Buscar

REVISTA BIOTECNOLOGIA ED 29

Prévia do material em texto

2 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 3
ENTREVISTA
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 3
MARCO MACIEL, vice-presidente da República Federativa do Brasil
Governo Brasileiro apóia o
desenvolvimento da biotecnologia
Marco Maciel, vice-presidente da República Federativa do Brasil, foi o autor da Lei de
Biossegurança, quando era senador, em 1991. Foi ele também que, como presidente
da República em exercício, baixou o decreto que regulamenta a atual Lei de
Biossegurança, nº 8.974, em vigor no Brasil desde janeiro de 1995. Para falar sobre
biossegurança e questões relacionadas à biotecnologia, ética e religião, o vice-
presidente concedeu esta entrevista à revista Biotecnologia Ciência &
Desenvolvimento.
Biotecnologia Ciência & Desenvol-
vimento - O Brasil investe pouco em
ciência e tecnologia. Hoje, esse inves-
timento gira em torno de 0,7% do
Produto Interno Bruto(PIB). As nações
desenvolvidas investem mais de 2%. O
governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso tem alguma estraté-
gia para reverter este quadro e ampliar
os invest imentos em ciência e
tecnologia?
Marco Maciel - O Plano Plurianual 1996/
99 fixa a meta de elevar a 1,5% do PIB
em 1999 os investimentos nacionais
em ciência e tecnologia, ampliando
para cerca de 40% a participação do
setor produtivo nestes investimentos.
Isto significa mais do que dobrar o
esforço nacional em pesquisa e desen-
volvimento. Apesar de ambiciosa, esta
meta é factível. Pretendemos atingi-la,
por um lado, mantendo crescente o
orçamento federal em ciência e
tecnologia, na medida do possível, e
por outro recorrendo a financiamentos
externos, principalmente do BID e Ban-
co Mundial. Numa terceira via, incenti-
varemos as empresas a investirem em
pesquisa para se manterem competiti-
vas num mercado extremamente exi-
gente.
BC&D - A base do desenvolvimento
científico e tecnológico começa nas
universidades, com os cursos de gradu-
ação, mestrado e doutorado. O recente
“provão” aplicado pelo MEC mostrou
que as universidades públicas são as
que melhor formam os profissionais.
Essas universidades estão passando por
sérias dificuldades, como o grande nú-
mero de aposentadorias precoces de
professores e a falta de recursos finan-
ceiros. Qual a política do governo para
formar mais e melhores cientistas?
MM - Efetivamente, a base do desen-
volvimento científico e tecnológico co-
meça nas universidades. É certo, po-
rém, que a formação universitária, por
sua vez, depende do ensino do primei-
ro e segundo graus. É isto exatamente
o que acabam de provar os resultados
do processo de avaliação inaugurado
ano passado pelo MEC. Começamos a
corrigir esse problema com duas provi-
dências essenciais: a Emenda Constitu-
cional 14/96, que redirecionou os re-
cursos públicos destinados à educação
e redefiniu as competências da União,
estados e municípios em relação ao
sistema de ensino, e a Lei de Diretrizes
4 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento4 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
e Bases da Educação Nacional, de 23
de dezembro último, que estabeleceu
os padrões do sistema brasileiro de
ensino. As duas iniciativas terminarão
mudando o panorama educacional do
país, gerando conseqüências positivas
para o ensino universitário, no qual o
Brasil continuará, obviamente, inves-
tindo significativamente. Não é demais
lembrar, ainda, que no ano passado
foram concedidas quase 50 mil bolsas
de formação e pesquisa pelo CNPq.
BC&D - Com a globalização da econo-
mia, as questões de di re i to e
comercialização de recursos biológicos
vão ser cada vez mais debatidas em
fóruns internacionais. O Brasil é tido
como a nação que possui a maior
biodiversidade do planeta. Pirataria de
recursos biológicos é um fato. Fala-se
até que já estamos pagando royalties
de alguns fármacos extraídos de nossas
plantas da Amazônia e que, no futuro,
estaremos pagando ainda mais. Como
é que o senhor vê a questão dos nossos
recursos biológicos e da biodiversidade?
MM - É preciso distinguir duas etapas
essenciais no aproveitamento dos re-
cursos biológicos e da biodiversidade.
A primeira é dispor deles e, por conse-
qüência, preservá-los. A segunda é ter
a capacidade de aproveitá-los, em apli-
cações científicas, especialmente no
campo da produção de medicamentos,
que exige enorme concentração de
recursos em pesquisa, usualmente de
longa maturação. O Brasil tem a pri-
meira condição, que é necessária, mas
não suficiente, porém não dispõe ain-
da da segunda, hoje concentrada em
pouquíssimos centros especializados
em todo o mundo. Li, certa feita, em
publicação editada em 1993, que 45%
do faturamento de mais de 140 bilhões
de dólares da indústria farmacêutica
dos principais países da OECD naquele
ano provinham de medicamentos cujos
princípios ativos eram originários das
florestas tropicais. Estamos caminhan-
do para o salto qualitativo que nos
permitirá participar autonomamente
desse enforço. Já temos a massa crítica
necessária para tanto. O que nos falta
são recursos financeiros e mercados.
Enquanto isso, o Ministério do Meio
Ambiente está desenvolvendo, por
decisão do presidente Fernando
Henrique Cardoso e do ministro Gustavo
Krause, um amplo programa de pre-
servação da biodiversidade, para que
mantenhamos a primeira condição de
que já dispomos e que será indispensá-
vel quando superarmos a segunda. Acre-
dito que a velocidade com que o co-
nhecimento científico circula hoje no
mundo terminará permitindo chegar-
mos à solução ideal, antes até do que
esperamos.
BC&D - Desde que começou a funcio-
nar, há cerca de nove meses, a Comis-
são Técnica Nacional de Biossegurança
- CTNBio aprovou três solicitações para
testes de campo de organismos gene-
ticamente modificados, os OGMs, a
exemplo do que já acontece em outros
países. Como o senhor acredita que a
sociedade brasileira vai reagir a esse
respeito? O governo pretende lançar
alguma campanha de conscientização
da opinião pública acerca do papel, da
importância e da potencialidade da
biotecnologia?
MM - A bioengenharia e a biotecnologia,
em face dos desenvolvimentos cientí-
ficos já alcançados e previsíveis, têm
dois componentes. O primeiro é uma
questão do âmbito científico, relacio-
nado com a disseminação do conheci-
mento, normas de segurança e os as-
suntos a elas relacionados. O segundo
é de natureza ética: os limites aceitá-
veis na manipulação genética. No pri-
meiro, o Estado tem necessariamente
de intervir, através de normas legais,
estabelecidas em projeto de minha
iniciativa como senador. O segundo
componente extrapola a competência
do Estado, e assim tem sido em todo o
mundo, pois envolve questões muitas
vezes ambíguas, com visões pessoais
inteiramente conflitantes, até mesmo
sob o ponto de vista religioso. Este
segundo aspecto terá de ser, como
aliás está sendo, discutido, tanto pela
comunidade científica, que estabele-
cerá seus próprios limites, como pela
sociedade em geral, inclusive políticos
e religiosos, estes preocupados sobre-
tudo com o enfoque moral e ético da
questão. Certa feita, o papa João Paulo
II, em palestra na Áustria, disse que a
“toda ciência deve corresponder uma
consciência e a toda técnica, uma éti-
ca”.
BC&D - Grupos ecológicos radicais, na
Europa, têm se manifestado de forma
contrária à produção e comercialização
de OGMs. Representantes desses gru-
pos, no Brasil, têm expressado a mes-
ma opinião com relação à soja
transgênica procedente dos EUA. O
senhor acha que leis de defesa do
consumidor deveriam ser criadas para
obrigar, por exemplo, a inscrição nas
etiquetas e embalagens dos produtos,
informando que são geneticamente mo-
dificados?
MM - Esta questão começa a aparecer
em alguns países europeus, em face da
comercialização de produtos alimentí-
cios geneticamente modificados, como
foi ocaso dos tomates procedentes
dos Estados Unidos, oferecidos no mer-
cado de consumo da Grécia. O Brasil já
possui um marco legal que é a lei
8.974, a que já me referi, que criou a
Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança, que tem atribuições para
fiscalizar não só as pesquisas a serem
desenvolvidas no Brasil como também
os seus resultados. A questão dos ali-
mentos importados não é demasiada-
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 5Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 5
mente relevante em nosso país, pois,
com exceção basicamente do trigo e
da carne e de alguns produtos origina-
dos do Mercosul, como certas frutas,
por exemplo, somos exportadores de
alimentos. As trocas comerciais desses
produtos fatalmente serão objeto de
disputa e regulamentação em cada país
e, no Brasil, se e quando isto ocorrer, já
temos o recurso legal e necessário para
o seu efetivo controle.
BC&D - O senhor acredita que o mer-
cado consumidor brasileiro já atingiu
um grau de sofisticação e exigência de
qualidade e está apto para receber
produtos geneticamente modificados?
MM - Minha convicção é de que consu-
miremos produtos geneticamente mo-
dificados, elaborados aqui mesmo, an-
tes de importá-los. A receptividade,
obviamente, terá de ser testada pelo
próprio mercado, mas já temos, sem
dúvida, competência científica para
fazê-los. Aliás, no Brasil, malgrado mui-
tas dificuldades, já existem excelentes
quadros em diferentes ramos da ciên-
cia e da pesquisa, quer pura ou aplica-
da.
BC&D - A recente divulgação dos cien-
tistas escoceses sobre a clonagem da
ovelha Dolly levantou uma polêmica
mundial, já que envolve aspectos éti-
cos, religiosos, políticos e jurídicos. No
Brasil, várias instituições de pesquisa
estão prestes a produzir clones de
bovinos. O senhor acha que devem ser
estabelecidos limites para que essas
pesquisas não cheguem até a espécie
humana?
