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107HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 Aplicação terapêutica de Saccharomyces boulardii em diarreias: uma revisão Tatiane dos Reis Lopes* Miriam Aparecida de Oliveira Pinto** Resumo Saccharomyces boulardii é uma levedura não patogênica, termotolerante e resistente à ação dos sucos gástrico, entérico e pancreático. Esta levedura atua no intestino por três mecanismos: efeito antagonista direto, imu- noestimulação e efeito trófico na mucosa intestinal. O objetivo deste trabalho de revisão é contribuir para uma atualização dos profissionais de saúde sobre as indicações terapêuticas e as formas de uso da levedura S. boulardii como agente probiótico. S. boulardii é utilizada sob a forma de medicamentos como agente terapêutico na diarreia, com eficácia comprovada em muitas condições patológicas que cursam com diarreias agudas e crônicas. Além de não alterar a morfologia intestinal nem a microbiota colônica residente como os antibióti- cos, esta levedura tem resultados equivalentes aos medicamentos padrões utilizados. Devido a esses fatores, é vantajosa a utilização de medicamentos à base deste probiótico. Palavras-chave: Saccharomyces. Probióticos. Diarreia. * Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Farmácia e Bioquímica, Juiz de Fora - MG. tati_rlopes@yahoo.com.br ** Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Farmácia e Bioquímica, Departamento de Alimentos e Toxicologia, Juiz de Fora - MG. 1 IntRodução O termo probiótico é usado para designar prepa- rações que tenham em sua composição microrganis- mos vivos capazes de produzir efeitos benéficos no hospedeiro, quando administrados em quantidade adequada (MARTINS et al., 2005b). Os efeitos pro- duzidos compreendem a manutenção da microbiota intestinal saudável, modulação da resposta imune e inibição da carcinogênese (COPPOLA; TURNES, 2004). Devido à sua ação benéfica no hospedeiro, esses microrganismos são utilizados em distúrbios do metabolismo gastrointestinal e na prevenção e trata- mento de doenças, podendo ser ingeridos na forma de preparação farmacêutica ou de alimento fermentado ou suplementado (MARTINS et al., 2006). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária define “probiótico” como microrganismos vivos que produ- zem efeitos benéficos à saúde do indivíduo, por serem capazes de melhorar o equilíbrio microbiano intesti- nal (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2002). De acordo com Ferreira (2008), há duas expres- sões a serem consideradas: microrganismo probiótico e microrganismo de efeito probiótico. O microrganis- mo probiótico é aquele isolado originalmente do trato intestinal da espécie que irá consumí-lo, ou seja, se for destinado ao consumo humano, o microrganismo probiótico é isolado do trato intestinal humano, e se for para o consumo animal ele é isolado do trato intestinal da espécie animal. O microrganismo de efeito probiótico é aquele que traz um benefício para o hospedeiro, ao ser ingerido, porém não pertence à microbiota intestinal da espécie consumidora. Segun- do essa definição, a levedura Saccharomyces boulardii não é considerada probiótica, mas tem efeito probiótico. Além de S. boulardii, outros microrganismos como Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus, Lactobacillus lactis e Streptococcus salivarius subsp. thermophilus têm aplicação como probióticos (FERREIRA, 2008). Quando esses microrganismos são registrados como medicamentos, eles também podem ser denominados agentes bioterapêuticos (BILLOO et al. 2006). Esta levedura, não patogênica e termotolerante, apresenta crescimento ótimo a 37ºC (MARTINS et al., 2005c) e é resistente à ação do suco gástrico, das secreções entérica e pancreática e da bile, assim como à ação de antibióticos e quimioterápicos (FLORA- TIL, 2005). Além dessas características, S. boulardii protege contra microrganismos patogênicos e não é 875.indd 107 11/11/2010 10:58:11 108 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 tóxica, razões pelas quais é caracterizada como um microrganismo com efeito probiótico (KARKOW, F.; FAINTUCH; KARKOW, 2007). S. boulardii foi isolada na Indochina, a partir da fruta tropical lichia, usada pelos nativos para tratar a diarreia (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Henri Boulard, um pesquisador francês (BUTS, 2009), nos anos de 1950 atribuiu o efeito terapêutico sobre a diarreia à ação desta levedura (MULLER et al., 2007). Na Europa, África e Américas, até o ano de 2005 era a única levedura utilizada como probiótico para humanos (MARTINS et al., 2005a, 2005b). Desta forma, com o objetivo de atualizar as aplicações terapêuticas de S. boulardii em diarreias, elaborou-se a presente revisão. 2 RevIsão da lIteRatuRa As leveduras são microrganismos eucariotas, unicelulares, que se reproduzem geralmente por brotamento, porém podem reproduzir-se também de forma sexuada. A própria célula leveduriforme desempenha as funções vegetativas e reprodutivas (HENRY, 2008). Esses microrganismos não possuem estruturas para motilidade como flagelos ou cílios e, portanto, são imóveis. Necessitam de fontes de carbono, nitro- gênio, água e sais minerais para o seu crescimento, além de condições ambientais favoráveis, como oxi- gênio, temperatura na faixa de 20° a 30°C e potencial hidrogeniônico (pH) entre 4,5 e 5,5 (HENRY, 2008). 2.1 Microbiota intestinal A microbiota intestinal é composta por uma complexa e dinâmica população de microrganismos, principalmente bactérias, que podem ser adquiridas no nascimento e colonizar o intestino permanentemente (microbiota residente ou endógena) ou transitar tem- porariamente por esse órgão (microbiota transitória ou exógena) (OLIVEIRA-SEQUEIRA; RIBEIRO; GOMES, 2008). Em adultos humanos, a microbiota do intestino grosso é composta predominantemente por bactérias anaeróbias facultativas e obrigatórias, principalmente dos gêneros Bacteroides, Eubacterium, Clostridium, Rumi- nococcus, Bifidobacterium e Fusobacterium (VANHOUTTE et al., 2006). As leveduras representam menos que 0,1% da microbiota residente do trato gastrointestinal (TGI) e a principal espécie isolada nesse sistema é Candida al- bicans (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). A microbiota residente do trato digestivo humano, em condições normais, confere resistência à coloni- zação, eliminando possíveis microrganismos patogê- nicos; imunomodulação; e contribuição nutricional, produzindo substâncias como ácidos graxos de cadeia curta, vitaminas, aminoácidos, poliaminas, fatores de crescimento e antioxidantes (BROWN; VALIERE, 2004). Embora a microbiota intestinal represente uma barreira contra a invasão de microrganismos patogê- nicos, estes podem ter sua entrada facilitada quando a integridade da microbiota é afetada por estresse, terapia antibiótica, mudanças na dieta e alterações fisiológicas no intestino (BILLOO et al., 2006; MAR- TINS et al., 2006). 