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Direito Administrativo - ADI nº 70006499776 Empresa Bageense de Transporte e Circulação

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VDG
Nº 70006499776
2003/Cível
ADIN. Lei nº 3.761/2001, do município de Bagé, que dispõe sobre a criação da “Empresa Bageense de Transporte e Circulação” – EBTC - e autoriza o Executivo municipal a constituí-la e organizá-la, prevendo a obrigaç	ão de as empresas concessionárias do serviço de transporte coletivo recolherem, em favor daquela, até 3% do total da sua receita tarifária, bem como recursos para a operação e fiscalização do sistema municipal. Legitimidade ativa da proponente. Delegação do exercício da fiscalização e imposição de sanções por empresas públicas municipais. Legalidade. Constituição da República que não veda a delegação do poder de polícia a entidades de administração indireta, com natureza jurídica privada, desde que regulada por lei. Modalidade contemporânea da atuação do Poder Público. Exibe-se, todavia, inconstitucional o art. 31 da citada lei, que obriga as concessionárias do serviço de transporte coletivo do Município a recolherem, mensalmente, em favor daquela empresa, a importância de até 3% do total da sua receita tarifária. Determinação dessa ordem fere o art. 145, II, combinado com seu § 2º (que exigem sejam os serviços relativos às taxas divisíveis, para cobrança quantificada de seus usuários, não podendo estas, via de conseqüência, ter base de cálculo própria de impostos, no caso, do ISS,) bem como o art. 150, II, (que, por força do princípio da isonomia, veda seja dispensado tratamento tributário desigual entre todos os fiscalizados), ambos da CF/88 e aplicáveis aos municípios por força dos art. 8º, e 140 da Carta Estadual. Ação julgada parcialmente procedente. 
	Ação Direta de Inconstitucionalidade
	Tribunal Pleno
	Nº 70006499776
	Porto Alegre
	FEDERAÇÃO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DO ESTADO DO RS
	REQUERENTE
	MUNICÍPIO DE BAGÉ
	REQUERIDO
	CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE BAGÉ
	REQUERIDA
	EXMO. SR. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO 
	INTERESSADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos. 
Acordam os Desembargadores integrantes do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar de ilegitimidade de parte argüida pelo Ministério Público, assim como julgaram procedente em parte a ação, declarando a inconstitucionalidade do artigo 31 da Lei Nº 3.761/01, do Município de Bagé, tudo nos termos do voto do Relator.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Osvaldo Stefanello (Presidente), Des. Cacildo de Andrade Xavier, Des. Alfredo Guilherme Englert, Des. Antonio Carlos Netto Mangabeira, Des. José Eugênio Tedesco, Des. Antonio Carlos Stangler Pereira, Des. Paulo Augusto Monte Lopes, Des. Ranolfo Vieira, Des. Vladimir Giacomuzzi, Des. Araken de Assis, Des. Paulo Moacir Aguiar Vieira, Desa. Maria Berenice Dias, Des. Danúbio Edon Franco, Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, Des. João Carlos Branco Cardoso, Des. Roque Miguel Fank, Des. Leo Lima, Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha, Des. Arno Werlang, Des. Wellington Pacheco Barros, Des. Alfredo Foerster, Des. Sylvio Baptista Neto e Des. Jaime Piterman.
Porto Alegre, 27 de dezembro de 2004.
DES. VASCO DELLA GIUSTINA,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Vasco Della Giustina (RELATOR) - A FEDERAÇÃO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL ingressou com ADIN, e nesta com pedido de liminar, alegando a inconstitucionalidade do artigo 7º, inciso V, do 8º ao 12 e do 31 da Lei Municipal de Bagé nº 3.761/01. 
Narrou que os referidos dispositivos ofendem aos artigos 9º, 13 e 140 da Constituição Estadual. Ademais, a criação de Empresa Pública de Transporte e Circulação, com personalidade jurídica de direito privado, somente pode decorrer de lei específica, e não de dispositivo inserido em lei de natureza geral, afrontando os artigos 8º e 22 da Carta Estadual e 98, XVII da Lei Orgânica Municipal de Bagé. 
A liminar foi indeferida. Tendo a proponente recorrido, via Agravo Regimental, ali foi deferida a liminar, suspendendo-se os efeitos do artigo 31 da lei municipal, em sede de agravo regimental.
O Município de Bagé não prestou informações, assim como não foram prestadas informações pela Câmara Municipal de Bagé. A Procuradoria-Geral do Estado não se manifestou.
O parecer da Procuradoria-Geral de Justiça foi pela parcial procedência da ação direta de inconstitucionalidade, apenas para que seja expungido do mundo jurídico o artigo 31 da Lei Municipal 3.761/01. Quanto aos demais artigos impugnados, opinou ser julgada prejudicada a ação, pela ilegitimidade ativa da proponente. Se superada a preliminar, manifesta-se pela improcedência da ação quanto aos demais dispositivos legais impugnados.
É o relatório.
VOTO
Des. Vasco Della Giustina (RELATOR) – Eminentes Colegas.
Em síntese, a “FEDERAÇÃO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL” propôs ADIN visando à declaração da inconstitucionalidade dos arts. 7º, e incisos, artigos 8º ao 12, e art. 31 da Lei Municipal nº 3761/01, lei esta que dispõe sobre o sistema de transporte e circulação no município de Bagé, adequando-o ao Código de Trânsito Brasileiro e legislação federal.
O artigo 7º, V, vem assim redigido:
“Integram o Sistema Municipal de Transporte Público e de Circulação - SMTPC - do Município de Bagé:
‘...A empresa Bageense de Transporte e Circulação –EBTC, órgão de operação, controle e fiscalização do Sistema de Transporte Público e de Circulação – STPC, –em especial a fiscalização do trânsito e a gestão da Câmara de Compensação Tarifária- CCT do serviço de transporte coletivo.’”
Os artigos 8 a 12, em síntese, autorizam o Executivo a constituir e organizar uma empresa pública- EBCT -, com atribuições para operação, controle e fiscalização do transporte público de pessoas, podendo os servidores municipais serem cedidos à mesma.
Já o art. 31 estatui que “as empresas concessionárias prestadoras do serviço de transporte coletivo deverão recolher, mensalmente, em favor da Empresa Bageense de Transporte e Circulação –EBTC- o equivalente a até 3%(três por cento) do total da receita tarifária, cujos recursos serão utilizados para a operação e fiscalização do Sistema Municipal de Transporte Público e de Circulação –SMTPC”.
Entende o Ministério Público, preliminarmente, em seu douto parecer, que a proponente não tem legitimidade para buscar a invalidação dos citados dispositivos legais, à exceção do art. 31, por inexistência de pertinência temática específica, com os objetivos da proponente. 
Vênia permissa, afasto a prefacial, porque entendo que não obstante a lei se voltar para toda e qualquer controle e fiscalização de trânsito e do transporte de pessoas, nela por decorrência, se subsume com parcela generosa, a dos transportes coletivos rodoviários, com inegável vínculo objetivo de pertinência entre o conteúdo material das normas impugnadas e os interesses e objetivos da proponente, entre os quais se sobressai o de “amparar e defender os interesses gerais da classe transportadora e representar esta classe perante os poderes públicos”, estando pois vinculada à ação que ajuizou. (art. 2º, II do Estatuto).
“De meritis”, rechaço a argüição de invalidade dos dispositivos legais constantes dos artigos 7º, V e 8º ao 12, da citada lei municipal, que criam e organizam a EBTC, nos precisos termos do bem lançado parecer ministerial, “verbis”:
“ A Questão da Delegação:
“A temática concernente aos artigos 11 (finalidade da empresa pública cuja criação foi autorizada) e 9° (possibilidade de prestação de serviços de outra natureza) tem a ver, em última análise, com a mesma tese da inicial: a indelegabilidade dos misteres exclusivos da 	Administração Direta, da atividade pública primária.
“Entende-se que a presente ação não prospera, neste passo.
“A doutrina tradicional, isso é inegável, sempre entendeu que o poder de polícia, por constituir atividade típica de Estado, não poderia ser exercidopor particulares.
“Nesse sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto preleciona:
‘Em regra, cabe ao próprio Estado, em seus desdobramentos políticos e administrativos, executar as atividades de Administração Pública. Tão volumosa e diversíficada é, porém, esta tarefa demandada de um Estado contemporâneo, que passou a ser comum a transferência a entidades privadas dos encargos de execução, mediante instrumentos jurídicos de delegação.