MM - Sem dúvida, tratando-se de uma
questão ética, de cunho moral e de
natureza religiosa, haverá limites para
manipulação dos genes humanos. Acre-
dito que não apenas as convicções
religiosas, mas a própria comunidade
científica terminará fixando esses limi-
tes. No campo legal, por sua vez, os
países e os próprios organismos mun-
diais têm os instrumentos necessários
para controlar esses limites no campo
da biossegurança. É previsível que,
dentro de algum tempo, tenhamos con-
venções internacionais estabelecendo
os...
BC&D - Como já foi mencionado nesta
nossa conversa, em 1989, como sena-
dor, o senhor apresentou o projeto de
lei de biossegurança no Congresso
Nacional, quando este assunto sequer
era debatido nos segmentos represen-
tativos da sociedade, inclusive na co-
munidade científica. Este projeto é hoje
a Lei nº 8.974 - Lei de Biossegurança -
que foi regulamentada por decreto. O
que motivou o senhor, há oito anos, a
apresentar este projeto, já que poucos
países no mundo têm lei similar?
MM - Efetivamente, o Brasil é um dos
pioneiros nessa matéria e isso se justi-
fica até mesmo por nossa biodiversidade
e pela existência de abundantes recur-
sos vegetais. O que me inspirou, no
entanto, foram as advertências da Igre-
ja Católica, que há muito tempo tem
tratado do tema.
BC&D - A propósito da Igreja Cató-
lica: o papa João Paulo II, em uma
aparente referência ao debate sobre
a clonagem, fez críticas a todos que
abusam da dignidade humana com
experimentos perigosos. Como é que
tem sido a relação da Igreja com o
governo, em relação à regulamenta-
ção e fiscalização de produtos
transgênicos?
MM - A lei brasileira é conseqüente
com a posição doutrinária da Igreja.
O Estado tutela os aspectos técnicos,
a Igreja vela pelos aspectos éticos,
religiosos e morais, e seus fiéis, se-
guramente, observarão segundo as
convicções religiosas de cada um.
Minha posição pessoal, como católi-
co, é de acatamento a esses limites
éticos e morais.
BC&D - Em muitas discussões que
apareceram na mídia acerca da clo-
nagem, ficaram dois posicionamen-
tos totalmente antagônicos: uns
vêem a ciência como obra do demô-
nio e ameaçadora do bem-estar da
humanidade; outros pregam o de-
senvolvimento científico a qualquer
custo, independentemente das con-
seqüências. Qual é o seu ponto de
vista na perspectiva do governo?
MM - Não se pode satanizar nem
santificar a ciência. Não sou um cien-
tista, minhas preocupações são de
natureza política. Acredito que os
fins do conhecimento científico e
suas aplicações tecnológicas e seus
desenvolvimentos são o bem-estar
da humanidade. Creio firmemente
que é neste sentido e com esse
objetivo que se aplicam cientistas e
pesquisadores em todo o mundo. O
desvirtuamento de um avanço cien-
tífico é uma questão política e isto o
Estado tem a obrigação legal e o
dever moral de evitar, embora esse
dever não impeça que, eventual-
mente, se faça mau uso de uma boa
descoberta. O marco legal que te-
mos, no entanto, obriga a todos,
inclusive o Poder Público, no Estado
e no direito.
BC&D - Alguns cientistas já pensam
em usar a técnica da clonagem para
recuperar animais em risco de
extinção. Outras correntes de pes-
quisadores alegam que isso vai im-
pedir a variabilidade genética. O se-
nhor não acha que a Lei de
6 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
6 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Biossegurança deveria estabelecer
mecanismos para preservar a variabili-
dade genética dos animais?
MM - Esta me parece uma questão
ética da própria ciência. Um avanço
que contribua para o bem-estar da
humanidade e não ofereça risco para a
vida está nos objetivos de toda a comu-
nidade científica. Se for colocado em
risco o homem ou a natureza, deve ser
proibido.
BC&D - A manipulação genética, num
sentido mais amplo, é, em tese, capaz
de curar moléstias como o diabetes
herdado, propensão ao câncer e outras
doenças. Abrir mão deste instrumento
na cura de doenças é certamente um
erro. A Lei de Biossegurança contem-
pla esta questão?
MM - Contempla, sim. O artigo 8º,
inciso III, determina que é vedada a
intervenção em material genético hu-
mano in vivo, exceto para o tratamen-
to de defeitos genéticos, respeitando-
se princípios éticos. A Comissão Naci-
onal Técnica de Biossegurança tem,
entre seus objetivos institucionais, os
de autorizar e fiscalizar experiências
genéticas que possam representar ris-
cos. Obviamente que a cura de doen-
ças que possam ser prevenidas, sem
riscos, não só não deve ser proibida
como deve ser estimulada.
BC&D - A única empresa brasileira que
entrou com pedido de liberação de
produto geneticamento modificado, na
Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança, até o momento, foi a
Copersucar. Como o senhor situa as
pesquisas biotecnológicas realizadas
pelas empresas brasileiras em relação
aos outros países?
MM - Na biotecnologia agrícola, o Brasil
tem boa presença e posição de lide-
rança. A Embrapa, que aliás acaba de
completar 27 anos, possui ótimos ex-
perimentos nessa área e pessoal alta-
mente qualificado. Notadamente no
setor de sementes, empresas brasilei-
ras vêm demonstrando capacidade e
competitividade em escala internacio-
nal.
BC&D - O presidente americano Bill
Clinton encomendou à Comissão Con-
sultiva de Bioética dos EUA, que é
composta de 18 especialistas, um es-
tudo detalhado das implicações da
clonagem de organismos. O senhor
acha que é necessário criar, no Brasil,
uma Comissão Nacional de Bioética?
MM - Os limites do Estado, nas ques-
tões científicas, devem ser estabeleci-
dos legalmente. As questões éticas,
como já assinalei, extrapolam essa com-
petência, pois a ciência não tem naci-
onalidade, é universal.
A questão que envolve o Estado, como
acaba de ocorrer na Escócia, é em que
medida ele deve ou pode financiar
pesquisas que possam representar ris-
cos, mesmo que potencialmente, à
humanidade ou à natureza. No caso
brasileiro, especificamente,compete
à CTNBio propor um código de bioética.
BC&D - A biotecnologia tem um mer-
cado potencial estimado em bilhões de
dólares. Somente na agricultura, este
mercado pode chegar a 30 bilhões de
dólares. E, especificamente em rela-
ção às sementes melhoradas a partir de
modificações genéticas, o mercado de-
verá passar de 8 milhões de dólares,
em 1985, para quase 7 bilhões de
dólares no ano 2000. Neste contexto,
pode-se inferir que, no próximo
milênio, haverá dois grupos de países:
os que detêm e vendem a tecnologia e
os que compram. Qual a estratégia do
governo para que o Brasil pertença ao
primeiro grupo?
MM - As empresas brasileiras de se-
mente investem, em média, 5% do seu
faturamento em pesquisa. Todo o es-
forço brasileiro se destina a criar condi-
ções de atingirmos um desenvolvi-
mento sustentável. Isto implica não só
expandir os investimentos nos setores
básicos, como também redirecionar as
funções do Estado, para superarmos
nossas enormes carências sociais. So-
mos um dos maiores produtores de
bens alimentícios em todo o mundo e
continuamos ampliando nossa frontei-
ra agrícola aceleradamente. A questão
da autonomia tecnológica faz parte
desse esforço de crescimento e mo-
dernização, mas será impossível con-
templá-lo de maneira setorizada. O
desenvolvimento científico é, sem dú-
vida, uma variável condicionante do
progresso econômico, social e cultural
que estamos buscando conscientemen-
te, com amplo apoio na sociedade
brasileira.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 7
8 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Marcos A. Machado
Laboratório de biotecnologia em Citros
Centro de Citricultura Sylvio Moreira
Instituto de Citricultura Sylvio Moreira
Instituto Agronômico de Campinas
Brasil e Flórida continuam sendo
as duas principais áreas fornecedoras
de fruta para a produção de suco con-
centrado, principalmente a partir de
laranja doce. O Brasil responde por
mais da metade (1.146,9 mil tonela-
das) do volume mundial de suco con-
centrado (61º Brix), que em 1994 al-
cançou o volume de 2.138,5 mil tone-
ladas.
Sendo uma das mais típicas ativi-
dades agroindustriais no Brasil em um
setor altamente articulado, a citricultura
responde por um faturamento variável
anual da ordem de 1,5 bilhão de US$,
centralizando-se principalmente em
suco concentrado e subprodutos. No
Estado de São Paulo, é responsável
direto por 400.000 empregos em 204
municípios, envolvendo 20.000 pro-
dutores.
O setor de suco concentrado conta
atualmente com 22 indústrias (2 em
instalação), com um total de 994
extratoras (97 fora de São Paulo). Com
uma área aproximada de 630.200ha
em São Paulo, a citricultura tem 164
milhões de plantas e produção anual
da ordem de 374 milhões de caixas
(40,8kg), distribuídas entre a indústria
(71,5%), consumo interno de fruta
fresca (28,0%) e a exportação (0,5%).
No biênio 95/96, os principais
importadores do suco brasileiro foram
a União Européia (68,8%), América
do Norte (18,5%), Ásia (9,5%) e ou-
tros países (3,2%). O Estado de São
Paulo participa com 96,4% do volume
total exportado.
A produção mundial de citros no
biênio 95/96 deve atingir um novo
recorde de 80 milhões de toneladas,
com um aumento de 3% em relação
ao biênio anterior, atribuído principal-
mente ao aumento da produção bra-
sileira, após a queda de 94/95. Avalia-
se que nesse período houve um au-
mento de 18% da produção nacional.
Do total mundial, 66% representa la-
ranja doce, com o Brasil respondendo
por 30% da produção mundial, cerca
de 16,1t. A participação brasileira no
mercado mundial de frutas frescas é
pequena (menos que 2%), porém o
mercado interno tem se tornado um
grande consumidor de fruta fresca,
competindo com a indústria.
Embora as condições
edafoclimáticas favoreçam a cultura dos
citros em várias regiões do Brasil, nossa
produtividade média ainda é extrema-
mente baixa, quando comparada com
outros países: em torno de 2,0 caixas/
planta/ano, contra 6,0 na Flórida, a
principal região competidora do Brasil.
