilizaremos autores, que aos nossos olhos, melhor perceberam o 
sentido de sua obra: Isaiah Berlin, Alfredo Bosi e Humberto Guido.
No capítulo dois, aprofundaremos o estudo sobre sua tese do verum 
factum, pois reconhecemos nela sua grande contribuição para os 
16
debates da valorização das ciências humanas e principalmente da 
História. Apresentaremos a crítica de Vico contra o método cartesiano, 
o desenvolvimento de sua teoria da História e introduziremos a 
importância que ele dará para fontes que mais tarde seriam 
redescobertas ou revisitadas pela História Cultural.
No capítulo três, traremos a baila a discussão sobre quais fontes são 
validas para o conhecimento histórico, assunto que ainda não foi 
esgotado no meio acadêmico, mostrando a importância dada hoje as 
fontes culturais, destacando que Vico reconhecia nos mitos antigos 
fontes que possibilitariam adentrar na mente dos homens que viveram 
no tempo sem escrita, e mostraremos a relação deste pressuposto de 
Vico com trabalhos semelhantes realizados hoje por autores vinculados 
a História Cultural. Buscaremos a contribuição de Jacques Le Goff, 
Robert Darnton e Carlo Ginzburg para o desenvolvimento destas idéias.
Por fim, no quarto capítulo, revisaremos o desenvolvimento da 
História Cultural, como uma linha teórica recente, ainda em fase de 
solidificação metodológica, tomando por base a compilação de estudos 
feitos pela norte-americana Lynn Hunt. Iremos transitar rapidamente 
por conceitos como representação e imaginário relacionando as 
definições de Sandra Jatahy Pesavento e Calude-Gilbert Dubois, 
especialista no estudo do imaginário da renascença. Neste ponto 
defenderemos a inclusão de Vico e sua principal obra a Ciência Nova 
como referência para o desenvolvimento teórico da História Cultural e 
rebateremos a crítica feita por Peter Burke, pondo em dúvida a validade 
da contribuição de Vico para as ciências humanas.
Utilizaremos como obra principal de nosso estudo a Ciência Nova de 
Vico que nos últimos meses podemos experimentar a tão falada aridez 
de seu texto, o que achamos ser, o principal motivo pelo qual ele ainda 
é pouco estudado. 
17
 Também sentimos a escassez de fontes em língua portuguesa e 
produções mais recentes sobre o pensamento de Vico, fazendo com 
que tivéssemos de trabalhar como verdadeiros garimpeiros na busca 
de bibliografias de qualidade. Superamos esta etapa com o grande 
auxílio do Professor Humberto Guido da UFU, ao nosso ver, o maior 
especialista brasileiro no estudo do pensamento de Vico, o qual 
mostrou-se sempre aberto a auxiliar-nos neste trabalho.
.
18
O PENSAMENTO DE GIAMBATISTA VICO
 Na primeira metade do século XVII, a Itália perdia Galileu Galilei (1564 
a 1642)e entrava em quase dois séculos de inexpressiva participação ou 
contribuição para a história do pensamento. Embora a filosofia de Renné 
Descartes (1596 a 1650), de John Locke (1632 a 1704) entre outros, 
penetrassem em solo italiano e fossem discutidos, nada que lembrasse o 
áureo período da Renascença surgiu. É justamente neste momento tão 
inexpressivo que surgiu, aquele que “no consenso da quase unanimidade 
dos historiadores, [foi] a maior figura da filosofia italiana: Giovanni Battista 
Vico.” (BOSI, 1988, p.96)
 No ano de 1724, Giambatista Vico escreve, convidado pelo Conde Gian 
Ártico di Porcía, a sua “autobiografia, ou Vita di Giambattista Vico scritta 
da se medessimo” (GUIDO, 2004, p.20). Nesta autobiografia di Porcía, 
visava registrar para a posteridade, “as etapas mais importantes de seu 
desenvolvimento intelectual” (BERLIN, 1982, p. 24).
19
Em sua autobiografia Vico nos informa: “O senhor Giambattista Vico 
nasceu em Nápoles, no ano de 1670, filho de honrados pais que deixaram 
muito boa fama de si”.(VICO apud BOSI, 1979, p. VI)
Na verdade Vico nasceu no dia 23 de julho de 1668, filho de um livreiro, 
em Nápoles, cidade onde viveu a maior parte de sua vida, excetuando-se 
o tempo em que passou na cidade vizinha de Vatolla in Cilento, como tutor 
dos filhos de Domenico Rocca, Marquês de Vatolla (BERLIN, 1982), entre 
os anos de 1686 e 1695(GUIDO, 2004).
De seus primeiros tempos nos bancos escolares de Nápoles, Vico 
registra uma queda violenta, acompanhada de uma fratura no crânio que 
levou o médico que lhe atendeu, a cogitar a possibilidade de sobreviver 
estúpido.(GUIDO, 2004) Além desta marca física que o acompanharia o 
resto da vida, Vico herdou de seu período escolar, onde predominava a 
escolástica, a forma de “escrever pedante e cansativa” (BERLIN, 1976, p. 
26), que torna árido e confuso o seu pensamento.
No ano de 1694 Vico concluiu o curso de Direito, e em 1699 deixa o 
cargo de preceptor e inicia a carreira de professor universitário lecionado 
retórica. Vico permanecerá neste cargo até encerrar sua carreira em 
1741(BERLIN, 1982).
Durante o tempo que reside e trabalha em Vatolla, Vico aproveita para 
aprofundar seus estudos. Lê, sobretudo, os clássicos, aproximando-se das 
obras de Platão e Tácito, seus autores antigos preferidos (GUIDO, 2004).
Após voltar a Nápoles além de ingressar na carreira universitária Vico 
irá participar da Academia Palatina aprofundando os estudos e as 
discussões sobre Platão, ao qual chama “divino Platão” (VICO apud BURKE, 
1997) e Tácito. 
 Nesta fase da vida de Vico ele se relacionará com eminentes 
estudiosos de sua cidade. Destas reuniões Vico entrará em contato com o 
20
seu terceiro autor importante Francis Bacon (GUIDO, 2004), dele Vico 
aceita o desafio de escrever “[...] uma história que torne sábios os 
homens[...] ” (VICO apud BURKE, 1997, p.37).
Já maduro Vico entrará em contato com seu quarto autor, Hugo 
Grótius, erudito holandês que escreve o tratado Direito de guerra e paz. 
Vico reconhece nesta obra a capacidade do autor de unificar o direito 
universal com a filosofia e filologia. Algo que ele também perseguirá em 
seus estudos posteriores.
Da simetria entre estes quatro autores Vico se lançaria na 
construção da obra de sua vida: a Ciência Nova. A primeira edição da 
Ciência Nova surgiu em 1725, porém seria continuamente reescrita por 
Vico. Em 1730 sairia a segunda edição e em 1744, a terceira edição 
póstuma.
A Ciência Nova é um grande aluvião, que por traz de seu estilo 
barroco e pedante, que segundo Guido (2004) forma escolhida por Vico 
propositadamente para oportunizar ao leitor a experiência de desvendar a 
forma das primeiras idéias nascidas no mundo. Guarda em seu interior, a 
espera de quem resolva pagar o preço, um encontro com idéias que 
abrangem a história, a psicologia, a linguagem, a antropologia e as 
ciências sociais.