‘A doutrina considera que certas atividades são, todavia, indelegáveis: as denominadas atividades jurídicas do Estado, que lhe são próprias e impostas como condição necessária de sua existência. As demais delegáveis são as chamadas atividades sociais ou impróprias que são cometidas ao Estado na medida em que ao legislador pareçam úteis à sociedade, embora não sejam fundamentais a sua preservação. No campo do poder de polícia, só há atividades próprias (em ‘Curso de Direito Administrativo’, Forense, 1996, p. 86).
“Com a Lei nº 9.503/97, que criou o novo Código Brasileiro de Trânsito, o assunto voltou à tona, em vista da delegação, em alguns municípios, do exercício da fiscalização e da imposição de sanções a pessoas jurídicas de direito privado. Em Porto Alegre, criou-se a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), com atribuição de fiscalização do trânsito no âmbito local.
“O debate empolgou a doutrina, que se debruçou sobre a matéria não poucas vezes. Diógenes Gasparini, por exemplo, sustenta que "o exercício do poder de polícia de trânsito pelos Municípios terá de ser feito por seus órgãos ou por suas entidades, na forma de fundações ou autarquias, todos pessoas jurídicas de direíto público, submetidas aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dentre outros (em ‘Novo Código de Trânsito: Os municípios e o policiamento’, publicado em Revista de Direito Administrativo n.o 212, p. 184). Em seguida, conclui incisivamente:
‘Claro está que permitir à administração indireta, às sociedades anônimas, às pessoas jurídicas de díreito privado, enfim, aos particulares, ainda que parcialmente, utilizarem-se do poder de polícia de trânsito, que é poder de império do Estado, cuja sanção é unilateral, externa e interventiva, para aplicar e arrecadar multas que reverterão em lucros ou dividendos a esses mesmos particulares, não pode ser legal e jamais será considerado honesto, moral e ético. Pelo contrário, tratar-se-á de autêntica aberração contra a qual a Sociedade precisa ficar alerta, tendo em vista que interessados nesse abuso não faltam.’ (op. cit., p. 185).
“Na mesma linha, Luciano Martins Mattos de Souza preleciona que será permitida ‘a delegação a entidades componentes da administração indireta, desde que tenham personalidade jurídica de direito público e criadas para tal fim’ (em ‘Da impossibilidade de delegação das atividades de trânsito a particulares’, publicado em Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 98, p. 193).
“No entanto, apesar desses respeitáveis posicionamentos, não parece que a Constituição Federal tenha, em algum momento, vedado a delegação do exercício do poder de polícia. A exigência é que tal atividade seja regulada por lei, até mesmo por força do disposto no art. 5°, II, da Constituição Federal, mas, uma vez existente ato normativo com origem parlamentar, nada impede que a entidades da administração indireta seja atribuída competência para tal atividade.
“O entendimento diverso parece levar a conseqüências extremadas o mero reconhecimento da existência de atividades típicas de Estado, sem que se preste atenção a modalidades contemporâneas de atuação do Poder Público, em que até mesmo a cooperação com a sociedade civil organizada e a iniciativa privada vem sendo desenvolvida. Se assim é, com mais razão se haverá de acolher a possibilidade de entidades privadas, mas criadas pelo Estado, atuarem em atividades primárias deste.
“José dos Santos Carvalho Filho, por exemplo, não vislumbra nenhum problema na delegação do exercício de poder de polícia a entidades da administração indireta com natureza jurídica privada, desde que seja feita ‘por lei formal’ (em ‘Manual de Direito Administrativo’, Lumen Juris, 1999, p. 52).
“No mesmo sentido, parecer foi emitido por Eugênio Noronha Lopes (publicado em revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro 39/281).
“José Afonso da Silva, analisando a situação da Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A (EMPLASA), entidade paraestatal que exercia poder de polícia ambiental, conclui que ‘nada impede que, mediante lei especial, se outorgue à Empresa competência nessa matéria diretamente ou por decreto devida e especificamente autorizado naquela lei’ (parecer publicado em Revista de Direito Administrativo 132/241). Cuida o autor da evolução que o conceito de poder de polícia vem tendo, principalmente com o incremento da ação intervencionista estatal. Aponta também inúmeras entidades paraestatais que, no Brasil, já vinham exercendo tal atividade, por delegação, sem qualquer questionamento (EMBRATUR, BNH, ECT...).
