Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DCV0212 – Fontes das Obrigações: Teoria Geral dos Contratos e Contratos do Código Civil Professor Associado José Fernando Simão Caderno organizado para a prova parcial do 2o semestre de 2013 Turma 185 Organizadora: Aline Nazareth Colaboradores: Beatriz Rico, Camila Oliveira, Débora Chammas, Débora Nachmanowicz, Débora Vizeu, Izabella Passos e Stephanie Kodlulovich. P á g i n a | 2 Aline Nazareth – Turma 185 Aula 05.08 Bibliografia: Dos Contratos – Orlando GOMES; Contratos – José Fernando SIMÃO. Inadimplemento das obrigações Artigos 389 e 4201 do Código Civil Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Pagamento é a realização da obrigação no tempo, forma e lugares devidos. Pagar é cumprir o programa obrigacional. A situação normal, comum, é que a obrigação tenha seu fim com o pagamento. Ou seja, adimplemento é o meio comum da extinção das obrigações. Agostinho ALVINO diz que o inadimplemento das obrigações é um estado patológico, é um estado raro, mas é mais importante para os juristas, pois são incitados a agir quando a obrigação é inadimplida. Inadimplemento é o não cumprimento da obrigação, tanto pelo devedor quanto pelo credor. Diante de um inadimplemento, o intérprete deve se perguntar se o não cumprimento é ou não imputável ao devedor. Ou seja, o devedor teve ou não culpa pelo inadimplemento. Se a resposta for positiva, ele responderá; do contrário, não. E quando é que o inadimplemento não será culpa do devedor? O inadimplemento não poderá ser imputado ao devedor quando resultar de caso fortuito ou força maior. Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. Qual é a diferença entre caso fortuito e força maior? O Professor Maurício BUNAZAR diz que existe diferença porque, então, não haveria denominações diferentes, mas ninguém sabe – perdeu-se nos tempos, não há base histórica. Assim, a doutrina é absolutamente divergente. Fato é que a legislação os trata como expressões sinônimas, ambas têm a mesma eficácia: irresponsabilizar o devedor pelo inadimplemento. O Código de Defesa do Consumidor não arrola (não coloca em lista, no rol) o caso fortuito e a força maior como causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor. O artigo 122 não contempla o fortuito e a força maior. Porém, a doutrina estabeleceu uma distinção 1 Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar. 2 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; P á g i n a | 3 Aline Nazareth – Turma 185 que é acolhida pela jurisprudência: fortuito interno é aquele ligado à atividade do fornecedor e fortuito externo é aquele estranho à atividade do fornecedor. O fornecedor responde pelo interno – Súmula 479 do Supremo Tribunal de Justiça: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Toda norma de conduta tem o chamado “âmbito de proteção”, que é o espaço abarcado pela norma. Assim, precisa-se descobrir se estamos ou não dentro desse âmbito. No caso de eu estar com um carro parado dentro de um estacionamento e ter minha carteira roubada na hora do pagamento, eu estou nesse âmbito de proteção? Não. A norma protege o meu carro e não a minha pessoa. Quando eu faço o contrato de transporte de pessoas – passagem de ônibus – em segurança. Se eu for assaltado, o que acontece? Mas, antes, que tipo de segurança é essa? A segurança é contra acidente. O Supremo Tribunal de Justiça dizia que se a linha do transporte é sabidamente perigosa, o transportador responde. Graças a Deus o STJ mudou de posição e disse que o transportador não responde. O mesmo pensamento ocorre dentro de uma sessão de cinema caso ocorra um massacre: a responsabilidade do cinema é proteger contra briga física, garantir o filme etc. Isso é diferente de um assalto que ocorre dentro de um shopping ou quando uma joalheria é roubada dentro de um também – há a questão da segurança porque esta é abarcada, é presumida – paga-se mais cara por ela. Nos casos de âmbito de proteção, para saber o seu limite, eu vou aplicar o que usualmente se aplica, de acordo com a razoabilidade – é abstrato, depende fundamentalmente da experiência jurídica, do dia-a-dia. Sendo assim, em algumas hipóteses, o devedor responderá pelo fortuito. Quais são essas hipóteses? 1. Quando ele assume contratualmente a responsabilidade (contratos paritários), sendo nulo quando houver disparidade entre as partes, como no caso de consumidor e produtor. 2. Em algumas hipóteses, a lei expressamente impõe ao devedor a responsabilidade pelo fortuito. Exemplo: venda com reserva de domínio, mora do devedor etc. Se o inadimplemento for por culpa do devedor, ele responderá: (i) por perdas e danos (prejuízo causado), (ii) correção monetária (atualização do valor alterado pela inflação, o índice oficial de correção é o IPC – Índice de Preços ao Consumidor. Observação: o artigo 2º da Lei 10.192 de 20013, Lei do Plano Real, proíbe correção monetária em periodicidade inferior a um ano com o intuito de conter a inflação), (iii) juros (espécie de fruto civil do capital – capital é o principal e o fruto civil é o acessório) e (iv) honorários de advogado (sucumbências – situação de quem perdeu – ou contratuais? Há divergência na doutrina sobre a natureza desses honorários. Alguns entendem que são os sucumbenciais, outros que são contratuais. Este último posicionamento é o adotado no Enunciado 426 do CJF4 – Conselho da Justiça Federal –: caráter de doutrina, não vincula). III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 3 Art. 2o É admitida estipulação de correção monetária oude reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. § 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano. § 2o Em caso de revisão contratual, o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido. 4 “Os honorários advocatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confundem com as verbas de sucumbência, que, por força do art. 23 da Lei n. 8.906/1994, pertencem ao advogado”. P á g i n a | 4 Aline Nazareth – Turma 185 Distribuição da culpa Artigo 3925 do Código Civil Cada classificação corresponde a um regime jurídico. Nos contratos onerosos, ambos os contratantes respondem por culpa. Nos contratos benéficos, aquele que prestou a vantagem somente responde por dolo. Ver súmula 145 do STJ: No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave. “A culpa grave ao dolo se equipara”. Então, se o meu agir foi absolutamente desastrado, equivale ao comportamento doloso. Contudo, há algumas exceções, por exemplo: o depósito e o mandato, a princípio, são benéficos, mas o prestador do benefício responde por simples culpa. Exemplo: vou viajar e deixo o meu cachorro com a minha vizinha. Ao passear com ele, ela o deixa escapar e ele morre atropelado – a vizinha responderá por simples culpa. O inadimplemento divide-se em duas espécies: 1. Absoluto: caracteriza-se quando a realização da prestação não mais atender aos interesses do crédito – não atingir objetivamente os interesses do credor, ou seja, não é algo pessoal de interesse dele. 2. Relativo ou mora: a realização da prestação ainda atenderá aos interesses do crédito. Ou seja, a definição gira em torno do interesse ou não da realização da prestação. Quando que eu definirei o inadimplemento como absoluto ou relativo? Quando houver interesse na prestação, é relativo; quando não houver mais, é absoluto. Mora Artigo 394 do Código Civil Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer. Graças ao Clóvis BEVILACQUA, temos o melhor sistema de mora do mundo. Mora é atraso, etimologicamente falando. Contudo, isso não funciona no nosso Código, que possui um sistema tripartido: mora é o inadimplemento relativo em relação ao tempo, ao lugar e à forma do pagamento. Eu tenho tempo, lugar e forma certa de fazer o pagamento – caso faça em outro lugar, por exemplo, estou em mora. Aula 07.08 Espécies de Mora 5 Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei. P á g i n a | 5 Aline Nazareth – Turma 185 1. Mora do devedor – debendi, debitoris ou mora solvendi (conhecida assim porque o devedor é quem solve, é o solvente – solvens). Só há mora do devedor se ele agiu com culpa – elemento fundamental para que se impute a mora ao devedor. Se ele não teve culpa, houve simples atraso, logo, não imputarei ao devedor as consequências da mora (juros, multa etc.). Se eu imaginar que o devedor tem que entregar o cavalo no dia 10 de janeiro e há um grande alagamento fazendo com que ele não consiga entregar, não houve culpa dele, logo, não há mora. É o chamado simples atraso ou retardamento. Por isso entende-se que quando os bancos entram em greve e as pessoas não conseguem pagar seus boletos, trata-se de um caso típico de um atraso que não é mora. Multa pressupõe culpa, porém, o PROCON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) decidiu que o devedor deve procurar outros meios de pagamento, como a internet, o que para o professor é um absurdo. Há ainda outro caso colocado pelo Código Civil – artigo 399. Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. Como mostrado, coloca que o devedor em mora responde pelo caso fortuito ou pela força maior. Portanto, há o efeito do aumento da responsabilidade do devedor: responde por algo que, na situação ordinária, não responderia. Contudo, há o porém no artigo de que se o devedor provasse que ainda que tivesse cumprido a prestação, haveria o prejuízo, ele não responderia pela força maior/caso fortuito – a morte do cavalo seria inevitável, mesmo que ele tivesse sido entregue oportunamente. Tal regra tem como fundamento evitar o enriquecimento sem causa. Ainda, pode-se dizer que esse artigo é processual: quem tem que provar é quem alega que o cavalo teria morrido da mesma forma – questão de prova e também de juízo de probabilidade. O artigo coloca também sobre a isenção de culpa. Eu não respondo por mora se eu provar isenção de culpa, mas o que significa isenção de culpa? O devedor que não tem culpa, não tem mora – só há mora se houver culpa. Se o devedor está em mora, ele responde pelo caso fortuito e pela força maior. Se o devedor prova que ele não teve culpa (isenção de culpa), ele não está em mora – é simples retardo. E se ele não estava em mora, ele não responde por ela e, consequentemente, pelo caso fortuito e força maior (responsabilidade pela mora). Essa é a explicação do Agostinho Alvino, autor do novo Código Civil de 2002 – ou seja, é a explicação básica do fundamento da mora. 2. Mora do credor – credente, creditoris ou mora accipiendi. Caso prático: eu devo um cavalo a alguém. No dia avençado, eu contrato o caminhão, coloco o cavalo lá e vou até a fazenda da pessoa para entregar, mas ela não está. Eu pego o cavalo, pego de novo o caminhão e deixo o cavalo na minha fazenda. Tenho um gasto com o cavalo por uma semana. Na semana seguinte, eu faço tudo de novo com o caminhão. Com culpa ou sem culpa da pessoa por não ter pego o cavalo no dia certo, quem vai arcar com os gastos? O credor – regra do favor debitoris. A mora do credor se verifica independentemente da culpa deste. Portanto, se pessoa não receber o cavalo ou porque bebeu ou porque estava hospitalizado, não interessa se há culpa ou não, o credor entra em mora simplesmente por não receber a prestação para que se evite um sobrepeso, uma carga maior nos ombros do devedor, que já tem a carga obrigacional. P á g i n a | 6 Aline Nazareth – Turma 185 Contudo, o credor não é obrigado a aceitar prestação diversa daquela avençada no dia certo. A recusa nesse caso é justa – ele não entra em mora. Quais são os efeitos do credor entrar em mora? Isso se encontra no artigo 400 do Código Civil: Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação. O credor em mora responde pelas despesas que o devedor teve com a coisa (benfeitorias necessárias). O devedor teve uma diminuição da sua responsabilidade: no caso da mora do credor, o devedor só responde por dolo – antes ele respondia por dolo e por culpa, agora tem sua responsabilidade diminuída. Agora só responde pelos prejuízosintencionalmente causados, como é o caso de matar o cavalo. Última consequência: se eu tenho uma compra e venda, eu tenho um comprador que é credor da coisa e devedor do dinheiro. Por sua vez, o vendedor é credor do dinheiro e devedor da coisa. Vendo uma saca de café por oitenta reais para ser entregue no dia 10 de janeiro. Nesse dia, o comprador não está lá para receber – mora do credor: é mora do credor porque ele é credor da coisa. Depois de uma semana, tento entregar novamente, contudo, a saca de café aumentou para cem reais. Assim, o comprador tem que pagar o valor mais alto, pois responde pela mora. Se, por acaso, o valor caiu para cinquenta, o comprador deve continuar a pagar oitenta reais. O comprador – credor da coisa – sempre tem que pagar o preço mais alto. Os riscos da oscilação ficam com o credor que está em mora. É possível mora recíproca? Esqueço-me de levar o cavalo e o credor esquece-se de buscá-lo. Se houver mora recíproca ou simultânea, as moras se aniquilam e não há produção de nenhum efeito, pois a mora do credor diminui a responsabilidade do devedor e a mora do devedor aumenta a sua responsabilidade. Isso se chama compensação de moras. É possível purgar ou emendar a mora? Sim. Porque, na mora, a prestação ainda é útil ao credor, logo, tanto o devedor quanto o credor podem purgar a mora. Purgar significa que o devedor cumpre a prestação ou que o credor recebe a prestação, mas com os consequitários da mora – cada um com as suas responsabilidades, dependendo se é mora do credor ou do devedor. A mora ainda pode ser ex re ou ex persona – possibilidades quanto ao início da mora. O que é a mora ex re? É a mora automática, que independe de qualquer atividade do credor. Chegou o dia, a obrigação não foi cumprida: há mora. Essa mora é a regra no sistema brasileiro por força do artigo 397 do Código. Exemplo: qualquer boleto bancário, aluguel etc. Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva (dar ou fazer) e líquida (certa quanto à existência e determinada quanto ao valor), no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Contudo, existem obrigações que não têm prazos de vencimento ou porque o valor não foi acertado – ex persona. Exemplo do caso do semestre passado em que o pai tinha prometido o apartamento pelos filhos. Quando começa a mora? Depende de uma atitude do P á g i n a | 7 Aline Nazareth – Turma 185 credor, depende de uma interpelação. Atenção: deve-se respeitar o prazo razoável. É parágrafo único do artigo anterior: Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. Ainda, existem leis especiais que podem transformar uma mora ex re em ex persona. É uma opção do legislador. O Decreto nº 58 de 1957, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações, é um exemplo disso. Juros Os juros são frutos civis produzidos pelo capital e, portanto, são acessórios. Ainda, juros não se confundem com correção monetária – esta é a atualização do valor da moeda em relação à inflação. Espécies de Juros Quanto a sua função, temos duas: 1. Juros compensatórios ou remuneratórios Quando eu resolvo aplicar o meu dinheiro em um banco, o banco me paga juros porque investi dinheiro – o banco trabalha com o meu dinheiro, assim, me remunera, me paga juros remuneratórios ou compensatórios. Muita gente chama esse tipo de empréstimo de dinheiro e sua consequente remuneração de “aluguel de dinheiro”. Nada tem a ver com o inadimplemento. 2. Juros moratórios Esse nasce da própria mora, do atraso culposo, como o próprio nome já diz. Quanto à origem: 1. Juros convencionais Como o próprio nome diz, são os juros que nascem da vontade, do acordo de vontades. São os juros previstos em contratos, são combinados. Atenção: não há juros remuneratórios que nasçam da lei, eles nascem necessariamente de acordo entre as partes. Se não há previsão de juros, prevalece o nominalismo. 