2.2 Diarreia A evacuação de três ou mais fezes aquosas em 24 horas ou o aumento no volume ou frequência de fezes normais é definida como diarreia (BOS et al., 2006; SPIES, 2008). Esta patologia está associada à má nutrição, má absorção e falhas no crescimento, pois modifica as funções normais do TGI, como digestão, absorção e imunomodulação (STEFE; ALVES; RIBEIRO, 2008). A diarreia é considerada aguda quando os sinto- mas são novos e duram no máximo 14 dias (MINCIS, M.; MINCIS, R.; CALICHMAN, 2008). Ela está relacionada, normalmente, à presença de agentes infecciosos, como bactérias, vírus, fungos e parasitas e ao uso de medicações com potencial para causar diarreia, como os antibióticos. A diarreia infecciosa aguda é um problema mundial e a principal causa de morbidade e mortalidadeinfantil (BILLOO et al., 2006; ZANELLO et al., 2009). A diarreia crônica ou persistente é definida como um episódio que se inicia de forma aguda, no entan- to persiste por 14 dias ou mais (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Alguns autores classificam a diarreia como persistente quando tem duração de 15 a 29 dias e como crônica se durar mais de 30 dias (MINCIS; MINCIS; CALICHMAN, 2008). Está associada à má nutrição, infecções não-intestinais graves e à morbidade e mortalidade, principalmente nos países em desenvolvimento. Relaciona-se, ge- ralmente, a doenças intestinais, como a síndrome do intestino irritável, a doença de Crohn e a colite ulcerativa (MARTINS et al., 2005c). A diarreia é um sintoma comum da antibioticote- rapia, sendo causada particularmente por aqueles que agem em anaeróbios e o risco é maior com aminope- nicilinas (principalmente ampicilina ou amoxicilina), combinação de aminopenicilinas e clavulanato, cefalosporinas e clindamicina (BRAVO et al., 2008; KOTOWSKA; ALBRECHT; SZAJEWSKA, 2005). O antibiótico rompe o equilíbrio da microbiota residente do intestino, permitindo o crescimento de microrganismos que induzem a diarreia (BARC et al., 2008; KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007; McFARLAND; BERNASCONI, 1993). 875.indd 108 11/11/2010 10:58:12 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 109HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 109 2.3 Caracterização geral de Saccha romyces boulardii A levedura S. boulardii não pertence à microbiota residente do cólon, mas consegue sobreviver e atuar neste local (MARTINS et al., 2005a) apesar de não se instalar no tubo digestivo de animais ou humanos com a microbiota intestinal residente, pois a microbiota lo- cal impede essa colonização (EDWARDS-INGRAM et al., 2007; MÜLLER, 2006). Esta levedura não al- tera a microbiota residente, sendo eliminada do cólon após descontinuidade na sua ingestão (BARC et al., 2008). Experimentos realizados em camundongos reve- laram que o tempo de permanência da levedura no hospedeiro é muito curto, com eliminação total em 28 horas, mas, quando administrada repetidamente, ela mantém-se no intestino por muitos dias (EDWARDS- INGRAM et al., 2007). Este comportamento também foi observado em voluntários humanos que receberam doses únicas ou diárias repetidas de S. boulardii. Nos primeiros houve rápida eliminação da levedura nas fe- zes, enquanto aqueles que receberam doses repetidas alcançaram uma concentração em estado de equilíbrio após cerca de três dias (EDWARDS-INGRAM et al., 2007; McFARLAND; BERNASCONI, 1993). A resistência desta levedura a baixos valores de pH permite sua sobrevivência na passagem pelo estômago, o que aumenta a quantidade de células de S. boulardii que alcança o intestino e contribui, dessa forma, para a sua atividade probiótica (EDWARDS- INGRAM et al., 2007). Outra habilidade da levedura, revelada pelo mes- mo estudo, é a formação de pseudohifa em resposta à limitação de nitrogênio, a qual pode estar relacionada ao seu potencial probiótico (EDWARDS-INGRAM et al., 2007). S. boulardii mantém-se viável em pH 2,0, diferen- te da espécie Saccharomyces cerevisiae cuja viabilidade decresce significativamente em pH 6,0; 3,0 e 2,0. Nenhuma das duas espécies sobrevive em pH 1,0 (GRAFF et al., 2008). Um estudo in vitro avaliou a viabilidade de células de S. boulardii em dois extremos de pH: 1,1 (pH esto- macal) e 6,8 (pH do cólon). Foram utilizadas no estudo as concentrações de 2; 20 e 200 gramas por litro (g/L) da levedura. A levedura liofilizada apresentou-se sen- sível em pH ácido, exceto na mais alta concentração (200 g/L). Nessa concentração, houve um aumento do pH para 3,2 protegendo as células leveduriformes dos danos morfológicos e da morte, observados nas concentrações mais baixas de S. boulardii em pH 1,1. Em pH 6,8, a viabilidade da levedura não foi alterada durante 360 minutos, que foi o tempo máximo ava- liado nesse estudo, demonstrando que a viabilidade de S. boulardii mantém-se inalterada quando exposta a pH próximo ao neutro (GRAFF et al., 2008). Conforme estudo taxonômico, S. boulardii tem semelhanças genéticas, mas é diferente do ponto de vista fisiológico de S. cerevisiae, por isso deve ser refe- rida como S. cerevisiae var. boulardii (KÜHLE; SKOV- GAARD; JESPERSEN, 2005). Um alelo microssaté- lite único e específico distingue S. boulardii de outras estirpes de S. cerevisiae (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009; ZANELLO et al., 2009). Este probiótico apresenta em seu genoma trisso- mia do cromossomo 9 e a consequente cópia alterada do número de genes contribui para sua sobrevivência em meio ácido e para amplificar sua taxa de cresci- mento. Além disso, S. boulardii cresce mais rápido na temperatura de 37° C quando comparada à S. cerevisiae (ZANELLO et al., 2009). Um estudo para análise de genoma, utilizando a técnica de hibridização genômica comparativa, concluiu que S. boulardii é um membro da espécie S. cerevisiae (EDWARDS-INGRAM et al., 2007), embora seja distinguível dessa espécie por possuir proprie- dades benéficas específicas (GRAFF et al., 2008; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009) e ser resistente à acidez gástrica, a proteases e aos anti- bióticos (FIDAN et al., 2008), ou seja, geneticamente S. boulardii é praticamente idêntica à S. cerevisiae, no entanto metabólica e fisiologicamente são diferentes (MARTINS et al., 2006). Em suma, S. boulardii é uma subespécie da es- pécie S. cerevisiae, porém esta última não tem efeito probiótico em humanos, sendo utilizada na medicina veterinária (MARTINS et al., 2005c; STEFE; ALVES; RIBEIRO, 2008). S. boulardii raramente é incorporada a iogurtes ou usada na fermentação de materiais vegetais crus (KÜHLE; SKOVGAARD; JESPERSEN, 2005). Ela é principalmente administrada na forma de pó liofili- zado como agente terapêutico na diarreia (KÜHLE; SKOVGAARD; JESPERSEN, 2005; MULLER et al., 2007). Sua eficácia no controle dessa doença é comprovada por diversos estudos, os quais também demonstram que o tratamento com esta levedura é seguro e bem tolerado sob condições normais de uso (ACEVEDO; ROMERO; ESPEJO, 2004; BUTS; BERNASCONI, 2005; GRAF; GAVAZZI, 2006; McFARLAND; BERNASCONI, 1993). Contudo, há alguns relatos de fungemia (infecção na corrente sanguínea provocada por um microrga- nismo fúngico), causada por S. boulardii administrada 875.indd 109 11/11/2010 10:58:12 110 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 por via oral, especialmente em pacientes imunocom- prometidos e cateterizados (BUTS; BERNASCONI, 2005; GRAF; GAVAZZI, 2006; MARTINS et al., 2005c; VANDENPLAS et al., 2007). A translocação da levedura, do TGI para a circulação sistêmica, não foi relatada na literatura, consistindo o cateter venoso central no principal fator de risco para a ocorrência de fungemia (BUTS; BERNASCONI, 2005). Inclusive, foram relatados casos de fungemia em pacientes que não recebiam preparação contendo a levedura, mas dividiam um quarto com pacientes tra- tados. As células viáveis de S. boulardii, após a abertura da embalagem que as contém, podem sobreviver nas mãos dos operadores ou nas superfícies do quarto por duas horas, sendo transmitidas por colonização interpessoal ou por via aérea (GRAF; GAVAZZI, 2006). Apesar disso, não há casos de morte atribuídos à fungemia causada por esta levedura e observa- se recuperação dos pacientes após suspensão do tratamento com a preparação probiótica, remoção do cateter venoso e/ou terapia antifúngica (BUTS; BERNASCONI, 2005; GRAF; GAVAZZI, 2006; McFARLAND; BERNASCONI, 1993). S. boulardii é eliminada do TGI por antifúngicos como a nistatina e o fluconazol.Todavia, quando há um intervalo de quatro a seis horas entre a ingestão da levedura e de fluconazol, este antifúngico não exerce seu efeito (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). 2.4 Mecanismo de ação de Saccha romyces boulardii O exato mecanismo pelo qual S. boulardii exerce sua ação não está completamente esclarecido (ACE- VEDO; ROMERO; ESPEJO, 2004), no entanto acredita-se que esse microrganismo, no intestino, atue por três mecanismos: efeito antagonista direto, imunoestimulação e efeito trófico na mucosa intesti- nal (BUTS; BERNASCONI, 2005; MÜLLER, 2006; SAAD, 2006). Ao exercer efeito antagonista direto, S. boulardii pode impedir o crescimento de enteropatógenos como Vibrio cholerae, Clostridium difficile e Escherichia coli, devido à competição pelos nutrientes ou sítios de li- gação ou pela produção de substâncias que os inibem. Pode também impedir sua ação patogênica, neutrali- zando suas toxinas e, ainda, melhorar a resistência à colonização no intestino (MÜLLER, 2006). Por meio da imunoestimulação, pode incitar a expressão enzimática e mecanismos de defesa intes- tinais, pelo aumento dos níveis de imunoglobulinas e de citocinas e da atividade de macrófagos e de células natural killer (MÜLLER, 2006; SAAD, 2006). O efeito trófico na mucosa intestinal é mediado pela produção endoluminal de poliaminas (putrescina, espermidina e espermina), as quais parecem ser libera- das durante a fase catabólica da levedura, durante seu trânsito no interior do lúmen (BUTS, 2009; STEFE; ALVES; RIBEIRO, 2008; VANDENPLAS; BRUN- SER; SZAJEWSKA, 2009). O aumento de poliaminas em humanos, induzido pela levedura, resulta em maturação e elevação da atividade de dissacaridases (lactase, maltase, sacarase) e outras enzimas da membrana da borda em escova do epitélio do duodeno e jejuno. Também eleva o conteúdo de ácido desoxirribonucleico (DNA) da mucosa, a concentração celular de imunoglobulina A (IgA) secretora no fluido intestinal, a concentração celular do receptor para imunoglobulinas poliméricas nas células das vilosidades e criptas (MÜLLER, 2006; STEFE; ALVES; RIBEIRO, 2008; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009) e o número de carreadores de glicose na membrana dos enterócitos (VANDENPLAS et al., 2007). Em um estudo para avaliar os efeitos de S. boulardii em modelo animal de ressecção intestinal, ratos, após 60 por cento (%) de enteroctomia proximal, foram tratados com 1 miligrama (mg) de S. boulardii liofiliza- da por grama (g) do peso corporal, durante oito dias. O grupo que recebeu a levedura apresentou estimula- ção significativa na atividade das dissacaridases e no transporte de glicose comparado ao grupo controle, ou seja, S. boulardii exerceu efeito trófico no íleo re- manescente, mediado pela liberação endoluminal de poliaminas das células da levedura (BUTS; BERNAS- CONI, 2005; ZANELLO et al., 2009). Segundo dados obtidos por Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE), as quantidades de poliami- nas na preparação liofilizada totalizam 679 nanomol (nmol)/100 mg, principalmente espermidina (55%) e espermina (43%), as quais influenciam diretamente a síntese de glicoproteínas e de enzimas da membrana da borda em escova (BUTS; BERNASCONI, 2005). S. boulardii administrada por via oral aumentou a concentração das dissacaridases em humanos vo- luntários e em ratos (BUTS; BERNASCONI, 2005; McFARLAND; BERNASCONI, 1993). O aumento dessas enzimas melhora a absorção de carboidratos, relacionada à diarreia (McFARLAND; BERNASCO- NI, 1993). Este probiótico pode ser eficiente no tratamento da deficiência congênita de sacarase-isomaltase, pois secreta a enzima sacarase em níveis de atividade muito 875.indd 110 11/11/2010 10:58:12 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 111HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 111 altos no lúmen intestinal (BUTS; BERNASCONI, 2005; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Outra enzima secretada pela levedura é uma protease de 54 quilodaltons (kDa), que neutraliza algumas toxinas bacterianas (BILLOO et al., 2006). Após o tratamento oral com a levedura não há mudança morfológica na superfície das vilosidades e microvilosidades e na profundidade das criptas, como demonstrado por microscopia eletrônica, em células epiteliais intestinais de ratos, e por técnica de microdensificação tridimensional, em células epiteliais intestinais de humanos (BUTS; BERNASCONI, 2005). S. boulardii não interfere na espessura da mucosa do intestino delgado de adultos voluntários saudá- veis, porém eleva a atividade enzimática (lactase, α-glicosidase, fosfatase alcalina) nesses indivíduos (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). 2.5 Aplicação terapêutica de Saccha- romyces boulardii em diarreias Este probiótico é usado para prevenir ou tratar diarreia de muitas etiologias (BUTS, 2009; BUTS; BERNASCONI, 2005; McFARLAND; BERNAS- CONI, 1993; ZANELLO et al., 2009). Em ensaios biológicos e clínicos demonstrou-se que esta levedura protege contra diarreia induzida por diversos pató- genos entéricos, como o C. difficile (McFARLAND, 2005), e reduz a incidência de diarreia associada à antibioticoterapia, a qual depende do antibiótico usado e dos fatores de risco de cada paciente (BARC et al., 2008; BRAVO et al., 2008; KOTOWSKA; ALBRECHT; SZAJEWSKA, 2005; SZAJEWSKA; MRUKOWICZ, 2005). Estudos in vitro e alguns in vivo concluíram que S. boulardii previne infecções intestinais causadas pela aderência ou invasão de C. difficile, E. coli e C. albicans à camada epitelial do TGI (EDWARDS- INGRAM et al., 2007). A levedura diminui a concentração de agentes etioló- gicos da diarreia e suas toxinas, quando há crescimento de microrganismos patogênicos devido à perturbação na microbiota endógena intestinal (McFARLAND; BERNASCONI, 1993). Ela reduz os danos provo- cados pelas toxinas bacterianas de V. cholerae, E. coli e C. difficile (MÜLLER, 2006; STEFE; ALVES; RIBEI- RO, 2008). É também utilizada para tratar a diarreia provoca- da por doença de Crohn (DALMASSO et al., 2006a; PENNER; FEDORAK, 2005; VILELA, 2005), além de reduzir a incidência de diarreia dos viajantes (SPIES, 2008). S. boulardii tem sido usada no tratamento da diarreia em pacientes infectados pelo vírus da imu- nodeficiência humana (HIV) (BUTS; BERNASCO- NI, 2005; McFARLAND; BERNASCONI, 1993; ZANELLO et al., 2009), nos casos de diarreia aguda em crianças e adultos (BUTS; BERNASCONI, 2005; McFARLAND; BERNASCONI, 1993), na prevenção e tratamento de enterocolopatias aguda e crônica, no tratamento de colite pseudomembranosa e para tratar a síndrome do intestino irritável associada à diarreia (BUTS; BERNASCONI, 2005; ZANELLO et al., 2009). O efeito de S. boulardii é mínimo em pacientes saudáveis comparados a pacientes acometidos por diarreia. Essa observação foi feita em um estudo que utilizou 30 voluntários saudáveis, nos quais não foram observadas mudanças profundas na microbiota intes- tinal, uma vez que nenhum dos pacientes apresentava um desequilíbrio no balanço microbiano intestinal ou sofria de diarreia durante a realização do estudo (VANHOUTTE et al., 2006). Esta levedura exerce efeito protetor no intestino, aderindo-se às células intestinais, mas não se multiplica (MARTINS et al., 2005a), portanto pode ser ingerida regularmente (MARTINS et al., 2005c). Além disso, o fluxo do trato digestivo é maior nos casos de diarreia, diminuindo a concentração de S. boulardii no intestino. Portanto, é relevante a quantida- de de células vivas e a rapidez na sua reativação, para que se alcance a concentração efetiva necessária ao estabelecimento da ação benéfica da levedura (ACE- VEDO; ROMERO; ESPEJO, 2004; MARTINS et al., 2005a, 2006). 