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Revista Paulista de Pediatria ISSN: 0103-0582 rpp@spsp.org.br Sociedade de Pediatria de São Paulo Brasil Nascimento, Luiz Fernando C. Análise hierarquizada dos fatores de risco para o baixo peso ao nascer Revista Paulista de Pediatria, vol. 23, núm. 2, junio, 2005, pp. 76-82 Sociedade de Pediatria de São Paulo São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406038911006 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto 76 Rev Paul Pediatria 2005;23(2);76-82. RESUMO Objetivo: Estimar fatores de risco para o baixo peso ao nascer, utilizando uma análise hierarquizada. Método: Trata-se de um estudo transversal, que incluiu mulheres que deram à luz no Hospital Universitário de Taubaté (SP), no ano de 1999. As variáveis de estudo foram agrupadas em três níveis: nível 1, socioeconômicas; nível 2, demográficas e reprodutivas maternas; e nível 3, gestacionais (acompanhamento e de intercorrências). Para verificar os fatores de risco para a variável resposta baixo peso, empregou-se a análise de regressão logística hierarquizada por meio do programa MULTLR. Na análise univariada, as variáveis que apresentaram p < 0,20 foram introduzidas no bloco final e ali permaneciam se mantivessem p < 0,05. A amostra foi cumulativa. Resultados: Foram entrevistadas 544 mães e identifica- dos 60 recém-nascidos de baixo peso (11% do total). Após hierarquização, permaneceram no modelo final as variáveis: renda familiar < 3 salários mínimos (OR 1,82); escolaridade materna ≤ 8 anos (OR 2,02); idade materna ≤ 19 anos (OR 2,50); outros filhos com baixo peso (OR 1,31); história de aborto anterior (OR 2,49); hipertensão arterial (OR 2,44); sangramento vaginal (OR 2,16), e ganho de peso igual ou inferior a 10 kg na gestação (OR 1,93). Conclusões: A análise hierarquizada ofereceu boa orienta- ção para a análise multivariada, colaborando tanto na criação do modelo final, como interpretando os resultados à luz dos aspectos sociais e médicos. Palavras-chave: Análise quantitativa, recém-nascido de baixo peso, fatores de risco, análise transversal. ABSTRACT Objective: To estimate risk factors concerning the presen- ce of low birthweight infants by hierarchical analysis. Method: This cross-sectional study enrolled all women who gave birth in Taubaté University Hospital, in 1999. Possible risk factors were grouped in 3 levels: Level 1: socioeconomic variables; Level 2: demographic and ma- ternal reproductive variables; and Level 3: gestational variables. Hierarchical logistic regression analysis done by MULTLR software was used to test possible associations between the three levels of variables and the presence of a low birthweight infant. Variables with p < 0.20 were introduced in the model and maintained if p < 0.05. It was a cumulative sampling. Results: From 544 mothers were included in the re- search, 60 (11%) low birthweight newborn infants were identified. After a hierarchical approach, the following varia- bles remained in the final model: low familiar income (OR 1.82), low maternal educational level (OR 2.02), maternal age below 19 years old (OR 2.50), other children with low birthweight (OR 1.31), previous abortion (OR 2.49), arterial hypertension (OR 2.44), vaginal bleeding (OR 2.16) and low gain of weight during pregnancy (OR 1.93). Conclusions: The hierarchical analysis provides gui- dance to the use of multivariate regression analysis mo- dels and it helps to explain the role of social and medical variables in a pre-defined outcome. Key-words: Quantitative analysis; infant, low birthwei- ght; risk factors; period analysis. Artigo Original Análise hierarquizada dos fatores de risco para o baixo peso ao nascer Hierarchical analysis of risk factors regarding low birthweight Luiz Fernando C. Nascimento1 1Doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, professor assistente do Serviço de Pediatria da Faculdade de Medicina da Univer- sidade de Taubaté e pesquisador da Disciplina de Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Endereço para correspondência: Rua Durval Rocha, 500 CEP 12515-710 – Guaratinguetá/SP E-mail: lfcn@unitau.br Recebido em: 29/9/2004 Aprovado em: 8/4/2005 77 Luiz Fernando C. Nascimento Rev Paul Pediatria 2005;23(2);76-82. Introdução O baixo peso ao nascer (BP), definido pela OMS(1) como aquele inferior a 2.500 g, é um importante preditor do cres- cimento, da morbidade e da sobrevivência do recém-nascido, que contribui de maneira expressiva para a mortalidade in- fantil, principalmente no componente neonatal, e apresenta etiologia complexa(2). Dessa forma, estudos sobre fatores de risco para o baixo peso ao nascimento se revestem de grande interesse para a Saúde Pública. A ocorrência de BP varia entre países, sendo um indi- cador geral do nível de saúde de uma população