O aumento de produção nos últimos
20 anos explica-se essencialmente por
um aumento de áreas de plantio. De
1975 a 1993, houve um incremento de
147% de novos plantios.
Avaliações atualizadas apontam
para uma estabilização da demanda
com simultâneo aumento de oferta, o
que inevitavelmente se refletirá nos
preços e , por conseguinte , na
competitividade do citricultor. Em fun-
ção dessas perspectivas e da tradicio-
nal baixa produtividade brasileira, a
palavra de ordem para a citricultura do
ano 2000 é PRODUTIVIDADE.
Vários são os componentes envol-
vidos com a produtividade, podendo
de modo geral ser agrupados em fato-
res relacionados com a qualidade do
material genético das plantas e sua
sanidade, e com o manejo da cultura,
incluindo condução e pós-colheita.
A citricultura brasileira pode ser considerada uma das mais competitivas e importantes atividades
agroindustriais do Brasil. A baixa produtividade média e as altas tarifas protecionistas dos
mercados importadores do suco brasileiro, como é o caso do mercado americano, apontam
necessariamente para um aumento de produtividade como opção do setor. Apesar do volume da
produção brasileira, o setor ainda é capaz de absorver tecnologia, e necessita ter opção de renovação,
principalmente de material genético superior. Nesse sentido, a biotecnologia representa uma
ferramenta valiosa para incrementar ganhos de produtividade e vem sendo utilizada em vários
núcleos de pesquisa no Brasil. Atualmente, o Centro de Citricultura Sylvio Moreira, do Instituto
Agronômico de Campinas (Secretaria de Agricultura de São Paulo), com envolvimento exclusivo
com citros em todos seus aspectos, congrega projetos significaticos na área de melhoramento e
biotecnologia, com forte apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia (CNPq, PADCT, RHAE e
PRONEX), FAPESP e iniciativa privada.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 9
A necessidade de ampliação das
bases genéticas atuais dos citros, assim
como a potencia l ização de
germoplasma já existente, impõe a
necessidade de desenvolver progra-
mas de melhoramento. No entanto, as
dificuldades de se conduzir programas
tradicionais de melhoramento, princi-
palmente face à própria botânica des-
se grupo de plantas, são enormes.
Nesse contexto, a biotecnologia em
seus vários aspectos pode contribuir
no ganho ou potencialização de carac-
terísticas desejáveis.
POR QUE BIOTECNOLOGIA
EM CITROS?
Os programas tradicionais de me-
lhoramento de citros foram conduzidos
quase exclusivamente nos Estados Uni-
dos, sendo significativamente repre-
sentados pelos trabalhos de W.T.
Swingle com obtenção de vários híbri-
dos interespecíficos. No Brasil, o me-
lhoramento de citros foi sempre muito
mais uma atividade de coleta, manu-
tenção e seleção massal de variantes
espontâneos. As evidências apontam
mais para fatores de ordem botânica,
como poliembrionia e longo período
juvenil, que de outra natureza, para o
baixo aproveitamento do potencial ge-
nético que essas espécies de citros e
correlatos apresentam.
Os citros apresentam uma diversi-
dade muito grande de gêneros, espéci-
es, variedades e clones. No entanto,
um número relativamente pequeno é
utilizado nos atuais plantios comerci-
ais, não sem algumas razões botânicas
e históricas. Como espécies de propa-
gação quase exclus ivamente
vegetativa, os citros tiveram na sele-
ção massal a via mais rápida de melho-
ramento, principalmente devido ao fato
de apresentarem uma elevada taxa de
mutações somáticas promovendo o apa-
recimento de novas variedades e, even-
tualmente, a reversão à variedade an-
terior.
Programas tradicionais de melho-
ramento genético via hibridação e se-
leção recorrente sempre esbarraram
em obstáculos característicos desse
grupo de plantas. Entre os fatores rela-
cionados com as características bo-
tânicase genéticas da espécie, po-
deriam ser citados:
 - são plantas lenhosas pere-
nes com longo período juvenil.
Como conseqüên-cia, demoram muito
para florescer, de modo que a obten-
ção de gerações F1 e F2 pode demorar
acima de trinta anos;
- apresentam alta variabilida-
de genética. Dos cruzamentos, resul-
tam indivíduos bastante distintos entre
si e dos pais, isto é, ocorre segregação
de quase todas as características dese-
jadas;
 - apresentam poliembrionia
nucelar, dificultando sobremaneira a
distinção entre indivíduos híbridos e
nucelares (não híbridos);
 - podem desenvolver muta-
ções espontâneas de gemas, origi-
nando novos cultivares;
 - herança quantitativa das prin-
cipais características de interesse. Re-
lacionados à cultura dos citros, po-
deriam ser mencionados:
 - a planta no campo não é
uma única planta, porém duas, cons-
tituídas da copa e porta-enxerto (siste-
ma radicular), quase sempre de espé-
cies diferentes;
 - o caráter monoclonal do
plantio, isto é, a utilização de alguns
poucos clones por variedade, tanto de
copa como de porta-enxerto, com re-
dução acentuada do componente vari-
abilidade genética, importante na ma-
nutenção do equilíbrio com os fatores
bióticos e abióticos;
 - o caráter perene que tornam
os citros plantas com interação mais
constante com fatores bióticos (pra-
gas/microrganismos/vírus/viróides) e
abióticos. Os fatores relacionados aci-
ma fazem com que qualquer programa
de melhoramento genético seja real-
mente um desafio a gerações de
melhoristas. Senão vejamos:
 - a longa juvenilidade estende
os programas a mais de 30 anos de
duração;
 - a alta taxa de segregação
genética obriga a muitos, onerosos e
demorados testes com os sem-número
de indivíduos resultantes dos cruza-
mentos;
 - alterações espontâneas de
gemas, por ser um processo aparente-
10 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
mente ao acaso, pode alterar no tempo
todo o trabalho do melhoramento;
 - poliembrionia nucelar torna
bastante difícil a separação dos indiví-
duos resultantes de cruzamento da-
queles que são propagação vegetativa
da planta-mãe. Evidentemente que tais
problemas ocorrem tanto em espécies
de porta-enxerto quanto em espécies
de copa. Desnecessário ressaltar os
riscos que os plantios monoclonais/
monoespecíficos estão sujeitos, vis-à-
vis problemas como a tristeza e outras
viroses/viróides, o declínio, a clorose
variegada dos citros (CVC), pragas como
os ácaros e insetos etc.
COMO APLICAR
BIOTECNOLOGIA EM
CITRICULTURA?
Fica evidente que a decisão de
qual método de melhoramento será
adotado deve sempre levar em consi-
deração as características acima relaci-
onadas. Do mesmo modo que como
aplicar a biotecnologia dependerá do
programa a ser executado e em que
fase de desenvolvimento ele se en-
contra. Considerando essas barreiras ao
melhoramento dos citros e a disponibi-
lidade de novos métodos e técnicas
auxiliando a superá-las, os maiores im-
pactos de uso de biotecnologia seriam:
- na redução dos ciclos de seleção: o
uso de marcadores bioquímicos e
moleculares correlacionados às carac-
terísticas importantes possibilitará a se-
leção precoce, ao estágio de plântulas,
reduzindo assim o número de progêni-
es a serem testadas em trabalhos de
hibridação;
 - na potencialização da variabili-
dade genética: programas de hibridação
(sexual e/ou somática) interespecífica
e intergenérica devem ser continua-
dos, apoiados principalmente em
marcadores genéticos de maior facili-
dade de identif icação, como os
bioquímicos e moleculares;
 - no estabelecimento de multipli-
cação clonal rápida: a seleção e a mul-
tiplicação de porta-enxertos em áreas
sob intensa pressão de seleção (como
O Centro de Citricultura Sylvio Moreira, do Instituto
Agronômico, da Coordenadoria de Pesquisa Agropecuária
da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, é um pioneiro
no projeto de interiorização da pesquisa, permitindo ao seu
usuário o acesso mais rápido à informação, ao mesmo
tempo em que coloca o pesquisador mais perto da demanda
de pesquisa. Há mais de duas décadas, o Centro de
Citricultura Sylvio Moreira (ex-Estação Experimental de
Limeira) vem desenvolvendo trabalho em parceria com a
iniciativa privada e, mais intensamente, nos últimos cinco
anos, quando da instalação e operacionalização do labora-
tório de biotecnologia em citros. O êxito desse trabalho
demonstrou a necessidade de interiorização da pesquisa.
Sua criação foi mais um desafio vencido pelo Instituto
Agronômico, que vem em processo crescente de moderni-
zação, visualizando novas conquistas para o produtor ainda
neste século em todas as suas áreas de atuação.
Com mais de 65 anos de experiência acumulada em
pesquisa, divulgação, prestação de serviços e formação de
pesquisadores, além de centenas de trabalhos científicos
publicados no Brasil e no exterior, o Centro de Citricultura
Sylvio Moreira, do Instituto Agronômico, é considerado
centro de referência em pesquisa citrícola.
Face às dificuldades inerentes à genética e botânica do
grupo, a biotecnologia representa uma ferramenta valiosa
para acelerar ganhos em programas de melhoramento.
Procurando se adequar às necessidades atuais de pesquisa
e desenvolvimento em citricultura, o Centro de Citricultura
Sylvio Moreira, do Instituto Agronômico de Campinas,
situado em Cordeirópolis/SP, tem atuado em várias frentes
da biotecnologia. Em apoio direto ao melhoramento, o
programa de biotecnologia envolve as principais linhas de
pesquisa:
 - Marcadores moleculares (RAPD, RFLP, AFLP e
microssatélites) para caracterização/proteção varietal e
mapeamento genético;
 - Produção de novas combinações híbridas de porta-
enxertos;
 - Desenvolvimento de sistemas mais eficientes de
diagnóstico de patógenos;
 - Biologia molecular de patógenos importantes, como
o vírus da tristeza dos citros e a bactéria da CVC;
 - Micropropagação de porta-enxertos in vitro;
 - Cultura e fusão de protoplastos para produção de
híbridos somáticos, principalmente porta-enxertos;
 - Desenvolvimento de técnicas de isolamento de
genes de interesse agronômico, principalmente o ‘mRNA
display’.