Todo este processo de desenvolvimento intelectual ocorre na vida de 
Vico em meio a grande dificuldade, como destacado por Isaiah Berlin:
Toda a sua vida careceu daquilo que é mais caro para um sábio, 
calma e tranqüilidade. Era um sábio tímido, obsequioso e 
perseguido pela pobreza e ansiedade, que escreveu demais e 
depressa no meio da conversação dos seus amigos e da tagarelice 
e algazarra de seus filhos’, mas sabia ter feito uma grande 
descoberta, e ter aberto uma porta para um mundo do qual era o 
único dono, e esse pensamento, assim nos diz em sua 
autobiografia, tornava-o feliz e sereno.(1982, p. 25)
21
Como podemos perceber, Vico é um pensador que abarca dois 
séculos: sua formação acadêmica ocorreu no século XVII e sua produção 
foi apresentada na primeira metade do século XVIII. 
Mas qual era a grande descoberta de Giambattista Vico, um 
professor de retórica em Nápoles? Nenhum de seus contemporâneos, 
embora admirassem a erudição, percebeu nele a marca de um gênio 
(BERLIN, 1982).
Ao responder esta pergunta é necessário considerar a filosofia de 
René Descartes (1596-1650) nos estudos de Vico. É ponto passivo que 
Vico, como a maioria de seus contemporâneos, teve contato com a 
filosofia de Descartes, porém sua atitude em relação ao cartesianismo o 
levará a criticá-lo. E Vico fará isso como percebido por Isaiah Berlim, “no 
próprio campo em que ela se sentia mais forte e inexpugnável” (1982, 
p.28), justamente nos domínios da matemática e da geometria.
Vico rapidamente percebe que, baseado nas premissas cartesianas, 
as chamadas ciências humanas, seriam relegadas ao campo da distração 
ou da informação curiosa e não passavam de forma alguma no crivo 
matemático e, portanto, não seriam ciência.
A herança humanística de Vico não permitiu que ele aceitasse 
passivamente tal idéia. Mais quais os argumentos usados por Vico?
Todavia, os argumentos que ele utilizou contra Descartes 
não foram teológicos, retóricos nem subjetivos (...) ele manteve 
que a validade de todo o verdadeiro conhecimento, inclusive o da 
matemática ou da lógica, somente pode ser demonstrada através 
da compreensão da forma em que é adquirido, isto é, da sua 
genética ou desenvolvimento histórico.(BERLIM, 1982, p. 27-28)
22
Vico estava convencido que embora todo o brilhantismo da 
observação cartesiana, este era superado pelo conhecimento adquirido da 
nossa própria experiência como participantes ou autores, com isso a 
prática da observação da natureza defendida no método cartesiano, 
limitada ao que podemos ver do exterior era inferior a esta que poderia 
adentrar no interior do objeto, isto é, o conhecimento das causas. Esta 
idéia, segundo Isaiah Berlim(1982), não era uma novidade, pois ela 
aparecia amiúde na filosofia escolástica, que como vimos é uma das bases 
intelectuais de Vico.
Para Vico a matemática e a geometria, bases do cartesianismo, são 
verdadeiras somente por que nós as criamos, porém a aplicação delas 
como parâmetros para obter o conhecimento do mundo natural é 
extremamente limitado, pois não somos os criadores do mundo natural. 
Daí a famosa fórmula de Vico: verum ipsum factum, vero et factum 
convertur, ou seja, o verdadeiro e o feito são convertíveis. Até então 
ninguém havia declarado que o conhecimento humano não é apenas 
demonstrativo como a matemática ou obtido somente pelos sentidos ou a 
diferença em se saber o que é parecer, e saber o que é ser. Desta forma 
deixa de constituir o único método de obtenção do conhecimento 
verdadeiro.
Segundo Bosi (1979), esta idéia consistiu no ponto de partida para 
Vico eleger a história como o campo do conhecimento humanoonde pode 
de forma plena aplicar seu método, por ser o produto da vontade do 
homem ou como afirma Berlim sobre atenção dada por Vico a história: “A 
história é a rainha de todos os estudos dedicados à realidade e ao 
conhecimento do que existe no mundo”.(1982, p.40) E ainda 
complementa Lucchesi, tradutor para a língua portuguesa da Ciência 
Nova, prefaciando a obra:
23
O homem conhece a história. Pode figurá-la internamente. 
Definir a parte e o todo. Imaginar-lhe as formas. Intuir o primórdio 
da sociedade humana. A história como lugar em que a ciência e a 
cons-ciência radicalmente se entrelaçam, supera o programa 
cartesiano, pois unifica o verum e o certum, conforme o método 
viquiano, cujo edifício repousa nas colunas da filologia e da 
filosofia. (Prefácio da Ciência Nova, p.16, 1999).
Com isso em mente Vico irá dedicar o restante de seus dias na 
confecção de sua obra máxima a Ciência Nova ou como Vico a chamou 
Princípios de uma ciência nova acerca da natureza comum das nações. 
Nesta obra, Vico buscaria reconstruir o mundo dos homens primitivos ou 
como ele mesmo afirmou:
Mas, em tal densa noite de trevas onde está encoberta a 
primeira de nós longínqua antiguidade, sobrevém este lume 
eterno, que jamais se põe, desta verdade, que não se pode 
absolutamente pôr em dúvida: que este mundo civil foi certamente 
feito pelos homens, cujos princípios podem, porque devem, ser 
descoberto dentro das modificações de nossa própria mente 
humana.(1999, p. 131)
Vico reconhecia que tal empreitada não seria fácil. Teria de “usar de 
muito esforço e fadiga” (1999, p.132) para buscar dentro de nossa mente 
humana os princípios que levariam a compreensão dos antigos.
No desenvolvimento de sua obra, Vico estabelece os três primeiros 
princípios comuns a todos os povos, apresentados da seguinte forma:
Observamos todas as nações bárbaras e humanas, ainda 
que, por imensos intervalos de espaço e tempos, entre si 
distanciadas, guardarem esses três humanos costumes: todas 
possuem alguma religião, todas contraem matrimônios solenes, 
todas sepultam seus mortos; mesmo dentre as nações mais rudes 
e selvagens, as mais requintadas cerimônias e mais consagradas 
solenidades residem nas religiões, matrimônios e sepulturas.(1999, 
p.132).
24
Percebe-se que estes três costumes comuns ao ente humano 
assinalam para o caráter fortemente cultural, de toda a análise de Vico 
sobre a origem das nações.
Vico além de identificar estes três princípios unívocos da 
humanidade, também estabelecerá as suas três idades ou tempos: “a 
idade dos deuses, a idade dos heróis e a idade dos homens” (1999, p. 
102). E em cada um destas idades Vico vinculará uma determinada língua: 
“hieroglífica, ou sagrada, a simbólica ou epistolar e a vulgar”.(1999, 
p.102)
Estes três princípios levarão Vico a buscar demonstrar “as 
modificações da mente humana” (1999, p.131) e para isso ele usou 
principalmente a linguagem, em todas as sua formas, ou seja, falada, 
escrita, por meio de símbolos, poesia, mitos e fábulas.