por estar altamente associado às condições socioeconômicas. Assim, na Índia, segundo dados da OMS(3) relativos à década de 80, a freqüência de recém-nascidos de baixo peso girava ao redor de 30%. Dados mais recentes da Tanzânia(4) apontam prevalência de 14,6% e, por outro lado, no País de Gales(5) e no estado americano de Utah(6), a prevalência é inferior a 5%. Entre nós, estimam-se valores de 10% na região Sudeste(7) e, para o Estado de São Paulo, as taxas podem variar entre 6,6% e 10,4% (8-10). Dentre os diversos fatores de risco já pesquisados para a ocorrência de baixo peso ao nascer, destacam-se a idade materna, o nível educacional, o estado marital, o ganho de peso na gestação, a paridade e o relato de fumo(4,5,11,12). Para o estudo dos fatores de risco para o baixo peso ao nascer são utilizadas várias técnicas, como a regressão logística(5), a análise estratificada(6), a razão de prevalência(8,9) e a análise de tendência linear(10). As fontes de dados podem ser secundárias, como as informações obtidas da Declaração de Nascido Vivo (DNV) ou equivalente(5-10), e dados primários (4,11,12). No caso da análise multivariável, na qual as variáveis são incluídas no modelo mais pela sua significância estatística do que por qualquer outra razão conceitual, tais variáveis são tratadas como se todas estivessem em um mesmo nível hierár- quico. Deve-se levar em conta, entretanto, em relação à saúde da criança, principalmente em países em desenvolvimento, que são muitos os fatores de risco envolvidos na gênese de determinada situação, por exemplo, o baixo peso ao nascer. Dessa forma, a decisão de incluir variáveis em uma análise de tais fatores de risco não deve se basear exclusivamente na significância estatística, mas precisa ser feita por meio da abordagem de uma estrutura conceitual hierarquizada, envolvendo vários níveis(13). Assim, ao se estudarem fatores relacionados à gênese do baixo peso ao nascer, poder-se-ia determinar níveis de entradas para as diversas variáveis, desde que, em cada nível, houvesse uma inter-relação entre elas. Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é apresentar uma análise hierarquizada para fatores de risco para baixo peso ao nascer em uma população atendida em hospital universitário, no interior do Estado de São Paulo. Método O estudo transversal incluiu mulheres que deram à luz no Hospital Universitário de Taubaté (SP), entre os meses de maio e outubro de 1999. O referido hospital atende quase que exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde e é de nível terciário. As mães entrevistadas neste estudo não faziam parte do grupo de gravidez de risco ou alto risco. Foram excluídas as mães de recém-nascidosgemelares e daqueles portadores de malformações maiores. A amostra, do tipo cumulativo, foi estimada para uma prevalência esperada de 12% de re- cém-nascidos com baixo peso e um erro de 3%, resultando em tamanho amostral de 450 puérperas. O presente estudo teve a aprovação do Comitê de Ética Médica do Hospital Universitário. As entrevistas foram realizadas após o parto com o autor do trabalho, com consentimento por parte das puérperas, sendo formuladas questões relacionadas a aspectos socioeconômicos, demográficos e reprodutivos maternos e gestacionais. Dados como hipertensão arterial, infecção urinária, ganho de peso e número de consultas de pré-natal foram obtidos por meio do relato materno e confirmados pelo cartão de acompanha- mento de pré-natal. A variável dependente ou resposta foi o baixo peso ao nascer, considerado quando o peso era inferior a 2.500g de acordo com a definição da OMS(1), não levando em conta a idade gestacional. O modelo hierarquizado proposto para este estudo é o da Figura 1, composto por três níveis. Como variáveis independentes de primeiro nível, foram considerados os fatores socioeconômicos. A infor- A B C Figura 1 – Estrutura conceitual hierarquizada, em blocos, para risco de baixo peso ao nascer Baixo peso ao nascerSocioeconômicoNível 1 Nível 2 Nível 3 Demográficos e reprodutivos maternos Gestacionais - intercorrências Gestacionais - acompanhamento 78 Análise hierarquizada dos fatores de risco para o baixo peso ao nascer Rev Paul Pediatria 2005;23(2);76-82. mação a respeito da renda familiar foi obtida de forma quantitativa e, posteriormente, categorizada em inferior a três salários mínimos e três ou mais salários mínimos. As demais variáveis desse nível foram categorizadas da seguinte maneira: • número de habitantes da casa – até três e quatro ou mais pessoas; • escolaridade materna – mães que tinham freqüentado até a última série do ensino fundamental (até 8 anos de esco- laridade) e mães com mais de 8 anos de escolaridade; • emprego materno – se a mãe trabalhava ou não. As variáveis demográficas e reprodutivas maternas cons- tituíram o segundo nível: • idade materna, analisada na forma contínua e depois agru- pada em mães com até 19 anos e as maiores de 19 anos; • paridade, classificada em primípara ou multípara; • relatos prévios de outros filhos com baixo peso, de óbito fetal e de abortamentos foram considerados como pre- sentes ou ausentes; • relato de fumo, classificado como presente ou ausente; • peso habitual, considerado de forma contínua e depois agrupado em até 50 kg e mais de 50 kg; • intervalo interpartal de até 18 meses e mais de 18 meses; • situação conjugal, categorizada em presença de parceiro fixo ou não. O terceiro nível dizia respeito às variáveis gestacionais, que foram consideradas como as de acompanhamento pré- natal, representadas pelo número de consultas (até seis e sete ou mais consultas), pelo ganho de peso na gestação (até 10 kg e mais de 10 kg) e pelo hábito de fumar na gravidez (sim ou não). No mesmo nível hierárquico consideraram-se presentes ou ausentes as variáveis gestacionais sob o enfo- que de intercorrências na gravidez, tais como hipertensão arterial, presença de sangramento em qualquer trimestre e infecção urinária. Inicialmente fez-se a análise univariada, com todas as variáveis de cada nível hierárquico. As variáveis que apre- sentavam p ≥ 0,20 foram descartadas. Foi então criado um modelo com aquelas variáveis do nível socioeconômico que apresentaram p < 0,20. Nesse bloco, foram mantidas as variáveis que apresentassem p < 0,05. Num segundo passo, foram acrescentadas as variáveis maternas do nível demográfico-reprodutivo que, na análise univariada, tinham p < 0,20. Nesse momento, as variáveis do segundo nível que apresentaram p ≥ 0,05 foram retiradas do modelo. As variáveis socioeconômicas que haviam sido significantes na primeira etapa do modelo multivariado foram mantidas, independentemente do nível de significância apresentado após a introdução das variáveis demográfico-reprodutivas maternas. Assim criou-se um modelo com dois níveis. Posteriormente foram introduzidas as variáveis do terceiro nível (gestacional) que, na análise univariada, tinham p < 0,20. Foram mantidas no modelo as variáveis desse terceiro nível, recém-introduzidas, que apresentaram p < 0,05, sem retirar as variáveis dos níveis precedentes. Assim, resultou um modelo final com três níveis. A ordem de entrada das variáveis em cada etapa obedeceu à significância estatística notada na análise univariada. Foi utiliza- do o programa MULTLR(14) para a análise de regressão logística hierarquizada, fazendo uso da estratégia stepwise forward. Resultados Foram entrevistadas 548 mães, com idade média de 24,5±6,5 anos, sendo a média dos pesos dos recém-nascidos 3.168,7±541,6 g. Identificaram-se 60 recém-nascidos com baixo peso, representando 11,0% da amostra. Os valores obtidos na análise univariada dos possíveis fato- res de risco testados, nos três níveis escolhidos para o estudo, em relação à variável resposta “baixo peso ao nascer” estão na Tabela 1, com os respectivos OR, intervalos de confiança de 95% (IC 95%), significância estatística (p) e o número de expostos na amostra. Pode ser observado nessa tabela, por exemplo, que famílias com renda inferior a três salários mínimos apresentaram uma chance 1,7 vezes maior de ter um recém-nascido BP do que as mães com renda superior. Da mesma forma, a chance desse desfecho foi quase 80% maior quando a mãe tinha 8 anos ou menos de escolaridade, comparada àquela com maior escolaridade. As variáveis do primeiro nível que permaneceram com significância estatís- tica, após ajuste com as demais variáveis deste nível, foram: renda familiar inferior a três salários mínimos e mãe com oito anos ou menos de escolaridade. As variáveis demográficas e reprodutivas maternas foram introduzidas no modelo e os valores das OR ajustadas, os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%) e a significância estatística (p) estão demonstrados na Tabela 2, de acordo com a metodologia proposta. Foram mantidas no modelo multivariado as variáveis: idade materna (cate- gorizada em ≤ 19 ou > 19 anos), presença de outros filhos com baixo peso ao nascer e relato de abortamento prévio. A variável situação conjugal, com p = 0,20 na análise uni- variada, perdeu a significância estatística, sendo ajustada pelas demais variáveis que permaneceram no modelo. 79 Luiz Fernando C. Nascimento Rev Paul Pediatria 2005;23(2);76-82. Tabela 1 – Análise univariada de fatores de risco para baixo peso ao nascer e respectivos OR bruta, intervalo de confiança (IC) de 95%, nível de significância (p), total dos expostos na amostra e suas porcentagens ORbruta IC 95% p Expostos (%) Variáveis sócio-demográficas Renda familiar < 3 SM 4 pessoas ou mais na casa Escolaridade materna até 8 anos Trabalho materno Variáveis demográficas/reprodutivas Idade materna (contínua) Idade materna ