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O FUTURO DA MODA Y A S M I N R O Q U E T T E T H E D I M M I R A N D A D E C A R V A L H O PARÂMETROS PARA A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE DESIGN Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil Faculdade SENAI/CETIQT Yasmin Roquette Thedim Miranda de Carvalho O FUTURO DA MODA PARÂMETROS PARA A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE DESIGN Rio de Janeiro 2018 Curso de Bacharelado em Design 2 YASMIN ROQUETTE THEDIM MIRANDA DE CARVALHO O FUTURO DA MODA Parâmetros para a formação do profissional de design Monografia, apresentada ao Curso de Design de Moda da Universidade SENAI CETIQT, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Design de Moda. Orientador: Profª. Gláucia Curtinaz Centeno Rio de Janeiro 2018 4 A todos aqueles que encontram na moda uma forma de se expressar e de construir um mundo sustentável 5 “Do something pretty while you can.” (Belle and Sebastian) 6 RESUMO A presente pesquisa aborda os parâmetros para a formação do profissional de design de moda. O objetivo geral é compreender o panorama da cadeia da moda brasileira a partir dos três pilares principais (indústria, políticas públicas e academia) e dos fluxos da economia criativa e da indústria 4.0, identificando suas especificidades e construindo parâmetros que norteiam a formação do designer de moda. De acordo com o assunto abordado, é possível mostrar que a indústria da moda está em constante movimento e atualização, e que os profissionais que atuam nesse mercado também devem estar. Os métodos utilizados para aprofundamento desta análise foram de embasamento teórico e de estudo de caso da matriz curricular do bacharelado em Design de Moda da instituição de ensino SENAI CETIQT, por meio de entrevistas com profissionais da instituição. Por fim, a pesquisa constatou que existem parâmetros a serem seguidos para a formação do profissional que atua neste mercado de trabalho. Palavras chave: Design de Moda; Indústria; Ensino; Profissional. 7 ABSTRACT The present research is a study of the parameters for the formation of the professional fashion designer. The overall objective is to understand the panorama of Brazilian fashion industry from the three main pillars (industry, public policies and academia) and flows of creative economy and industry 4.0, identifying their specific characteristics and building parameters to guide the formation of the fashion designer. According to the subject, it is possible to show that the fashion industry is constantly moving and updating, and the professionals working in this market must also be. The methods used for deepening this analysis were theoretical foundation and the case study of the updating of the curriculum matrix of Bachelor of Fashion Design School SENAI CETIQT, through interviews with professionals from the institution. Conclusively, the research found that there are parameters to be followed for the formation of the professional who acts in this job market. Keywords: Fashion Design; Industry; Teaching; Professional. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................09 1. PILARES DA CADEIA DA MODA ........................................................12 1.1 Indústria .......................................................................................12 1.2 Políticas Públicas .........................................................................23 1.3 Academia .....................................................................................35 2. NOVOS FLUXOS E TENDÊNCIAS .......................................................45 2.1 Economia Criativa ........................................................................45 2.2 Indústria 4.0 .................................................................................50 3. PARÂMETROS PARA A FORMAÇÃO DO DESIGNER DE MODA …57 3.1 Redesenho Curricular do SENAI CETIQT ..................................66 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................77 REFERÊNCIAS .....................................................................................81 APÊNDICE A – ENTREVISTAS TRANSCRITAS .................................85 9 INTRODUÇÃO No início de 2015, período em que estava estagiando no departamento de moda da FIRJAN, tive a oportunidade de imergir em um universo pouco explorado pela maioria dos estudantes de Design de Moda. Aos poucos fui ampliando meu interesse e conhecimento sobre o regionalismo do estado do Rio de Janeiro, através das constantes reuniões que participava com os sindicatos de Moda. Pude compreender que regionalidades são todos os aspectos econômicos, sociais e culturais de uma determinada região, e que falando de Brasil, isso se multiplicava de forma colossal. Essa constatação me despertou o desejo de ir além e tentar compreender mais profundamente como funciona a cadeia da moda brasileira, e isso deu origem a esse estudo. Sabe-se que a indústria da moda vem aumentando consideravelmente a velocidade de produção em virtude da instantaneidade da internet e está passando por um momento de grandes transformações tecnológicas. Dessa forma, o profissional que atua nesse mercado de trabalho também está passando por um processo de adaptação. Esse cenário influencia diretamente na formação do profissional, uma vez que ele precisa ser multidisciplinar para atuar em todas as áreas que já existem na cadeia da moda e também nas que estão surgindo. Por isso, é imprescindível que tanto a academia (responsável pela formação desse profissional) esteja atenta a essas transformações, assim como a indústria (mercado de trabalho onde ele atuará), que necessita dos resultados dessa atualização curricular para o crescimento econômico da empresa. Assim delineou-se os seguintes objetivos da pesquisa. O objetivo geral foi identificar parâmetros para a formação do profissional designer de moda, uma vez que o cenário atual desse segmento passa por significantes 10 transformações influenciando nas habilidades que ele deverá desenvolver. Para uma análise mais eficaz do objetivo geral foram traçados os seguintes objetivos específicos: analisar os três principais pilares da cadeia da moda brasileira (indústria, políticas públicas e academia) buscando compreender o panorama completo desse segmento e identificar as especificidades dos fluxos de economia criativa e indústria 4.0, que impactam diretamente na moda. Portanto, nos capítulos seguintes serão primeiramente verificadas as características particulares da indústria da moda no Brasil, o panorama das políticas de incentivo para o segmento nos últimos anos e a atuação da academia como pilar responsável pela formação desse profissional. O segundo capítulo será aprofundado em questões relacionadas aos fluxos de economia criativa e indústria 4.0, e no último capítulo serão apresentados parâmetros para a formação do profissional designer de moda. Para isso, sentimos necessidade de buscar um caso concreto onde se pudesse verificar quais seriam as bases de conhecimento desse profissional. Pela proximidade com o curso de graduação do SENAI CETIQT realizamos um estudo de caso da atualização da matriz curricular da instituição que se deu entre 2017 e 2018. A intenção foi confirmar pontos discutidos anteriormente e habilidades que esse profissional deve ter. Assim sendo, apresenta-se a seguinte pergunta norteadora da pesquisa: Quais são as habilidades que o designer de moda necessita para atuar em uma indústria em constante movimento? Entende-se o quanto é importante que a academia e a indústria invistam na formação desse profissional, assim como o governo deve investir nas políticas de incentivo para este setor, uma vez que ele gera altos lucros para o Estado. Além disso, inúmeras tecnologias estão surgindo com o desenvolvimento da quarta revolução industrial e o cenário da economia criativa vem influenciando especificamente o segmento da moda. Além do interesse do pesquisador pela temática, o estudo justifica-se por gerar contribuições acerca dos conhecimentos necessários para a formação do 11 designer de moda, buscando servir de incentivo para futuras análises e constantes reflexões sobre o tema. Para mais, ele busca esclarecer questões relacionadas ao panorama geral da cadeia da moda brasileira, tais como: a realidade da indústria da moda brasileira, a questão da política de incentivo para este segmento e a atuação da academia perante a formação dos profissionais. O estudo busca compreender e transmitir o conceito de economia criativa e sua relação com as regionalidades, explorando também o conceito e a prática da Quarta Revolução Industrial e sua relação direta com a moda, identificando parâmetros para a formação do designer de moda e incentivando a constante atualização de suas habilidades. 