2. Juros legais Têm previsão legal. É o caso dos juros moratórios, já que advêm de mora. Um exemplo disso são os juros advindos do atraso do pagamento do aluguel – decorre da Lei do Inquilinato. Sendo assim, os juros moratórios são juros legais. Como dito, as partes podem fixar os juros da mora. Existe limite para tal convenção? O Decreto nº 22.626 de 1933 (Lei da Usura) prevê a nulidade da taxa de juros que for superior ao dobro da taxa legal. A taxa legal de juros é de 1% ao mês com base no artigo 161, § 1º do Código Tributário Nacional6, contudo, o Supremo Tribunal de Justiça adota a taxa SELIC, que varia de acordo com os humores da economia e serve para a política macroecômica – de 6 Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês. P á g i n a | 8 Aline Nazareth – Turma 185 maneira nenhuma deveria ter sido a taxa adotada pelo Código Civil no seu artigo 4067, pois pensa a economia como todo. Assim, deveria prevalecer o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que toma o ditado pelo artigo 161, §1º do CTN. Ainda, os bancos e as financeiras não se incluem nesse limite, podendo cobrar o que quiser. Mas não é assim hoje em dia, na prática: se o banco cobrar uma taxa abusiva, o Judiciário pode intervir e controlar. Mesmo assim, os bancos e financeiras não estão sujeitos à Lei da Usura por serem usurários por natureza. Se a mora se iniciou na vigência do Código Civil de 1916, a taxa legal de juros era daquela época, de 0,5% – expresso no artigo 1062. Se a mora começou no Código antigo, não posso aplicar a taxa do Código Civil atual (a SELIC) porque estaria retroagindo a lei para o momento anterior a sua existência. Quando entrou em vigor o Código novo, começa a SELIC. Assim, se a mora se perpetuou no tempo, mas começou antes do Código novo, o juros é de 0,5% até 2002 e só se vale da SELIC pós-2002. Início dos Juros de Mora Quando é que se iniciam os juros de mora? O Código de Processo Civil tem uma regra que o Código Civil reproduziu, mas os juízes aplicam-na erroneamente. Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial. Portanto, os juros começam com a citação. Agora, o problema é que o artigo 405 traz uma regra que precisa ser lido com o artigo 397 – aplicado nos casos de mora ex re. Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. Se a data tiver data de vencimento, a mora é automática (ex re). Logo, se a obrigação tiver prazo de vencimento, como a mora é automática, os juros não podem começar da citação, devendo começar da data do inadimplemento. Mas no caso de a obrigação advir de ato ilícito, os juros começam a partir da data do ato ilícito – artigo 398, que reflete o previsto na Súmula 54 do STJ e no Enunciado 163 do CJF. Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou. Cláusula Penal Artigos 411 a 417 do Código Civil 7 Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostosdevidos à Fazenda Nacional. P á g i n a | 9 Aline Nazareth – Turma 185 Chamada de multa contratual. Entretanto, “multa” é um termo com mais de um significado para o Direito. A mula contratual é o acordo de vontades que, na qualidade de obrigação acessória, prevê uma prestação para hipótese de descumprimento do contrato. Qual é a função da cláusula penal? Devo cem reais para a Sabesp e cem para SIMÃO, mas só tenho cem reais. Para a Sabesp tem multa, para o Simão, não. Assim, a primeira função cláusula penal estimula o cumprimento da prestação. Toda vez que o devedor descumpre a prestação por culpa, responde por perdas e danos. É fácil para o credor provar que teve prejuízo com o inadimplemento da obrigação por culpa do devedor? Depende do caso – o locador não consegue provar facilmente que teve prejuízo com um dia de atraso do pagamento do aluguel. É por isso que a segunda função da cláusula penal é a pré-fixação das perdas e danos. Ou seja, combino o valor do prejuízo e combino por presunção absoluta, não cabendo prova em contrário. Aula 09.09 Conceito de Contrato Qual é o conceito de contrato? Contrato normalmente acaba por se confundir, na cabeça do leigo, com o instrumento do contrato. Aliás, é muito comum ouvir do cliente: eu moro em um imóvel há três anos, pago aluguel, mas não tenho contrato – porque o leigo confunde o instrumento do contrato (papel), que é como o contrato se materializa, com o contrato enquanto instituto. O contrato é um negócio jurídico abstrato, que se aperfeiçoa a partir de um encontro de vontades. Duas vontades, pelo menos, em sentidos opostos, e desse amálgama destas duas vontades é que nasce o contrato. Portanto, o contrato é um instituto abstrato que está no mundo das ideias; é um instituto que não precisa necessariamente tomar a forma física: quando toma a forma física, digo que tenho o instrumento do contrato. O contrato é a abstração – o papel é a instrumentalização. Se o contrato nasce no mundo das ideias, desta abstração, não seria melhor dizer que ele precisa de um instrumento escrito? Por que deixá-lo no mundo das ideias? O metrô transporta três milhões de passageiros por dia. Imagine se três milhões de passageiros precisassem celebrar um contrato escrito para serem transportados todas as vezes? A formalidade levaria o transporte urbano ao caos porque o sistema, quando abre mão da forma escrita, democratiza o concreto. Democratizar no sentido de que o contrato passa a ser de acesso franco, acesso amplo. Por isso que a maioria dos contratos não precisa da forma escrita para valer: a maioria tem forma livre. E por isso que os contratos verbais são admitidos pelo sistema jurídico brasileiro. Agora, alguns costumam fazer certa confusão. É possível contrato de locação de imóvel urbano sem o instrumento, sem a forma escrita? A Lei do Inquilinato é especifica: a locação pode ser verbal. Logo, a locação pode nascer do simples acordo de vontades – não necessita do instrumento escrito para valer. O comodato é verbal por excelência. Exemplo do empréstimo de caneta – o famoso “emprestar”. É um contrato de forma livre por excelência. Em certos tipos contratuais, contudo, a lei elege o valor da segurança jurídica no lugar da democratização. Isso quer dizer que certos contratos devem seguir a forma escrita. Um deles é a fiança porque, no tocante a ela, o Código Civil diz que a fiança dar-se-á por escrito – ou eu sigo isso, ou ela será nula. A lei sacrifica o acesso ao contrato, a sua democratização, para ter e garantir segurança jurídica. P á g i n a | 10 Aline Nazareth – Turma 185 Para o bom funcionamento do sistema, a regra é da não necessidade da forma escrita. A forma verbal é plenamente admitida como válida no Direito brasileiro. Portanto, celebramos contratos verbais diversas vezes ao dia. A partir dessa ideia, é preciso tirar o conceito de contrato, já que este não se confunde com o instrumento do contrato (papel) – como dito. A definição é quase que empírica, ela pouco precisa do Direito: acordo de vontades. E é claro que esse acordo de vontades vai ter por objeto criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Definição mais técnica: Contrato, na categoria dos atos humanos lícitos, é negócio jurídico que cria, modifica ou extingue relações jurídicas (direitos e deveres). Quando definimos negócio jurídico, lembramos que a vontade está no momento da formação. E os efeitos também decorrem dessa vontade. Ou seja, vontade está na formação e na produção de efeitos. A doutrina, assim, define negócio jurídico como a autorregulamentação da vontade das partes. Se eu pegar o vício oculto ou o redibitório, o Código Civil diz que o alienante responde pelo vício oculto nos chamados contratos comutativos. Se eu vendo um carro com defeito, mesmo que oculto, por ele eu sou responsável. Contudo, o contrato é negócio jurídico e há a autorregulamentação da vontade das partes, fazendo com que o contrato possa dizer que o vendedor não responde por vício oculto – a vontade prevalece sobre o texto de lei, se esta não for de ordem pública. Exemplo: seu comprar um carro de uma concessionária e a concessionária colocar que não responde pelos vícios do carro no contrato, esta é uma cláusula nula porque não é válida uma cláusula de irresponsabilidade. Isso ocorre diferentemente para aquele que quer vender o carro, mas não é fornecedor próprio disto – pode combinar com o comprador que não é responsável pelos vícios ocultos. Portanto, a norma relativa à responsabilidade do alienante por vício oculto é norma supletiva, só se aplica se as partes não declaram vontade. O conceito de contrato tratado até agora não trouxe a questão que o Direito italiano resolveu, mas que, para a doutrina brasileira, não é pacífica: objeto que tem por prestação natureza econômica ou patrimonial da prestação. O Código Civil italiano expressamente diz que o contrato tem por objeto uma prestação de natureza econômica. VILLAÇA dizia que contrato não precisa ter conteúdo econômico ou patrimonial, dando exemplo: marido e mulher terminam casamento, resolvendo por acordo disciplinar duas coisas – quem tem a guarda e quem tem direito de visita ao filho. Contrato de Direito de família sem qualquer conteúdo patrimonial. O conceito aqui é alargado, passa a assumir o valor de qualquer acordo de vontade. Muitos anos depois, um professor da federal do Paraná, Paulo NALIN, escreve um livro sobre a constitucionalização do Direito Privado em matéria contratual. Nessa obra, defende a existência de contratos existenciais, que se oporiam aos contratos patrimoniais: contratos sem qualquer aferição pecuniária da prestação. Um dos exemplos dados, que o professor Simão discorda, é daqueles atores que fazem campanha solidária sem receber cachê – a opinião do professor é a de que é um contrato patrimonial do qual o ator abriu mão. Então, a ideia de contrato sem natureza econômica ou patrimonial é chamar qualquer acordo de vontades de contrato. O problema desse debate surge no chamado “contrato de namoro”. Pode ser entendida como união estável – união estável, se de fato é, é união pública, contínua ou duradoura, com intuito de constituir família e não tem papel para comprovar: se você chama isso de namoro, é fraude à lei – continua sendo união estável. P á g i n a | 11 Aline Nazareth – Turma 185 Se eu não estiver em união estável e sim em namoro: algum dia poderei pretender constituir família. Se a gente procura advogado e diz para fazer contrato de namoro. Qual é o objeto de contrato? Não há tecnicamente prestação, não consigo enxergá-la. O que se pode existir é declaração conjunta de namoro – duas pessoas dizendo a mesma coisa. O Tribunal de Justiça entendeu que era válido o contrato de namoro para afastar a união estável. Simãofinaliza esse tópico ao defender que casamento não é contrato, baseando-se no artigo 1.5118. Alguns autores defendem a tese de que o contrato morreu. Imagine um contrato entre Tício e Mévio em 220 de compra de grãos. Agora um contrato de compra e venda aqui na Saraiva. Comparando a compra e venda de Tício e Mévio com a do Simão com a Saraiva, nota- se que o contrato mudou muito nos últimos séculos. A partir dessa reflexão, um autor lançou uma expressão: “morte do contrato”, justamente por ele não ser mais o mesmo, já que hoje em dia o contrato acaba sendo só de adesão (vontade sofre muitas limitações) ou resultante também das regras de ordem pública que o limitam – há um simulacro de contrato. A Revolução Francesa culminou no Código Napoleônico, acarretando na vitória de algumas ideias da burguesia. Assim, no século XIX, o contrato era um ato entre iguais e livres, e se somos iguais e livres, não podemos sofrer a intervenção de terceiros (o Estado juiz não podia interferir). Entretanto, a igualdade e a liberdade eram formais (e não materiais) e a fraternidade só veio no contrato no século XXI com a função social do contrato. Aí, então, houve a intervenção do Estado sobre o contrato, de duas maneiras distintas ao longo do tempo: 1. O Estado legislador, por meio de lei, cria os chamados “microssistemas” ou legislações especiais. Essas legislações especiais, ou microssistemas, reconhecem a diferença de poder nos contratos – um é mais fraco do que o outro. Isso se cunhou como vulnerabilidade dos contratantes. E a partir do momento que o Estado legislador reconhece que uma das partes é mais fraca, esta parte merece proteção. Com isso, houve a Consolidação das Leis do Trabalho como consequência – CLT –, por exemplo. Teve outros decretos e leis, como a proteção ao comprador de lote rural etc. Assim, o Estado cria microssistemas protetivos e até hoje isso é efetivo. A Lei de Locação de 1991 continua produzindo efeitos; tem o Código do Consumidor e manteve a CLT. O Estado protege a parte mais fraca criando leis especiais. 2. Mas o momento que vivemos é muito mais interessante, momento este que a Alemanha vive desde o BGB e que a França nunca teve: quando o Código Civil opta por romper com o sistema fechado pelo qual o juiz era boca da lei e adota o sistema aberto, ético – abandona essa velha noção de Montesquieu e abre as chamadas cláusulas gerais. A partir dessas cláusulas, abre-se uma janela para o juiz fazer uma intervenção sobre o contrato: não é mais um microssistema protetivo de alguém que é vulnerável, é um sistema inteiro aberto para a proteção de certas pessoas que também precisam. O Direito chegou a uma sofisticação nos contratos que não precisa mais criar microssitemas protetivos para o vulnerável – o sistema inteiro fica aberto à proteção do necessitado – exemplo da boa-fé e da função social do contrato. Caminhamos de uma total autonomia, de uma total não- intervenção do Estado sobre o contrato, e hoje temos uma total intervenção do Estado no contrato, quer seja pelo microssistema quer seja pelo sistema aberto. Aula 11.09 Classificação dos Contratos 8 Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. P á g i n a | 12 Aline Nazareth – Turma 185 O sistema de classificação é interessante porque classificar significa agrupar os semelhantes e afastar os diferentes de acordo com quem classifica e seus critérios. Assim, as classificações variam de acordo com os critérios adotados por cada classificador. É difícil dizer se uma classificação está certa ou errada; é melhor dizer se é útil ou inútil. A classificação boa é a que tem efeito e utilidade práticos – tem um propósito. A cada critério de classificação, o professor vai indicar para o que serve e quais são os seus efeitos práticos. Primeiro critério: quanto à existência de contraprestação a. Contrato Unilateral Tem apenas prestação, não possuindo contraprestação. É o exemplo do contrato de doação. Os contratos de mútuo e de comodato, ou seja, as modalidades de empréstimo, também são unilaterais porque só tem prestação para o devedor (mutuário e comodatário). Alguns chamam o mútuo e o comodato, como o próprio CARVALHO DE MENDONÇA, de bilaterais imperfeitos porque haveria algumas prestações menos importantes em segundo plano. Exemplo: no comodato, se o comodatário causar dano, tem o dever de repará-lo. Todavia, o professor, ao ouvir “bilateral imperfeito”, acha que falta definição – é o caso de “meio grávida”. E porque, tecnicamente, este dano a ser reparado não é uma prestação, é um dever geral de quem causa um dano dentro do Direito Civil. Exemplo de empréstimo de carro que dá defeito elétrico. O dever de pagar esse reparo vem da regra de evitar o enriquecimento sem causa – não é prestação, aí não há contraprestação. Assim, o professor não aceita a ideia de bilateralidade imperfeita. Não dá para ter meio termo, pois, se surgirem deveres, são regras gerais de Direito Civil, não tendo relação com a natureza do contrato. b. Contrato bilateral Há prestação e contraprestação, sendo esta categoria a de maior quantidade entre as duas. Quando trato unilateralidade ou bilateralidade, estou no plano da eficácia – contrato já nasceu e é valido, só resta saber o que produz: prestação e contraprestação ou somente prestação. Como colocado, a grande maioria dos contratos é bilateral. Qual é a importância dessa primeira distinção entre contratos unilaterais e bilaterais? Porque, na Teoria Geral dos Contratos, tem-se uma figura chamada exceção do contrato não cumprido (exceptio), que diz que, se eu não fiz a minha parte, não posso exigir que a outra parte faça a dela. A exceção do contrato não cumprido nasce dessa ideia de que, se não houve prestação, não se pode exigir a contraprestação. O aluno não sabe dizer, às vezes, o que é prestação ou contraprestação. Na lógica, e pela lei, o dinheiro é a contraprestação e o outro lado é a prestação. Hoje, curiosamente, pode-se dar um exemplo diferente porque pode ocorrer o inverso, a depender do contrato. A compra e venda é um dos contratos mais curiosos nessa situação de exceção de contrato não cumprido, tendo regra específica: a prestação é dar dinheiro e a contraprestação é dar a coisa. Só que se o próprio artigo diz que se a venda for a prazo, primeiro dá-se a coisa (prestação) e depois o dinheiro (contraprestação). Dentro dos contratos bilaterais, há uma subdivisão feita pela doutrina. i. Contratos comutativos O contrato é comutativo quando há certeza da existência da contraprestação e de sua extensão. ii. Contratos aleatórios P á g i n a | 13 Aline Nazareth – Turma 185 O aleatório é um contrato de risco/sorte que simplesmente, pois (i) a contraprestação pode não existir ou (ii) esta pode existir em tamanho/ montante que não se sabe qual é. Como exemplo, tem-se que a compra e venda pode ser aleatória: compra e venda de safra futura. Nesse tipo de contrato, pode-se pagar determinado valor em dinheiro, correndo dois riscos, a depender do contrato: (i) o risco quanto à existência da prestação – paga-se o mesmo valor, independente de quanto da safra vier, por exemplo (pode vir nenhuma laranja porque houve uma praga como também pode vir dez toneladas) – e (ii) o risco quanto à extensão da contraprestação – paga-se