2.5.1 Diarreias agudas S. boulardiié usada na terapia da diarreia aguda em crianças e adultos e produz uma redução significativa na duração e complicações da diarreia (CANANI et al., 2007). Esta levedura melhorou o curso da diarreia aguda em crianças que receberam a preparação probiótica por via oral. As crianças tratadas com S. boulardii apre- sentaram 50% de redução no número de episódios de diarreia nos meses seguintes, comparadas ao grupo controle. Houve também melhora significante na fre- quência e consistência das fezes e redução na duração da doença no grupo tratado (BILLOO et al., 2006). O efeito da levedura, em longo prazo (dois meses), na redução do número de episódios de diarreia pode ser devido à estimulação da imunidade local (aumento de IgA) e ao aumento da atividade trófica da mucosa (liberação de poliaminas) (BILLOO et al., 2006). 875.indd 111 11/11/2010 10:58:12 112 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 Em um estudo que avaliou cinco diferentes pre- parações probióticas no tratamento de diarreia aguda em crianças italianas, na faixa etária de três a 36 meses, S. boulardii apresentou pequeno efeito clínico, pois as crianças apresentavam diarreia suave a moderada, enquanto que em crianças admitidas no hospital com diarreia severa a levedura mostrou-se benéfica. Nesse estudo, apenas duas preparações reduziram a duração e a severidade da diarreia: Lactobacillus GG e uma mistura de quatro espécies (Streptococcus salivarius subsp. thermophilus, Bifidobacterium bifidum, Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus e Lactobacillus acidophilus). As outras duas preparações avaliadas (Enterococcus faecium SF68 e Bacillus clausii) apresentaram-se pouco eficazes (CANANI et al., 2007). Segundo Buts e Bernasconi (2005), um estudo con- trolado, randomizado e prospectivo revelou que S. bou- lardii (500 mg/dia), administrada a crianças jovens com gastroenterite aguda de intensidade moderada, influen- ciou significativamente o número, peso, consistência das fezes e tempo de trânsito intestinal, comparada ao grupo placebo. Outro estudo controlado, feito com 130 crian- ças, de três meses a três anos de idade, com diarreia infecciosa aguda, evidenciou que a administração de S. boulardii (300 mg/dia), durante cinco dias, diminuiu a frequência de evacuações após 48 horas de tratamento. A melhora clínica foi maior no grupo tratado, comparado ao placebo (BUTS; BERNASCONI, 2005; VANDEN- PLAS et al., 2007). Um ensaio clínico, envolvendo 100 crianças hospita- lizadas, mostrou que a administração de S. boulardii por cinco dias diminuiu a duração da diarreia, a frequência de evacuações e normalizou a consistência das fezes (ZANELLO et al., 2009). No Paquistão e em Mianmar, estudos clínicos contro- lados e randomizados, envolvendo crianças com diarreia aguda, revelaram que S. boulardii reduziu a duração da diarreia e a incidência de episódios diarreicos no grupo tratado com o probiótico, comparado ao grupo placebo (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Em 92 adultos com gastroenterite aguda, um estudo controlado e prospectivo concluiu que S. boulardii redu- ziu significativamente os sintomas e a diarreia depois de 48 horas (BUTS; BERNASCONI, 2005). Trabalhos publicados relacionados à diarreia agu- da demonstram que a administração de S. boulardii, em adição a medicação a esses pacientes, reduz a duração da diarreia em aproximadamente 24 horas. Esse benefício é dose-dependente e é maximizado se a levedura for dada no estágio inicial da doença (VANDENPLAS et al., 2007). 2.5.1.1 Diarreia associada a antibiótico (DAA) S. boulardii é efetiva na prevenção de DAA em adultos e crianças em uso de antibióticos, principal- mente devido a infecções do trato respiratório (SZA- JEWSKA; MRUKOWICZ, 2005; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). A DAA pode manifestar-se desde diarreias simples até quadros graves de colite pseudomembranosa ou enterocolite (BUTS; BERNASCONI, 2005; KARKOW; FAIN- TUCH; KARKOW, 2007). Em estudos in vitro e in vivo, S. boulardii diminuiu a incidência de DAA pela sua capacidade de inibir bactérias patogênicas e não ser destruída por antibió- ticos e, em hamsters, diminuiu a mortalidade daqueles tratados com clindamicina (BRAVO et al., 2008). A destruição da microbiota residente intestinal é um problema relacionado ao uso de antibióticos e ocasiona uma elevação anormal na concentração de bactérias, principalmente anaeróbias e especialmente C. difficile, levando ao aparecimento dos sintomas diarreicos devido à produção de toxinas. Esse ente- ropatógeno é causa de aproximadamente um terço dos casos de DAA e está envolvido na maioria dos casos de colite pseudomembranosa (McFARLAND; BERNASCONI, 1993; KOTOWSKA; ALBRECHT; SZAJEWSKA, 2005; SZAJEWSKA; MRUKOWICZ, 2005; ZANELLO et al., 2009). O uso da levedura S. boulardii, em combinação com antibioticoterapia padrão para o tratamento da colite pseudomembranosa recorrente provocada por C. difficile, é uma terapia segura e eficaz (KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007). Além de C. difficile, outros agentes infecciosos re- lacionados à DAA são a Klebsiella oxytoca (BARC et al., 2008; KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007), Clostridium perfringens, S. aureus, Candida sp., e Salmonella sp. (ZANELLO et al., 2009). Em pacientes com infecção recorrente por C. difficile, quanto maior a densidade de S. boulardii en- contrada nas fezes, maior a atividade terapêutica deste probiótico. Os indivíduos com concentração fecal mais alta da levedura (1 x 106 células por grama) não sofreram recaída, enquanto aqueles que a apresenta- ram continham menor concentração fecal (2,5 x 104 células por grama) (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Estudos controlados e randomiza- dos em pacientes com doença associada a C. difficile recorrente avaliaram o uso de S. boulardii e antibióticos. Os pacientes receberam vancomicina ou metronidazol em várias doses, juntamente com a 875.indd 112 11/11/2010 10:58:13 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 113HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 113 se que S. boulardii na dose de 250 mg duas vezes ao dia, por via oral durante a antibioticoterapia, previne a DAA (KOTOWSKA; ALBRECHT; SZAJEWSKA, 2005; SZAJEWSKA; MRUKOWICZ, 2005; VAN- DENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009; ZA- NELLO et al., 2009). S. boulardii não modifica a microbiota colônica en- dógena. Após a administração conjunta de S. boulardii e antibiótico, a levedura influencia o retorno ao nível normal dos grupos bacterianos dominantes e ajuda a restaurar o balanço microbiano intestinal. Esses efei- tos contribuem para sua atividade probiótica e efeito benéfico na prevenção da DAA (BARC et al., 2008). 