Ao lado do Instituto Agronômico de Campinas, através
do Centro de Citricultura, outras importantes instituições que
atuam com biotecnologia em citros no Brasil são: a Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (ESALQ) e o Centro
de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), da USP, em
Piracicaba/SP; a UNESP, em Botucatu e Jaboticabal; a
UNICAMP; o Instituto Biológico de São Paulo e a Embrapa,
em Cruz das Almas (BA).
ONDE A BIOTECNOLOGIA ESTÁ SENDO APLICADA NA CITRICULTURA?
em pomares com declínio, por exem-
plo) podem ser bastante facilitadas
com a aplicação de micropropagação
para produção de mudas em escala
mais rápida e em maior volume para
continuidade de testes de avaliação,
assim como para produção comercial
de porta-enxertos.
 - na recuperação de clones supe-
riores: o acúmulo de patógenos
sistêmicos de lenta expressão, como
os vírus, torna a senescência clonal um
fato inevitável em plantas perenes de
propagação vegetativa, exigindo mé-
todos de limpeza clonal acompanha-
dos de indexação, de modo a monitorar
constantemente o grau de infecção
nesses clones.
 - no estabelecimento de testes
mais rápidos para diagnóstico: mesmo
com o avanço de técnicas de diagnós-
tico utilizando-se plantas indicadoras,
é evidente a necessidade de acelerar a
indexação com métodos mais rápidos
como imunodiagnóstico e/ou sondas
moleculares.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 11
12 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
PESQUISA
Genética e melhoramento de fungos na biotecnologia
João Lúcio de Azevedo
Universidade Federal de Goiás
biotecnologia consiste
no uso de sistemas celu-
lares para o desenvolvi-
mento de processos e
produtos de interesseeconômico ou social. Entre os sistemas
celulares, os fungos são de grande inte-
resse biotecnológico. Talvez sejam eles,
dentre os seres vivos, os que mais têm
contribuído com produtos e processos de
importância fundamental para o bem-
estar da população. Mas, que são os
fungos e o que eles fazem? É o que será
visto a seguir.
O que são os fungos?
Os fungos, também chamados de
bolores, mofos ou cogumelos, estão in-
terferindo constantemente nas nossas ati-
vidades diárias. Eles são tão importantes
que hoje constituem um reino à parte,
lado a lado com os reinos vegetal e
animal. Fica difícil definir os fungos tal é
a sua diversidade. No entanto, eles pos-
suem algumas características em comum
que os distinguem dos outros seres vivos.
Em geral, eles apresentam filamentos, as
chamadas hifas, com paredes rijas, ricas
em quitina, o mesmo material que reves-
te insetos como besouros; têm caracterís-
ticas heterotróficas, isto é, não possuem
clorofila e, portanto, necessitam de mate-
rial orgânico para viver, sendo sua nutri-
ção feita por absorção de nutrientes gra-
ças à presença de enzimas que são por
eles produzidas e que degradam produ-
tos como, por exemplo, celulose e ami-
do. Por outro lado, os fungos são
eucarióticos, isto é, possuem um núcleo
típico no interior de suas células, compa-
rável ao das plantas e animais. Reprodu-
zem-se por via sexual ou assexual e
assim possuem divisões celulares do tipo
mitose e meiose, tendo sempre como
produto final os esporos que são órgãos
de reprodução, resistência e dissemina-
ção (figura 1). Na verdade, o reino dos
fungos é um dos mais numerosos. Esti-
ma-se que existam pelo menos um
milhão e quinhentas mil espécies de
fungos espalhadas pelo mundo. Isso é
muito mais do que todas as espécies
vegetais e animais somadas, excluindo-
se os insetos. E por incrível que pareça,
apenas cerca de 70.000 espécies de
fungos foram até hoje descritas, ou seja,
menos de 5% das possivelmente exis-
tentes. Se entre esses cinco por cento
de espécies, já existem muitas de gran-
de importância, como as que entram na
fabricação de alimentos, incluindo bebi-
das, de ácidos orgânicos, de fármacos e
inúmeros outros produtos, pode-se ima-
ginar o que se espera com a descoberta
de novas espécies com distintas propri-
edades potencialmente de valor
biotecnológico. Em particular no Brasil,
que é o país que possui a maior
biodiversidade do mundo, a busca de
novas espécies de fungos deverá produ-
zir resultados extremamente interessan-
tes do ponto de vista biotecnológico. Mas
para o leigo, o que fazem os fungos? Na
maioria dos casos, eles são vistos pela
população como prejudiciais, uma ima-
gem que é dada pelas poucas espécies
dentro do reino que causam as micoses
do homem e animais ou as que são
responsáveis por doenças em plantas
cultivadas.
Outras pessoas associam os fungos
com os bolores ou mofos que invadem
paredes úmidas das residências, artigos
de couro ou ainda cobrem os alimentos,
como frutas e grãos armazenados. De
uma forma mais favorável, eles podem
ser associados à culinária, como é o caso
dos cogumelos de chapéu usados em
sopas, pizzas e nos strogonoffs. Essa é a
imagem que o grande público tem sobre
os fungos. O que é esquecido é que eles
são também os responsáveis pela produ-
ção de antibióticos como a penicilina, a
griseofulvina ou a cefalosporina, de vita-
minas como a riboflavina, de esteróides,
de ácido cítrico, usado na fabricação de
refrigerantes, medicamentos, balas e do-
ces, de enzimas tipo celulases, quitinases,
proteases, amilases e muitas outras de
valor industrial, de etanol, usado como
combustível nos automóveis, como
solvente e desinfetante, ou ainda nas
fermentações alcoólicas, produzindo be-
bidas como o vinho, a cerveja, o saquê e
os destilados. Eles também entram na
panificação, na fabricação e maturação
de queijos como o gorgonzola, o
camembert e o roquefort, em alimentos
exóticos orientais, entre muitos outros
produtos. Também de grande importân-
cia agrícola e ecológica, são eles que
mantêm um equilíbrio, decompondo res-
tos vegetais, degradando substâncias tó-
xicas, auxiliando as plantas a crescerem e
se protegerem contra inimigos, como
outros microrganismos patogênicos, in-
setos-pragas da agricultura ou herbívo-
ros. Enfim, os fungos constituem um
Figura 1- Estruturas de um fungo vistas
através de microscópio ótico.
Notam-se filamentos (hifas) e corpos esfé-
ricos que são os esporos vegetativos ou
conídios.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 13
reino que, se extinto, ocasionaria tam-
bém o desaparecimento da maioria das
espécies atualmente existentes, inclusi-
ve a humana, uma vez que sem os fungos
os ciclos biológicos não seriam completa-
dos. Não é por acaso que eles são consi-
derados como de grande importância
para a genética e a biotecnologia, como
será visto a seguir.
A genética de fungos e as novas
tecnologias
Os fungos têm contribuído com enor-
me soma de conhecimentos para um
melhor entendimento dos processos ge-
néticos. Como se sabe, a genética é a
ciência da hereditariedade ou transmis-
são de características de pais para filhos
ou de ascendentes para descendentes.
Como já mencionado, sendo eucarióticos,
além de reproduzirem-se rapidamente,
eles puderam ser usados, com eficiência,
na resolução de problemas genéticos. Foi
utilizando fungos filamentosos e levedu-
ras que se descobriu em 1941 que genes
produziam enzimas e outras proteínas.
Veio a seguir uma avalanche de conheci-
mentos derivados do uso de fungos,
como sistemas genéticos que não só
confirmaram as regras da ciência da here-
ditariedade (figura 2), mas também con-
tribuíram para a consolidação da
biotecnologia como um todo. Foi por
meio de técnicas genéticas clássicas,
como busca da variabilidade natural, sele-
cionando-se linhagens mais apropriadas,
e pelo uso de mutantes e de cruzamen-
tos entre linhagens, que se conseguiu
realizar o melhoramento genético de
muitos fungos de valor industrial. O exem-
plo mais típico e de maior sucesso foi o
do melhoramento genético do fungo
produtor de penicilina, como será visto
mais adiante. Apesar dessa enorme con-
tribuição, a moderna biotecnologia, com
as novas tecnologias, como a fusão de
protoplastos (figura 3) e a tecnologia do
DNA recombinante ou engenharia gené-
tica, só foi usada de forma mais rotineira,
em fungos, a partir de meados dos anos
70 e início dos anos 80. Com os processos
de fusão de protoplastos e de transforma-
ção genética, foi possível a manipulação
genética dos fungos, permitindo com
que novas características de valor
biotecnológico fossem adicionadas a es-
pécies já utilizadas comercialmente, au-
mentando assim o seu potencial
biotecnológico. Alguns fungos, principal-
mente leveduras, que são aqueles que se
reproduzem por brotamento, como
Saccharomyces cerevisiae, já vêm sendo
usados desde a Antiguidade na fabricação
de produtos alimentícios, como o pão;
outros fungos vêm sendo também em-
pregados na fabricação de produtos de
uso diário, como é o caso do ácido cítrico
produzido por Aspergillus niger.
Sabe-se assim que esses fungos não
causam qualquer problema, sendo eles
próprios, ou seus produtos, ingeridos
pela espécie humana e outros mamífe-
ros. Desta forma, esses fungos constitu-
em-se em hospedeiros ideais para alber-
gar genes provenientes de outros orga-
nismos. A produção de hormônios, como
a insulina ou o hormônio de crescimento
humano, ou, ainda, a produção de outros
tipos de fármacos, como o interferon,
usado contra alguns vírus, pode ser leva-
da a cabo tendo fungos como hospedei-
ros de genes responsáveis pela produção
dessas substâncias. Em bactérias, hospe-
deiros tradicionais de genes clonados, as
proteínas não são modificadas de manei-
ra apropriada, como ocorre em seres
eucarióticos, como os fungos. Além do
mais, há um maior conhecimento no uso
defungos em fermentações industriais
devido a sua grande utilização na produ-
ção de antibióticos e etanol. Finalmente,
o rendimento em peso por litro do pro-
duto desejado é, em geral, maior, quando
fungos são utilizados como hospedeiros
de genes clonados. De tudo isso, pode-se
concluir que cada vez mais eles tendem
a ocupar um papel de destaque na
biotecnologia. Fica difícil descrever aqui
todas as aplicações biotecnológicas que
os fungos apresentam. No entanto, al-
guns exemplos serão dados para que o
leitor tenha ciência da importância dos
fungos em biotecnologia. No presente
artigo, alguns exemplos foram escolhi-
dos pelo seu valor econômico ou históri-
co ou por serem derivados de trabalhos
realizados no Brasil.