Considerando tais premissas podemos entender a importância dos 
estudos históricos em detrimento dos estudos sobre a natureza (BERLIM, 
1972). Na história, ou relato dos feitos dos homens no espaço e no tempo, 
é produção da mente humana é, portanto, passível de ser apreendido e 
entendido. 
Vico não deixa claro como podemos então conhecer a mente 
humana em cada fase, porém percebe-se que a linguagem tem grande 
importância neste processo.
As formas de linguagem para Vico acompanham o desenvolvimento 
da história do homem e como afirma Bosi:
[...] elas não se constituem em um meio artificial, inventado 
deliberadamente para expressão de idéias pré-existentes; pelo 
25
contrário, ela desenvolve-se naturalmente, e o curso de seu 
desenvolvimento é inseparável do curso do espírito humano.(1979, 
p. xviii)
Com isso Vico elege os estudos filológicos como de grande 
significado para a compreensão do desenvolvimento do ser humano, como 
afirmado por ele próprio na “Idéias da Obra” de sua Ciência Nova:
Além disso, acena-se, que nesta obra, com uma nova arte 
crítica, até agora inexistente, inicia-se a procura da verdade sobre 
os autores das nações (nas quais devem decorrer mais de mil anos 
para poderem chegar os escritores com os quais a crítica até agora 
se ocupou), motivo pelo qual a filosofia se opõe a examinar a 
filologia (ou seja, a doutrina de todas as coisas que dependem do 
humano arbítrio, como são todas as histórias das línguas, dos 
costumes e dos fatos da paz, da guerra e dos povos), a qual, por 
sua deplorável obscuridade de razões e quase infinita variedade de 
efeitos, sentiu [a filosofia] como que um horror em meditá-la; e só 
a reduz em forma de ciência, ao descobrir nela os delineamentos 
de uma história ideal eterna, na qual percorrem no tempo a 
história de todas as nações: de modo que, por este outro principal 
aspecto, vem esta Ciência a ser uma filosofia da autoridade. (1999, 
p. 32-33)
Mas como fazer isso nos chamados tempos obscuros ou selváticos 
de Vico (1999, p. 31)? Sobre isso Vico nos fala:
Por isso, e em virtude de outros princípios de uma mitologia 
aqui revelados, e que seguem os outros princípios de poesia aqui 
apresentados, demonstra-se que as fábulas foram verdadeiras e 
próprias histórias dos costumes das antiqüíssimas gentes da 
Grécia, assim como, primordialmente, aquelas dos deuses foram 
histórias dos tempos em que os homens da mais rude humanidade 
gentílica julgaram todas as coisas necessárias ou úteis ao gênero 
humano como divindades; de cuja poesia foram autores os 
primeiros povos, que se constatam terem sido todos poetas 
teólogos, os quais narram indubitavelmente terem fundado as 
nações gentílicas com as fábulas dos deuses.(1999, p.32-33).
26
Vico apresenta como fontes para este período obscuro os relatos 
mitológicos, as fábulas e as tradições. Isaiah Berlim interpreta da seguinte 
forma esta possibilidade:
A chave encontra-se na experiência passada da raça humana, 
que desde as suas origens mais remotas, pode ser lida nas suas 
mitologias, suas linguagens e suas instituições sociais e religiosas: 
pode ser percebida nas evidências ainda existentes das formas de 
vida mais antigas, que podem ser observadas nos velhos 
monumentos e nos relatos dos hábitos e instituição dos povos 
primitivos, como também na sobrevivência ocasional – ativa ou 
fossilizada – entre as gentes simples ou atrasadas, e 
especialmente na poesia, nos rituais mágicos e nas estruturas 
legais das sociedades primitivas. A suposição deste processo ser 
inteligível implica no estabelecimento da ordem no caos aparente – 
um fio de Ariadne que não só nos ajude a sair do labirinto, mas que 
também nos explique suas complexidades. (1972, p. 45-46).
Portanto para Vico as fontes mitológicas ou poéticas trazem a nós 
parte importante do processo de desenvolvimento da mentalidade do 
homem e de seus feitos. A etimologia das palavras, usadas em um 
determinado tempo, podem estar carregadas de sentido para a 
compreensão histórica do homem. Vico exercitou esta técnica em sua “Da 
Antiguíssima Sabedoria dos Italianos” onde por meio de uma análise 
etimológica de certas palavras ele busca remontar a sua utilização em um 
determinado contexto histórico. 
Em suma, para Vico a cultura com toda a sua riqueza torna-se 
campo extremamente fértil para o conhecimento histórico. Por ocasião de 
seus discursos inaugurais, no período de 1699 e 1707, Vico por várias 
vezes irá afirmar quepara que o homem possa alcançar o seu 
autoconhecimento deve estudar todas as áreas do saber tanto no 
presente como no passado (HUGHES-WARRINGTON, 2002). 
Após analisarmos de forma sintética o desenvolvimento intelectual 
de G. Vico, estaremos focalizando nos próximos capítulos, dois aspectos 
27
que consideramos relevantes para a seara da História Cultural: a tese do 
verum factum e a valorização das fontes míticas. 
28
PODEMOS CONHECER AQUILO QUE CRIAMOS
Conforme afirmamos no capítulo anterior deste estudo, 
reconhecemos que a proposição de Vico que o verdadeiro e o feito são 
convertíveis ou que aquilo que criamos pode ser conhecido, 
epistemologicamente falando, como uma de suas maiores 
contribuições para as ciências chamadas humanas. Principalmente para 
o conhecimento histórico, conhecimento este que para Vico melhor 
demonstra este conceito pois o objeto de seu estudo são produção 
humana pura.
 Vico defendia que “[...] este mundo civil foi certamente feito pelos 
homens, cujos princípios podem, porque devem, ser descoberto dentro 
das modificações de nossa própria mente humana”.(1999, p. 131).
Está valorização do conhecimento das coisas humanas 
representaram uma posição contrária aos parâmetros vigentes da 
obtenção do conhecimento pela prova matemática, conceito defendido 
pelo método cartesiano. Vico empreenderá uma crítica a tal método.
Para Descartes o que não pudesse ser avaliado pelo crivo 
matemático não poderia ser considerado ciência ou como bem 
percebido por Berlim, “o verdadeiro progresso intelectual depende 
29
claramente, como o têm demonstrado as ciências naturais, de reduzir a 
matéria a ser estudada a conceitos e julgamentos claros e distintos, ou 
seja, matematicamente exprimíveis.” (1976, p. 28) Com isso a 
pretensão dos historiadores de obter um conhecimento da verdade dos 
fatos ocorridos no tempo passado pode ser considerado como algo 
quimérico ou como afirma Descartes, obter quando muito “um 
conhecimento semelhante a empregada doméstica de Cícero”. 
(DESCARTES apud BERLIM, P.28)
A partir de 1708, Vico iniciará a sua “batalha” em favor da validade 
do conhecimento das coisas humanas. Cabe registrar neste ponto, que 
defendemos que Vico não pretenderá derrubar o “edifício” do 
conhecimento criado pelo método moderno, como também concordam 
Bosi e Guido, mas sim criticar a pretensão deste método como a única 
forma de conhecimento capaz de produzir a verdade.