2.5.1.2 Diarreia por sorovariedades de Escherichia coli S. boulardii é efetiva, também, na diarreia provocada por E. coli enteropatogênica (EPEC), que representa a maior causa dessa doença nos países em desenvolvi- mento (WU et al., 2008). Sua patogênese envolve a adesão às células epite- liais intestinais, a indução de sinais de transdução nas células hospedeiras, culminando com as lesões que levam à degeneração das microvilosidades e, conse- quentemente, leva a um aumento na permeabilidade intestinal. Essa bactéria também é capaz de induzir sua internalização por células epiteliais não fagocíticas (BUTS; BERNASCONI, 2005). Um experimento realizado in vitro com células T84 de cólon humano, as quais sofrem modificação quando infectadas por EPEC, revelou que S. boulardii mantém a função da barreira e a viabilidade das cé- lulas T84 infectadas (BUTS; BERNASCONI, 2005; MARTINS et al., 2005c). Esta levedura não modifica o número de bactériasassociadas à célula, mas reduz o número de bactérias intracelulares e diminui a fosfori- lação de várias proteínas, induzida por EPEC (BUTS; BERNASCONI, 2005; MARTINS et al., 2005c; WU et al., 2008). E. coli enterohemorrágica (EHEC) é um patógeno de origem alimentar que causa gastroenterite aguda e colite hemorrágica, podendo levar a complicações como a síndrome hemolítica urêmica (DALMASSO et al., 2006b; KÜHLE; SKOVGAARD; JESPERSEN, 2005). As infecções por esse patógeno ocorrem, geral- mente, em países industrializados (Estados Unidos, Canadá e Japão) e estão associadas a contaminações alimentares (BUTS; BERNASCONI, 2005). Um estudo in vitro demonstrou que células T84 infectadas por EHEC aumentaram a secreção de IL-8, uma citocina pró-inflamatória capaz de recru- levedura (2 x 1010 UFC/dia) ou somente o placebo, durante 28 dias. Aqueles que receberam a levedura tiveram taxa de recorrência significativamente mais baixa (35%), comparados ao grupo placebo (65%) (BOS et al., 2006; McFARLAND, 2005; McFAR- LAND; BERNASCONI, 1993). O efeito protetor de S. boulardii na mucosa in- testinal deve-se a uma protease de 54 kDa secretada por esta levedura, que inibe a ação das toxinas de C. difficile. Esse fato é comprovado por um estudo fei- to em humanos, no qual se verificou a inibição dos efeitos das toxinas A e B de C. difficile na mucosa do cólon pela ação de uma protease extraída da levedura (COPPOLA; TURNES, 2004). Outros mecanismos, como a estimulação da atividade das dissacaridases e da resposta imune na mucosa intesti- nal e a produção de fatores que inibem o crescimento de C. difficile, contribuem para o efeito protetor da leve- dura na infecção por esse patógeno (MARTINS et al., 2005c). S. boulardii reduz a secreção hidroeletrolítica e a permeabilidade da mucosa ao manitol induzidas pela toxina A de C. difficile, conforme estudo conduzido em íleo de ratos (BUTS; BERNASCONI, 2005). Além disso, a levedura não tem efeito direto no número de C. difficile, todavia diminui o título de citotoxina nas fezes de animais tratados com este probiótico (DAL- MASSO et al., 2006b). A eficácia de S. boulardii contra a enterotoxigeni- cidade de C. difficile é observada quando a levedura é administrada preventiva e continuamente e é propor- cional à dose oral administrada (BRAVO et al., 2008; BUTS; BERNASCONI, 2005; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Estudos clínicos randomizados envolvendo pa- cientes hospitalizados e ambulatoriais demonstraram que S. boulardii administrada em doses de 1 g/dia e 200 mg/dia, respectivamente, durante a antibioticoterapia, reduziu a ocorrência de DAA (BUTS; BERNASCO- NI, 2005). Em um estudo realizado com 170 pacientes, no qual se administrou o antibiótico vancomicina (2 g/ dia por 10 dias) juntamente com S. boulardii (1 g/dia por 28 dias) ou a vancomicina mais o placebo, houve um decréscimo significativo na recorrência da diar- reia nos pacientes tratados com a levedura (16,7%), comparados ao grupo que recebeu o placebo (50%) (ZANELLO et al., 2009). Um estudo controlado, duplo-cego e randomiza- do, foi realizado com 269 crianças, de seis meses a 14 anos de idade, em uso de antibióticos para tratar otite média e/ou infecção do trato respiratório. Concluiu- 875.indd 113 11/11/2010 10:58:13 114 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 gella, Salmonella e E. coli enteroinvasiva, possam causá- la em 10 a 25% dos casos (KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007; MINCIS; MINCIS; CALICHMAN, 2008; SPIES, 2008). Juntos, os patógenos E. coli en- terotoxigênica, Shigella e Salmonella representam 80% dos casos de diarreia dos viajantes (ZANELLO et al., 2009). Normalmente, ocorre em indivíduos residentes em países desenvolvidos que viajam para regiões em desenvolvimento ou não desenvolvidas, zonas subtropicais ou tropicais ou com baixas condições de higiene (BUTS; BERNASCONI, 2005; MINCIS; MINCIS; CALICHMAN, 2008). Em um estudo placebo-controlado e duplo-cego envolvendo 1016 pessoas, verificou-se que S. boulardii protegeu moderadamente esses indivíduos contra a diarreia dos viajantes. Nesse estudo, as células da levedura foram administradas cinco dias antes e du- rante toda a viagem. Os pacientes foram divididos em três grupos: um recebeu placebo, outro S. boulardii 250 mg/dia e o último recebeu S. boulardii 1000 mg/ dia. Essa proteção foi significante e mostrou ser dose- dependente, uma vez que a incidência de diarreia no grupo placebo foi 39,1%, no segundo grupo 34,4% e no grupo que recebeu maior dose da levedura foi de 28,7% (BUTS; BERNASCONI, 2005; KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007; ZANELLO et al., 2009). A dose do probiótico para prevenção da diarreia dos viajantes deve ser iniciada alguns dias antes da via- gem para alcançar concentração adequada e permitir uma subsequente proteção durante a viagem (SPIES, 2008). 2.5.1.3 Diarreia por Salmonella sp. e Shigella sp. Os gêneros Salmonella e Shigella pertencem à famí- lia Enterobacteriaceae e, assim como E. coli, são bacilos Gram-negativos isolados do TGI e associados com diarreia (HENRY, 2008). Em um estudo em modelo animal, camundongos gnotobióticos foram inoculados com uma suspensão de S. flexneri ou S. Typhimurium e posteriormente tratados com uma dose única de 10 mg de S. boulardii. Nos camundongos inoculados com S. flexneri, a leve- dura produziu efeito protetor contra a mortalidade e naqueles inoculados com S. Typhimurium, S. boulardii diminuiu a severidade das lesões intestinais induzidas por esse enteropatógeno (BUTS; BERNASCONI, 2005). Esta levedura não reduz o crescimento dessas bactérias no intestino, mas protege o organismo tar células polimorfonucleares para o sítio infectado (DALMASSO et al., 2006b). EHEC induz a morte da célula do hospedeiro por apoptose ou necrose. Em células infectadas por EHEC, que foram pré-incubadas com S. boulardii não houve ativação de pró-caspases, dessa forma esta levedura bloqueia a apoptose induzida por EHEC (DALMASSO et al., 2006b). Na presença de S. boulardii, também houve di- minuição na síntese e secreção do fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), citocina que participa da apoptose induzida por EHEC nas células infectadas, indicando que a levedura interfere na via que regula a expressão de TNF-α. No sobrenadante das células incubadas somente com EHEC, altos níveis dessa ci- tocina foram mensurados (DALMASSO et al., 2006b; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). S. boulardii diminui a ativação de proteinoquinases ativadas por mitógenos (MAP quinases) e do fator nu- clear-kappa B (NF-κB) induzida por EHEC em células T84 humanas, pois produz um fator anti-inflamatório solúvel em água, de baixo peso molecular (menor que 1 kDa) e estável, que inibe os sinais pró-inflamatórios nas células-alvo ao bloquear a ativação da transcrição do fator NF-κB, fator de transcrição que tem papel central nas respostas inflamatórias humanas. O efeito benéfico de S. boulardii nas doenças entéricas é mediado, em parte, pela atenuação da resposta pró- inflamatória na mucosa do hospedeiro (DALMASSO et al., 2006b; FIDAN et al., 2008; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). A infecção