Exemplos do uso biotecnológico
de fungos manipulados
geneticamente
A produção de antibióticos
Um dos exemplos mais impressio-
nantes de melhoramento genético, utili-
zando técnicas de genética clássica, in-
cluindo seleção e mutação, ocorreu no
fungo filamentoso Penicil l ium
chrysogenum. Quando Fleming relatou,
pela primeira vez, em 1929, o grande
valor potencial desse fungo produtor da
penicilina no combate a doenças infecci-
osas causadas por bactérias, estava longe
de imaginar que sua linhagem, que pro-
duzia menos de 2mg do antibiótico por
litro de meio de cultivo, teria sua produ-
ção melhorada em milhares de vezes. Por
seleção natural, foram obtidas linhagens
com produção de 60mg/litro. Graças a
técnicas de indução de mutações e sele-
ção de mutantes, além da melhoria das
condições de cultivo, os aumentos foram
constantes até atingir o valor de 7g/litro.
Atualmente, estima-se que existam li-
nhagens industriais de Penicillium capa-
zes de produzir mais de 50g/litro, ou seja,
um aumento de 25.000 vezes em relação
à linhagem original de Fleming (figura 4).
Esse exemplo demonstra a importância
das técnicas clássicas no melhoramento
genético de microrganismos de valor
industrial. Aliás, foi com a produção de
antibióticos que a biotecnologia teve seu
início efetivo na década de 40, adquirin-
do em seguida a importância que tem
atualmente, quando acrescida das mo-
dernas tecnologias, especialmente a do
DNA recombinante. É na indústria de
antibióticos que existem outros exem-
plos comparáveis ao descrito para a pe-
nicilina, tanto utilizando fungos como
bactérias.
Figura 2- Colônias de fungo, resultantes
de um cruzamento sexual entre fungos da
mesma espécie, porém, com mutações para
diferentes cores. Notam-se colônias rosa-
das (caracterís-tica dada por um gene)
em contra-posição a colônias brancas,
verdes e amarelas. A proporção de colôni-
as rosadas em relação às outras é de 1:1
evidenciando uma segregação que com-
prova as leis mendelianas da genética.
Figura 3- Fusão de protoplastos em fungos
14 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
A produção de ácidos
orgânicos
Diferentes ácidos orgânicos são pro-
duzidos industrialmente por fungos. Den-
tre estes fungos, destaca-se o Aspergillus
niger, responsável pela produção de vá-
rios compostos úteis, incluindo o ácido
cítrico. Exemplos de melhoramento ge-
nético empregando-se técnicas de gené-
tica clássica e molecular nesse fungo têm
sido descritos. No Estado de São Paulo,
uma linhagem industrial utilizada para
produção de ácido cítrico em cultura de
superfície, isto é, em bandejas contendo
meio de cultura líquido com sacarose
como fonte de carbono, foi melhorada no
laboratório do Setor de Genética de Mi-
crorganismos do Instituto de Genética da
Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz, da Universidade de São Paulo
(ESALQ/USP), em Piracicaba, resultando
em um aumento na produção de até 30%
de ácido, em relação à cultura original.
Foram utilizadas técnicas de mutação,
seleção e fusão de protoplastos (figura
5). Quando as linhagens melhoradas fo-
ram levadas à indústria, ocorreram au-
mentos consideráveis na produção de
ácido cítrico. Esse é um dos exemplos
brasileiros que demonstram que os prin-
cípios genéticos na biotecnologia, quan-
do racionalmente aplicados, podem le-
var, com poucos custos, a ganhos subs-
tanciais na indústria.
A produção de etanol
O Brasil tem larga experiência na
produção de álcool combustível. O Pro-
grama Nacional do Álcool desencadeado
no final dos anos 70, decorrente da crise
do petróleo, gerou uma série de
tecnologias próprias, tornando o nosso
país líder mundial nesse sentido. Não
poderia deixar de ocorrer, portanto, o
desenvolvimento de processos visando à
produção de linhagens melhoradas da
levedura Saccharomyces cerevisiae, res-
ponsável pela produção de etanol. Linha-
gens mais produtivas, com características
desejáveis para produção de etanol e
com monitoramento na indústria por téc-
nicas de marcação molecular, foram de-
senvolvidas em vários laboratórios, sali-
entando-se mais uma vez os da ESALQ/
USP, em Piracicaba. Por tecnologia do
DNA recombinante, os laboratórios de
pesquisa das universidades de Brasília e
da USP desenvolveram em conjunto li-
nhagens de leveduras contendo genes
de amilases capazes de utilizar o amido,
por exemplo de mandioca ou batata-
doce, na produção de etanol. Essas leve-
duras manipuladas geneticamente estão
sendo aperfeiçoadas e poderão desem-
penhar um importante papel na produ-
ção de etanol. A tecnologia do DNA
recombinante tem sido também usada
por esses e outros laboratórios brasileiros
e do exterior na clonagem e
seqüenciamento de genes de interesse
industrial em fungos.
A biotecnologia na enologia
Um outro exemplo, também brasi-
leiro, é o do melhoramento via fusão de
protoplastos com produção de híbridos,
empregando-se espécies diferentes de
leveduras utilizadas na fabricação do vi-
nho. Por fusão de protoplastos, foi obtido
um híbrido entre as leveduras
Saccharomyces cerevisiae e
Schizossaccharomyces pombe reunindo
características favoráveis dos dois gêne-
ros de fungos em uma só célula (figura 6).
Esta, multiplicada e retrocruzada com a
linhagem original de Saccharomyces
cerevisiae, resultou em linhagem capaz
de utilizar uvas ácidas, como as que
ocorrem em certas safras na região Sul do
país, na produção de vinhos finos, sem
necessidade de utilização de fermenta-
ções mistas (duas espécies de leveduras)
ou, o que seria pior, adição de açúcar.
Esse trabalho resultou em patente que
está em vigor, e a levedura melhorada
desenvolvida na Universidade de Caxias
do Sul (UCS), no Rio Grande do Sul, já
está sendo utilizada com sucesso na pro-
dução de vinhos de alta qualidade.
O controle biológico de insetos
por fungos
Assim como os fungos podem even-
tualmente causar doenças em plantas e
mamíferos, também os insetos podem
ser atacados por certos fungos (figura 7).
Se usados convenientemente, eles po-
dem ser empregados no controle de
insetos-pragas de plantas cultivadas ou
mesmo de insetos vetores de doenças. O
Brasil, possuindo um clima tropical em
grande parte de seu território e com
vastas áreas cultivadas, tem dificuldades
na utilização do controle químico de
insetos, que se torna até inviável e
antieconômico em certas condições, além
de causar desequilíbrios biológicos e pro-
blemas de intoxicação. A solução é então
o uso e aplicação de técnicas na produ-
ção de “inseticidas microbianos” que
possam, se não substituir, pelo menos
diminuir o uso de agroquímicos com
vantagens econômicas e de preservação
do ambiente. O Brasil talvez seja o país
onde as pesquisas e a utilização em larga
escala de fungos entomopatogênicos,
isto é, os que atacam insetos, têm tido
maior sucesso. Melhoramento genético
clássico, desenvolvimento de marcadores
moleculares, clonagem de genes e ou-
tros estudos têm sido realizados em um
esforço conjunto abrangendo diversas
instituições. Assim, vários centros da
Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (EMBRAPA), a ESALQ/USP,
a UNICAMP, o Centro de Biotecnologia
da UFRGS, a Universidade Estadualde
Londrina, a UCS a UFPernambuco, além
de empresas privadas, têm trabalhado
com fungos como o Metarhizium
Figura 4 - Melhoramento genético para pro-
dução de penicilina pelo fungo filamentoso
Penicillium chrysogenum (modificado de
Elander R. P. (1967)). Enhanced penicillin
Biosynthesis in mutant and recombinant strais
of Penicillium chrysogenum. In Induced
mutations and their utilization (H.Stubbe,Ed.)
pp 403-423. Akademic-Verlag, Berlim.
Figura 5- Protoplastos de um fungo. Os
protoplastos foram corados, mostrando que
eles possuem vários núcleos (corpos azuis) no
seu interior.
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 15
anisopliae, Beauveria bassiana e
Nomuraea rileyi aplicando tecnologias
clássicas e modernas para um melhor
conhecimento da biologia e genética
desses fungos e no desenvolvimento de
linhagens mais eficientes no controle
biológico de insetos.
Controle biológico de doenças de
plantas e fungos endofíticos Como no
caso do controle biológico de insetos por
fungos, existem também exemplos de
fungos que atuam como controladores
de doenças de plantas. Novamente o
emprego racional dos mesmos pode pre-
venir doenças causadas por microrganis-
mos fitopatogênicos. A utilização desses
controladores naturais restringe também
a aplicação abusiva de fungicidas. As
técnicas de produção massal desses
controladores biológicos, a otimização
dos processos de aplicação e o melhora-
mento genético dos fungos empregados,
tornando-os mais eficientes, vêm sendo
desenvolvidos em laboratórios do Brasil e
exterior. Exemplos de interesse têm sido
obtidos em alguns centros de pesquisa da
EMBRAPA no Sul e Sudeste do país.
Recentemente tem sido verificado que
fungos e bactérias encontrados interna-
mente em vegetais, particularmente em
suas partes aéreas como folhas e ramos,
têm enorme importância no controle de
doenças de plantas e também de insetos.