Vico defende a existências de certezas humanas fundamentais que 
não podem ser demonstradas pelo método cartesiano porém são 
evidentes. Diversos produtos do homem no âmbito cultural e histórico 
não são baseadas na matemática e em seu verdadeiro ou falso mas 
sim no verossímil ou no certo.
Vico intenta na verdade realizar uma reforma neste edifício, edifício 
este que muitas vezes questionado não sofre nenhuma reforma 
estrutural mas apenas ornamental como dito por Vico, nesta analogia 
do edifício:
Portanto, os físicos modernos se parecem com aqueles que 
tendo herdado casas, que quanto a magnificência e a comodidade 
não deixam nada a desejar, tanto que eles não têm outra coisa a 
fazer do que mudar de lugar o suntuoso mobiliário, ou introduzir, 
com pouco esforço, pequenos ornamentos para adaptá-lo à moda 
do tempo (VICO apud GUIDO, 2004, p.32)
30
Guido (2004) entende que esta atitude de Vico em relação ao 
cartesianismo não deve ser considerada como um conservadorismo ou 
como um adversário da ciência, mas sim devemos considerar a sua 
forte formação humanística onde este irá aceitar a existência de duas 
ciências: a ciência divina e a ciência humana. 
Vico herdeiro do tomismo e do pensamento agostiniano defende que 
“só pode ser conhecido aquilo que o próprio sujeito cognoscente faz, 
cria ou produz.” (BOSI, 1974, p. XIII) ou como ele mesmo afirma: 
A bem refletir sobre tal fato, causa estranheza [verificar] como 
todos os filósofos estudaram o modo de obter a ciência deste 
mundo natural, do qual, pois que Deus o fez, somente ele tem 
ciência; e deixaram de meditar este mundo das nações, ou seja, o 
mundo civil, do qual, pois que o fizeram os homens, podiam obter 
sua ciência do homem. (1999, p. 132)
A ciência divina pode dar conta da natureza pois Deus é seu criador. 
O próprio homem neste caso como criação de Deus não pode chegar a 
uma ciência de si próprio mas sim uma consciência do próprio ser.
Vico irá reconhecer que o conhecimento obtido pelo método 
cartesiano, através da matemática é completamente válido, porém o 
motivo disso é justamente por que a matemática com a geometria é 
obra do homem (BERLIM, 1976, p. 29). Sendo obra do homem e 
promovendo uma razão de base abstrata ela própria demonstra a 
veracidade da tese de Vico.
Quando a Vico apresenta a clássica afirmação: “[...] este mundo civil 
foi certamente feito pelos homens, cujos princípios podem, porque 
devem, ser descoberto dentro das modificações de nossa própria 
mente humana”.(1999, p. 131), ele está remetendo a outra afirmação 
de 1710, que diz: “o objeto verdadeiro deve a sua existência também a 
mente que o conhece” (VICO apud GUIDO, 2004, p. 35), considerando 
31
que o homem não é o criador da natureza a intenção de obter-se um 
conhecimento baseado em pressupostos criador pelo homem, levaria a 
um conhecimento superficial, na verdade uma representação. Luchessi 
aponta o seguinte:
A certeza viquiana reside no fato de que a história é obra 
dos homens, de que segue a natureza humana. E o mundo pode 
ser vasculhado pela mente. Desde os seus primórdios. Que a 
Providência desempenha um papel não resta dúvida. Mas é um 
papel de coadjuvante. O homem conhece a história. Pode figurá-la 
internamente. Definir a parte e o todo. Imaginar-lhe as 
formas.Intuir os primórdios da sociedade humana. A história como 
lugar em que a ciência e cons-ciência radicalmente se entrelaçam, 
supera o programa cartesiano, pois unifica o verum e o factum e o 
certum, conforme o método viquiano, cujo edifício repousa nas 
colunas da filologia e da filosofia.(Prefácio da Ciência Nova, p. 15 e 
16)
A fim de demonstrar a validade de sua tese Vico irá tomar como seu 
objeto principal de pesquisa a investigação do mundo cultural, obra 
exclusiva da vontade humana, e cujas origens Vico acredita poder 
encontrar nas modificações da mente humana.
O desenvolvimento desta idéia levará Vico a desenvolver uma teoria 
da história, ciência que para Vico melhor pode atender esta questão 
por lidar com os feitos dos homens. Vico fará isso usando três fontes, 
que segundo ele, são incorruptíveis: a linguagem, a mitologia e a 
arqueologia. Fontes culturais por excelência.
Robert Darton vê na escolha destes tipos de fontes o 
desenvolvimento de uma “[...] História de tendência etnográfica” 
(1986, p. XIII), uma história que “[...] estuda a maneira como as 
pessoas comuns entendiam o mundo” (1986, p. XIIV), enfim a 
valorização dos produtos culturais humanos, que estão em toda parte 
aguardando que lancemos boas perguntas à eles.
32
FONTES POÉTICAS E MÍTICAS
Que fontes são válidas para o conhecimento histórico? A resposta a 
esta questão tem sido constantemente ampliada, sim dizemos 
ampliada, pois as fontes históricas tem sofrido uma constante evolução 
33
que vai acompanhando o desenvolvimento técnico e cultural do ente 
humano. Suas fontes não tem sido suprimidas ou descartadas mas sim 
revisitadas com novos olhares, novas perguntas e sob uma 
compreensão de que delas podemos obter mais.
 Jacques Le Goff(2003) destaca que nofinal do século XIX a fonte 
documental marcará a sua supremacia como fonte histórica 
indiscutível. A prova objetiva do modo positivista de obtenção e 
valorização do conhecimento e do real. 
Fustel de Coulanges afirmará: “O melhor historiador é aquele que se 
mantém o mais próximo possível dos textos.” (apud LE GOFF, 2003, p. 
527) Le Goff, destaca que neste termo o documento deve ser 
compreendido essencialmente como texto. A prova escrita. 
Samaran também concordará com está visão no prefácio da obra 
L’histoire et sés méthodes: “Não há história sem documentos.” (apud 
LE GOFF, 2003, p. 529) E ainda: “Pois, se dos fatos históricos não foram 
registrados documentos, ou gravados ou escritos, aqueles fatos 
perderam-se.” (apud LE GOFF, 2003, p. 530)
Porém no final do século XIX, o processo de ampliação do conceito 
de fontes históricas inicia-se. O próprio Fustel de Coulanges, em 1862, 
em uma aula na Universidade de Estrasburgo viria a afirmar:
Quando os monumentos escritos faltam à história, ela deve 
pedir às línguas mortas os seus segredos e, através das suas 
formas e palavras, adivinhar os pensamentos dos homens que as 
falaram. A história deve perscrutar as fábulas, os mitos, os sonhos 
da imaginação, todas estas velhas falsidades sob as quais ela deve 
descobrir alguma coisa de muito real, as crenças humanas. Onde o 
homem passou e deixou alguma marca da sua vida e inteligência, 
aí está a história.( apud LE GOFF, 2003, p. 107)
34
Esta ampliação da visão sobre as fontes é de certa forma antecipada 
por Vico. Ao lermos a “Ciência Nova”, começamos a perceber a 
importância dada por ele as fontes poéticas e míticas, que se 
enquadram hoje, dentro das perspectivas da História Cultural, 
destacando estes materiais como representações do imaginário e 
explicação da conduta dos homens nos tempos antigos. No tempo das 
“densas trevas”, dos bestiones de Vico, no tempo sem a escrita.