“Também Hely Lopes Meirelles tratou da questão da delegação de poder de polícia ambiental, no caso, à Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental, sociedade por ações criada pelo Estado de São Paulo. Conclui o renomado autor que, sendo a delegação vertida em lei, nada impede o exercício de poder de polícia por entidade paraestatal (em ‘Estudos e Pareceres de Direito Público’, v. VI, Malheiros, 1982, p. 261/277).
“Celso Antônio Bandeira de Mello chega, inclusive, a sustentar a possibilidade de que ‘certos atos materiais que precedem atos jurídicos de polícia’ sejam praticados por particulares em decorrência de simples contratos de prestação, como ocorre na fiscalização de normas de trânsito mediante equipamentos fotossensensores pertencentes a empresas privadas não estatais (em ‘Curso de Direito Administrativo’, Malheiros, 2002, p. 714).
“Vê-se, assim, que a questão é tormentosa. Contudo, é de reconhecer-se a primazia do Poder Legislativo na concretização da Constituição.
“Com efeito, a Constituição, vazada, na maioria das vezes, através de princípios, é caracteristicamente aberta, já que não apresenta sentidos ‘congelados’ que impeçam a atuação conformadora do Poder Legislativo. “Desde que preservados, no plano material, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e o significado mínimo de base dos enunciados normativos, há que ser respeitada a deliberação parlamentar.
“Nesse sentido, a precisa lição de Hans Peter Schneider:
‘Sólo cuando una disposición de los poderes públicos infringe la Constitución 'a primera vista', 'de modo recognoscible para todo hombre', 'abiertamente', 'inequivocamente', 'sin duda', es declarada anticonstitucional. En todos los demás casos, los órganos controlados pueden apelar a la presunción de 'corrección funcional' a su favor.’ (em ‘Democracia y Constitución’, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 204)
“Não parece que a Lei Fundamental brasileira contenha dispositivo que ampare a pretensão da proponente, o representante, mesmo que indiretamente. Havendo lei tratando da delegação, e sendo o surgimento da EBTC autorizado, pela via legislativa, pelo próprio Município, que é quem cria a empresa em última análise, não se vislumbra risco aos princípios da moralidade e da impessoalidade, nem afetação de atividades típicas de Estado.
“Convém sublinhar que a situação analisada nos presentes autos é diversa daquela apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, relativamente ao art. 2°, § 1°, da Leí Estadual n.o 10.847/96 do Rio Grande do Sul, em que se entendeu que a delegação da execução de poder de polícia de trânsito a particulares seria inconstitucional (ADlN n.o 1.666/RS, reI. Min. Carlos Velloso, medida liminar julgada em 16.06.98). Aqui, além de lei formal reguladora, há a participação de entidade estatal, criada, portanto, pelo Poder Público, o que assegura isenção no exercício da atividade. 
“A Natureza da Lei Autorizadora.
“Visto isso,merece especial apreciação o argumento de que a EBTC, por vício formal legislativo, tem a autorização de criação eivada de inconstitucionalidade. “Aliás, a vingar essa tese, os próprios artigos 9° e 11 ficarão prejudicados.
“A Constituição Federal estabelece no artigo 37:
‘XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação.’
“Desse modo, apenas a área de atuação das fundações assim instituídas depende de lei complementar.
“Já a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul trata o tema desse modo:
‘Art. 22 - Dependem de lei específica, mediante aprovação por maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa:
‘I- Criação, extinção, fusão, incorporação ou cisão de qualquer entidade da administração indireta;’
“Nota-se, aqui, indistintamente, a exigência do quórum correspondente ao de lei complementar, previsto no parágrafo único do artigo 59 da Carta Estadual.
“À primeira vista, esse contexto pode conduzir à conclusão de que pela expressão lei específica pretendeu o constituinte destacar o diploma legislativo produzido com o fim único e exclusivo de criação da empresa pública ou de outro ente da Administração Indireta. Essa conclusão, s.m.j., não pode prevalecer de modo assim tão drástico.