12 1. PILARES DA CADEIA DA MODA Este capítulo apresenta o panorama dos três pilares principais (indústria, governo e academia) relacionados a cadeia da moda brasileira. No subcapítulo 1.1 temos uma apresentação da cadeia da moda brasileira e sua relevância nos cenários nacional e internacional, assim como suas especificidades e realidade. No subcapítulo 1.2 é realizada uma análise da história das políticas de incentivo para o setor da moda reconhecido como vetor cultural. Por último, no subcapítulo 1.3, procuramos entender como a academia procura formar os profissionais que atuam neste mercado de trabalho de acordo com a rapidez com que as demandas são atualizadas. 1.1 INDÚSTRIA A cadeia da moda brasileira é formada por vários setores, desde a produção de fibras, como plantação de algodão, até os desfiles de moda, passando por fiações, tecelagens, beneficiadoras, confecções e varejo. Segundo dados da ABIT (dezembro, 2017), o Brasil possui a última cadeia têxtil completa do Ocidente e nossa indústria existe há quase 200 anos. Referência mundial em design de moda praia, jeanswear e homewear, além do notável crescimento dos segmentos fitness e lingerie, sua importância é notável tanto para o mundo como para o próprio país, dada sua relevância para a economia brasileira. Podemos identificar cinco elos na cadeia da moda brasileira, de acordo com as afinidades técnicas e tecnológicas dos processos envolvidos, sendo estes: têxtil; confecção; calçados, bolsas & acessórios; joias & bijuterias; e mercado. Para compreendermos com clareza a complexidade desse segmento, vamos analisar um infográfico onde cada um desses setores é detalhado: 13 Ilustração 1: 5 elos da cadeia da moda brasileira. 14 Fonte: FIRJAN, 2016. Como podemos observar, cada um desses setores possui particularidades e o conjunto deles forma uma cadeia de moda industrial complexa. Isso significa que cada uma dessas particularidades merece atenção especial para que possa ser desenvolvida de maneira coerente, trazendo lucros e resultados positivos para o governo e a sociedade de maneira geral. Porém, os investimentos no setor diminuíram consideravelmente nos últimos anos. Comparando os anos de 2015 e 2016 podemos notar uma queda de 28,6% e, desse modo, dados como produção média e faturamento da cadeia têxtil e de confecção, assim como exportação e importação também obtiveram declínio em seus números (ABIT, 2017). No quadro a seguir podemos comparar esses dados nos anos de 2015 e 2016: 15 Ilustração 2: Declínio de dados da cadeia da moda brasileira Fonte: FIRJAN, 2016. 16 A partir desses dados podemos concluir que conforme os investimentos no setor diminuem, paralelamente os gráficos de faturamento, produção média, importação e exportação da cadeia têxtil e de confecção brasileiras tendem a diminuir também. O IBGE destaca que as indústrias atualmente se encontram em um estado onde grande parcela dos profissionais não possuem contrato formal com carteira de trabalho assinada. Isso afeta a indústria têxtil e de confecção brasileira também. Em 2016 foi constatado que houve uma queda de 3,9% da população que trabalha com carteira assinada no setor privado, somando mais de 13 milhões de brasileiros desempregados. Essa taxa foi considerada a maior desde 2012. Já os trabalhadores por conta própria (autônomos ou sem carteira de trabalho) somam atualmente 22,2 milhões de pessoas. (IBGE, 2017). A parcela de trabalhadores que atuam por conta própria foi um dos fatores que impulsionou a Economia Criativa no Brasil. Formada por empreendedores que buscam novos nichos para atuar, além de qualidade de vida, essa tendência nasceu de uma sociedade onde as cadeias produtivas tradicionais estão se deteriorando diante das inovações tecnológicas da era digital. Apesar do conceito de Economia Criativa ainda estar em formação no país, segundo a ex-secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura, Claudia Leitão, ele representa uma mudança radical da cultura industrial fordista. O mercado da Economia Criativa cresceu 90% entre 2004 e 2013, segundo dados do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. (FIRJAN, 2016). Dada a relevância deste segmento industrial autônomo dentro do contexto econômico, os trabalhadores puderam migrar para mercados de 17 trabalho informais ou se tornar empreendedores, e graças a essa atuação no mercado informal a taxa de desemprego no país recuou 0,2% no último ano. (IBGE, 2017). Dessa forma, podemos notar que mudanças pertinentes no cenário industrial brasileiro estão ocorrendo e se consolidando de maneira permanente. Toda essa dinâmica da estrutura industrial foi provocando uma mudança no cenário. Hoje, a chamada Indústria Criativa é parte essencial do nosso contexto e deve ser olhada e atendida pelos pilares do governo e da academia com tamanha atenção. Ainda assim, a Indústria de Transformação, aquela que transforma matéria prima em produto final ou intermediário, gerou 1.304 postos de trabalho para a indústria têxtil brasileira. (Ministério do Trabalho, 2016). Dentro dessa lógica, ela é responsável por 1,5 milhão dos trabalhadores diretos e 8 milhões se adicionarmos os indiretos. Além disso, 75% da mão de obra é feminina. (ABIT, 2017). Questões relevantes como a formação de mão de obra para atuar nesses novos mercados e como o governo irá atender esse segmento em relação aos incentivos são importantes para que a indústria de moda brasileira continue dando lucros aos cofres do governo e aos membros atuantes da força de trabalho ali presente. Outra questão relevante quanto à indústria são os salários, que deveriam sofrer reajustes correspondentes ao aumento da produção, tanto em valor quanto em quantidade, porém, não é assim que acontece. Somando isso ao fato de que não há investimentos suficientes em tecnologia, podemos constatar que há uma junção de fatores que justificam o desempenho do trabalhador ser prejudicado. 18 Essas novas exigências mostram que em um futuro próximo, entidades relacionadas à cadeia da moda no Brasil deverão ter grande interesse em desenvolver as capacidades tecnológicas das empresas e dos profissionais da área, visando uma mudança maior e estrutural. O objetivo é reduzir progressivamente as atividades de baixa lucratividade pelas de alta. Dentro desse contexto, quatro tendências moldarão as bases da economia e da tecnologia de manufatura no setor, sendo estas: econômicas, sociológicas, ambientais e tecnológicas. Economicamente, o setor têxtil vem ganhando importância à medida que a manufatura passa a contribuir efetivamente para a agregação de valor aos produtos e a quantidade de marcas atreladas a responsabilidades socioambientais vem crescendo. Além disso, a complexidade da indústria com o advento de novas tecnologias trazidas pela indústria 4.0 exigirá profissionais mais produtivos e multidisciplinares, cujo trabalho irá gerar melhor remuneração e maiores lucros aos cofres do governo. Essa transição da indústria da moda não se trata apenas de uma mudança no que diz respeito a intensidade da produção, e sim da sua adaptação e adequação a revolução industrial atual, com a implementação de novas tecnologias. Sociologicamente, a principal tendência é a individualização e personalização (I&P) dos produtos, permitindo que os usuários tenham acesso a um produto único. O consumidor se torna criador e usuário dentro do sistema de produção. Essa tendência está dentro do conceito de mini fábricas, que será abordado no capítulo de Indústria 4.0, sistema modular base que permite ser desmontado e montado onde quer que seja, reduzindo o impacto ambiental e social. 19 A evolução das experiências de consumo começou com a simples satisfação dos desejos e necessidades, passando pela liberdade de consumir a qualquer hora e local com o uso da internet, dos modelos como o e-commerce e chegando no ponto onde o consumidor pode vivenciar a noção de conectividade com a possibilidade de cocriação dos produtos. Questões como flexibilidade no espaço e tempo de trabalho, altas e médias qualificações dos trabalhadores da indústria, transdisciplinaridade das competências e envelhecimento gradativo das forças de trabalho atuais mudarão o mercado de trabalho atual. Ambientalmente, o consumo durante o período de crises financeiras e econômicas se manteve em níveis elevados. Mesmo com a escassez de recursos naturais como água e energia a indústria da moda continua expandindo sua oferta de produtos e encurtando seus ciclos de vida. Por isso, pressões crescentes dos consumidores vêm enfatizando a cultura da sustentabilidade, assim como a criação de novos materiais mais fáceis de reciclar, que consomem menos água e energia, além de menor quantidade de produtos tóxicos e que sejam biodegradáveis. E, por último, tecnologicamente, as transformações da indústria de confecção apontam para diminuição gradativa da mão de obra de baixa qualificação. A proximidade entre a indústria e o consumo por meio da globalização do conceito de valor, ajuda a eliminar os desperdícios de material e tempo. Além disso, testes virtuais antes da produção permitirão que a indústria evite desperdícios. A integração digital com fornecedores permite a participação direta no desenvolvimento e no design do produto, assim como a interação com o consumidor se dará gradativamente à utilização de tecnologias de virtualização 3D. 20 A indústria estará cada vez mais associada ao que chamamos de sistemas ciberfísicos. Essa complexidade exigirá