Vico tomará a linguagem como chave da sua Ciência Nova, ou a 
ciência que estudará e dará conta dos feitos humanos: “Esse será outro 
grande trabalho desta Ciência: o de reconhecer as razões do 
verdadeiro, que, com o correr dos tempos e com o modificar-se das 
línguas e dos costumes, chegaram até nós [razões] revestidas de 
falsidade.” (1999, p.96) Semelhante a Coulanges Vico reconheceria que 
estas fontes oriundas da memória e da linguagem, míticas e fabulosas 
precisam ser penetradas e limpas de suas falsidades. Nelas Vico 
intentava descobrir a intenção e a mente dos antigos.
Vico defenderá a tese de que o historiador-filólogo poderá, ao olhar 
para tal fonte, obter um conhecimento da forma de pensar e viver 
daquele povo. Isso demandará um esforço imaginativo explicado por 
Vico na analogia entre o olho humano e o espelho:
O qual extravagante efeito proveio daquela miséria que 
advertimos nas Dignidades, da mente humana, a qual, imersa e 
sepultada no corpo, é naturalmente inclinada a sentir as coisas do 
corpo e deve usar de muito esforço e fadiga para entender a si 
mesma, como o olho corporal que vê todos os objetos fora de si e 
tem do espelho necessidade para ver a si mesmo. (1999, p. 132)
Mais o que seria o “espelho” que a mente poderia usar para ver a si 
mesma? Entendemos que considerando que Vico reconhecia que o 
único conhecimento válido era o per causas o homem pode chegar ao 
conhecimento das mentes antigas por tudo o que ele cria e produz. Em 
35
nosso estudo, valorizaremos sobretudo a sua produção cultural. Este 
será o espelho que o historiador poderá olhar e enxergar a mente dos 
antigos. Citamos novamente aqui Berlim, que entendemos sintetiza 
muito bem esta idéia:
A chave encontra-se na experiência passada da raça humana, 
que desde as suas origens mais remotas, pode ser lida nas suas 
mitologias, suas linguagens e suas instituições sociais e religiosas: 
pode ser percebida nas evidências ainda existentes das formas de 
vida mais antigas, que podem ser observadas nos velhos 
monumentos e nos relatos dos hábitos e instituição dos povos 
primitivos, como também na sobrevivência ocasional – ativa ou 
fossilizada – entre as gentes simples ou atrasadas, e 
especialmente na poesia, nos rituais mágicos e nas estruturas 
legais das sociedades primitivas. A suposição deste processo ser 
inteligível implica no estabelecimento da ordem no caos aparente – 
um fio de Ariadne que não só nos ajude a sair do labirinto, mas que 
também nos explique suas complexidades.(1972, p. 45-46).
Pelas tradições, fábulas e mitos que o homem vem contando e 
restabelecendo constantemente, Vico considerava possível penetrar na 
[...] “densa noite de trevas onde está encoberta a primeira de nós 
longínqua antiguidade [...]” (1999, p. 131). Isso se dá dentro da História 
Cultural pelo enquadramento da forma de expressão mitológica dos 
antigos dentro do conceito de representação. 
Entendemos que o mito, dentro das sociedades antigas 
estudadas por Vico, é o meio ou melhor, é uma forma de linguagem 
capaz de comunicar o real. Como bem destacado por Bosi:
Para Vico, o papel especialmente importante da linguagem 
reside no fato de que os termos empregados pelo homem, em sua 
grande maioria, incluindo os teóricos e abstratos, acham-se 
profundamente enraizados em remotas formas de vida e de 
experiência. Assim, estudando-se etimologicamente a derivação 
das palavras, iluminam-se não só as condições ambientais de 
gerações anteriores, mas também os efeitos mais característicos 
dessas condições; o discurso e o pensamento ligam-se 
intimamente.(1988, p.102).
36
Isahia Berlim expande esta idéia no pensamento de Vico, com o seu 
conceito de linguagem poética quando afirma:
Que espécies de palavras têm sido utilizadas pelos seres 
humanos para expressar suas relações com o mundo, com eles 
entre si, e com os seus próprios passados? Vico fala do que ele 
chama de matriz poético da mente, ou seja, da linguagem poética 
da lei poética, moral poética. Lógica poética e assim por diante. Por 
poético ele quer dizer o que, de acordo com os alemães, nós 
tendemos a atribuir ao povo ou à gente, isto é , os modos de 
expressão usados pela massa do povo, ainda não sofisticados, dos 
primeiros anos da raça humana, e não pelas crianças daquela 
época antiga – fossem eles homens de letras, sábios ou 
peritos.(1976, p.59)
Esta ligação entre o discurso e o pensamento realiza a guarda da 
memória destes grupos e desafia o historiador a buscar desvendar os 
sentidos nela contidos. De certa forma esta é a proposta defendida pela 
História Cultural, segundo Pesavento:
Em termos gerais, pode-se dizer que a proposta da História 
Cultural seria, decifrar a realidade do passado por meio das suas 
representações, tentando chegar àquela formas, discursivas 
imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e o 
mundo. Torna-se claro que este é um processo complexo, pois o 
historiador vai tentar a leitura dos códigos de um outro tempo, que 
podem se mostrar, por vezes, incompreensíveis para ele, dados os 
filtros que o passado interpõe. Este seria, contudo, o grande 
desafio para a História Cultural, que implica chegar até um reduto 
de sensibilidades e de investimento de construção do real que não 
são os seus do presente. A rigor, o historiador lida com uma 
temporalidade escoada, com o não-visto, o não-vivido, que só se 
torna possível acessar através de registros e sinais do passado que 
chegam até ele.(2004, p. 42)
Vico reconhece que este retorno ao passado em busca das 
sensibilidades ou como ele afirma das mentes obscuras exigirá esforçoimaginativo como ele afirma: 
[...] para voltar a si, à guisa de tal primeiro pensamento 
humano nascido no mundo, da gentilidade, encontramos ásperas 
dificuldades que nos custaram a pesquisa de vinte anos, e tivemos 
que descer destas nossas humanas civilizadas naturezas àquelas 
realmente selvagens e imanes, as quais nos é negado imaginar e 
37
somente com grande pena nos é permitido compreender (VICO, 
1999, p. 135)
 Vemos nisso, o surgimento do “hitoriador etnográfico ” de Robert 
Darnton. Um historiador que irá trabalhar com a produção cultural do 
homem, buscando descobrir a sua cosmologia que [...] em vez de tirara 
conclusões lógicas, pensam com coisas, ou com qualquer material que sua 
cultura lhes ponha à disposição, como histórias ou cerimônias”. (1986, 
p.XIV)
Vico exercita a análise dos mitos em vários de seus textos. Na 
Ciência Nova, talvez o mais conhecido é sua interpretação do mito do 
Minotauro. Transcrevo abaixo sua análise:
Esses devem ter sido o touro com o qual Júpiter rapta 
Europa, o minotauro ou touro de Minos, com o qual rapta os jovens 
e as jovens das costas da Ática e os habitantes das cidades [...] De 
modo que Teseu deve ser um caráter de jovens atenienses, os 
quais, pela lei da força feita por Minos, são devorador pelo touro ou 
pelo navio corso; ao qual Ariadne(a arte marinheira) ensina com fio 
(da navegação) a sair do labirinto de Dédalo (que, antes pelo 
grande número de ilhas que banha e circunda), o qual, tendo 
apreendido a arte (pelos cretenses), abandona Ariadne e volta para 
Fedra, sua irmã (ou seja uma arte semelhante), e assim mata o 
minotauro e liberta Atenas da talha cruel imposta por Minos 
(tornando-se corsários os atenienses). (1999, p. 286 e 287)
Desprendemos da analise de Vico do mito do Minotauro, que não 
basta uma apenas usar a imaginação quando diante de uma fonte mítica. 