“Entende-se que o sentido prático daqueles dispositivos não é o de criar ao legislador infraconstitucional entraves e formalismos capazes de invalidar sua produção. Visam, isto sim, a impedir que um ente de tão especial relevância para a Administração possa ter seu nascedouro autorizado em disposição inserta secundariamente em lei mais geral, cujo foco principal (o da nova lei) esteja a suscitar discussões sobre questões sem pertinência temática com aquele dispositivo. Não é o que se observa no caso presente.
“Segundo se verifica, o artigo 8° da Lei n. 3.761/2001 do Município de Bagé guarda estreita relação com a matéria de cujo contexto faz parte. Aliás, não apenas de que faz parte, mas de que se sobressai como ponto primordial. Vale dizer, vem como aspecto sobranceiro dentre as disposições do novo diploma legislativo, que se volvem exatamente a regular a sistemática pela qual o Município de Bagé conforma-se ao novo Código Brasileiro de Trânsito.
“Em suma, mostra-se de tal modo evidente a vinculação entre o objetivo contextual da Lei n. 3.761/2001 e a de seu artigo 8°, em particular, que, mesmo não se tendo um diploma destinado exclusivamente à autorização da criação da empresa pública em relevo, tem-se uma lei específica acerca do tema de que a EBTC vem como corolário mais evidente. Ou seja, os demais dispositivos viabilizam-se exatamente pelo que contêm os artigos 8°, 9° e 11 da nova lei municipal.
“Por outro lado, ainda que se considere imponível ao Município, quanto à natureza da fórmula legal correspondente à espécie, a exigência mais rigorosa que a Constituição Estadual contém com relação à Constituição Federal, a inicial não informa que tenha ocorrido. na aprovação da lei, a insuficiência do quorum ou de votos a garantir o pressuposto do artigo 22 da Carta local. A questão, pois, acaba girando em torno do nomen juris da lei em discussão, ‘lei complementar’ - se é que de lei complementar se trata a norma municipal de quórum diferenciado -, e não do aspecto que efetivamente a deve diferenciar quanto ao processo legislativo: a manifestação de vontade mais marcante dos edis, ou seja, a da maioria absoluta destes.
“Interessantes, neste passo, as considerações tecidas por Alexandre de Moraes em sua obra denominada Direito Constitucional, na qual procura imprimir, tanto quanto possível, um caráter de ordem prática ao contexto constitucional brasileiro. Ele aponta a seguinte diferenciação - que entende decisiva - entre a Lei Complementar e a Lei Ordinária em geral:
‘São duas as diferenças entre lei complementar e lei ordinária. A primeira é material. uma vez aue somente poderá ser obieto de lei complementar a matéria taxativamente prevista na Constituição Federal, enquanto todas as demais deverão ser objeto de lei ordinária. 1 Assim, a Constituição Federal reserva determinadas matérias cuja regulamentação, obrigatoriamente, será realizada por meio de lei complementar. A segunda é formal e diz respeito ao processo legislativo, na fase de votação. Enquanto o quorum para a aprovação da lei ordinária é de maioria simples (art. 47), o quorum para aprovação da lei complementar é de maioria absoluta (art. 69), ou seja, o primeiro número inteiro subseqüente à divisão dos membros da Casa Legislativa por dois. Note-se que, nas votações por maioria absoluta, não devemos nos fixar no número de presentes, mas sim no total dos integrantes da Casa Legislativa.’ (Direito Constitucional, Editora Atlas, nona edição, 2001, pgs. 532/533. O sublinhado não consta no texto original)
“Quanto ao processo legislativo em si, aplicável à lei complementar, conclui aquele doutrinador:
‘O procedimento de elaboração da lei complementar segue o modelo padrão do processo legislativo ordinário. com a única diferença em relação à sub-fase de votação, pois como já salientado, o quorum será de maioria absoluta.’ (op.cit. pg. 533. O sublinhado não consta no texto original).
“Assim, pois, desde que seja pertinente à lei complementar a matéria regulamentada, ou seja, que se trate de matéria que demande a edição de lei dessa natureza; e uma vez observado o quorum próprio concernente à espécie legislativa (maioria absoluta dos componentes da Casa Legislativa), desimporta o nomem juris que se lhe venha a dar. O novo diploma legal estará assegurando o primado do artigo 69 da Constituição Federal, secundado pelo parágrafo único do artigo 59 da Carta Estadual.”(fls. 172V a 175V)
Por tais fundamentos, entendo que não paira qualquer eiva de invalidade relativamente aos dispositivos legais antes enunciados.