tantos reais pela safra, mas esta tem que vir com, no mínimo, uma determinada quantidade e no máximo outra (entre uma e três toneladas, por exemplo). Para o professor, o contrato de seguro é um contrato comercialista – e não civilista, como a compra e venda. Alguns civilistas tradicionais também colocam que é um contrato aleatório, pois a contraprestação só ocorre quando há sinistro – paga-seo valor do seguro, independente de ser usado ou não: vende-se o risco. Caso se faça seguro de um carro anualmente contra roubo, tem-se uma prestação, um boleto. Qual é a contraprestação do segurador? Se não foi roubado, no final do ano, o seguro dá “graças a Deus”, pois nada despendeu. Caso se pague o prêmio (valor do seguro), tem-se certeza do valor da prestação, mas se não houver roubo, não se terá contraprestação porque esta não foi necessária. Entretanto, os comercialistas, e de muito tempo, dizem que o contrato de seguro é comutativo. Para o contrato ser comutativo, cabe a pergunta: qual é a prestação da seguradora? Os empresarialistas diziam que a obrigação do segurador, a prestação do segurador, não é propriamente a de pagar o valor em caso de sinistro, a de garantia – esta á uma prestação menor. A prestação é administrar os recursos dos administrados – é uma obrigação de fazer: a seguradora calcula o risco e, a partir disso, pega o prêmio que os segurados pagaram e o administra para poder pagar as indenizações. Portanto, a obrigação primária é cuidar do dinheiro dos segurados para poder pagar as indenizações necessárias. Qual é a importância da distinção entre contrato comutativo e aleatório? A disciplina dos vícios redibitórios (artigo 441 do Código Civil9) só se aplica aos comutativos – não há nos contratos aleatórios. Abrindo um parêntese, têm-se como exemplos de contratos aleatórios por excelência o jogo (esforço físico ou intelectual) e a aposta (é um palpite). Segundo critério: quanto às vantagens para as partes a. Contrato gratuito ou benéfico Só há vantagem patrimonial para uma das partes. b. Contrato oneroso Existem vantagens e desvantagens recíprocas. Se o contrato for unilateral, só tem prestação para uma das partes, logo, ele é benéfico, como é o caso de se ter um contrato de comodato: empréstimo gratuito – é unilateral e benéfico. Se fosse 9 Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas. P á g i n a | 14 Aline Nazareth – Turma 185 oneroso, seria uma locação. Mas eu posso ter um contrato unilateral, que em regra é gratuito, mas pode ser oneroso, como é o caso do mútuo. O contrato de mútuo é o empréstimo de bem fungível, sendo em regra gratuito – empréstimo de açúcar para o vizinho que devolve no dia seguinte uma mesma quantidade de mesma qualidade. Se eu peço três reais emprestados, é um mútuo de favor – vou devolver os mesmos três reais. Mas o artigo 59110 diz que se o mútuo tiver natureza econômica, finalidade econômica, ele se transforma em contrato oneroso, em que os juros são devidos de maneira presumida pelo mutuário ao mutuante. Esse caso recebe o nome de mútuo feneratício. Para esclarecer, finalidade econômica é tudo aquilo que não for um favor – sempre é o caso dos bancos, pois, mesmo que eles não mencionem juros no contrato, deve-se pagar. Ressalte-se que o mútuo continua unilateral, tornando-se oneroso excepcionalmente. O contrato no Direito Romano nasceu a partir de tipos que, apesar de ser primitivo, não quebrava a segurança jurídica. O Direito Penal continua sendo um sistema de tipos, pois só é crime o que está tipificado. Assim, naquela época, por exemplo, a compra e venda era um contrato porque, se descumprida uma das prestações, tinha- se uma actio própria do contrato. Dessa forma, a permuta não era um contrato, somente um mero pacto, já que não existia uma ação que exigisse a prestação. Em suma, só era contrato o que estava no ius civile. Qual é a importância de o contrato ser oneroso ou gratuito? Os contratos gratuitos não comportam interpretação extensiva ou analogia – não se aumenta o dever do contratante em contrato gratuito: o ônus é diferenciado. Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei. O artigo 392 do Código Civil coloca que, se o contrato é oneroso, ambos os contratantes têm vantagens e desvantagens, logo, ambos respondem por dolo e por culpa. Agora, se o contrato é gratuito, um dos contratantes tem a vantagem e o outro tem a desvantagem – eles não são iguais e, assim, sua responsabilidade não é a mesma – tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual. Nos contratos benéficos, o contratante que tem a vantagem do contrato responde por dolo e por culpa, ao passo que o contratante que não tem a vantagem do contrato só responde por dolo. A Súmula 145 do Superior Tribunal de Justiça11 coloca que, no contrato de transporte gratuito (carona), o transportador (que não ganha nada por isso) só responde por dolo ou por culpa grave. Terceiro critério: quanto ao momento do aperfeiçoamento a. Contratos consensuais O contrato nasce de um acordo de vontades e da fusão, amálgama, destas. Portanto, se eu digo para alguém comprar um copo de água por um real, mesmo não tendo pagado e ainda entregue, já há um acordo de vontades – assim, o contrato se perfaz no plano da existência. A prestação e contraprestação estão no plano da eficácia – ato de execução. Dessa forma, não se pode confundir o momento do nascimento com o momento do cumprimento do contrato. É 10 Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual. 11 Ver página 3 – lá consta a referida Súmula. P á g i n a | 15 Aline Nazareth – Turma 185 exatamente dessa distinção que faz com que esses contratos sejam consensuais: nascem do acordo. b. Contratos reais Alguns contratos, que são excepcionais no sistema, só nascem se houver a entrega – plano da existência. Esses contratos são os chamados reais: só nascem e se aperfeiçoam com a entrega da prestação. São quatro: (i) mútuo, (ii) comodato, (iii) depósito e (iv) contrato estimatório (entre o consignante e o consignatário). Por que são só esses? Por que a compra e venda e a locação não são reais, por exemplo? Na verdade, na sua origem histórica, todos os contratos eram reais. A pergunta deveria ser: por que os outros contratos deixaram de ser reais? Em uma sociedade primitiva, sem complexidade, a ideia do contrato estava no mundo abstrato: o homem não abstraía a categoria contratual e provar uma ideia era difícil – a entrega era visível, estava no mundo fático, mesmo que a entrega fosse simbólica. Os romanos perceberam isso e evoluíram alguns contratos para a categoria do contrato consensual, apesar de alguns terem mantido a categoria de origem, pois se entendeu que continua útil essa classificação. Se eu pedir a casa de praia de um amigo emprestada e este concordar, não nasceu o comodato porque este só nasce com a entrega da coisa, no caso, a entrega simbólica da chave. Se eu fizer um contrato escrito disso, é uma promessa de contrato de comodato. Qual é a importância dessa dicotomia? Se eu combino, nasce o contrato e depois o descumpro, este descumprimento gera responsabilidade civil contratual porque já nasceu. Portanto, qual é o efeito de se descumprir a promessa de um contrato real? É mais complicado no comodato porque ninguém é obrigado a fazer um ato de generosidade – é uma liberalidade –, assim nada sofre – não se pode forçar a promessa a virar contrato, pois não se pode compelir a generosidade. Mas se a desistência for desmotivada, deve-se responder por perdas e danos.Em suma, contratos reais gratuitos não se pode obrigar o cumprimento, mas pode ter perdas e danos se for infundada a quebra do contrato. Quando há onerosidade, pode-se compelir a cumprir o contrato. Aula 16.09 Quarto critério: Regulamentação legal a. Contratos Típicos Typhos = forma/molde (grego). É aquele que tem regulamentação legal, que a lei o disciplina. Não basta que a lei o mencione – a menção da lei não confere tipicidade. É preciso que a lei regulamente o contrato, trazendo as regras contratuais que delimitem o tipo. Não podemos confundir o contrato típico e atípico com os nominado e inominado. Por que há essa confusão? Porque o nome que se dá ao contrato decorre dos usos – então as pessoas batizam os contratos com certo nome, porém, nem sempre os contratos que recebem nome têm previsão legal. Exemplo: franquia – é utilizada em larga escala aqui no Brasil, mas só recebeu lei cuidando dela na década de 90, apesar de sempre