profissionais mais capacitados, cujo trabalho será de maior valor agregado e melhor remuneração. A interação entre todos os setores da indústria com o consumidor final deverá se amplificar na área têxtil com o crescimento da tecnologia aplicada em tecidos e roupas tecnológicas. O intuito é que a indústria da moda de 2030 idealizada por pesquisadores brasileiros se concentre na manufatura (produção personalizada). Esse processo permite uma comunicação bilateral gerando um ciclo virtuoso de criação compartilhada em que as capacidades do consumidor final se ajustam às capacidades necessárias para a produção e para o uso do produto. (BRUNO, 2016). Essas tendências irão exigir cada vez mais da indústria da moda brasileira. Enxergando o cenário como um todo, podemos perceber que não há espaço para práticas que não estejam ligadas ao consumo e produção conscientes. As inovações tecnológicas na Confecção farão com que esta indústria assuma características atuais e futuras das indústrias intensivas em tecnologia, atraindo empreendedores com perfil tecnológico e criando empregos para profissionais com nível superior de formação. (BRUNO, 2016, p.78). Essa consciência se estende às práticas das indústrias para com seus funcionários. Estes, responsáveis pela indústria da moda de fato existir e ter sua devida importância, não possuem valorização profissional adequada. Atualmente, oferecer produtos e serviços de qualidade e comprometidos com o meio ambiente tornou-se obrigatório. Devemos buscar o diferencial e 21 também valorizar os colaboradores por meio da comunicação, compreendendo a importância de praticar esse processo continuamente. Para a indústria, investir em seus funcionários é tão ou mais importante quanto investir em tecnologia. Identificando suas habilidades e possibilitando seu desenvolvimento, as chances de sucesso das empresas é multiplicada. Estamos frente a uma situação um pouco diferente da qual a evolução vinha proporcionando. O desenvolvimento passou por várias fases em sua história, a iniciar pela Revolução Industrial onde máquinas ocuparam fábricas tornando atividades padronizadas, ao ser humano cabia a função sequencial de atividades rotineiras padronizadas que possibilitava formar o todo. Com a evolução tecnológica esse processo teve sua continuidade, mas já estava sendo desenvolvida a necessidade de um pouco mais de conhecimento, por que mesmo que atividades humanas sejam substituídas por máquinas, em alguma etapa do processo se fará necessário um comando manual, e para isso o operador precisa de conhecimento sobre procedimentos e funções. Na Era da Informação e Conhecimento, momento atual, as capacidades Intelectuais estão em foco. O valor de um Ser Humano está sendo avaliado pelo quanto pode contribuir para uma organização, os resultados oriundos de suas atitudes e ideias, os benefícios que pode gerar a esta e também ao desenvolvimento e evolução da sociedade (SEBRAE Nacional - A capacidade e importância das pessoas para as organizações, 2016). Segundo Brecher, “não é provável que sistemas técnicos avançados venham suprir completamente a versatilidade, o conhecimento, as capacidades e as habilidades humanas em um futuro próximo. ” Isso significa que o trabalho humano será parte essencial do sistema produtivo, enquanto as tecnologias otimizarão e se adaptarão às habilidades dos funcionários. Falaremos mais profundamente sobre esse assunto no capítulo intitulado “Academia”. 22 Há uma extrema necessidade das empresas compreenderem a importância da valorização profissional. Mesmo que exija tempo e, às vezes dinheiro, dois pilares fundamentais nas visões lucrativas industriais. Contudo, a indústria têxtil e de confecção deverá estar pronta para atender a todas essas expectativas que estão surgindo e surgirão cada vez com mais com frequência, visando moldar o cenário da cadeia da moda como um todo para os próximos anos. 23 1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS O governo é a entidade responsável por incentivar economicamente as indústrias do país. A concessão de incentivos fiscais é essencial, uma vez que atrai investidores e permite que a indústria amplie sua capacidade, gerando emprego e aumentando a arrecadação. Uma das primeiras aproximações entre a cadeia da moda e o governo brasileiro se deu entre 2002 e 2010, com a chegada de Luis Inácio Lula da Silva à presidência da república. Podemos considerar assim pois foi nesse período em que o Ministério da Cultura reuniu-se com designers, profissionais da indústria e professores de cursos do setor no “Plano Nacional de Cultura” para debater sobre o desenvolvimento da cadeia e as novas possibilidades no campo da economia criativa para a mesma. Gilberto Gil era o ministro e seu objetivo foi aproximar e articular essa parcela da população ligada à indústria e à academia aos debates sobre cultura e futuro. O “Plano Nacional de Cultura” trouxe metas para sua gestão que foram continuadas por Juca Ferreira (2008-2010), seu sucessor. Esses debates levaram ao seguinte questionamento: Seria a moda produto do setor criativo além do setor industrial? A moda, por sua vez, foi então ganhando espaço no âmbito governamental e cada vez mais reconhecida como uma cadeia que vai além da produção industrial. “Caras amigas, caros amigos, é uma grande alegria participar desta reflexão comum sobre a moda brasileira e sua importância simbólica para o país e para o mundo. Por muito tempo, uma certa dificuldade de compreender a cultura em sua abertura plena, em sua categorização mais abrangente, fez das políticas culturais uma agenda desconectada de seu tempo, desconectada da vida real dos brasileiros. Hoje, como alguém que pensa essas questões e como alguém que tem responsabilidade em promover o desenvolvimento 24 do campo cultural brasileiro, quero propor um rearranjo da relação do Estado com a moda. Quero nesse sentido, reverter um equívoco do passado, e dizer a vocês, com muita segurança e alegria, que a moda é hoje reconhecida pelo Ministério da Cultura como parte vital da cultura brasileira. Esse é um reconhecimento necessário, que desejo fazer aqui e agora. E que espero venha para qualificar o Estado brasileiro, para trazer contemporaneidade às instituições, e para tornar essas estruturas ferramentas de desenvolvimento do setor (Pronunciamento do ministro Gilberto Gil no Fashion Marketing, 2007). ” A relação entre moda, arte e indústria passou então, gradativamente, a influenciar o projeto de recurso de captação financeira do MinC, uma vez que o produto de moda feito dentro de um processo artístico, porém comercializado em escala industrial, passou a ser considerado um produto artístico-cultural, capaz de receber investimentos públicos do governo e do setor cultural. Ao assumir em 2008, Juca Ferreira pontua em seu discurso de pronunciamento à frente do MinC que a moda é “peça central da economia da cultura” e que nos próximos anos estaria cada vez mais próxima da sustentabilidade, uma vez que os hábitos no universo do consumo estão em transformação e que serão reposicionados na sociedade de maneira harmônica com o meio ambiente. Afirmou ainda que “seguiria os caminhos generosos abertos por Gil” e daria continuidade às suas políticas de incentivo cultural. “Há pouco assumi o Ministério da Cultura, que também entra com seu ritmo nessa história e se inscreveu com suas marcas nesse projeto cultural brasileiro. Foi na gestão dessa grande figura clarividente e ousada, deste visionário Gilberto Gil, que a área da cultura começou a ser olhada de um modo diferente e estrutural. Hoje minha responsabilidade pública é enorme, pois tenho que seguir os caminhos generosos abertos por Gil, gerindo uma instituição reconhecida no Brasil e no mundo. Não somos mais uma pasta de governo relegada às acomodações políticas e às composições de 25 última hora. O Ministério da Cultura que emergiu no Governo Lula é a possibilidade viva de que a cultura se torne um bem comum da sociedade brasileira. Temos hoje uma maneira contemporânea de olhar para as políticas culturais, dando conta dos desafios que a tecnologia e os conflitos da globalização nos apresentam nesse início do Século XXI (Pronunciamento do ministro Juca Ferreira na Solenidade de Condecoração da Ordem do Mérito Cultural, 2008). ” Em setembro de 2010 foi oficializado o reconhecimento da moda pelo governo como expressão artística e cultural, e, para consolidar este fato, foi realizado em Salvador o “I Seminário de Cultura de Moda” que tinha como objetivo traçar metas para o setor onde políticas culturais estivessem sempre presentes. Com a chegada de Dilma Roussef à presidência em 2011, Ana de Hollanda assume o Ministério da Cultura e começa a distanciar-se de Gil e Juca no que diz respeito, por exemplo, à questão dos direitos autorais. Gradativamente, a ministra começa a apostar em sua gestão na noção de “economia criativa” e cria, em junho de 2012, a Secretaria da Economia Criativa (SEC) que coordenava quatro setores: Artesanato, Arquitetura, Design e Moda. Esta medida agradou os agentes da moda pois tinha como objetivo conduzir a formulação, a implementação e o monitoramento de políticas públicas para o desenvolvimento local e regional, priorizando o apoio e o fomento aos profissionais e aos micro e pequenos empreendimentos criativos brasileiros. O objetivo da SEC seria liderar a formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas para um novo desenvolvimento fundado na inclusão social, na sustentabilidade, na inovação e, especialmente, na diversidade cultural brasileira. 