de células intestinais por EHEC pro- voca inflamação e perturbação da função da barreira e também pode alterar a permeabilidade intestinal devido à indução da queda da resistência elétrica transmonocamada. S. boulardii previne a diminuição da resistência elétrica transmonocamada em células intestinais infectadas por EHEC e também diminui ou inibe a secreção de IL-8 em células pré-incubadas com a levedura e então infectadas por EHEC (FIDAN et al., 2008; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). A diarreia dos viajantesocorre em aproximada- mente metade dos indivíduos que viajam para países de alto risco e pode manifestar-se desde a forma suave até a severa (KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007; SPIES, 2008). E. coli enterotoxigênica e E. coli enteroagregativa são os patógenos mais comumente envolvidos na diarreia dos viajantes (50% dos casos), embora vários agentes infecciosos, tais quais Campylobacter jejuni, Shi- 875.indd 114 11/11/2010 10:58:13 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 115HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 115 está envolvida na patogênese da gastrite crônica e úl- cera péptica em adultos e crianças e constitui fator de risco para malignidade gástrica em adultos (HENRY, 2008; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). S. boulardii reduziu o risco de diarreia quando coadministrada a pacientes recebendo terapia para erradicação tripla de H. pylori. Em adultos, a suple- mentação com esta levedura diminuiu a dispepsia no pós-tratamento da infecção por esse bacilo (VAN- DENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Um estudo controlado, randomizado e aberto avaliou a taxa de erradicação de H. pylori em crianças, utilizando S. boulardii mais inulina (simbiótico), Lac- tobacillus acidophilus LB (probiótico) ou a terapia tripla com lanzoprazol, amoxicilina e claritromicina (antibi- ótico). H. pylori foi erradicado em 66% das crianças no grupo antibiótico, 12% no grupo simbiótico e 6,5% no grupo probiótico (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). S. boulardii altera a estrutura de H. pylori, todavia não influencia a erradicação dessa bactéria (VAN- DENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). 2.5.1.6 Diarreia por Entamoeba histolytica E. histolytica é um protozoário que pode habitar o TGI humano e é o agente etiológico da amebía- se. Esse parasita pode causar a disenteria amebiana, caracterizada por diarreia sanguinolenta com dores abdominais, ou a colite amebiana com sintomas como diarreia não sanguinolenta, constipação, cólicas abdo- minais e perda de peso (HENRY, 2008). Com a finalidade de verificar a eficácia de S. bou- lardii na diarreia causada por E. histolytica, ratos jovens foram infectados com trofozoítos de E. histolytica (5 x 105) e tratados com S. boulardii (1,8 x 109 UFC/dia) ou salina por quatro dias. Ao final desse período, os ratos tratados com a levedura apresentaram menos lesões que os do grupo controle (McFARLAND; BERNAS- CONI, 1993; MÜLLER, 2006). Em um estudo duplo-cego, S. boulardii foi admi- nistrada em um grupo de pacientes com disenteria amebiana aguda concomitantemente com metroni- dazol e iodoquinol. Nesses pacientes, observou-se redução significativa da duração da diarreia, da febre, da dor abdominal e da eliminação de cistos, com- parados àqueles que receberam apenas o tratamento convencional (OLIVEIRA-SEQUEIRA; RIBEIRO; GOMES, 2008). Um estudo in vitro mostrou que S. boulardii redu- ziu a ligação de trofozoítos de E. histolytica a eritró- citos (MÜLLER, 2006; OLIVEIRA-SEQUEIRA; RIBEIRO; GOMES, 2008), sendo esse o principal infectado das lesões intestinais provocadas por esses bacilos (DALMASSO et al., 2006b; VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). 2.5.1.4 Diarreia por Vibrio cholerae V. cholerae é um bacilo Gram-negativo pequeno, curvo ou reto e anaeróbio facultativo (HENRY, 2008). A toxina produzida por esse patógeno ativa a adenilato ciclase do enterócito e estimula a produção de adenosina monofosfato cíclico (AMPc) resultando em hipersecreção de eletrólitos e água, ou seja, diar- reia severa (BUTS; BERNASCONI, 2005; HENRY, 2008). O sobrenadante da cultura média de S. boulardii diminui a atividade do AMPc, induzida pela toxina do cólera, em células epiteliais intestinais de ratos, em uma dose-dependente. Esse efeito desaparece quando o sobrenadante é desnaturado pelo aquecimento, hi- drolisado por tripsina, ou tratado com ácido tricloroa- cético, indicando que a levedura secreta uma proteína, a qual está presente no sobrenadante da cultura. Essa proteína foi identificada como uma proteína de 120 kDa, em gel de poliacrilamida (BUTS; BERNASCO- NI, 2005). Ela inibe ou neutraliza a enterotoxicidade da toxina de V. cholerae, por ligação ao receptor no qual a toxina liga-se ou por sua adesão específica à toxina, reduzindo a formação de AMPc pelas células intestinais (DALMASSO et al., 2006a ; MÜLLER, 2006). Células epiteliais do intestino de ratos foram pré-incubadas comS. boulardii por 48 horas e depois expostas a 1 micrograma por milíme- tro (μg/mm) de toxina colérica. Houve redu- ção de 50% do AMPc nas células tratadas com S. boulardii comparadas às que foram incubadas apenas com a toxina do cólera (McFARLAND; BER- NASCONI, 1993). Quando S. boulardii é ingerida anteriormente à toxina colérica, a levedura diminui as mudanças metabólicas na mucosa intestinal induzidas por essa bactéria (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Um estudo anatomopatológico, realizado no intes- tino delgado de ratos, revelou que aqueles pré-tratados com S. boulardii não apresentaram danos morfológi- cos, comparados aos ratos que receberam V. cholerae somente. Isso demonstra que a levedura previne os danos causados por esse patógeno (DALMASSO et al., 2006b). 2.5.1.5 Diarreia por Helicobacter pylori H. pylori é um bacilo Gram-negativo espiralado ou curvo e microaerofílico. É uma bactéria gástrica, cuja infecção pode resultar em sintomas de gastrite aguda, 875.indd 115 11/11/2010 10:58:13 116 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 Um estudo placebo-controlado, duplo-cego e ran- domizado foi realizado em 35 pacientes com diarreia associada à síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA). Após uma semana de tratamento, a diarreia foi controlada em 61% dos indivíduos que receberam S. boulardii (3 g/dia) contra 12% no grupo placebo. Além disso, no grupo tratado houve melhora no número, peso e volume das fezes, na dor abdominal, no peso corporal e na qualidade de vida dos pacien- tes (BUTS; BERNASCONI, 2005; McFARLAND; BERNASCONI, 1993; ZANELLO et al., 2009). 2.5.1.9 Diarreia na alimentação nasogástrica A alimentação nasogástrica pode resultar em diarreia severa devido ao prejuízo no metabolismo de carboidratos, por causa da microbiota fecal alte- rada, ou devido a mudanças no balanço osmótico, por causa do ajuste de dose alimentar usada em cada paciente (KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007; McFARLAND; BERNASCONI, 1993). S. boulardii reduz a diarreia causada por alimenta- ção com sonda nasogástrica (BUTS; BERNASCONI, 2005; McFARLAND; BERNASCONI, 1993), como documentado em três estudos placebo-controlados, prospectivos e randomizados (BUTS; BERNASCO- NI, 2005). No primeiro estudo, a administração de S. bou- lardii 500 miligramas por litro (mg/L) de solução nutritiva a pacientes hospitalizados, em unidade de tratamento intensivo (UTI), reduziu a incidência de dias com diarreia (BUTS; BERNASCONI, 2005). No segundo, pacientes hospitalizados em uma unidade de queimados receberam S. boulardii 2 g/dia. Redução na incidência de dias com diarreia, melhora na tolerância digestiva à dieta enteral e aumento significante na ingestão calórica foram observados nesses pacientes (BUTS; BER- NASCONI, 2005). No terceiro estudo, multicêntrico, realizado com 128 pacientes, os autores observaram redução no nú- mero de dias com diarreia nos pacientes tratados com S. boulardii 2 g/dia, confirmando a eficácia da le- vedura na prevenção da diarreia em pacientes com alimentação enteral hospitalizados em UTI (BUTS; BERNASCONI, 2005; ZANELLO et al., 2009). 