Vico como já destacamos neste estudo, era um humanista versado nas 
principais obras e tratados dos pensadores e historiadores gregos. 
Vinculado o seu conhecimento das obras clássicas gregas e uma 
compreensão do que ele chamava mente poética ele interpreta este mito 
como sendo o desenvolvimento do conhecimento de navegação, 
aprendido junto aos cretenses mediante seus contatos resultantes das 
investidas predatórias destes na condição de piratas.
38
Entendemos que Vico, usando as palavras de Darnton, quando 
descreve a prática do historiador da cultura, vai [...] passando do texto ao 
contexto e voltando ao primeiro, ate abrir caminho através de um universo 
mental estranho”.(1986, p. XVII)
De fato Darnton(1986), fará isso com extrema maestria em seu livro 
O Grande Massacres de Gatos, onde não trabalhando com mitos mas com 
histórias e contos infantis, comuns no antigo regime apresenta todo um 
contexto social e vincula este ao de histórias como O Pequeno Polegar, O 
Gato de Botas e a Bela Adormecida, histórias que segundo ele não só 
divertiam mas eram boas para pensar.
39
VICO E A HISTÓRIA CULTURAL
A crise de paradigmas existente desde o início do século XX com 
as ciências naturais e que no pós-guerra atinge também as ciências 
chamadas humanas alcançará nos anos 70 a História, desestabilizando 
as duas maiores linhas teóricas de então: o marxismo e a corrente dos 
Annales.(PESAVENTO, 2004)
Um mundo pós Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria e derrocada do 
modelo sócio-econômico socialista do leste europeu trouxe diante dos 
estudiosos da história uma realidade cada vez mais complexa.
Como lidar com a diversidades de interesses existente em um 
mundo cada vez menor e cheio tribos urbanas, novas relações de 
trabalho diante da afirmação do “dubito ergo sun” da pós-
modernidade?
A História Cultural ou a “Nova” História Cultural, conforme Lynn Hunt 
(2001) a nomeou, surge dentro desta crise paradigmática da história, 
porém, não como uma vertente ou linha completamente inédita e 
independente das duas linhas teóricas mencionadas acima. Ela surge 
justamente dentro destas, guiado por um espírito de renovação. 
Sendo assim a Nova História Cultural “busca uma nova forma da 
história trabalhar a cultura”, como diz Pesavento (2004, p.15).
Isso se dá, pela linha marxista, com os trabalhos de Edward P. 
Thompson sobre a classe operária inglesa. Ele chama a atenção que 
dentro dos parâmetros marxistas como a classe social, encontram-se 
pequenas alterações de hábitos, atitudes, palavras, ações, que ao 
longo do tempo vão construindo uma cultura de classe ou como ele 
40
chama: consciência de classe (HUNT, 2001). Além de Thompson, 
Régine Robin (HUNT, 2001) com seus estudos sobre a linguagem e 
história, Georges Rude (PESAVENTO, 2004) com seus estudos sobre os 
comportamentos coletivos das classes sociais, entre outros, passam “a 
explorar, assim, os chamados silêncios de Marx, nos domínios do 
político, dos ritos, das crenças, dos hábitos.” (PESAVENTO, 2004, p. 29)
Já na linha da escola dos Annales, a história cultural surgirá dos 
desdobramentos das questões levantadas com a chamada mentalités 
ou história das mentalidades. Uma história dedicada “a investigação 
histórica do papel dos “cantinhos” da vida, da inserção dos homens no 
quotidiano e também do caráter multiforme e polivalente que recobre 
uma “fatia”da história, escapando aos pesquisadores especializados 
num só campo.” (DUBOIS, 1995, p.11) 
Historiadores da quarta geração dos Analles , como Revel e 
Chartier não irão concordar com a limitação das mentalités ao 
chamado terceiro nível de experiência histórica: “Para eles, o terceiro 
nível não é de modo algum um nível, mas um determinante básico da 
realidade histórica.” (HUNT, 2001, p. 9)
Autores como Robert Darnton tecerão críticas à história das 
mentalidades, que em sua opinião começa a perder-se dentro de uma 
enxurrada de temas sem que se consiga de forma concisa delimitar o 
seu campo de estudo.(HUNT, 2001).
Dentro deste processo de questionamento das mentalidades e da 
expansão da história social inicia-se a busca pelos conceitos e 
princípios que encaminharão para o desenvolvimento da História 
Cultural
Roger Chartier e Jacques Revel defenderão a tese de que as 
representações da realidade são componentes da realidade social e 
41
que as relações culturais são anteriores as relações econômicas e 
sociais (HUNT, 2001). A História Cultural gradativamente irá tomando 
espaço na preferência dos estudiosos da História.
Uma coisa a destacar em relação a história cultural é sua relação 
fortemente multidisciplinar com o objeto. A aproximação do historiador 
com a sociologia, antropologia, lingüística, psicanálise entre outros 
conhecimentos, enriqueceram as possibilidades de abordagens do real. 
Robert Darnton, como já citamos neste estudo, vê esta recente 
História Cultural como uma história etnográfica que transcende a 
história do pensamento ou intelectual que tentam desvendar ou 
mostrar o caminho de uma doutrina ou linha de pensamento mas 
antes: “estuda a maneira como as pessoas comuns entendiam o 
mundo. Tenta descobrir sua cosmologia, mostrar como organizavam a 
realidade em suas mentes e a expressavam em seu 
comportamento”.(1986, p. XIV)
Com a História Cultural pretende-se realizar uma leitura da cultura, 
fazer uma hermenêutica das formas cifradas da explicação da realidade 
por meio dos fenômenos engendrados e apresentados pela cultura.
Dois conceitos fundamentais desta nova prática de trabalho 
carecem de ser mencionados, a representação e o imaginário.
Por representação entendemos que:
[...] são matrizesgeradoras de condutas e práticas sociais, 
dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do 
real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das 
representações que constroem sobre a realidade. (PESAVENTO, 
2004, p. 39).
42
Considerando tal conceito, verifica-se que o trabalho do historiador 
cultural será decifrar estas representações da realidade do passado 
chegando a conhecer como estas foram construídas e então obter o 
sentido ou visões que grupos ou indivíduos davam ao seu mundo 
dentro de um recorte de tempo. Isso pode ser obtido através de um 
relato de um massacre de gatos por empregados de uma 
tipografia(DARNTON, 1986) ou pelos autos do processo inquisitório de 
um moleiro italiano (GINZBURG, 1987). 
Com o desenvolvimento e aplicação do conceito de representação 
entre os historiadores surge outro conceito fundamental para este tipo 
de história, o conceito de imaginário, definido por Pesavento como 
(2004, p. 43) “um sistema de idéias e imagens de representação 
coletiva que homens, em todas as épocas, construíram para si, dando 
sentido ao mundo”. Dubois, estudioso do imaginário da Renascença 
demarca, de certo modo suas fontes, da seguinte forma:
Limitamo-nos, portanto, a propor uma definição e a indicar as 
manifestações de um imaginário definido a partir de corpus 
documentário constituído por monumentos lingüísticos, icônicos, 
musicais; de crenças e comportamentos induzidos dos 
documentos. Chamaremos de “imaginário” o resultado visível de 
uma energia psíquica formalizada individual e coletivamente. 
(1995, p. 21)
Como bem indicado por Pesavento, “o imaginário é histórico” (2004, 
p.43), é criado pelo homem e acena de muitas formas para mostrar o 
sentido do seu mundo. Ele é captado pelo ser humano através de todos 
os seus sentidos. As palavras, sons, cores, discursos, imagens, poesia, 
mitos e etc. são capazes de explicar e ensinar ou multiplicar idéias e 
conceitos, hierarquias e divisões de classes, valores e identidades. Ele 
liga a realidade e sentido na psique humana.
43
Ao chegarmos neste ponto, faz-se necessário ligarmos esta breve 
introdução à história cultural, ao tema deste trabalho qual seja, o que 
Vico pode contribuir para esta recente área do conhecimento histórico?
 
Entendemos que Giambattista Vico pode ser considerado como uma 
fonte importante, onde o pesquisador ou estudante da história pode 
encontrar o início do desenvolvimento destes pré-supostos importantes 
para a História Cultural.
Ousamos entender que Vico inaugura esta possibilidade dentro dos 
estudos históricos, primeiro pela sua escolha da História como ciência 
capaz de efetivamente proporcionar a possibilidade de compreender o 
processo de construção histórica e segundo, pela valorização de fontes 
culturais. Pesavento na sua arqueologia da História Cultural, no 
segundo capítulo de seu livro, registra que Michelet, situado no período 
Romântico, como um dos “pais fundadores” (2004, p. 19), porém 
Michelet reconhecia em Vico o seu mestre (BOSI, 1979) ou como ele 
mesmo afirmou: “Eu nasci de Vico” (MICHELET apud BURKE, 1997, 
p.17), portanto, julgamos que Vico mais que Michelet, pode ser 
considerado como uns dos primeiros estudiosos a valer-se de fontes 
culturais.
 Reconhecemos, ainda, Vico como antecessor de uma série de 
conceitos e perspectivas que hoje são usadas no ferramental do 
pesquisador da história cultural, entre elas destacamos: (1) a crença de 
Vico na história como verdadeira ciência capaz de obter o 
conhecimento do real por ser produzida pelo próprio homem ou o seu 
verum factum ou seja o homem pode conhecer somente aquilo que 
cria, (2)valorização de fontes de cunho poético e mítico que por meio 
da abordagem do imaginário podem fornecer informações verossímeis 
sobre os homens antigo, vinculando-se a História Cultural.
44
Antes, porém, de avançarmos, precisamos registrar que esta visão 
da obra de Giambattista Vico, ser vanguardista em muitos aspectos, 
não é uma unanimidade. 
Para o historiador Peter Burke, Vico tem sido superestimado ou 
“exagerado” e responsabiliza alguns de seus comentadores como 
Michelet e Croce como criadores de um “mito de Vico” (BURKE, 1997, 
p.13). Segundo ele Vico foi envolvido pelo mito do “precursor” ou o 
pastor pregando no deserto que será ouvido somente por gerações 
futuras.
Ele discorda que Vico seja considerado um pensador ancestral de 
uma série de conceitos multidisciplinares, entende que Vico era um 
estudioso de vanguarda considerando alguns “insigths” de gênio, 
porém afirma que seus escritos devem ser considerados mais como 
literatura do que como tratado científico(BURKE, 1997). Afirma ainda 
que seus principais seguidores trataram de seus conceitos e fórmulas 
de forma anacrônica, o tiraram de seu contexto napolitano e o 
colocaram de forma universal. 
Ele critica ainda a falta de unidade de síntese entre seus vários 
leitores. Para Burke seus leitores como Croce, Michelet, etc. utilizaram-
se dos conceitos de Vico como um espelho para refletir suas próprias 
idéias, isto é, as idéia que estes atribuíam a Vico na verdade haviam 
sido elaboradas por eles antes de seu encontro com a obra de Vico. 
Burke afirma que seus comentadores (especificamente Michelet e 
Croce, analisados por ele em seu livro) não conseguiram captar uma 
visão de todo da obra de Vico e sim somente de forma muito particular.
O avanço dos estudos sobre Vico possibilitou hoje, fazer uma análise 
bem mais exata de sua obra. Segundo Humberto Guido (2004), a 
imagem de um Vico ao estilo de um João Batista ermitão e fechado em 
45
seu mundo e que embora clame a sua nova doutrina não é percebido 
por ninguém decorre da visão extremamente idealista que 
tradicionalmente foi passada por Croce, seu intérprete mais estudado 
no meio acadêmico.
Ao contrário dessa visão, Guido (2004) afirma que o estereótipo de 
um Vico esquecido, que tanto contribui para esta imagem de ermitão, 
não se sustenta. Vico era um cidadão ativo em sua cidade. Como ele 
mesmo destaca:
“A participação de Vico em diversas academias e salões 
literários, além da vida universitária, fazem deste homem um 
cidadão ativo em sua sociedade, conhecido e muito requisitado 
para diversos encargos sociais, tais como: orações fúnebres, 
discursos laudatórios para núpcias da casais nobres, recepções de 
autoridades reais e religiosas, entre tantos outros trabalhos 
literários que lhe eram encomendados. Portanto, Vico não foi um 
personagem menor da sua cidade, só foi notável porque viveu o 
seu tempo.”(2004, p.12)
Quanto a opiniões divergentes da obra de Vico, mesmo entre seus 
principais comentadores e divulgadores o que faz com que uma síntese 
geral da Ciência Nova, ao que parece, não seja formulada, temos de 
considerar que, e neste ponto concordar com Burke, que [1] grande 
parte desta dificuldade não foi criada por Vico, mas sim pelos seus 
principais interlocutores e [2] o estilo literário usado por Vico. Mas isso 
de modo algum pode colocar a obra de Vico na condição de “literatura” 
como deseja Burke (1997, p.20).
Isaiah Berlim, comentando sobre o que ele chamou de “desserviço” 
prestado a Vico por muitos de seus divulgadores, considera 
“compreensível que isso ocorra no caso de um pensador tão fecundo 
[...] (1976, p.22), porém vê nisso não algo pejorativo e sim: “O fato de 
que em mentes muito diferentes encontrem na opinião de outrem a 
46
reflexão da sua, constitui um atributo da profundeza intelectual” (1976, 
p.22).