Uma boa quantidade da população de
microrganismos que existe no interior de
plantas é constituída por fungos que são
denominados de fungos endofíticos. Eles,
além de controlarem doenças e pragas,
podem possuir outras propriedades, como
alterar o metabolismo das plantas, impe-
dindo formação de sementes ou produ-
zindo hormônios que causam modifica-
ções no desenvolvimento dos vegetais.
Existem, também, casos de incremento
de produção em plantas, graças à presen-
ça desses endofíticos. O estudo de fun-
gos endofíticos é feito em países de
clima temperado; entretanto, são escas-
sos os trabalhos com plantas tropicais.
Devido a isso, vários laboratórios do
Brasil (ESALQ/USP, UNESP, em Botucatu-
SP, Universidade Federal de Goiás,
Fiocruz, no Rio de Janeiro, Universidade
Federal do Amazonas e outras) têm
isolado e encontrado novas característi-
cas de valor biotecnológico em fungos
endofíticos. A sua manipulação genética
tem sido feita no intuito de serem
clonados genes de interesse, de tal modo
que sua reinoculação em plantas culti-
vadas poderá levar à introdução nos
vegetais de características novas e de
interesse biotecnológico.
CONCLUSÕES
Os exemplos citados não esgotam
nem de longe o potencial que os fungos
apresentam em biotecnologia. A visão
que se pretendeu dar por meio dos
exemplos selecionados foi de que a
genética, o melhoramento genético e a
biotecnologia em fungos, embora já
tenham produzido resultados realmen-
te assombrosos, como no caso do me-
lhoramento para produção de antibióti-
cos, ainda têm muito mais a oferecer. É
evidente que, no Brasil, um número
maior de micologistas, geneticistas de
fungos e biologistas moleculares tem
que existir para conseguir estudar não
só as espécies já conhecidas como tam-
bém toda a biodiversidade ainda
inexplorada no grande reino dos fungos.
Referências bibliográficas
Seguem algumas referências ge-
rais, onde o leitor poderá encontrar mais
dados sobre a biotecnologia em fungos.
São citados também alguns trabalhos de
autores nacionais referentes às pesqui-
sas acima mencionadas.
Alves, S.B. (1997) Controle
Microbiano de Insetos. Editora FEALQ,
Piracicaba (esta é a segunda edição que
deverá estar disponível no segundo se-
mestre deste ano e que apresenta vários
capítulos sobre uso de fungos no controle
biológico de insetos).
Astolfi Filho, S; Galembeck, E.V.;
Faria, J.B. & Frascino A.C.S. (1986)
Stable yeasts transformants that secrete
functional alfa-amilase encoded by cloned
mouse pancreatic cDNA. Biotechnology
1:47-54 (trabalho realizado no Brasil en-
volvendo a UNB e a USP, sobre manipu-
lação de levedura de interesse para pro-
dução de etanol).
Azevedo, J. L. (1986) Genética de
Microrganismos em Biotecnologia e En-
genharia Genética (apresenta uma série
de capítulos com revisões de diversos
autores sobre aspectos biotecnológicos
em fungos, incluindo controle biológico,
produção de ácido cítrico, enzimas
hidrolíticas e leveduras de uso enológico.
Possui também capítulos descrevendo as
técnicas de fusão de protoplastos e a
tecnologia do DNA recombinante).
Azevedo, J. L. (1997) Endophytic
fungi and their roles mainly on tropical
plants. Seventh International Symposium
on Microbial Ecology (capítulo de livro
que deverá estar publicado ainda em
1997. O capítulo possui dados sobre
fungos endofíticos com ênfase nos isola-
dos de plantas no Brasil).
Ball, C. (1984) Genetics and
breeding of industrial microorganisms.
CRC Press, Boca Raton, Florida (contém
capítulos sobre métodos de
melhoramento de fungos e suas
aplicações biotecnológicas, com ênfase
na produção de antibióticos).
Bettiol, W (1991) Controle Biológico
de Doenças de Plantas. EMBRAPA/
CNPDA, Jaguariúna (possui capítulos
sobre o uso de fungos no controle
biológico de doenças de plantas e seu
valor biotecnológico).
Carrau, J. L.; Azevedo, J. L.; Sudbery,
P. & Campbell, D. (1982) Methods for
recovery fusion products among
oenological strains of Saccharomyces
cerevisiae and Schizossacharomyces
pombe. Revista Brasileira de Genética
5:221-226 (publicação original, em grande
parte feita no Brasil, sobre obtenção de
levedura híbrida de valor enológico).
Saunders, V.A. & Saunders, J.R.
(1987) Microbial genetics applied to
Biotechnology. Croom-Helm, London
(apresenta as diversas aplicações da
genética de fungos no melhoramento
genético de espécies de valor industrial).
Figura 6 - Células híbridas resultantes de um
cruzamento por fusão de protoplastos entre
duas espécies de leveduras. O produto vem
sendo empregado com finalidades enológicas
na fabricação de vinhos finos.
Figura 7 - Fungo entomopatogênico ata-
cando inseto em seu estado larval. Nota-se
que uma das lagartas está completamente
recoberta pelo fungo, ao lado de outra sadia,
não atacada.Os fungos que causam doenças
em insetos são usados para controlar pragas
da agricultura em um processo de controle
biológico.
16 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Um pesquisador realiza em seus
laboratórios uma pesquisa de base que
faz parte de seu trabalho na universida-
de. De repente, esta pesquisa toma um
rumo, de modo pretendido ou não, que
inegavelmente apresenta uma aplicação
industrial. Conseqüentemente este pes-
quisador acaba de realizar uma inven-
ção, que, se apresentar novidade em
relação ao que já foi descrito nas revistas
científicas ou nas patentes, se apresentar
um determinado nível inventivo e não
constar das proibições expressas na lei,
é plenamente patenteável.
Quais são os direitos deste pesquisa-
dor sobre esta futura patente?
Ou, melhor dizendo:
Quais são os passos que um pesquisa-
dor deve percorrer para que sua invenção
reverta em retorno financeiro tanto para
a universidade em que trabalha quanto
para si próprio?
De um modo geral, todos os pesqui-
sadores são inventores em potencial,
sem que tenham consciência disto, pois
todo o trabalho criativo inerente a uma
invenção nasce do trabalho de pesquisa.
Toda a pesquisa debase que seria em
tese puramente teórica poderá se trans-
formar em pesquisa aplicada desde que
o pesquisador siga atalhos laterais que
partam da pesquisa de base, quer seja de
modo aleatório, quer seja de maneira
pretendida. Em resumo, a pesquisa de
base é o tronco de uma árvore e a
pesquisa aplicada são os galhos, a folha-
gem, os frutos. Ou fica-se fortalecendo o
tronco durante toda a vida da árvore ou
atenta-se para o nascimento dos galhos
e segue-se sua formação! Os atalhos
laterais, ou seja, os galhos, são as inven-
ções com aplicação industrial que geram
as patentes que, por sua vez, geram
recursos que remunerarão novas pes-
quisas.
Da Alemanha, do livro Der Schutz
wissenschaftlicher Forschungsergebnisse,
do Prof. Friedrich-Karl Beier e Dr. Joseph
Straus, constata-se que são 3 as etapas
inerentes a um processo inventivo:
1. A etapa da PESQUISA propria-
mente dita, que engloba o avanço cientí-
fico.
2. A etapa do DESENVOLVIMENTO,
à qual pertence o avanço técnico.
3. A etapa da APLICAÇÃO da pes-
quisa, que representa o avanço econômi-
co e social.
Na fase do DESENVOLVIMENTO é
onde se real izam as invenções
patenteáveis e é muitas vezes nesta oca-
sião que já se mostra indicada a elabora-
ção de um pedido de patente, mesmo que
ainda não tenha concluído naquele mo-
mento, com detalhes, o contexto inventivo
global do produto ou do processo recém-
desenvolvido. A fase da APLICAÇÃO re-
presenta a utilização do produto ou do
processo comercialmente.
Cabe agora a pergunta:
Como se situa ao redor do mundo os
direitos dos empregados e dos empregado-
res no que concerne às patentes?
Na Alemanha, existem somente duas
situações:
I. Ou a invenção se realizou durante
a vigência do contrato de trabalho, e aí o
empregador é quem tem o direito de
reivindicar a invenção (cabendo sempre
ao empregado dire i tos sobre a
comercialização do invento, os royalties
que o empregado recebe durante toda a
vida da patente);
II. Ou a invenção se deu fora da
vigência do contrato de trabalho, e aí o
empregado é que tem todos os direitos.
A Suíça segue este modelo e no
Japão o estímulo às invenções é tão
grande, seja nas universidades, seja nas
indústrias, que um inventor aufere lucro
por três vezes, se for empregado. A pri-
meira, quando é depositado o pedido; a
segunda vez, quando é concedida a pa-
tente; e a terceira vez, quando ela é
comercializada.
Durante todo o seu caminho de
pesquisa, um inventor japonês deposita
invenções mesmo não estando elas ainda
perfeitamente delimitadas em todo o
âmbito de suas aplicações. Desta forma,
seus depósitos de invenção funcionam
como se fossem pequenos segmentos de
uma integra l ou de um todo,
correspondendo cada segmento a um
pedido de depósito, e sendo a patente
global o somatório dos diversos segmen-
tos. Este modo de agir faz com que sua
invenção fique cercada em todos os
seus detalhes por várias pequenas pa-
tentes.
Os EUA seguem em princípio o que
já foi dito para a Alemanha e Suíça, mas
ao mesmo tempo têm dado muito incen-
tivo ao pesquisador, seja nas universida-
des, seja nos centros de pesquisa. Mais
especificamente, na Universidade da
Califórnia entre muitas outras, há um
centro de transferência de tecnologia
que cuida de todos os direitos da propri-
edade intelectual, apoiando os pesqui-
sadores. Há, por exemplo, por parte da
univers idade, a obr igação de
comercializar as invenções registradas
por seus pesquisadores, de procurar li-
cenciados para os ditos inventos, de
pedir o registro para os inventos e de
dividir os royalties auferidos com seus
pesquisadores (50%). Os licenciamentos
das patentes perfazem 30 a 40% da
receita da universidade, existindo pes-
quisadores de tecnologias de ponta que
já têm auferido até 1 milhão de dólares
por ano com suas patentes.
No Brasil, no caso da ausência de
um contrato específico entre empregado
e a empresa, deve o empregado buscar
suporte ou:
1) nos regulamentos nacionais so-
bre a matéria, ou
2) nos regulamentos das universida-
des, ou
3) nos estatutos das universidades,
ou
4) nas leis que regem os contratos
no país.
A nova Lei de Propriedade Industri-
al, sancionada em 14 de maio de 1996 e
que entrou em pleno vigor em 15 de
maio de 1997, deu uma ênfase muito
mais abrangente à proteção conferida às
invenções realizadas por empregados
ou prestadores de serviços, do que aque-
la já existente no Código de Propriedade
Industrial anterior. Consideramos de im-
portância salientar aqui alguns artigos
desta nova lei que por si só demonstram
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 17
o interesse do legislador de incentivar os
inventores/pesquisadores, sem que com
isto sejam prejudicados os empregado-
res.
São eles:
Art. 88 - A invenção e o modelo de
utilidade pertencem exclusivamente ao
EMPREGADOR quando decorrerem de
contrato de trabalho cuja execução ocorra
no Brasil e que tenha por objeto a
pesquisa ou a atividade inventiva, ou
resulte esta na natureza dos serviços
para os quais foi o empregado contrata-
do.
Art. 89 - O empregador, titular da
patente, poderá conceder ao EMPREGA-
DO autor de invento ou aperfeiçoamen-
to PARTICIPAÇÃO nos ganhos econômi-
cos resultantes da exploração da paten-
te, mediante negociação com o interes-
sado ou conforme disposto em norma
da empresa.
Art. 90 - Pertencerá exclusivamente
ao EMPREGADO a invenção ou o mode-
lo de utilidade por ele desenvolvido,
desde que DESVINCULADO do contrato
de trabalho e não decorrente da utiliza-
ção de recursos, meios, dados, materiais,
instalações ou equipamentos do empre-
gador.
Art. 91 - A propriedade da invenção
ou do modelo de utilidade SERÁ CO-
MUM, em partes iguais, quando resultar
da contribuição pessoal do empregado e
de recursos, dados, meios, materiais,
instalações ou equipamentos do empre-
gador, ressalvada expressa disposição
contratual em contrário.
Art. 92 - O disposto nos artigos
anteriores aplica-se, no que couber, às
relações entre o trabalhador AUTÔNO-
MO ou o ESTAGIÁRIO e a EMPRESA
CONTRATANTE e entre empresas con-
tratantes e contratadas.
Art. 93 - Aplica-se o disposto neste
capítulo, no que couber, às entidades da
administração pública, direta, indireta e
fundacional, federal, estadual ou muni-
cipal.
Parágrafo único: Na hipótese do
Art. 88, será assegurada ao INVENTOR,
na forma e condições previstas no esta-
tuto ou regimento interno da entidade a
que se refere este artigo, PREMIAÇÃO de
parcela no valor das vantagens auferidas
com o pedido ou com a patente, a título
de incentivo.
Certas universidades no Brasil, como,
por exemplo, a USP, têm convênios com
seus professores e pesquisadores, atri-
buindo a metade da propriedade das
patentes de invenção que eventualmente
forem realizadas aos ditos pesquisado-
res e a outra metade à universidade, que
por sua vez reverte ainda uma parte de
seus 50% ao núcleo de pesquisa do
inventor. Tal acordo nada mais é do que
um ato de justiça ao esforço particular
do pesquisador, já que sem ele não se
teriam invenções.
O ATO NORMATIVO nº 116 de ou-
tubro de 1993 regula esta matéria, permi-
tindo às empresas domiciliadas no país
ou não que registrem contratos com
centros de pesquisas para o desenvolvi-
mento de novas tecnologias, podendo
até haver a possibilidade de dedutibilidade
fiscal por parte da empresa quanto aos
custos das pesquisas.
Um pesquisador poderá ainda
auferir lucro sobre suas pesquisas, se
seu contrato com o empregador lhe
permitir prestar “consultorias”. De qual-
quer maneira, é absolutamente indis-
pensável, para a própria segurança do
empregado, que estas “consultorias” se-
jam consagradas por contratos, de prefe-
rência, escritos.
O usual entre as universidades, seus
pesquisadores e as empresas são contra-
tos ou convênios tripartite, onde à uni-
versidade pertencerão 33%, à empresa
33% e à financiadora33%. Como já
anteriormente mencionado, o pesquisa-
dor somente terá direitos materiais sobre
suas pesquisas se seu contrato com a
instituição para a qual trabalha assim o
tiver estipulado.
A IMPORTÂNCIA DO DEPÓSITO DE
PATENTE DE UMA INVENÇÃO
É comum e inerente ao papel de
pesquisador a PUBLICAÇÃO! Pesquisa
sem PUBLICAÇÃO não existe!
Mas, e a PATENTE?
A patente em embrião, ou seja, o
fruto de uma invenção, é morta se sua
publicação se der ANTES do depósito
escrito da invenção em uma repartição
governamental autorizada, sendo esta
repartição no Brasil o INPI (Instituto
Nacional da Propriedade Industrial).
A patente remunera o esforço
inventivo com retorno do investimento à
universidade e ao pesquisador. A publi-
cação sem PATENTE apenas comunica
o esforço inventivo, sem retorno finan-
ceiro.
A PATENTE é obrigatoriamente
publicada 18 meses após o depósito do
pedido, mas o pesquisador poderá efe-
tuar sua publicação depois de ter seu
pedido depositado a qualquer hora que
lhe convier, seja em revistas científicas
especializadas, em palestras ou em
papers.
Portanto, a PATENTE não impede
qualquer publicação, muito pelo contrá-
rio, obriga-se à publicação.
Repetindo, o pesquisador, após ter
descrito sua invenção e a tiver deposita-
do no INPI (o que poderá ser feito muito
rapidamente), poderá dispor dela para
publicação imediatamente, concluindo-
se que o depósito de uma patente não
inibe as publicações como muito erro-
neamente é repetido por leigos e até
mesmo por pesquisadores, mas apenas
garante direitos. Assim, portanto, os pas-
sos de uma pesquisa inventiva aplicada
deveriam ser:
1) Descrição por escrito da inven-
ção.
2) Depósito desta descrição no INPI.
3) Publicação por parte do pesqui-
sador para a comunidade científica, se
assim o desejar.
4) Publicação obrigatória por parte
do INPI 18 meses após o depósito.
LICENÇAS
É importante para um pesquisador
ao obter uma patente que, além do
enriquecimento de sua referência
curricular, sua invenção venha a ser
comercializada.
Como é feita esta comercialização?
Através de LICENÇAS.
O que é uma licença?
Uma licença é um aluguel remune-
rado que o inventor faz de seu invento.
A empresa que aluga (licencia) o inven-
to, remunera o dono da patente durante
os anos de sua vida de modo exclusivo
ou não exclusivo, dependendo do tipo
da licença concedida.
Uma invenção sem patentes, ou me-
lhor, sem a possibilidade de haver licen-
ças, não é comercializável porque ne-
nhuma empresa se arriscaria em investir
milhões sem ter a garantia de que auferirá
os lucros de seu investimento.
Fleming, o inventor da penicilina,
um exemplo entre muitos outros, não
quis patentear seu invento por achar que
o mundo deveria usufruir de sua
invenção sem precisar pagar royalties.
Por isso é que a penicilina deveria ser
franqueada ao público em geral a preços
baratos. O resultado de sua decisão foi
que nenhuma empresa ousou arcar com
os riscos de uma fabricação não
patenteada e somente após 10 anos, e
mesmo assim com a intervenção do
governo inglês que, em guerra,
praticamente obrigou um laboratório
particular a fabricá-la, foi que a penicilina
ficou conhecida e começou a salvar
vidas.
Assim, fica aqui aos cientistas a
mensagem:
Patente é publicação obrigatória
remunerada.
Somente o patenteamento permite a
comercialização.
Um inventor pode doar o fruto de
sua invenção para seu país, se quiser,
mesmo depois de obter a patente, mas
através do patenteamento poderá trazer
também para seu país divisas de outros
países que permitirão a continuidade de
suas pesquisas.
18 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 19
processo de geração,
divulgação e adoção
das agribiotecnologias
tem-se constituído num
importante objeto de
análise e planejamen-
to, particularmente em
países desenvolvidos. Como em todo
processo de transição, manifesta-se uma
mistura de apreensão e antecipação por
parte da sociedade - a apreensão ao
desconforto de adaptações, nem sempre
neutras e de fácil assimilação; e a ante-
cipação, relacionada às novas perspecti-
vas e às oportunidades a serem explora-
das. Nesse processo, as reações quanto
à aceitação e à adoção das novas
tecnologias são bastante variadas, po-
dendo-se agregar os seus participantes
em três grandes grupos: os inovadores,
que procuram se antecipar na adoção de
inovações; os tradicionais, avessos a
mudanças; e finalmente, os indivíduos
que se adaptam progressivamente a
modificações, visualizando-as como um
processo natural.
No presente artigo, procura-se mo-
tivar a implementação dessas novas
agribiotecnologias de uma forma plane-
jada na economia brasileira. Para tal,
considera-se importante identificar os
efeitos dessas mudanças num âmbito
mais amplo do desenvolvimento setorial.
Tal percepção pode constituir-se num
subsídio importante para o delineamen-
to de políticas relacionadas à forma de
condução e assimilação das pesquisas, à
medida que permite a definição de metas
e objetivos de uma forma bastante clara,
o que tende a reduzir a importância
relativa dos problemas implícitos a pro-
cessos dessa natureza.
Perspectiva histórica do
desenvolvimento da agricultura -
breve revisão
Numa perspectiva histórica, o de-
senvolvimento da agricultura pode ser
apresentado como uma seqüência de
três estágios. O primeiro ocorreu há
cerca de dez mil anos, quando se passou
a utilizar práticas de cultivo e variedades
melhoradas de plantas.