26 A Secretaria foi criada após o conceito de economia criativa ter obtido destaque no foco das discussões de instituições internacionais como a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Estas instituições consideraram que o conceito seria um “eixo estratégico de desenvolvimento para os diversos países e continentes no novo século” e, por isso, o Plano da Secretaria de Economia Criativa (SEC) foi criado. A moda é um dos principais setores desse novo modelo de negócio e vale ressaltar que antes mesmo da criação da SEC, o MinC já havia atentado para a importância desta temática. Dentro do Plano, a moda foi categorizada como uma das atividades associadas ao setor criativo “Design e serviços criativos”. O objetivo desta categorização é agregar novos valores às indústrias tradicionais. Dentro das ações conjuntas propostas pelos ministérios parceiros de acordo com os eixos de ação da Secretaria de Economia Criativa, a moda passaria por um processo de formação e qualificação dos profissionais atuantes em empreendimentos e negócios da moda, do design e do artesanato. Além disso, seriam feitas parcerias com Secretarias vinculadas ao Sistema MinC, como a Secretaria de Audiovisual (SAV). Uma das ações conjuntas seria o lançamento de editoriais para incentivar o desenvolvimento de Fashion Films por meio de editais para os principais eventos de moda no Brasil, estimulando, assim, a convergência de linguagens. Mais à frente, no capítulo de Economia Criativa, desenvolveremos este conceito com mais detalhes. O importante até então é compreender que a 27 moda foi sendo incorporada aos poucos ao segmento de Cultura, e, gradativamente, ganhando espaço e sendo percebida pelos olhos do governo como área de grande relevância tanto para a economia quanto para a sociedade. Sua atuação como ministra durou pouco menos de dois anos e embora a iniciativa de criação da SEC ter agradado no início, a própria Ana de Hollanda afirmou em um texto publicado em sua página na internet em 2013 que seria “um belo projeto que não saiu do papel”. Uma infinidade de seminários passaram a ocupar a agenda da SEC., porém, além das exposições teóricas e discussões acadêmicas, pouco se avançou em termos de gestão prática do setor. Em meados do ano passado preveni a Secretária ao sobrar, entre outras providências uma aproximação com os verdadeiros profissionais da cultura, vinculados a outras secretarias ou autarquias do MinC. O objetivo era de que conhecesse melhor o modo prático de funcionamento, necessidades e a forma como cada área busca seu sustento. Não obstante os esforços desenvolvidos, reconheço, com frustração, que praticamente nada se avançou nesses dois anos e meio, vista a ausência de qualquer resultado beneficiando diretamente o setor cultural. Assim, ao meu ver, o plano inovador da gestão da Presidenta Dilma para a Cultura lamentavelmente pode estar fadado a ser arquivado como um belo projeto teórico que nunca saiu do papel. (Ana de Hollanda, discurso à imprensa, 2013) Após dois anos como ministra, Ana de Hollanda é substituída por Martha Suplicy. A moda que adquiriu status de pilar cultural brasileiro capaz de receber investimentos públicos do governo e do setor cultural no período do ministro Gilberto Gil agora enfrenta um momento delicado devido às consequências de sua inclusão na captação de recursos financeiros pela Lei Rouanet. A inclusão gerou severas críticas tanto entre os ícones da moda nacional como na sociedade brasileira de maneira geral, e, por isso, Martha se reuniu na 28 sede da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) com representantes de entidades e profissionais da moda para “explicar o uso do mecanismo de incentivo fiscal da Lei Rouanet e apresentar o plano de políticas do ministério para a moda”. Nesse encontro, empresários questionaram não ter havido consulta das instituições de ensino para identificar as demandas do setor e ainda como esses projetos beneficiariam a formação dos profissionais. No caso, após a inclusão da moda na Lei Rouanet, três estilistas consagrados (Alexandre Herchcovitch, Ronaldo Fraga e Pedro Lourenço) teriam recebido uma quantia avaliada em milhões para realizarem seus desfiles. Martha afirma, então, que “o mais importante é a mídia que seus desfiles vão gerar” e que o interessante seria tornar a moda a nossa marca e um selo conhecido. E, no entanto, a despeito da construção que tem sido feita desde meados dos anos 1990, essa concepção desperta críticas tanto no que diz respeito ao bem comum quanto no que tange os interesses particulares. De uma parte, apareceram na sociedade críticas ferrenhas ao fato de a moda passar a ser alvo de políticas de incentivo no âmbito da cultura. Boa parte das críticas se fundamenta em uma concepção bastante generalizada de que a moda seria menos importante do que questões tomadas como prioritárias, como saúde, educação, saneamento. (A moda e o MinC: a posição da moda nas políticas culturais federais a partir dos anos 2000, 2014, p. 13) Martha pede demissão em novembro de 2014 e Dilma Rousseff convoca Ana Cristina Wanzeler como ministra interina. Ao assumir o segundo mandato, Dilma nomeia Juca Ferreira novamente como Ministro da Cultura. Podemos considerar que esses anos de governo geraram profundas transformações sociais, além do notável crescimento da moda como setor industrial-cultural perante o governo. 29 Assim, em sentido oposto ao das correntes que promoveram o desenvolvimento tecnológico em muitos setores industriais dos países desenvolvidos, é a escassez da oferta de trabalho que está provocando a necessidade de automação industrial em setores intensivos em trabalho humano, mesmo em países que possuem grandes contingentes de mão de obra barata. (A quarta revolução industrial, 2016, p.19) A transformação do cenário social anterior, onde havia grande busca por profissionais de graduação e uma saturação nos postos de trabalho do nível técnico, resultou em uma situação reversa. Hoje em dia o número de pessoas que possuem graduação aumentou consideravelmente. Segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2004 o número de estudantes entre 18 e 24 anos que frequentavam o ensino superior no Brasil era de 32,9%. Em 2014, esse número foi para 58,5%, o que representa um aumento de 25 pontos percentuais a mais do que dez anos antes. Dentro desse novo contexto social, o emprego industrial não é uma opção para os jovens. Tanto pelo incentivo da democratização do ensino superior por parte do governo, como pelo fato de que as próprias pessoas que executavam funções nas fábricas não incentivavam os mais novos a seguir este caminho, assegurando que seria um caminho difícil e sem muitas possibilidades de crescer profissionalmente. O que ocorre a partir desse momento, é que ao longo dos anos e até o momento presente, a escassez de mão de obra técnica é um problema real e que vem crescendo cada vez mais. Ao longo do meu percurso na graduação, tive a oportunidade de estagiar durante dois anos na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), onde realizávamos reuniões sindicais frequentemente para levantar questões pertinentes ao dia a dia da indústria. Um dos pontos discutidos inúmeras vezes foi o fator da escassez de mão de obra de costureiras. 30 Segundo os representantes dos sindicatos, estava sendo cada vez mais difícil contratar esse profissional, uma vez que os que ali já trabalhavam iam envelhecendo e, consequentemente, deixando seus postos de trabalho. Somado isto ao fato da parcela de jovens que trocou o ensino técnico pela graduação nos últimos anos aumentou potencialmente, conclui-se que não há profissionais de nível técnico suficientes para dar conta dos postos de trabalho existentes. Um caso exemplar é o desequilíbrio entre oferta e demanda de costureiras industriais. A carência de operadoras de máquinas de costura se deve mais às transformações sociais produzidas pela mobilidade econômica, programas nacionais de transferência de renda, explosão das redes sociais, regimes de cotas universitárias e valorização das identidades étnicas e culturais do que o emprego de novas tecnologias de produção. (A quarta revolução industrial, 2016, p.18) A necessidade de automação e robotização industrial em setores que sempre foram intensivos em trabalho humano está se concretizando com rapidez, uma vez que o conceito sólido de Indústria 4.0 vem se fortalecendo e ganhando espaço. Assim, novos postos de trabalho em diferentes áreas surgirão e precisarão de mão de obra especializada para ocupá-los. Com a chegada de Michel Temer ao poder, em agosto de 2016, uma das primeiras mudanças governamentais foi o anúncio de um Ministério mais enxuto. Nesse novo cenário o Ministério da Cultura foi primeiramente transformado em uma Secretaria ligada à presidência, fazendo com que ela perdesse o status de Ministério. Marcelo Calero foi nomeado Secretário nacional da Cultura no dia 20 de maio de 2017 e, pressionado pela revolta entre os artistas devido à extinção do MinC, no dia 23 do mesmo mês, Temer decide então recriar o Ministério e 31 nomeia Calero para o cargo. Em carta aberta ao presidente, artistas pedem a volta do Ministério e pontuam como este foi importante para que a Cultura como segmento conquistasse espaço onde antes não tinha acesso. Sem a promoção e a proteção da nossa Cultura, através de um ministério que com ela se identifique e a ela se dedique, o Brasil fechará as cortinas de um grandioso palco aberto para o mundo. Se o MinC perde seu status e fica submetido a um ministério que tem outra centralidade, que, aliás, não é fácil de ser atendida, corre-se o risco de jogar fora toda uma expertise que se desenvolveu nele a respeito de, entre outras coisas, regulação de direito autoral, legislação sobre vários aspectos da internet (com o reconhecimento e o respeito de organismos internacionais especializados), proteção de patrimônio e apoio às manifestações populares. (Carta aberta ao presidente Michel Temer – Associação Procure Saber e GAP-Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música, 2016) Após seis meses à frente do ministério, Calero pede demissão e é substituído por Roberto Freire. Nesse período estava ocorrendo a reformulação da Lei Rouanet através de uma nova Instituição Normativa que estabeleceria novos parâmetros para a avaliação de projetos culturais. Freire pede demissão e é, então, substituído por João Batista de Andrade, que também não permaneceu no Ministério por muito tempo, pedindo demissão três meses após ser nomeado e sendo substituído por Sergio Sá Leitão, atual ministro. Ao deixar o cargo, Andrade classificou o MinC como um ministério “inviável”, sobretudo pelo corte de 43% no seu orçamento. É notório que a Cultura foi um segmento que passou por grande turbulência durante este governo. O desaparecimento do Ministério da Cultura foi considerado pela classe artística, e isso envolve boa parte dos atuantes da cadeia da moda brasileira, como um grande retrocesso. 32 Levando em conta que o segmento é predominantemente de micro e pequenas empresas, com perfil familiar, é necessário que haja incentivos que estimulem a indústria da moda como um todo. Ainda assim, essas empresas movimentam números expressivos para a economia do país. Tomando as exportações dos grupos têxtil; confecções e calçados bolsas & acessórios (isto é, desconsiderando o grupo de joias & bijuterias, que apresenta alto valor de exportação de matéria prima bruta, como o caso de minerais não metálicos brutos), podemos considerar que estes somam valores expressivos para a economia brasileira. No gráfico abaixo identificamos o preço médio das exportaçõoes de moda no Brasil por grupos com os valores totais. Ilustração 3: Preço médio das exportações de moda no Brasil Fonte: FIRJAN com dados Funcex, 2016. Embora o panorama mundial indique uma tendência à internacionalização dos negócios, com a formação de cadeias globais de produção, em geral comandadas por empresas dos países 33 centrais, a análise da indústria têxtil e de confecção brasileira mostra que esse setor tem se mantido em grande parte à margem desse movimento. A indústria brasileira sempre teve como principal destino da produção o mercado doméstico, e as exportações estiveram, historicamente, associadas a retrações da demanda interna. Até finais dos anos 1980, essa opção esteve fortemente associada ao cenário de proteção da indústria brasileira, com consequente atraso tecnológico e baixos índices de produtividade. (Globalização da economia têxtil e de confecção brasileira: Empresários, governo e academia unidos pelo futuro do setor, 2007, p. 142) Por esse motivo, desde 2000 a ABIT mantém um convênio com a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) para incentivar as vendas no exterior. Por meio do Programa de Exportação da Indústria da Moda Brasileira, o Texbrasil, são promovidas feiras, capacitação de profissionais, além do estabelecimento de contato entre empresas nacionais e estrangeiras. O diretor de negócios da Apex-Brasil, Rogério Bellini, afirma que um dos principais objetivos da iniciativa é auxiliar a inserção das empresas brasileiras no mercado internacional. Ele lembra que as companhias têxteis que participam do programa já apresentam um crescimento de 17%. Em 2012 houve um investimento de R$17 milhões nas empresas voltadas para a indústria da moda e cerca de 1,46 mil empresas brasileiras participaram de eventos fora do Brasil devido ao programa. Uma das ações do programa é traçar o perfil das empresas brasileiras e encaminhar para compradores estrangeiros, além de desenvolver estudos sobre os mercados que têm potencial para os produtos. Ainda segundo o diretor negócios da Apex-Brasil, hoje o setor de confecções mantém relações comercial com a China, Estados Unidos, Reino Unido, Emirados Árabes, 34 Austrália, França e República Dominicana. Já o setor têxtil comercializa com a Argentina, Colômbia e Peru. Dentro dessa lógica, podemos concluir que o segmento da moda é importante para a economia brasileira e que o governo deve estar sempre atento às necessidades, inovações tecnológicas e transformações deste segmento dada sua tamanha complexidade. No próximo capítulo iremos tratar das questões da indústria da moda no Brasil relacionadas ao âmbito acadêmico e o perfil dos profissionais que saem das universidades para atuar dentro desse novo cenário do mercado de trabalho. 35 1.3 ACADEMIA As instituições de ensino responsáveis por formar e qualificar os futuros profissionais do setor da moda procuram estar sempre atualizadas no que diz respeito ao conteúdo transmitido. Essa constante atualização é necessária graças ao dinamismo no cenário da indústria da moda. Com o advento das novas tecnologias e a mudança nas necessidades do mercado de trabalho, a renovação é uma exigência. O objetivo é embasar as futuras funções profissionais dos alunos, proporcionando um ensino aplicado a soluções de problemas reais do dia a dia no mercado e à criação de novos produtos. Os indivíduos se qualificam através da formação profissional e, assim, aprimoram suas habilidades de acordo com as funções específicas que irão exercer demandadas pelo mercado de trabalho. Para aqueles que já atuam também é de suma importância que busquem alimentar as chances reais de crescimento na empresa através de constantes atualizações profissionais. A academia tem como objetivo ser o pilar responsável pela elevação da capacidade dos profissionais, enquanto o governo é responsável por desafios como a escassez dos mesmos, assim como desenvolver a política responsável por nutrir a integração estratégica e tecnológica das cadeias produtivas. No Brasil temos mais de 100 escolas e faculdades de moda (ABIT, 2017). De acordo com o Ministério da Educação (MEC), os cursos superiores de tecnologia em design de moda estão dentro do eixo tecnológico de “produção cultural e design” e estipulam uma carga horária mínima de 1600 horas. Já os cursos superiores de graduação em design de moda têm uma duração média de 4 anos. A região Sudeste, especialmente São Paulo, é onde existe a maior quantidade de cursos de moda. A grande maioria dos cursos é oferecida em formato presencial. 36 Como podemos verificar abaixo, entidades importantes como SESI e SENAI vêm se engajando progressivamente em busca da ampliação de matrículas em instituições de ensino brasileiras. A busca por mão de obra especializada para atuar no novo mercado de trabalho que vem se formando a partir de novos conceitos como o de Indústria 4.0 e de Economia Criativa (que iremos mencionar com mais detalhes no próximo capítulo) é crescente e aponta que há escassez de profissionais. Ilustração 4: Ampliação da parceria entre governo e academia Fonte: Portal da Indústria, 2016. É necessário que a academia busque compreender as dezenas de demandas que surgem no mercado para que possa aplicar em sua matriz curricular de forma que esteja formando futuros profissionais capazes de lidar com inúmeras exigências. Esse tipo de problema, como muitos outros que surgem dia após dia no campo de trabalho, devem ser identificados pelas instituições de ensino e transmitidos em forma de conhecimento, para que assim possam ser colocados em prática. A qualificação profissional vem transformando o meio industrial com sua tentativa de constantes atualizações e novas ações que vêm sendo trabalhadas pelas empresas para manter seus funcionários atualizados. 37 De acordo com o Mapa do Trabalho Industrial (SENAI, 2008/2012/2016), a demanda por profissionais de nível técnico no período de 2008 a 2011 foi de 5,8 milhões. Essa demanda aumentou 24% de 2012 a 2015 e hoje, esse mesmo estudo aponta que a indústria precisará qualificar 13 milhões de trabalhadores em ocupações nos níveis superior e técnico até 2020. Ilustrações 5 e 6: Aumento da demanda de profissionais Fonte: Portal da Indústria, 2012-2016. Destes 13 milhões, a demanda da área de vestuário e calçados é responsável por 7,5% do total. Além disso, é importante lembrar que mesmo os profissionais já empregados precisam de capacitação para ingressar em novas oportunidades no mercado. 