Retirar Vico e a gênese da formação de seus pensamentos do 
contextocultural de uma Nápoles do século XVII é um pecado de 
anacronismo, porém considerar a extensão de suas idéias e as 
possibilidades destas moldarem ou basearem grandes linhas teóricas 
no futuro como exagero de cronistas nos coloca diante de uma miopia 
intelectual. O próprio Burke reconhece que: “A Ciência Nova é um livro 
tão repletos de idéias que quase explode pelas costuras (1997, p. 45).
Como bem colocado por Berlim: “O direito de Vico à originalidade 
pode submeter-se a escrutínio, de qualquer ponto de vista vantajoso, 
sem o mínimo receio” (1976, p.21). Para Guido esta ambigüidade 
(alguns acham um gênio e outros um escritor confuso) do pensamento 
de Vico no meio acadêmico grande parte “resulta do conhecimento 
sumário que manuais de história da filosofia atestam sobre a vida e 
obra de Vico” (2004, p.48). Se continuarmos com um estudo superficial 
poderemos colocar a obra de Vico no rol da literatura.
Outro ponto a considerar é a barreira da linguagem usada por Vico. 
Isaiah Berlim ciente desta dificuldade comenta:
Vico tende a ser barroco, indisciplinado e confuso, e o século 
XVIII, que chegou perto de adotar o ponto de vista de que não 
dizer as coisas claramente equivale a não dizer nada em absoluto, 
o sepultou em um túmulo do qual nem mesmo seus devotados 
comentaristas italianos têm conseguido levantá-lo completamente. 
(1976, p. 21)
Vico ficou os últimos 20 anos de sua vida revisando e aprimorando 
sua obra prima. Segundo Guido, Vico realizará um “esforço incansável 
[com o] propósito de encontrar a expressão literária adequada ao 
conteúdo da obra.” (2004, p.13)
47
Vico escreverá em estilo barroco, truncado a fim de prover ao leitor 
uma experiência prática com a forma de pensar dos primeiros homens. 
Isso por si só dificulta, caso não for percebido, a compreensão clara da 
obra de Vico.
Há de se considerar que Vico, diferente da maioria dos estudiosos de 
sua época, em vez de dedicar-se aos estudos das leis da natureza, 
optou por adentrar na compressão das coisas humanas, voltou-se para 
os tempos obscuros, intentou penetrar nas mentes dos primeiros 
homens. Ao fazer isso Vico afasta-se da linha do estudo natural e da 
área da abstração pura.
Isso levará Vico a permear de forma multidisciplinar vários campos 
do conhecimento, não limitando sua obra a apenas uma linha de 
estudo ou pensamento. A maior prova disso é a diversidade de 
interesses de seus pesquisadores. Max Horkheimer reconhecia em Vico:
[...] o primeiro verdadeiro filósofo da história da época moderna 
[...] e também um psicólogo e um sociólogo de grande categoria. 
Além disso, foi um renovador da filosofia, fundador da filosofia da 
arte, e possuiu uma intuição para os grandes contextos culturais 
com poucos haviam tido em sua época, mas também nos séculos 
posteriores. (apud GUIDO, 2004, p. 14-15)
Vemos nisso a marca do educador. Vico dedicou toda a sua vida a 
atividade docente. Seu desejo por tornar a experiência do leitor mais 
viva é demonstrada nas primeiras linhas da Idéia da Obra, na Ciência 
Nova, quando fala a respeito da Tábua das coisas civis e da Explicação 
do desenho proposto no frontispício que serve de introdução à obra: 
“que sirva ao leitor para conceber a idéia desta obra antes mesmo de a 
ler, e para conservá-la mais facilmente na memória, depois de a ter 
lido, fazendo uso do recurso que lhe subministra a fantasia.” (1999, p. 
29)
48
Não era intenção de Vico obscurecer o sentido de sua obra, mas 
fazer com que a prática da descoberta de seu significado aproximasse 
o leitor do seu objeto de forma muito mais ampla. Afinal Vico acreditava 
que tudo o que o homem cria pode conhecer e entender.
CONCLUSÃO
49
Nos propomos no presente estudo identificar a contribuição do 
pensamento de Giambattista Vico para a História cultural. Usamos, 
para tanto, os recursos oferecidos pela sua principal obra A Ciência 
Nova, bem como de alguns de seus mais conhecidos comentadores, 
reconhecendo nela a obra basilar de todo o seu método e 
desenvolvimento epistemológico.
No primeiro capítulo deste estudo destacamos o caráter humanístico 
de seu pensamento e reconhecemos na sua obra A Ciência Nova seu 
intento de valorização do conhecimento histórico.
No capítulo dois, analisamos a crítica de Vico ao cartesianismo como 
único do método capaz de aferir a verdade em todas as áreas do 
conhecimento. Esta verdade cartesiana deixaria de lado o resultado 
das práticas humanas e valorizariam o conhecimento da natureza.
Julgamos que Vico fará isso através da valorização do conhecimento 
per causas ou que a possibilidade de conhecer a verdade das coisas 
humanas é mais viável e garantida do que o conhecimento das coisas 
da natureza, considerando que o homem não é seu criador. Como 
destacamos no segundo capítulo, a história seria a ciência que melhor 
aproximaria o homem do verum e do certum, pois trabalha com a 
produção humana da realidade.
No terceiro capítulo, dentro da vastidão da produção humana, 
entendemos que Vico se debruçará, sobre as de cunho cultural. 
Enfatizando sobretudo a linguagem em suas mais variadas formas 
como capaz de servir de “fio de Ariadne” na compreensão da forma de 
ver e entender o mundo dos antigos. Vico entende que o “historiador-
filólogo” será capaz penetrar na mente dos antigos considerando que 
este é fruto dessa evolução.
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Vico destacará o valor das fontes míticas neste processo de 
desvelamento do passado obscuro, que se apresentam como 
monumentos arqueológicos propícios a aplicação de um bem dosado, 
esforço imaginativo relacionado a contextualização histórica. Vemos 
nisso, conforme explicitado no terceiro capítulo deste estudo, a 
antecipação, por parte de Vico, do debate e validação das fontes 
míticas para o conhecimento histórico, e a importância disso para a 
História Cultural.
Por fim buscamos realizar uma síntese sobre os principais conceitos 
da História Cultural e consideramos aspectos do pensamento e obra de 
Vico destacando: [1] a crença de Vico na história como verdadeira 
ciência capaz de obter o conhecimento do real por ser produzida pelo 
próprio homem ou o seu verum factum ou seja o homem pode 
conhecer somente aquilo que cria, reconhecendo nisso a valorização de 
toda a produção humana como fonte histórica, [2] neste sentido a 
importância de revisitarmos fontes de cunho poético e mítico que por 
meio da abordagem do imaginário podem fornecer informações 
verossímeis sobre os homens antigo, e [3] a inclusão da obra de 
Giambattista Vico no quadro de obras de referência para o 
desenvolvimento teórico da História Cultural.
 
A Ciência Nova , foi traduzida e editada no Brasil somente em 1999, 
mais de dois séculos depois de sua publicação, muito ainda está para 
ser estudado e “garimpado” neste trabalho fenomenal. Vemos que Vico 
ainda pode contribuir muito para estudos sobre sua teoria do processo 
histórico ou os ciclos viquianos, também suas idéias sobre os mitos 
gregos e romanos podem nos levar a uma melhor valorização e leitura 
de fontes culturais, principalmente relacionando com representação e 
imaginário. 
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