Na década de sessenta ,
implementou-se a “revolução verde”,
cujo impacto sobre a produção agrícola
foi suficientemente amplo para demar-
car um segundo período de desenvolvi-
mento do setor. Esse fenômeno compre-
endeu o emprego de novas tecnologias,
tais como o uso de herbicidas, fertilizan-
tes e variedades de plantas com maior
resposta à aplicação de fertilizantes. A
assimilação dessa nova tecnologia resul-
tou numa expansão na produção de
alimentos e num rápido aumento na
utilização de fertilizantes químicos.
Durante a revolução verde, a pro-
dução de trigo na Ásia no ano de 1969,
por exemplo, superou em 30% a média
do período de 1960-64, e a produção de
arroz em 1969 excedeu em 18% a média
do período de 1960-64. Os níveis de
produtividade alcançados foram pratica-
mente duas vezes superiores àqueles
obtidos com a maior parte das varieda-
des utilizadas anteriormente.
O aumento da eficiência agrícola
reduziu, por um lado, importantes obstá-
culos ao desenvolvimento de economias
asiáticas (como a indiana, paquistanesa
e chinesa), onde milhões de indivíduos
passavam fome, correndo sérios riscos
de sucumbir à inanição. Por outro lado,
as mudanças tecnológicas não foram
assimiladas de forma homogênea, fa-
zendo com que outros problemas de
natureza social e econômica, associados
à distribuição não-eqüitativa de renda,
fossem agravados. Além disso, o entusi-
asmo com os ganhos de produtividade
levou os agricultores a substituírem cul-
turas tradicionais pelas que ofereciam
maiores retornos.
Os benefícios da revolução verde
20 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento
em termos da maior oferta de alimentos
têm sido ressaltados com maior freqüên-
cia. No entanto, vários estudos associa-
ram seus efeitos a um agravamento de
problemas socioeconômicos, tais como
o desemprego e a desigualdade na distri-
buição de renda. A esses devem ser
acrescentados os prejuízos relativos à
degradação do solo por resíduos quími-
cos.
No presente artigo, não se tem a
pretensão de diagnosticar se o impacto
líquido desse processo foi positivo ou
negativo, e, sim, propor formas que per-
mitam antecipar os possíveis impactos
sociais e econômicos de processos de
natureza semelhante, a fim de fornecer
subsídios para a tomada de medidas que
possam evitar (ou minimizar) a reinci-
dência dos efeitos negativos.Goldin e Rezende (1993) argumen-
taram que o deslocamento de bens ali-
mentares no Brasil, particularmente du-
rante a década de setenta, ocorreu por
motivos semelhantes aos que provoca-
ram a substituição de produtos agrícolas
tradicionais no continente asiático. Ou
seja, nesse período, os produtos alimen-
tares foram menos privilegiados por avan-
ços tecnológicos desenvolvidos na eco-
nomia doméstica. À medida que produ-
tos exportáveis, como a soja e o açúcar,
passaram a competir por terra e outros
recursos, os produtos alimentares do-
mésticos (como o feijão e o arroz) foram
progressivamente substituídos.
Em período recente, a agricultura
mundial vem-se defrontando com um
processo que aparentemente pode ser
identificado como uma terceira revolu-
ção ou a “biorrevolução”. Os principais
fatores relacionados a esse processo são
as agribiotecnologias emergentes, além
dos sistemas de comunicação e a troca
de informação de forma mais eficiente.
De maneira geral, os objetivos dessa
biorrevolução envolvem um aumento da
quantidade e da qualidade na produção
de alimentos, incluindo-se a elevação da
taxa de produto por unidade de insumo.
Norman Ernest Bourlag, conhecido
como o pai da revolução verde, vê a
engenharia genética, com suas plantas
transgênicas e clones de animais, como
a frente de uma nova revolução na
produção de alimentos.
Vários trabalhos conduzidos em
meados da década de 80 têm sugerido
que esse novo processo de transição
tecnológica tem um maior potencial para
apresentar impactos positivos em termos
distributivos e de geração de empregos,
comparado à revolução verde. Esse ar-
gumento sustenta-se em perspectivas de
que a infusão de biotecnologias venha a
proporcionar condições para um desen-
volvimento econômico mais integrado e
equilibrado entre a agricultura e o setor
industrial, ao contrário do que ocorreu
na revolução tecnológica da década de
60. O estímulo à consolidação de novos
sistemas agroindustriais apresenta-se pro-
missor, particularmente como um instru-
mento que poderá alavancar um proces-
so de desenvolvimento econômico sus-
tentado, tendo como base relações
intersetoriais mais equilibradas.
O desafio apresenta-se, portanto,
como a determinação de formas para
maximizar os benef íc ios das
agribiotecnologias na economia brasilei-
ra, ao mesmo tempo em que se minimizam
os custos socioeconômicos associados a
problemas distributivos.
Uma pauta para a formulação de
estratégias.
No contexto da agricultura brasilei-
ra, a biotecnologia tem promovido o
desenvolvimento de plantas de melhor
qualidade, mais resistentes a adversida-
des ambientais, além de formas adequa-
das ao processamento industrial (o que
auxilia a integração dos vários subsetores
da agr icul tura em s is temas
agroindustriais).
Técnicos do Centro Nacional de
Recursos Genéticos e Biotecnologia -
CENARGEN, da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, ava-
liam o impacto das biotecnologias no
Brasil como sendo mais evidente em
áreas de recuperação, conservação e
caracterização de variabilidade genética,
e de reflorestamento. Tem-se direcionado
esforços também para o desenvolvimen-
to de inoculantes mais competitivos e
com maior capacidade de sobrevivência
nos solos para “culturas-chave” como o
feijão e soja. A utilização de insumos
biológicos para assegurar o suprimento
adequado de nitrogênio para essas cul-
turas deverá, eventualmente, prover um
aumento na produtividade sem custos
adicionais, além de se apresentar como
uma alternativa que viabiliza a conserva-
ção ambiental.
É importante atentar ao fato de que
os programas de pesquisa para a agricul-
tura utilizados em décadas passadas ti-
veram um impacto negativo sobre a
distribuição de renda e para a oferta de
alimentos (Pastore, 1984; Homem de
Melo, 1985). Considerando-se que a dis-
tribuição de renda e a oferta de alimen-
tos são determinadas primariamente por
Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento 21
fatores sociais e naturais, é relevante
questionar se uma inovação tecnológica
pode compensar as deficiências relati-
vas à situação socioeconômica prevale-
cente no país. Neste contexto, é impor-
tante destacar, ainda, que o modelo de
desenvolvimento brasileiro ao longo das
duas últimas décadas buscou promover
um crescimento rápido da economia,
tendo-se ut i l izado uma estratégia
desenvolvimentista que priorizou a subs-
tituição de importações de bens de capi-
tal e insumos básicos, bem como a
dinamização das exportações de manu-
faturados. Esse processo resultou numa
acentuada transferência de recursos do
setor agrícola em favor dos setores se-
cundário e terciário, o que conduziu,
por sua vez, a uma alteração desfavorá-
vel na taxa de crescimento relativa da
agricultura.
Mais recentemente, pressões políti-
cas e econômicas têm induzido o país a
liberalizar seu regime de comércio exte-
rior, sendo que os esforços nessa dire-
ção vêm sendo acompanhados de um
grande empenho na retomada do cresci-
mento econômico, particularmente atra-
vés de uma melhor alocação dos recur-
sos disponíveis.
Quando ocorre uma realocação de
recursos (o que pode ser provocado
pela introdução de uma inovação
tecnológica), os padrões de pagamentos
aos fatores alteram-se, trazendo conse-
qüências tanto para a distribuição de
renda como para a estrutura de emprego.
Nesse processo, sempre existem grupos
na sociedade que atingem maiores ní-
veis de satisfação com as mudanças,
enquanto outros sofrem perdas efetivas.
Tendo-se em conta, portanto, que
os programas de pesquisa para a agricul-
tura têm sido importantes na determina-
ção da distribuição de renda e na oferta
de alimentos no país, e que esses fatores
podem e devem ser melhorados, torna-
se importante direcionar esforços para
assegurar que os impactos dos desen-
volvimentos de novas tecnologias ve-
nham a ser administrados de forma ade-
quada. Isso envolve um esquema de
planejamento baseado na identificação
prévia da viabilidade na condução do
processo e dos possíveis efeitos positi-
vos (e negativos). A determinação dessas
características permite que se trabalhe
para ampliar os impactos positivos po-
tenciais. De uma mesma forma, tem-se
elementos para identificar impactos ne-
gativos potenciais e ajustá-los, antes que
venham a ser institucionalizados.
Os es tudos re lac ionados à
biorrevolução têm apresentado, a princí-
pio, perspectivas otimistas, indicando
que a biotecnologia deverá ter um gran-
de impacto na produção agrícola, com
reflexos favoráveis tanto no que se refe-
re à distribuição de renda como à oferta
de alimentos, e nos níveis de emprego da
população (Salles, 1986; Possas et al,
1994). É possível e desejável, portanto,
aumentar a probabilidade do sucesso na
implementação dessa reforma
tecnológica, pela identificação prévia dos
grupos que irão usufruir de maiores
ganhos ao longo do processo.
Alguns itens de âmbito global, sele-
cionados para a composição de uma
pauta para a definição de estratégias das
novas agribiotecnologias no contexto
brasileiro, são listados a seguir:
. Identificação da forma pela qual
as novas tecnologias poderão ser absor-
vidas, traduzidas e interpretadas tanto
pelas instituições públicas como pelas
entidades privadas envolvidas na pro-
moção de seu desenvolvimento e divul-
gação.
. Verificação do grau de aceitação
das mudanças previstas em decorrência
da assimilação da nova tecnologia tanto
por parte da sociedade, como pelos
formuladores de política.
. Avaliação da viabilidade na
implementação das novas técnicas, ten-
do-se em consideração:
 - a importância atribuída pelo go-
verno e pela sociedade às soluções pro-
porcionadas pela sua adoção;
 - o enquadramento das mudanças
potenciais nas metas delineadas pelo
governo;
 - a aceitação dessas mudanças pelas
empresas privadas que promovem o
desenvolvimento e a divulgação

Continue navegando