38 O profissional qualificado tem mais chances de manter o emprego e também pode conseguir uma nova vaga mais facilmente quando a economia voltar a crescer e as empresas retomarem as contratações. (Diretor geral do SENAI e Diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria – CNI, Rafael Lucchesi) Em 2012, apenas 6,6% dos brasileiros entre 15 e 19 anos estavam em cursos de educação profissional. Três anos depois este índice aumentou para 11%, e, na Alemanha, ele é de 53% (Censo da Educação Básica, 2015). Ao compararmos esses números podemos constatar que o Brasil está com índices extremamente baixos de matrículas no ensino profissionalizante. Ilustração 7: Índice de jovens em cursos de educação profissional Fonte: Censo da Educação Básica, 2015. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou o relatório “Education at a Glance 2016”, que apresenta dados preocupantes, apenas 8% das matrículas do ensino médio brasileiro são no ensino profissionalizante, enquanto na Finlândia, por exemplo, esse percentual chega a 70%. Por essas questões, nasce em 2011 no Brasil o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec), com objetivos como expandir e democratizar o acesso à educação profissional e tecnológica, reformar e 39 expandir as escolas profissionalizantes, ampliar as oportunidades educacionais dos trabalhadores brasileiros, favorecer o desenvolvimento das empresas e a geração de empregos e aumentar a quantidade de recursos pedagógicos. A partir de dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) podemos verificar que em 2015 mais da metade das pessoas que iniciam seus estudos no ensino superior optam pelo Bacharelado, ocasionando um fenômeno de escassez de trabalho dos profissionais do ensino técnico. Ilustração 8: Porcentagem de estudantes por grau acadêmico Fonte: INEP, 2015. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Estágios, Seme Arone Junior, “os jovens estão cada vez mais motivados a dedicar-se à vida acadêmica, pois reconhecem a importância de uma formação para sua carreira”. O que não pode ser deixado de levar em consideração é que o ensino técnico, assim como o ensino bacharelado são de tamanha importância para a economia do país. 40 É preciso que o governo incentive todas as áreas responsáveis por formar e qualificar os profissionais que atuam e/ou atuarão no mercado de trabalho, visto que caso isto não esteja em equilíbrio, fatores preocupantes como escassez de mão de obra e pior desempenho da economia estarão presentes. De acordo com dados do MEC, em 2010, houve uma evolução do número de cursos no país tanto no segmento do Design de Moda quanto nas áreas correlatas ao viés têxtil, porém, é notório que devido à crescente automação industrial, a oferta de cursos Tecnológicos só tende a crescer. Para ser eficaz, os cursos terão de traçar novos percursos. Conforme mencionado anteriormente, a mão de obra humana é parte essencial do sistema produtivo. Segundo o grupo de pesquisa em Indústria 4.0 da Academia Nacional de Ciências e Engenharia da Alemanha, “os trabalhadores estarão gradativamente mais livres da realização de tarefas rotineiras, concentrando-se em atividades mais criativas e de maior agregação de valor”. Isso significa que quanto mais inteligentes se tornarem as fábricas, mais profundas serão as mudanças no papel desempenhado pelos trabalhadores. (BRUNO, 2016). Essas mudanças farão com que o trabalhador invista em seu desenvolvimento profissional para que, assim, assuma mais responsabilidades dentro da empresa. Novos modelos empresariais gerarão novos empregos, atraindo esses profissionais qualificados capazes de atuar dentro das novas estruturas organizacionais. Cabe tanto aos profissionais quanto à academia atentar para as novas formas de organizações flexíveis de trabalho. É importante que se estabeleça um diálogo contínuo entre instituições e indústria para garantir que as 41 necessidades do mercado de trabalho reflitam na formação e qualificação das pessoas. A moda sempre foi associada no Brasil a questões relativas ao vestuário, indo da sua produção às diversas áreas afins devido sua complexidade. Deste modo, grande parte dos cursos superiores mantém suas metodologias focadas em estudo dos têxteis, desenvolvimento do vestuário, processos produtivos, marketing, modelagem, gestão de negócios e tópicos sempre presentes como história da moda e comunicação. Com o crescente afastamento da indústria dos bens padronizados e a aproximação dos bens personalizados, isto é, a ascensão de empresas que permitem o consumidor criar suas próprias peças a partir do conceito de mini fábricas (conceito que iremos abordar com maior profundidade no próximo capítulo), as instituições deverão focar também em instruir os profissionais a identificar as capacidades necessárias para que os consumidores utilizem os novos produtos e serviços. O uso intensivo e extensivo de grande diversidade e quantidade de dados carecerá de qualificações transdisciplinares; a interação do mundo físico com o mundo digital precisará de trabalhadores habituados ao ambiente cibernético, com treinamento em automação e melhor compreensão de modelos de negócio radicalmente novos. (A quarta revolução industrial, 2016, p.75) As alterações da cadeia produtiva influenciarão na forma como é realizada a divisão do trabalho atualmente. A necessidade de profissionais habituados com o ambiente cibernético implicará na escassez de profissionais de níveis médios e altos de formação de trabalho. De acordo com a tese de doutorado “O processo de aprendizagem e inovação das empresas de moda na cidade do Rio de Janeiro” (Rodrigo da Silva Carvalho, 2018), ao analisar a matriz curricular das seguintes faculdades 42 de design de NY: Fashion Institute of Technology (F.I.T.), Parsons School of Design e Pratt Institute, Carvalho notou que em comum nessas instituições, os alunos tiveram formação nas competências criativas e projetuais típicas da formação de design, mas também foram treinados em planejamento de produção, planejamento de marketing e gestão de negócios em geral. O autor ainda acrescenta que nesses centros de formação, os designers também têm acesso a uma importante rede social que articula oportunidades de emprego, treinamentos e vivências nas principais empresas de moda da cidade. No Brasil, o currículo do bacharelado em moda tem maior ênfase na parte teórica e é mais abrangente, variando conforme as habilitações oferecidas pela instituição de ensino escolhida. Geralmente traz disciplinas básicas como história da arte, cultura da moda, criação, desenho e estilismo e costuma ter duração média de 4 anos. Os cursos com ênfase em design e modelagem propõem a criação ou o desenvolvimento de uma coleção de moda. Já aqueles focados em negócios e gestão de moda voltam-se para a elaboração de planos de negócios com ações para o fortalecimento de marcas e a comercialização dos produtos. Para obtenção do diploma, a maioria das instituições exige a realização de estágio e a entrega de um trabalho de conclusão de curso, que pode ser a concepção de uma coleção de moda, por exemplo (Guia do Estudante, 2012). As disciplinas mais comuns relacionadas à graduação de moda no Brasil são: história e teoria do design, história da arte e moda, estudos da cor, modelagem, moulage, tecnologia têxtil e estampas, moda e comunicação, planejamento e desenvolvimento de coleções, marketing de moda, fotografia de moda, gestão empresarial e negócios de moda. 43 Pode-se notar que a grade curricular desse setor é extensa, e, somado à introdução de disciplinas capazes de formar futuros profissionais para atuar no mercado de trabalho da indústria 4.0, podemos prever que será necessária uma grande reforma e atualização por parte das instituições de ensino. Além disso, deve ser levado em consideração as características relacionadas às regionalidades no momento de escolher como será a matriz curricular de uma instituição. Ao analisarmos a abordagem de algumas graduações de moda no exterior podemos notar que cada uma é voltada para uma área que atende melhor o mercado de trabalho daquela região. Por exemplo, o bacharelado da Humber College no Canadá é ministrado pela Escola de Negócios, e, segundo a instituição, a moda é um negócio internacional e o curso de Diploma de Negócios e Arte da Moda dá ênfase às operações de varejo de perspectivas tanto nacionais quanto internacionais. O curso tem foco nas disciplinas de marketing, tendências, merchandising na web, planejamento de eventos e vendas por atacado. Já o foco do bacharelado da Hong Kong Polytechnic University é em artes e nos primeiros três semestres as principais disciplinas são relacionadas às atividades da indústria da moda e têxtil, podendo depois escolher uma das seis especializações: design de moda e têxtil, marketing da moda e têxtil, varejo de moda, tecnologia da moda e têxtil, moda íntima e design e tecnologia de roupas de malha. Quando falamos das instituições de moda no Brasil devemos ter em mente que dependendo do estado, o curso deve ser adaptado para a realidade daquela região, além de possuir em sua matriz curricular as matérias comuns a todas as instituições, como as ditas anteriormente. 