Já relativamente à ofensa ao art. 31 da Lei municipal de n} 3761/01, razão assiste à proponente, conforme já reconhecido, por este conspícuo Pretório, quando do julgamento do agravo regimental, ferido em data de 17.11.03 e motivado por indeferimento do pedido de liminar.
Naquela decisão este Tribunal assim se manifestou:
“Relativamente ao dispositivo legal contestado, impõe-se a prévia análise da natureza jurídica da arrecadação pecuniária por ele criada.
Assim dispõe o citado artigo:
‘Art. 31. As empresas concessionárias prestadoras de serviços de transporte coletivo deverão recolher, mensalmente, em favor da Empresa Bageense de Transporte e Circulação - EBTC, o equivalente a até 3% (três por cento) do total da receita tarifária, cujos recursos serão utilizados para a operação e fiscalização do Sistema Municipal de Transporte Público e de Circulação - SMTPC.’
“Simples análise desse dispositivo revela que a arrecadação por ele instituída em favor da Empresa Bageense de Transporte e Circulação - EBTC é uma prestação pecuniária compulsória permanente ou continuada, cujos recursos devem ser por ela utilizados ¨para a operação e fiscalização do Sistema Municipal de Transporte Público e de Circulação – SMTPC¨. Trata-se, portanto, ou de ¨tributo¨ ou de ¨paratributo¨ (contribuição parafiscal), figuras entre si assemelhadas em razão da sua compulsoriedade, mas com características próprias: enquanto aquele (o tributo) é legalmente instituído em favor do próprio ente tributante, este (o paratributo) é instituído em favor de um ente de cooperação por ele criado.
“Contudo, segundo expressa disposição do art. 149 da CF/88, na redação que possuía à data da edição da lei em análise (setembro de 2001), aos Municípios somente era facultado instituir paratributos (contribuições parafiscais) para o custeio de seus sistemas de previdência e de assistência social, vedada a sua criação para qualquer outro fim. Assim, para quem entender que a referida arrecadação foi instituída em favor da Empresa Bageense de Transporte e Circulação - EBTC, tendo esta como sua credora,e não em favor do próprio Município, há de se tê-la como destituída de suporte ou autorização constitucional. Mas, para quem entender ter ela sido instituída em favor do próprio Município, tendo este como seu credor, estar-se-á diante de um tributo.
“Sendo ¨tributo¨ a arrecadação em causa, há de se questionar, contudo, se sua natureza jurídica é a de ¨imposto¨ ou de ¨taxa¨, aquele contraprestacionando serviços públicos inespecíficos (genéricos) e indivisíveis (em relação aos seus usuários, para efeitos de cobrança), prestados, portanto, ¨uti universi¨, ou seja, a todos as pessoas, e, esta (a taxa), contraprestacionando serviços públicos específicos (desde logo identificados e relacionados com seus usuários) e divisíveis (podendo ser medidos, dimensionados ou quantificados em relação aos seus usuários, para efeitos de cobrança), prestados, portanto, ¨uti singuli¨, ou seja, a determinadas pessoas, tal como ensina o Des. Roque Joaquim Volkweiss (in ‘Direito Tributário Nacional’ , Livraria do Advogado, Porto Alegre, RS, 2003, 3ª edição, p. 48).
“Ora, como ¨imposto¨ não é possível receber a referida arrecadação, até porque não se acha ele previsto no rol dos que integram a competência definida em favor dos Municípios (art. 156 da CF/88). Resta, assim, seu enquadramento como ¨taxa¨ e, como tal, deve ser ela analisada para efeitos da pretendida inconstitucionalidade, exigindo-se, para tanto, duplo enfoque:
‘a)	o da possibilidade da sua incidência sobre o valor da receita tarifária (base de cálculo) das empresas concessionárias de serviços de transporte coletivo do Município; e
‘b)	o da alegada violação desse dispositivo ao princípio da isonomia, pelo fato de ter ele escolhido, como contribuintes, somente as empresas concessionárias de serviços de transporte coletivo municipal, com preterição de outras.’
“Quanto ao cálculo da taxa levando em conta o valor da receita tarifária das empresas concessionárias de serviços de transporte coletivo do Município, a impossibilidade é manifesta em face do disposto no § 2º do art. 145 da CF/88, ¨verbis¨:
‘§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.’
“Ora, sendo a taxa a "contraprestação pecuniária, compulsória por força de lei, de serviço público específico e divisível em relação ao respectivo contribuinte¨ (cf. obra e autor citado, p. 51), deve seu valor corresponder, caso a caso, ao volume do serviço público prestado ao respectivo contribuinte, o que não ocorre ao se utilizar a mesma base de cálculo utilizada para o imposto, que não tem o condão de medir serviços públicos.
“No caso, a Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406/68, na redação que lhe deu a Lei Complementar nº 56, de 15/12/87, integralmente adotada pelo Município de Bagé (cf. Lei municipal nº 3.852/01, de fls. 157/163, que, em seu item 87, prevê tais serviços, tributando-os sobre o valor do seu faturamento mensal), prevê como sujeito ao ISS o seguinte serviço:
‘97. Transporte de natureza estritamente municipal.’
“O art. 9º do citado Decreto-Lei nº 406, por sua vez, assim estabelece quanto à base de cálculo do ISS;
‘Art. 9º. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.’
“Tenha-se presente, a propósito, que o ¨fato gerador¨, a ¨base de cálculo¨ e o ¨contribuinte¨ dos impostos que compõem o sistema tributário nacional devem ser previamente definidos por lei complementar (tendo essa força o DL nº 406/68, conforme reiterados entendimentos do Supremo Tribunal Federal), a teor do que expressamente dispõe o art. 146, III, ¨a¨, da CF/88, não podendo a lei ordinária municipal, assim, ao instituir o ISS, desconsiderar tais elementos ou substituí-los por outros.
“Esclareça-se, também, que a recente Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, que redefiniu a lista de serviços sujeitos ao ISS, manteve, em seu item 16.01, os ¨serviços de transporte de natureza municipal¨, dispondo, em seu art. 7º, que ¨a base de cálculo do imposto é o preço do serviço¨, vale dizer, o valor do seu faturamento ou cobrança.
“Ademais, ainda que não coincidisse a base de cálculo utilizada pela lei municipal ¨sub judice¨ (nº 3.761/2001) com a utilizada para o ISS, ainda assim, não poderia ela ser admitida como constitucional para efeitos de cobrança, porque o art. 145, II, ao possibilitar a instituição de taxas, expressamente exige dever ela ser específica e divisível, requisito este último (da divisibilidade), contudo, que não é atendido pela referida lei, porquanto o percentual de ¨até 3% do total da receita tarifária¨ a ser recolhido mensalmente pelas ¨empresas concessionárias prestadoras de serviços de transporte coletivo¨ ¨em favor da Empresa Bageense de Transporte e Circulação - EBTC¨ não possui nenhuma equivalência ou correlação com o serviço público que a referida empresa se propõe a prestar, qual seja, serviços de ‘operação e fiscalização do Sistema Municipal de Transporte Público e de Circulação – SMTPC’. Como dito, toda taxa deve contraprestacionar, na medida do seu volume, os serviços disponibilizados e efetivamente prestados ao respectivo contribuinte (‘uti singuli’), sob pena de se identificar ela com o imposto que, por sua natureza, é indivisível (‘uti universi’).
“Quanto à alegada violação, do citado art. 31 da lei municipal de Bagé, ao princípio da isonomia, pelo fato de ter ele escolhido, como contribuintes da referida arrecadação compulsória, somente as empresas concessionárias de serviços de transporte coletivo municipal, com preterição de outras, a questão tem a ver com o disposto no art. 150, II, da CF/88, com a seguinte dicção:
‘Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
‘II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, ....’
“Ora, ao estabelecer o art. 31 da citada lei municipal que somente ¨as empresas concessionárias prestadoras de serviços de transporte coletivo deverão recolher, mensalmente, ...¨, e ao estabelecer a mesma lei, em seu art. 15 (fl. 35) que ¨os serviços de transporte público de passageiros classificam-se em: I - coletivos; II - individuais; III - especiais¨, fica evidente que foram preteridos, como contribuintes da referida arrecadação, os que se dedicam aos demais tipos de transporte sujeitos à fiscalização nela previstos (individuais e especiais), em flagrante afronta ao inciso II do art. 150 da lei constitucional, que exige igualdade de tratamento tributário (isonomia) entre todos os que se encontrem em situação equivalente.