2.5.2 Diarreias crônicas ou persistentes S. boulardii é efetiva no tratamento da diarreia persis-tente em crianças, conforme resultados demonstrados por diversos estudos (MARTINS et al., 2005c). Em um estudo para averiguar a eficiência de S. bou- lardii na diarreia persistente em crianças, cujos episódios duravam pelo menos duas semanas, verificou-se que esse microrganismo reduziu o número de evacuações por dia, encurtou a duração da doença e provocou uma melhora no quadro clínico das crianças tratadas com a mecanismo antagonista da levedura na infecção por Entamoeba sp. (OLIVEIRA-SEQUEIRA; RIBEIRO; GOMES, 2008). 2.5.1.7 Diarreia por Giardia lamblia G. lamblia é um protozoário intestinal causador de doença epidêmica e endêmica em todo o mundo. A infecção por esse parasita pode ser assintomática ou causar desde diarreia branda com pouca dor ab- dominal até síndrome de má-absorção com diarreia e esteatorreia (HENRY, 2008). Um estudo duplo-cego envolvendo crianças que apresentavam diarreia devido à infecção por G. lamblia, dividiu-as em dois grupos: um que recebeu S. boulardii (250 mg, duas vezes ao dia) e outro que recebeu placebo, ambos por 30 dias. S. boulardii em combinação com um tratamento específico (tinida- zol) promoveu uma redução da diarreia e uma rápida recuperação da mucosa jejunal comparada ao grupo placebo, no qual, após o período do estudo, a atrofia manteve-se ou piorou (OLIVEIRA-SEQUEIRA; RIBEIRO; GOMES, 2008). Em outro estudo duplo-cego, pacientes com giardíase foram divididos em dois grupos: um rece- beu metronidazol e S. boulardii e o outro somente metronidazol (droga de escolha para o tratamento dessa parasitose). Somente nos indivíduos do grupo placebo foram encontrados cistos de G. lamblia, confirmando que a associação S. boulardii mais metronidazol é mais efetiva no tratamento da giardí- ase (OLIVEIRA-SEQUEIRA; RIBEIRO; GOMES, 2008). 2.5.1.8 Diarreia em pacientes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) A perda de nutrientes, desequilíbrio eletrolítico e desidratação são perigosos para indivíduos infecta- dos por HIV, por isso a diarreia é uma complicação clínica importante nesses pacientes (KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007). A causa da diarreia nesse grupo de pacientes está relacionada à própria infecção pelo retrovírus, ao efeito da terapia antirretroviral ou à presença de algum agente causador da diarreia, sendo Salmonella, Campylobacter, algumas espécies de Shigella, Cryptospo- ridium parvum, Microsporidium sp., G. lamblia, E. his- tolytica, Strongyloides stercoralis e Isospora belli os agentes etiológicos de diarreia mais comuns nesses pacientes (MINCIS; MINCIS; CALICHMAN, 2008). Em um estudo aberto, pesquisadores franceses testaram S. boulardii em dezessete pacientes com diarreia relacionada ao vírus HIV. Observou-se a redução do volume diário de fezes diarreicas após o tratamento com 3 g diários de S. boulardii, durante 15 dias (BUTS; BERNASCONI, 2005). 875.indd 116 11/11/2010 10:58:14 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 117HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 117 Em um estudo utilizando modelo animal de doença inflamatória intestinal, camundongos foram alimenta- dos com S. boulardii. A levedura inibiu a perda de peso e a inflamação da mucosa colônica nesses animais (DALMASSO et al., 2006a). O mesmo estudo mostrou que o efeito anti-infla- matório de S. boulardii está relacionado à diminuição do nível de ativação de NF-κB no cólon (DALMASSO et al., 2006a). A doença de Crohn manifesta-se como uma infla- mação em qualquer sítio do trato digestivo, caracteriza- se por evolução crônica e/ou recorrente, e uma de suas causas é a diminuição da integridade da mucosa intestinal (KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007; VILELA, 2005). Os principais sintomas nessa doença são diarreia, dor abdominal e perda de peso. S. boulardii diminui a atividade da doença, a frequência dos movimentos in- testinais e a recaída nos pacientes acometidos por essa patologia (BROWN; VALIERE, 2004). Um estudo clínico, randomizado e prospectivo comparou dois grupos, um de pacientes que receberam mesalazina (3 g/dia) e outro de pacientes que recebe- ram o fármaco (2 g/dia) mais S. boulardii (1 g/dia), por seis meses. Após o término do estudo, a recaída foi menor no grupo que recebeu a levedura, comparado ao grupo que recebeu mesalazina somente (PENNER; FEDORAK, 2005; ZANELLO et al., 2009). De acordo com Karkow e outros (2007) foi cons- tatada uma redução na quantidade de evacuações, nos movimentos intestinais e na atividade da doença em pacientes que receberam a levedura mais o tratamento convencional. Este estudo piloto, duplo-cego e contro- lado envolveu 20 pacientes com doença de Crohn, que foram randomizados em dois grupos: um recebendo o probiótico e o outro placebo e ambos recebendo o tratamento convencional, durante sete semanas. Um ensaio controlado e randomizado, realizado em pacientes com doença de Crohn em fase de remissão, revelou que S. boulardii reduziu as taxas de excreção de lactulose e a relação de excreção entre lactulose e manitol, melhorando a permeabilidade intestinal nos pacientes que receberam a levedura, comparados ao grupo placebo. Os pacientes com a doença em fase de remissão apresentam alterações na integridade da mucosa intestinal, verificada através de teste de per- meabilidade (VILELA, 2005). A colite ulcerativa é outro tipo de doença infla- matória intestinal, na qual a inflamação está limitada ao cólon. Caracteriza-se por curso crônico, com fases de remissão de duração variável, interrompidas por episódios agudos (ZANELLO et al., 2009). S. boulardii foi testada em modelos animais de colite associada a C. difficile, como camundongos gnotobióticos, os quais normalmente morrem após infecção por essa bactéria. A taxa de sobrevivência levedura, comparadas àquelas que receberam placebo (MARTINS et al., 2005c). Um estudo controlado, randomizado e duplo-cego, foi realizado na Argentina com 89 crianças, de seis me- ses a dois anos de idade, com diarreia persistente. As 30 crianças que receberam S. boulardii liofilizada (1010 – 1012 UFC/g, duas vezes ao dia), durante cinco dias, apresentaram redução significativa no número de eva- cuações por dia, na duração da diarreia e na frequência de vômitos, comparadas às que receberam placebo (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). Para verificar a eficácia de S. boulardii no controle da diarreia crônica, 40 crianças de seis meses a três anos de idade, com diarreia de três ou quatro semanas de du- ração, foram estudadas em Cuba. Metade das crianças recebeu a levedura (500 mg/dia) e o restante recebeu o placebo, por um mês. No final do estudo, S. boulardii diminuiu a frequência dos movimentos intestinais de três para um movimento intestinal diário, comparada ao grupo placebo (VANDENPLAS; BRUNSER; SZAJEWSKA, 2009). 