44 O ponto principal para entender a necessidade da constante atualização das matrizes curriculares dos bacharelados em moda no Brasil é a rapidez com que o setor se movimenta e gera novas demandas de aprendizado para os designers. Minhas experiências como aluna de design de moda e como estagiária da área de moda da FIRJAN me possibilitaram enxergar essa lacuna no campo do ensino, uma vez que passei por momentos em que foram exigidas habilidades que não desenvolvi na faculdade e identifiquei a necessidade de profissionais com habilidades que não eram encontradas no mercado de trabalho durante as reuniões sindicais, quando era estagiária. No capítulo a seguir serão abordados dois fluxos que permeiam o campo da moda e que reforçam a necessidade de atualização por parte das instituições de ensino, uma vez que ambos estão pautados em questões relacionadas ao surgimento de novas formas de consumo e novas tecnologias. 45 2. NOVOS FLUXOS E TENDÊNCIAS Este capítulo é dedicado a compreender duas tendências que estão ganhando grande espaço no cenário industrial mundial. No subcapítulo 2.1 temos a análise da Indústria Criativa e a exploração da propriedade intelectual como papel inovador do sistema produtivo, uma vez que a indústria da moda é formada por profissionais e empreendedores que atuam intensamente para promover a Economia Criativa. No subcapítulo 2.2 apresentamos o conceito de Indústria 4.0, assim como sua origem, sua importância e seu constante desenvolvimento no cenário mundial. Identificada como a Quarta Revolução Industrial, já está alterando a forma como a indústria funciona e se posiciona e, por isso, é de extrema relevância para a análise do comportamento da cadeia da moda brasileira. 2.1 ECONOMIA CRIATIVA Indústria Criativa é um conceito que diz respeito às empresas que passaram a reconhecer a importância da criatividade como insumo de produção e perceberam seu papel transformador e estratégico no sistema produtivo (FIRJAN, 2016). Este, por sua vez, está inserido dentro de um outro conceito chamado “Economia Criativa”. Em setembro de 2002 ocorreu o primeiro Fórum Internacional das Indústrias Criativas, organizado na cidade de St. Petersburg, na Rússia. Este definiu como Indústrias Criativas aquelas que têm sua origem na criatividade intelectual, habilidades e talentos que têm potencial de riqueza e criação de empregos através da geração e da exploração da propriedade intelectual. Dessa forma, podemos dizer que Indústrias Criativas são atividades empresariais na qual o valor econômico está ligado ao conteúdo cultural. 46 Os segmentos prioritariamente abrangidos por este conceito são: arquitetura, artes visuais, cinema, televisão, publicidade e outras mídias, design, games, editoração, música e comunicação (SEBRAE, 2017). A moda, por sua vez, se encaixa dentro do segmento “design” e tem papel econômico importante para o cenário brasileiro. Segundo dados do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, a área criativa gerou uma riqueza de R$155,6 bilhões para os cofres do governo em 2015. Além disso, a participação do PIB Criativo estimado no PIB brasileiro foi de 2,64% no mesmo ano. Neste ano, a Indústria Criativa era composta por 851,2 mil profissionais formais (SEBRAE, 2017). Ainda de acordo com os dados do Mapeamento realizado pela FIRJAN, o segmento da moda emprega 62.700 profissionais criativos no Brasil, o que representa mais de 28% de todos os empregos criativos na área de consumo. Contudo, podemos dizer que Economia Criativa é o conjunto de negócios baseados no capital intelectual e cultural e na criatividade que gera valor econômico, enquanto a Indústria Criativa estimula a geração de renda, cria empregos e promove a diversidade cultural e o desenvolvimento humano (SEBRAE, 2017). O relatório “Economia Criativa – Uma opção de Desenvolvimento Viável”, de 2010, aponta que os números do comércio mundial para indústrias criativas deixam claro que estas constituem-se como um novo setor dinâmico no comércio mundial. Porém, ao compararmos o desempenho da economia criativa no mercado externo com a do mercado interno, podemos concluir que existe a necessidade de maior apropriação destas oportunidades. Conforme mencionado anteriormente, no Brasil a contribuição dos segmentos criativos foi de 2,84% do PIB nacional, enquanto a economia criativa representa de 8% a 10% o PIB mundial (IBGE, 2010). 47 A economia criativa em geral e as indústrias criativas, em particular, estão gradativamente abrindo novas oportunidades para que os países em desenvolvimento aumentem crescimento da economia e sua participação no comércio mundial. Segundo o artigo de Santos (2016) “A definição da moda em contextos de economia criativa: o relatório da UNCTAD/ONU e suas repercussões no Brasil”, as discussões em torno deste tema datam do início dos anos 1990. O artigo defende que seus primeiros usos foram feitos pelo governo australiano como uma reflexão sobre o papel do Estado no desenvolvimento cultural do país. Após reconhecer que a criatividade impulsionava um setor particular de atividades que necessitavam de atenção e de políticas públicas de estímulo específicas, o Reino Unido, em 1997, já debatia como o governo atuaria no setor, desenvolvendo uma ampla pesquisa em que se buscou identificar as indústrias criativas mais promissoras do país: percebeu-se que essas seriam as áreas com maior potencial em um mundo cada vez mais interessado nos produtos resultantes da utilização intensiva do conhecimento. Com esta perspectiva, os britânicos puderam, já no fim do século XX, “reposicionar sua economia como uma economia impulsionada pela criatividade e inovação em um mundo globalmente competitivo” (UNCTAD, 2010, p.6), estimulando a relação do Estado com práticas culturais que comumente não são percebidas como geradoras de divisas para a economia pública, o que incluiu a moda. (A definição da moda em contextos de economia criativa: o relatório da UNCTAD/ONU e suas repercussões no Brasil, 2016, p.95) Porém, podemos considerar que foi apenas em 2004 que a discussão sobre os setores criativos foi introduzida na agenda econômica e de desenvolvimento internacional. Foi nesse ano que ocorreu a Conferência 48 Ministerial da UNCTAD XI (Conferência das Nações Unidas especializada em temas de comércio e desenvolvimento), realizada em São Paulo. Essa conferência discutiu o potencial da economia criativa na melhora das economias dos países em desenvolvimento. O resultado foi o Relatório de Economia Criativa, publicado pela UNCTAD. Esse relatório é importante uma vez que deu suporte às tomadas de decisão pelos agentes relacionados à moda no Brasil nos últimos anos, especialmente após a eleição dos governos petistas que discutiram pela primeira vez a moda como vetor cultural a ser atendido por políticas públicas do Ministério da Cultura (SANTOS, 2016). A aproximação entre o segmento da Moda e o Ministério da Cultura sempre foi pautada por questões relacionadas à economia criativa. O conceito de economia criativa permitiu uma melhor reflexão no que diz respeito à tomada de decisões em torno de questões como o crescimento econômico das sociedades contemporâneas (FRIQUES, 2013). Contudo, embora essa temática tenha recebido atenção do Brasil em 2004 durante a Conferência da UNCTAD, apenas em 2011 o governo brasileiro instituiu uma secretaria especial voltada para tais assuntos: a Secretaria de Economia Criativa (SEC), vinculada ao MinC. Conforme mencionado anteriormente, foi também criado em 2011 no Brasil o Plano da Secretaria da Economia Criativa na pasta do Ministério da Cultura no governo Dilma Rousseff. Essa foi a primeira aproximação concreta do país com esse conceito e o objetivo do Plano era simbolizar um movimento do MinC na redefinição do papel da cultura brasileira. Além disso, este documento procurava definir intenções, políticas, diretrizes e ações no campo da economia criativa brasileira. Para que o Plano pudesse ser conceituado e aplicado no Brasil, foi necessária uma adaptação dos significados estrangeiros da economia criativa 49 às potencialidades e às características do nosso país. Isso ocorre, pois, países diferentes possuem realidades políticas, econômicas, culturais e sociais divergentes e, nesse caso, reproduzir um conceito fundamentado por outro país no nosso, provavelmente não traria bons resultados. Por outro lado, tínhamos consciência de que se o conceito de economia criativa é novo e ainda se encontra em construção, mesmo entre os países desenvolvidos, nós necessitaríamos adequá-lo, em nosso Plano, às especificidades e características brasileiras. (Plano da Secretaria da Economia Criativa, 2011, p.21) O grande desafio no Plano era unir as ações do MinC na formulação de políticas públicas para o desenvolvimento brasileiro. Devido a isto, foi necessário definir os fundamentos da economia criativa, a partir dos seguintes princípios: inclusão social, sustentabilidade, inovação e diversidade cultural brasileira. Depois de muita pesquisa, o Plano chegou na seguinte definição: Setores criativos são aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social. (Plano da Secretaria da Economia Criativa, 2011, p.22) Ao pensarmos no conceito de economia criativa automaticamente devemos pensar em transversalidade. Segundo Santos (2016, p.23), “é impossível se pensar atualmente em produtos criativos que se restrinjam a uma única área ou segmento criativo”. Ainda segundo a autora, desfiles de moda são realizados com espetáculos de música e espetáculos de dança com projeções audiovisuais e etc. Todas essas formas de criatividade e expressão se fundem dentro do novo conceito de economia, uma vez que é estimulada pelas facilidades geradas pelas novas tecnologia, quanto pela capacidade de interagir de modo multidisciplinar. Falar de economia criativa é falar de transversalidade e complexidade. 