ter tido nome. Em suma, não se confunde nome com tipicidade contratual. b. Contratos atípicos Se não há lei que regulamente as suas características, efeitos e deveres das partes, o contrato é atípico. Exemplo: não há lei que regulamente o built to suit (feito para servir) – caso do dono do terreno que constrói o prédio com P á g i n a | 16 Aline Nazareth – Turma 185 orientação do futuro locatário – empreitada com locação posterior. O built to suit é mencionado na Lei do Inquilinato, mas esta não o regulamenta. O Código Civil de 2002 trouxe vários contratos que, na vigência do antigo Código, eram atípicos. Existe um contrato que já é praticado desde o Direito Romano – chamado popularmente de venda em consignação. Foi trazido com nome próprio no Código atual: estimatório – passou a ser típico. Não basta que a lei mencione o contrato para que ele seja considerado típico. O contrato de leasing (arrendamento mercantil) tem uma lei que disciplina as questões tributárias e não as contratuais – grande parte da maioria o define como atípico porque se considera que esta lei não configura totalmente o contrato. Às vezes, a lei faz a opção de dizer que não cuida de determinado contrato. O exemplo é a locação em flat – o próprio legislador, na Lei de Inquilinato, optou por não regulamentá-lo. No flat há também uma prestação de serviços – isto desnatura a locação típica. Há algum outro exemplo? Professor conhece mais dois: (i) contrato de depósito em cofre bancário – contrato que o banco cede um espaço (locação), mas coloco minhas coisas (depósito), só que o banco garante segurança (prestação de serviços) e (ii) contrato de time sharing (dividir o tempo) – alguns chamam isso de propriedade coletiva: um grupo de pessoas decide comprar um bem de alto valor econômico – compram cotas de um helicóptero, por exemplo. Quem deu mais dinheiro, é “mais dono” – tem mais tempo para usar, mas tem mais gastos também. Ao contrário do condomínio, tenho divisão de tempo de uso. Nos EUA e na Europa têm muito time sharing, especialmente se tratando de imóveis. Qual é o fundamento da existência de contratos atípicos? Autonomia privada. Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Assim, é possível a existência de contratos atípicos. O que não pode confundir é o contrato atípico com o contrato coligado porque o contrato atípico é um único contrato que forma um todo uno e indivisível, a ponto de VILLAÇA afirmar que neste tipo de contrato, por formar um todo uno e indivisível, se houver nulidade de uma das cláusulas, compromete-se o contrato todo. Ou seja, no contrato atípico não se aplica o princípio “a parte útil não se vicia pela inútil” (conservação dos negócios jurídicos) porque a nulidade das cláusulas contamina o contrato como um todo. Nos contratos coligados se tem, pelo menos, dois contratos. Esses contratos têm uma unidade econômica – a própria coligação exige a unidade econômica – é uma operação econômica representada por dois contratos ou mais. Dessa forma, na coligação, um contrato não se fundiu com o outro, desaparecendo: mantém sua autonomia enquanto contrato, mas, em relação a operações econômicas, estão interligados. Exemplo: locação como contrato de fiança – dois contratos, sendo a locação o principal e a fiança o acessório, estão coligados numa mesma operação econômica. Melhor exemplo: contrato de seguro-saúde e os que se coligam a ele. Firma-se um contrato de seguro e a seguradora firma um com os médicos conveniados para que prestem serviços ao seu contratante. Na coligação contratual, os contratos se unem, não se fundem, mas não aniquilam suas individualidades. A terminologia varia de país para país – alguns P á g i n a | 17 Aline Nazareth – Turma 185 falam em contratos conexos ou em rede contratual. Ao contrário do atípico, é necessário estudar o que ocorre nos planos de existência, validade e eficácia e se há contaminação de validades e de eficácia de um contrato incidindo no outro. Não é toda vez que eu tiver dois contratos juntos que eu tenho uma coligação – posso vender uma casa para um amigo e dar procuração para o mesmo para que ele cuide de outra casa – não há unidade econômica nesta operação, que é o que caracteriza a coligação contratual. Assim, a coligação independe da tipicidade dos contratos. O problema dos contratos atípicos, e aí está a sua importância enquanto atípicos, é que, se eu tenho uma dúvida em uma regra que se aplica a um contrato típico, eu consulto a lei, porém, se é atípico, não tenho lei que o discipline. Na falta de lei, o que eu aplico ao contrato atípico? Qual é a regra? Nesses contratos, o que se escreve é muito importante – texto contratual tem mais relevância do que teria nos contratos típicos, sendo a interpretação dos atípicos vinda a partir do que está avençado. A doutrina cita três teorias para descobrir qual é a lei aplicável na hipótese de contratos atípicos: i. Teoria da Absorção: se eu tenho um tipo principal que absorve o menor, aplico a lei que cuida do tipo que gerou a absorção. Ou seja, na dúvida, eu aplico a lei relativa àquele tipo preponderante. Para as demais cláusulas, aplica-se a Teoria Geral dos Contratos. É quase o que ocorre no leasing – é mais ou menos uma locação que eu tenho uma opção de compra. Logo, o tipo que absorve o outro é a locação e o absorvido é a compra e venda; ii. Teoria da Combinação: para cada tipo, aplicam-se leis próprias no seu momento, pois ambos os contratos são igualmente importantes. Esse é o caso do contrato de built to suit, em que a empreitada e a locação têm a mesma relevância. Assim, aplicam-se primeiro as regras da empreitada e, assim que esta findar, aplicam-se as regras da locação – com ressalvas que a própria Lei do Inquilinato concebeu; iii. Teoria da Criação: aplica-se aos contratos puramente atípicos (não possuem nem nome nem tipo contratual). Dessa forma, não há nenhum tipo, nem por absorção nem por combinação. Por isso, aplicam-se as regras da Teoria Geral dos Contratos. Contudo, é muito difícil imaginar um contrato atípico puro, pois, normalmente, os atípicos são fusões e criações de tipos contratuais. Ou, ainda, no mundo globalizado, os contratos que vêm do exterior já vêm com nome, ao menos, além dos usos e costumes. Essa classificação merece duas notas: VILLAÇA tem uma obra sobre contratos típicos e atípicos e trata da locação de lojas em Shoppings Centers. Quando se aluga esse tipo de loja, na verdade se tem um contrato atípico, pois, na locação típica, a regra é que “dou a posse para que me pagues o aluguel”. Contudo, na locação de lojas em Shopping, as prestações do locatário vão muito além desse tipo descrito: o locatário tem muitas obrigações – como, em épocas festivas, remodelar a vitrine de acordo com a época (obrigaçãode fazer) ou não poder montar a vitrine fora dos padrões daquele Shopping (obrigação de não fazer). Por outro lado, o empreendedor também tem obrigações que não são próprias de locação (obrigações de não fazer). Em Shopping, então, é contrato atípico misto. P á g i n a | 18 Aline Nazareth – Turma 185 Pedro Paes de VASCONCELOS fala sobre contratos socialmente típicos, que são contratos que padecem de tipicidade legal, mas são praticados com tanta frequência pela sociedade que a tipicidade advém dos usos e dos costumes. SIMÃO não gosta muito dessa classificação porque vai ser difícil achar um contrato que é realmente atípico. Quinto critério: quanto às negociações preliminares a. Contrato Paritário É aquele que nasce a partir de uma negociação das partes. Portanto, o acordo surge depois de negociação quanto ao seu conteúdo. b. Contrato de Adesão Nasce a partir da estipulação de uma das partes que, portanto, traz as condições contratuais pré-estabelecidas (estipulante), enquanto o aderente apenas aceita estas condições. Portanto, o estipulante impõe e o aderente aceita. Utiliza-se com frequência a expressão “contrato de adesão”, porém, SIMÃO coloca que a preposição “de” é equivocada porque indica o tipo contratual (como nos casos de “contrato de compra e venda”, “contrato de locação”). Assim, o mais correto seria dizer “contrato de compra e venda por adesão”, “contrato de mútuo por adesão” etc. porque é a forma como foi feito o contrato. O próprio Orlando GOMES distingue o “contrato de adesão” do “contrato por adesão”: o primeiro ocorre quando não tenho opção de escolher os contratantes (contrato firmado com os monopólios, como é o caso da fornecedora de luz para São Paulo – só há a Eletropaulo – ou da fornecedora de água – Sabesp), enquanto o segundo é aquele em que o aderente não tem opção de discutir os termos do contrato, mesmo podendo escolher entre vários contratantes, já que não existe monopólio (exemplo do empréstimo bancário ou do contrato com operadores de celular). Questiona-se: todo contrato de consumo é de adesão? O contrato de consumo pode ser paritário? Exemplo de ambiente paritário por excelência: feira livre – discute-se a negociação. O contrato de profissionais liberais (prestação de serviços) é paritário por excelência também. Assim, ressalta-se que o que diferencia o contrato paritário do de adesão são as partes contratantes. Qual é a importância de classificar um contrato como de adesão? É um contrato que já nasce desequilibrado, pois uma das partes adere à vontade da outra. Logo, o Código Civil e o Código do Consumidor têm dispositivos paralelos para a proteção do aderente ou do consumidor. A primeira regra de proteção provém do artigo 423 do Código Civil e do artigo 47 do Código do Consumidor: in dubio pro fragile. Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. A segunda regra está contida no artigo 424 do Código Civil e no artigo 51 do Código do Consumidor. P á g i n a | 19 Aline Nazareth – Turma 185 Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; V - (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3° (Vetado). § 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a P á g i n a | 20 Aline Nazareth – Turma 185 nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. Assim, se fosse possível que o aderente renunciasse aos direitos decorrentes do contrato de adesão, o próprio contrato de adesão já deixaria isso expresso através do estipulante. Exemplo: as placas dentro de estacionamentos que dizem que não se responsabilizam por objetos deixados no veículo tem esta cláusula nula – é um contrato de depósito. Por outro lado, para evitar abusos do consumidor, o estacionamento coloca que o dono deve informar os objetos de valor que se encontram no interior do veículo. Outro caso é o da fiança locatícia, pois, em regra, tal contrato nasce de um contrato pronto que se vende em papelarias, ou seja, já vem com cláusulas pré-estabelecidas. Normalmente, nesses casos, o fiador renuncia a direitos, como o de exoneração – o que não é permitido, pois este se obriga, não podendo se exonerar, enquanto o contrato de locação durar. Dessa forma, se não existisse esses artigos, todo estipulante faria o aderente desistir de seus próprios direitos. O contrato de adesão matou o paritário? Não. Apesar de ser muito maior o número dos contratos de adesão nesse meio se comparados aos paritários, estes últimos ainda representam uma porção significativa do business feito no Brasil e no mundo. Os grandes contratos empresariais ainda são paritários, por exemplo, assim como os de grandes obras privadas, os grandes empréstimos bancários etc. O contrato paritário continua, mas em um nicho negocial específico, sendo tão importante quanto o de adesão. Sexto critério: quanto à formalidade a. Contrato Formal Quando a leiimpõe algum tipo de forma (como no caso da fiança12, que tem que ser por escrito). Tal contrato garante maior segurança jurídica. Subdivide-se em: i. Não Solene: pode ser firmado por instrumento particular (quando o advogado faz um contrato de prestação de serviço ou realiza-se um contrato que se compra em papelaria); ii. Solene: lavrado por escritura pública – feita exclusivamente pelo tabelionato de notas. A forma dele é pública. É o caso da compra e venda de imóveis acima de 30 (trinta) salários mínimos – artigo 108 do Código Civil13. A competência do tabelionato de notas não é territorial – se a pessoa quiser fazer escritura pública de compra e venda de imóveis pode escolher qualquer tabelionato do Brasil. Salienta-se que apenas o registro é no local do imóvel. b. Contrato Não-Formal (Informal) Tem forma livre, já que a lei não exige forma. Dessa forma, pode ser verbal (como no caso da locação). A maioria dos contratos se encaixa nessa categoria, pois são poucos os que a lei exige forma. A vantagem desse tipo é que é mais fácil de realiza-lo, permitindo um amplo acesso. Portanto, a ausência de forma democratiza o contrato, ao passo que, como dito, a forma garante a segurança jurídica. A OAB, por exemplo, exige um contrato de prestação de serviços por escrito, pois se o contrato está escrito, a chance de problema cliente-advogado é muito menor. Se o advogado não faz nem é 12 Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva. 13 Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. P á g i n a | 21 Aline Nazareth – Turma 185 questão de nulidade, apenas acarreta uma advertência feita pela própria OAB – problema deontológico. Aula 18.09 Princípios dos Contratos Quando se estuda essa matéria, didaticamente dividem-se estes princípios em dois grupos: (i) princípios tradicionais e (ii) princípios sociais. Por que há essa divisão e por que nessa ordem? Porque os princípios sociais, que são basicamente dois (Boa-Fé e Função Social) permitem a releitura dos princípios tradicionais – são suas desconstruções. Estuda-se o que é clássico e se relê como pós-moderno. Os princípios tradicionais estão mantidos no sistema brasileiro e produzem efeitos, mas essa manutenção é feita por um abrandamento, uma suavização – que são os princípios sociais. É como se fosse um prisma. a. Princípios Tradicionais i. Autonomia Privada: auto = própria/nomos = regra → regra própria. A vontade estabelece se vou ou não contratar – essa é a primeira decisão. Portanto, se a vontade decide contratar, a vontade entra no conteúdo do contrato – logo, tem-se vontade na formação e no estabelecimento do conteúdo. Mas se a vontade está na formação e no estabelecimento do conteúdo do contrato, não seria melhor chamar esse princípio de autonomia da vontade? Tecnicamente e classicamente, chamava-se de autonomia vontade, mas, após uma reflexão, mudou-se de nome porque hoje a vontade sofre tantas restrições, limites e interferências que é mais certo dizer “autonomia privada” porque não implica só no âmbito dos contratantes. Assim, a vontade tinha mais conteúdo e força no século XIX, em que era absoluta e não havia interferência estatal, contrapondo-se ao hoje, em que a autonomia privada é limitada e não se restringe aos direitos dos contratantes – os próprios princípios sociais minam esta vontade. Dessa forma, o princípio da autonomia privada reflete o momento histórico que hoje se vive, porém é ressaltado que ambas as expressões aqui trabalhadas não são antagônicas. ii. Obrigatoriedade: decorre do primeiro. Estampa-se na máxima pacta sunt servanda (os acordos devem ser cumpridos) – boa parte da doutrina coloca que é um princípio medieval. O Código Civil francês tem essa regra estampada em artigo próprio – artigo 1134 do Código Napoleônico. O Código Civil brasileiro de 1916 não constava esse artigo, bem como o atual não consta. Hoje, o Código Civil não precisa dizer que o contrato obriga os contratantes – é óbvio, é a base, a própria estrutura da relação jurídica contratual: é uma regra quase que ontológica – faz parte da essência do negócio. Esse princípio é mais ou menos forte – há uma série de cláusulas abusivas em contratos, das relações de consumo, que se pode descumprir, fazendo com que essa velha máxima seja lida também através de um filtro social, já que apresenta certa relativização. Detalhes: sabe-se que caso se descumpra a lei, em princípio, rebe-se uma sanção por este descumprimento. Se eu digo que o contrato é lei entre as partes e eu o descumpro, o que ocorre? O contrato funciona assim P á g i n a | 22 Aline Nazareth – Turma 185 também. Tal sanção, nesse caso, chama-se perdas e danos ou indenização e, algumas vezes, esta indenização é pré-fixada pelas partes (prevista no próprio contrato – o credor não precisa provar seus próprios prejuízos, pois consta no contrato: perdas e danos pré-avençados), como é o caso de multa em contrato de locação (lembra-se que o nome técnico para multa aqui é cláusula penal: indenização pré-fixada). Por que se coloca multa em contrato? Justamente pelo explicado: se a pessoa tem perdas e danos, deve provar; se coloca multa como cláusula penal, isto é dispensado porque está previsto. Assim, a dica do SIMÃO é que, quando fizer contrato, é importante colocar a multa – não é menos importante