“Estes princípios e normas federais, (arts. 145,II, 145, §2º, 146, III ‘a’ da CF , DL 406/68 e LC 116/2003), por força do art. 8º e 140 da Carta Estadual, têm inteira aplicação aos municípios.”(Agr. Reg. nº 70006707384- processo anexo, fls. 15/20)
Assim, o art. 31 da lei traduz visível ofensa à Constituição.
Em face do exposto, julgo procedente a presente ADIN, para declarar a invalidade do art. 31 da Lei nº 3761/01 de Bagé, por ofensa aos arts. 145, II, §2º e 150, II, ambos da CF/88 e aplicáveis aos municípios, por força dos art. 8º, e 140 da Carta Estadual, e, rejeitada a preliminar de ilegitimidade ativa da proponente, julgo improcedente a ação relativamente aos arts. 7º, V e 8º a 12 do mesmo diploma legal. 
É o voto.
DESA. MARIA BERENICE DIAS – Revisei e acompanho o voto do eminente Relator.
DES. DANÚBIO EDON FRANCO – Também estou acompanhando, Senhor Presidente, embora com relação à primeira parte eu tenha sérias restrições.
DES. LUIZ ARI AZAMBUJA RAMOS – Acompanho o eminente Relator.
DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO – De acordo com o Relator.
DES. ROQUE MIGUEL FANK - De acordo com o Relator.
DES. LEO LIMA - De acordo com o Relator.
DES. MARCO AURÉLIO DOS SANTOS CAMINHA – Com o Relator.
DES. ARNO WERLANG - De acordo com o Relator.
DES. WELLINGTON PACHECO BARROS – Eminente Presidente, apenas para espancar a dúvida do eminente Des. Danúbio, da nossa Bagé, é que evidentemente a Constituição Federal, no art.37, mudada que foi pela Emenda Constitucional nº 19/98, possibilitou - daí por que foi chamada Reforma Administrativa - que empresas públicas pudessem ser criadas não mais por lei específica, como era então pelo Decreto-Lei nº 200/67, e sim tão-somente autorizadas.
Portanto, a lei de Bagé está muito mais atual frente à Constituição Federal do que a Constituição Estadual frente à Constituição Federal.
Então, a constitucionalidade da possibilidade de mera autorização, quer dizer, a lei não está criando, a lei está autorizando ao Poder Executivo que crie e está dando as coordenadas de como deve ser criado. 
Então, nesse aspecto, parece-me que a lei não tem nenhuma dúvida, a meu sentir. 
Em decorrência disso, eminente Presidente, estou acompanhando o brilhante voto do eminente Relator.
DES. ALFREDO FOERSTER - De acordo com o Relator.
DES. SYLVIO BAPTISTA NETO - De acordo com o Relator.
DES. JAIME PITERMAN - De acordo com o Relator.
DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER – Com o eminente Relator.
DES. ALFREDO GUILHERME ENGLERT - De acordo com o Relator.
DES. ANTONIO CARLOS NETTO MANGABEIRA – Acompanho o eminente Relator.
DES. JOSÉ EUGÊNIO TEDESCO - De acordo com o Relator.
DES. ANTONIO CARLOS STANGLER PEREIRA - De acordo com o Relator.
DES. PAULO A. MONTE LOPES - De acordo com o Relator.
DES. RANOLFO VIEIRA - De acordo com o Relator.
DES. VLADIMIR GIACOMUZZI - De acordo com o Relator.
DES. ARAKEN DE ASSIS - De acordo com o Relator.
DES. PAULO MOACIR AGUIAR VIEIRA - De acordo com o Relator.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70006499776, DE PORTO ALEGRE: “À UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DE PARTE ARGÜIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, ASSIM COMO JULGARAM PROCEDENTE EM PARTE A AÇÃO, DECLARANDO A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 31 DA LEI Nº 3.761/01, DO MUNICÍPIO DE BAGÉ, TUDO NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
SBDS
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