50 2.2 INDÚSTRIA 4.0 O termo Indústria 4.0 está diretamente ligado ao conceito da Quarta Revolução Industrial. Uma revolução industrial é caracterizada por mudanças radicais motivada pela incorporação de tecnologias, tendo desdobramentos nos âmbitos social, econômico e político. Esse termo se refere à alteração na estrutura atual de produção industrial que engloba as principais inovações tecnológicas aplicadas aos processos de manufatura, onde os processos de produção tendem a ficar cada vez mais eficientes e customizáveis. O termo foi mencionado pela primeira vez em 2011, na Feira de Hannover, na Alemanha, onde entidades como governo, indústria e academia se reuniram para discutir as mudanças de paradigmas em relação à maneira como as fábricas operam nos dias de hoje. Foi idealizado um processo de fabricação no qual todas as máquinas e todos os produtos estão interconectados digitalmente entre si. No futuro, os negócios estabelecerão redes globais que incorporarão suas máquinas, sistemas de armazenamento e instalações de produção sob a forma de Sistemas Ciberfísicos. No ambiente de manufatura, esses Sistemas Ciberfísicos compreenderão máquinas inteligentes, sistemas de armazenamento e instalações capazes de trocar informações de maneira autônoma, atuando e controlando umas às outras, independentemente. (BRUNO, 2016, p.51) A base para esta revolução industrial moderna é a Internet das Coisas (IdC), conceito criado para definir o intercâmbio contínuo de dados entre todas as unidades participantes, desde o robô de produção, passando pelo gerenciamento de estoque e chegando ao microchip. Todos os processos de produção de logística integrados, tornando a indústria mais inteligente, eficiente e sustentável. A intenção é que no futuro as fábricas possuam dispositivos inteligentes e interconectados ao longo de toda a cadeia produtiva somado à 51 uma completa descentralização do controle dos processos produtivos, tornando-se autônomos e com produção individual. A Quarta Revolução Industrial é uma revolução digital. Consiste no período em que robôs e computadores são auto programados, tornam-se cada vez menores e mais potentes. A tecnologia atual permite que a ferramenta possa otimizar o consumo de água, energia e emissão de poluentes. Não é somente uma produção, mas uma produção inteligente durante todo o processo, que acarreta em redução de custos, de lixo e aumento dos lucros. Segundo o relatório Boston Consulting Group (BCG), são nove as principais tecnologias da indústria 4.0, sendo estas determinantes da produtividade e crescimento das indústrias sobre esta nova configuração. Tais tecnologias são: 1) Robôs automatizados: além das funções atuais, futuramente, serão capazes de interagir com outras máquinas e com os humanos, tornando- se mais cooperativos. 2) Manufatura aditiva: produção de peças por meio de impressoras 3D. 3) Simulação: permite operadores testarem e otimizarem produtos e processos ainda na fase de concepção. 4) Integração horizontal e vertical de sistemas: sistemas de TI que se integram por meio da digitalização de dados. 5) Internet das coisas (IdC): conectar máquinas, por meio de sensores e dispositivos, a uma rede de computadores, possibilitando a centralização e automação do controle e da produção. 6) Big Data e Analytics: identifica falhas nos processos da empresa e otimiza a qualidade da produção. 7) Nuvem: banco de dados criado pelo usuário, capaz de ser acessado de qualquer lugar do mundo por meio da internet. 8) Segurança cibernética: meios de comunicação cada vez mais confiáveis. 9) Realidade aumentada (“Augmented Reality”): suporte para sistemas capaz de identificar falhas que ocorrerão no futuro e corrigi-las antes mesmo que aconteçam. 52 E como o conceito de Indústria 4.0 está sendo aplicado na Alemanha desde o seu surgimento? Após ser identificada como o caminho para o futuro industrial, ministros do governo alemão em parceria com o Sistema de Inovação e Tecnologia criaram o plano High Tech Strategy 2020 – Action Plan (2010) e estão investindo cerca de 4 bilhões de euros ao ano para o desenvolvimento das tecnologias de ponta apresentadas. Dados do Boston Consulting Group mostram que nos próximos 10 anos são estimados: - Aumento na produtividade da manufatura podendo alcançar de €90 bilhões a €150 bilhões, dependendo do setor industrial; - Aumento da receita em €30 bilhões por ano, o equivalente a 1% do PIB do país (ALEMANHA), já que a customização gerará maior demanda tanto por parte dos consumidores finais (bens manufaturados) quanto de equipamentos especializados; - Maior necessidade de mão de obra qualificada. O crescimento industrial alemão criará cerca de 390.000 empregos nos próximos 10 anos, principalmente no setor de Engenharia Mecânica, desenvolvimento de softwares e TI; - Investimentos de aproximadamente €250 bilhões nos próximos 10 anos para adaptar os processos de produção. Segundo a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, o conceito de Indústria 4.0 pode ser definido como “a transformação completa de toda a esfera da produção industrial através da fusão da tecnologia digital e da internet com a indústria convencional”. E esse conceito não está sendo desenvolvido apenas na Alemanha. Diversas iniciativas governamentais já o estão encarando como uma potencial tendência tecnológica mundial. De acordo com dados do European Parliament Research Service, países como Estados Unidos, China, França e o bloco econômico União 53 Europeia já possuem projetos e programas estratégicos de absorção do conceito Indústria 4.0 para seus sistemas de produção industriais. A disseminação de fábricas com os princípios da Indústria 4.0 impulsionará cada vez mais o desenvolvimento científico e tecnológico no setor, e, por isso, a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABID) em parceria com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT) e o Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil do SENAI (SENAI CETIQT) realizaram um estudo prospectivo para o setor têxtil e de confecção brasileiro. Desse estudo nasceu a “Visão de Futuro 2030”. Além das entidades citadas, também participou do estudo um comitê formado por empresários da cadeia produtiva, representantes do governo, sindicatos, associações, estudiosos e acadêmicos. O projeto “Visão 2030” teve como objetivo traçar diretrizes para o desenvolvimento do setor têxtil e de confecção brasileiro a partir dos princípios da Indústria 4.0. Foram identificadas mudanças na produção e no consumo que dão oportunidade para uma nova indústria se estabelecer. Podemos citar entre essas mudanças a evolução da produção global. Em 2004 com o fim das cotas que protegiam as indústrias brasileiras contra a entrada de produtos fabricados em países com trabalhos de baixo custo, houve grande ascensão da China e predominantemente de países asiáticos em busca da produção acelerada, conhecida como Fast Fashion. Esse fenômeno industrial alterou significativamente as estruturas de produção e consumo que eram pautadas pela competição por baixo custo baseada na exploração do trabalho com baixos salários. A indústria do vestuário é altamente competitiva e pressionada pelo aumento da qualidade, diversidade de escolhas, conteúdo de moda e redução de custos e de preços, o que levou ao desenvolvimento do fast fashion. (BRUNO, 2016, p. 43) 54 De acordo com o artigo Think Act Industry 4.0 (2014), a participação de economias emergentes nos processos industriais cresceu 19% nos últimos 20 anos. O Serviço de Pesquisa do Parlamento Europeu (EPRS) divulgou em 2015 que a Europa perdeu nos últimos 40 anos um terço de sua base industrial. Desse contexto nasceu o conceito alemão de Indústria 4.0, em busca de recuperar a participação no valor agregado da indústria global. Com o avanço da internet e a disseminação de informação em tempo real, houve uma aproximação da produção com o consumidor final. Esse consumidor, por sua vez, passou a estar cada vez mais interessado na procedência dos artigos que consumia e gradativamente passou a questionar
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