do que o preço porque traz prejuízos pré-fixados, promove o equilíbrio do contrato. Mesmo assim, a multa no contrato é a parte mais delicada, pois dá o seu peso. Atenção! A cláusula penal é uma multa e não pode ter valor superior ao do objeto principal (artigo 41214) – ressalvados os prejuízos (artigo 41615) que se pode ter a mais, os complementares, caso previstos no contrato. iii. Relatividade dos Efeitos: esse princípio se traduz da forma “o contrato só vincula os próprios contratantes, não beneficiando nem prejudicando terceiros”. Isso é uma meia verdade – a função social muda isso. Desdobramento: Se há um inquilino de um imóvel urbano (Lei 8.245 de 1991 – Lei de Locações de Imóveis Urbanos), o artigo 2716 informa que se o dono do imóvel resolver vende-lo ou dá-lo em pagamento, o inquilino tem direito à preferência (tem que oferecer antes a ele, nas mesmas condições que ofereceu ao terceiro – o inquilino só adere, se quiser comprar o imóvel). Suponha que o proprietário não deu preferência ao inquilino – preterição de preferência –, logo, o proprietário paga a indenização por descumprimento – quem comprou não é parte no contrato: a locação não atinge o terceiro comprador. Agora, se o contrato de locação é registrado, tal contrato tem eficácia real porque os terceiros têm ciência – com isto, o contrato gera efeitos para terceiros. A punição para quem comprar esse imóvel que tinha o contrato de locação registrado junto à matrícula é a de que o locatário pode entrar com ação contra quem comprou, mediante o depósito do preço constante na escritura, podendo tomar o imóvel para si (adjudicação). Assim, o registro ampliou a eficácia do contrato, colocando seus efeitos para além dos contratantes. Ressalta-se que não há quebra contratual pelo locador se este vender o imóvel depois de ter oferecido a preferência e o locador ter rejeitado. 14 Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal. 15 Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo. Parágrafo único. Ainda que oprejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente. 16 Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca. Parágrafo único. A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente. P á g i n a | 23 Aline Nazareth – Turma 185 Aula 23.09 Boa-Fé Objetiva Orlando GOMES e Caio Mário já colocavam a boa-fé como princípio fundamental. Entretanto, BITTAR, ao elencar a boa-fé, fala que, antes dos princípios fundamentais do Direito Contratual, existem os princípios fundamentais da sociedade capitalista? Propriedade, iniciativa privada, comutatividade no comércio jurídico, segurança no comércio jurídico etc., que se dão baseando-se na boa-fé. Judite Martins COSTA fala que a boa-fé subjetiva é um estado de consciência que se assemelha com o erro e a ignorância. Não é essa que nos interessa, pois essa demanda o exame do estado psicológico. Para o Direito Civil, por aplicação do artigo 242 do Código Civil alemão, desenvolveu-se a tese da boa-fé objetiva – que é justamente a lealdade, a honestidade, a probidade (artigo 422 do Código Civil brasileiro 17 ) que se espera dos contratantes no mercado. ENÉAS fala que as partes têm que pautar sua atuação na lealdade e na confiança recíprocas: é um comportamento esperado, uma regra de conduta. Na frase pré-contratual, e principalmente nela, também vale a boa-fé objetiva. Esse princípio importa no reconhecimento de deveres principais e laterais (na fase preliminar há muitos deveres laterais, que são os deveres de informação, de esclarecimentos, de cuidado, previdência e segurança, aviso e esclarecimento, informação, colaboração, proteção e cuidado, deveres de omissão e segredo). Esses deveres existem de forma extremamente forte na fase pré-contratual (isso excede o que está no artigo 422), pois é isso que o mercado espera. Assim, a boa-fé objetiva é uma necessidade do mercado para este funcionar de forma coerente e eficiente, pois se precisa de segurança jurídica que, por mais que possa parecer uma noção conservadora, é importante para o funcionamento do próprio mercado. Exemplo: dois CEOs conversando sobre a possibilidade de um negócio, mas não levaram adiante as conversas. O americano entrou com uma ação dizendo que já havia tratativas preliminares, já havia um vínculo. Porém, ninguém no mercado espera que um contrato milionário se resolva de forma verbal, ou seja, tem que se considerar o que o mercado espera. Nem chegaram a contratar advogados, não tiveram qualquer discussão jurídica ou econômica. Então, o dado importante é que, nas negociações preliminares, também precisa ser analisada a boa-fé objetiva. O artigo 112 coloca que, nas declarações de vontade, leva-se em consideração as intenções18, enquanto o artigo 113 trata da interpretação de acordo com a boa-fé19 (GOMES fala de usos interpretativos). A primeira função da boa-fé objetiva é servir de interpretação dos contratos. Três funções da boa fé objetiva, segundo Judite Martins COSTA: Boa-fé como cânone hermenêutico integrativo: ou seja, a boa-fé como forma de interpretação do contrato, principalmente no caso de eventuais lacunas deixadas na realização do contrato. 17 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 18 Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. 19 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. P á g i n a | 24 Aline Nazareth – Turma 185 Boa-fé e a criação de deveres jurídicos: a boa-fé pode exercer a função de criar ou de extinguir direitos, porque assim o mercado espera. Por exemplo, faço um contrato com uma empregada doméstica que não dorme no trabalho. Com o passar do tempo ela passa a dormir. A boa-fé objetiva responderia que nesse caso criou-se um direito, pois você se omitiu, não exerceu sua faculdade de dizer não ao pedido dela, caso não quisesse – surgiu um dever jurídico de permiti-la dormir lá. Boa-fé como limite ao exercício de direitos: da mesma forma a boa-fé também importa, na medida em que você espera que a pessoa seja leal, isso importa uma limitação. O exemplo do comportamento contraditório novamente cabe aqui. Institutos: → Venite contra factum própria: é um exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento exercido anteriormente pelo exercente. Ou seja, analiso o comportamento de uma das partes contratantes. Se num primeiro momento seu comportamento foi A, num segundo momento também deve ser A. As pessoas devem agir de forma coerente na relação contratual, sem contradição; → Supressio: um direito não exercido durante determinado lapso de tempo, não poderá mais sê-lo; → Surrectio: criação de direitos, o contrário da supressão – distribuição de dividendos, participação nos lucros etc.; → Tu quoque: é uma adaptação da regra exeptio non adimplendi contractus. Não estou mais analisando o comportamento de um contratante em dois momentos, mas sim o dos dois contratantes. É a proibição de exigir um comportamento que você mesmo não o faz. Exemplo: condomínio. Carlos GONÇALVES diz que um condômino sempre estaciona numa vaga que não é a dele, aí o outro estaciona na vaga do primeiro indivíduo: como exigir um comportamento que você não faz? É de extrema ofensa à boa fé. → Culpa in contrahendo: incorre na responsabilidade pré-contratual. Não só a violação de deveres principais como também laterais podem levar a essa modalidade de culpa. → Sancionamento específico: já há um pacto para a hipótese de descumprimento do contrato Há uma cláusula dispondo sobre o cumprimento e comportamento das partes. Ocorre, por exemplo, na fusão e aquisição de uma empresa. → Sancionamento indenizatório: perdas e danos. A boa fé se presume, ainda mais atualmente, com os contratos eletrônicos. O Código do Consumidor protege o consumidor hipossuficiente, mas as embalagens, as informações prestadas, são também consequência do princípio da boa-fé objetiva. Tanto o princípio da boa fé objetiva quanto a função social do contrato partem da visão da autonomia privada. Não a liberdade total para a formação dos contratos, mas constitucionalmente limitada. O limite imposto pela Constituição é a dignidade da pessoa humana. Aula 25.09 Função Social do Contrato P á g i n a | 25 Aline Nazareth – Turma 185 A doutrina majoritária entende a função social do contrato como consequência do princípio da boa-fé. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Como colocado, a propriedade tem uma função e esta será em sua maioria cumprida por contratos.
Compartilhar