2.5.2.1 Diarreia na síndrome do intestino irritável (SII) A SII tem evolução crônica e é caracterizada por dor e distensão abdominais e mudança no hábito intes- tinal. A microbiota intestinal desempenha um papel na patogênese dessa síndrome (ZANELLO et al., 2009). S. boulardii é eficaz no tratamento da SII, de acordo com um estudo placebo-controlado, duplo-cego e prospectivo, realizado com 34 pacientes acometidos pela SII e apresentando episódios de diarreia. Após um mês de tratamento, houve redução significante no nú- mero de evacuações diárias e melhora na consistência das fezes (BUTS; BERNASCONI, 2005; ZANELLO et al., 2009). 2.5.2.2 Diarreia nas doenças inflamatórias intestinais As doenças inflamatórias intestinais incluem a do- ença de Crohn, a colite ulcerativa (ZANELLO et al., 2009) e a pouchite, que é uma complicação do reserva- tório ileal, decorrente de cirurgia por coliteulcerativa (KARKOW; FAINTUCH; KARKOW, 2007; PEN- NER; FEDORAK, 2005). S. boulardii pode ser um instrumento terapêutico útil no tratamento da inflamação da mucosa em pacientes com doença inflamatória intestinal, devido ao efeito preventivo direto da levedura contra a inflamação na mucosa (DALMASSO et al., 2006a). Esta levedura age na inflamação por uma alteração específica do comportamento migratório de linfócitos T, que se acumulam no linfonodo mesentérico. Ela limita a infiltração de linfócitos T helper 1 no cólon inflamado e a amplificação da inflamação, induzida por citocinas pró-inflamatórias (DALMASSO et al., 2006a). 875.indd 117 11/11/2010 10:58:14 118 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 3 ConsIdeRações fInaIs S. boulardii é um agente bioterapêutico antidiar- reico com eficácia comprovada em muitas condi- ções patológicas que cursam com diarreias agudas e/ou diarreias crônicas. No Brasil, são comercializadas seis marcas de medicamentos com o princípio ativo S. boulardii–17 na forma liofilizada: Floratil®, Flomicin®, Flora- zin®, Florent®, Repoflor® e Lactipan®. O contro- le de qualidade desses medicamentos é fundamental para garantir a eficácia e segurança dos resultados da terapia, pois assegura que o princípio ativo esteja viável e na concentração adequada para exercer seu efeito terapêutico. Os antibióticos e os quimioterápicos, utilizados no tratamento das infecções por enteropatógenos diarreiogênicos, podem produzir efeitos adversos. Esses efeitos incluem desde desconfortos abdomi- nais, diarreias, vômitos e náuseas até lesão tóxica direta na mucosa intestinal e pancreatite tóxica. A diminuição de bactérias da microbiota residente intestinal, consequência do uso desses medica- mentos, ocasiona um desequilíbrio bacteriano, que favorece o crescimento de bactérias patogênicas e, por conseguinte, aumenta a probabilidade de de- senvolvimento de outras infecções. S. boulardii, além de não alterar a morfologia in- testinal nem a microbiota colônica residente como os antibióticos, apresenta resultados equivalentes aos medicamentos padrões utilizados no tratamen- to da diarreia. Em adição, S. boulardii pode ser administrada concomitantemente a antibióticos, por resistir à sua ação, e ainda impede a proliferação de patógenos entéricos, restaurando o equilíbrio da microbiota residente intestinal. Devido a esses fatores, é van- tajosa a utilização de medicamentos à base deste probiótico. Para maximizar os benefícios da terapia com medicamentos que contêm S. boulardii e minimizar os riscos potenciais, estes devem ser utilizados com cautela em pacientes com cateter venoso central e com baixa contagem de células brancas, devido ao risco de fungemia. São necessários mais estudos que avaliem a segurança deste probiótico, nesse grupo de pacientes de risco, para comprovar que o seu benefício no controle da diarreia é maior que o seu risco de fungemia. foi de 16% após dose única de S. boulardii e de 56% após doses contínuas da levedura (McFARLAND; BERNASCONI, 1993). Em um estudo não controlado, houve remissão em 68% dos vinte e cinco pacientes com colite ulcera- tiva, que foram tratados com a levedura (750 mg por dia) mais mesalazina por quatro semanas (PENNER; FEDORAK, 2005; ZANELLO et al., 2009). Estudos clínicos, envolvendo pacientes que apre- sentavam colite e diarreia devido à infecção por C. difficile, concluíram que a administração de S. boulardii concomitantemente com o antibiótico padrão (van- comicina) promove uma redução significativa na ocorrência de recaídas nesses pacientes, comparados ao grupo placebo (BUTS; BERNASCONI, 2005). 2.6 Utilização de Saccharomyces boulardii como medicamento No Brasil, e em todo o mundo, produtos à base de S. boulardii são comercializados para uso na prevenção ou tratamento de várias desordens intestinais (MAR- TINS et al., 2005a). As empresas brasileiras que comercializam a le- vedura, com os seus respectivos nomes comerciais, são: Merck S. A. (Floratil®), Neo Química (Flomi- cin®), Herald’s do Brasil Ltda (Florazin®), Cifarma (Florent®), EMS Legrand (Repoflor®) e Sigma Farma (Lactipan®) (SORIAK, 2006-2007). Outros laboratórios no exterior comercializam-na sob os nomes Ultra-levure® e Perenterol® (McFARLAND; BERNASCONI, 1993). Os medicamentos disponíveis no mercado con- tendo S. boulardii são indicados para uso adulto e pediátrico, por via oral, e encontram-se em diferentes formas farmacêuticas, tais como cápsulas (FLORA- TIL, 2005; SORIAK, 2006-2007) e pó oral (SORIAK, 2006-2007). A bula do medicamento de referência Floratil (2005) recomenda a posologia de 400 mg/dia do fármaco nas alterações agudas da microbiota intestinal e 200 mg/ dia nas crônicas. O medicamento deve ser administrado, preferen- cialmente, em jejum ou 30 minutos antes das refeições. Em pacientes sob tratamento com antibióticos ou quimioterápicos, S. boulardii deve ser administrada um pouco antes desses agentes. Na maioria das condições patológicas, dois a três dias de tratamento com esta pre- paração probiótica são suficientes (FLORATIL, 2005). A ingestão diária é importante a fim de manter níveis adequados do microrganismo no sistema diges- tivo, permitindo o desenvolvimento do efeito desejado (MÜLLER, 2006). Após interrupção do uso, S. bou- lardii é eliminada do organismo, nas fezes, dentro de dois a cinco dias, quando administrada repetidamente (ZANELLO et al., 2009). 875.indd 118 11/11/2010 10:58:14 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 119HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 119 BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Resolução RDC nº 2, de 07 de janeiro de 2002. Aprova o regulamento técnico de substâncias bioativas e probióticos isolados com alegação de propriedades funcional e ou de saúde. Brasília, DF, jan. 2002. 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Keywords: Saccharomyces. Probiotics. Diarrhea. 875.indd 119 11/11/2010 10:58:38 120 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 HU Revista, Juiz de Fora, v. 36, n. 2, p. 107-122, abr./jun. 2010 GRAFF, S. et al. Influence of pH conditions on the viability of Saccharomyces boulardii yeast. The Journal of General and Applied Microbiology, Tokyo, v. 54, p. 221-227, 2008. Disponível em: <http://www.jstage.jst.go.jp/article/ jgam/54/4/221/_pdf>. Acesso em: 7 fev. 2009. HENRY, J. B. Diagnósticos clínicos e tratamento por métodos laboratoriais. Tradução Ida Cristina Gubert. 20. ed. São Paulo: Manole, 2008. p. 1266-1268, 1272, 1390, 1394-1397. KARKOW, F. J. A.; FAINTUCH, J.; KARKOW, A. G. M. Probióticos: perspectivas médicas. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, v. 51, n. 1, p. 38-48, jan.-mar. 2007. Disponível em: <http://www.amrigs.org.br/revista/51-01/aesp01.pdf>. Acesso em: 3 fev. 2009. KOTOWSKA, M.; ALBRECHT, P.; SZAJEWSKA, H. 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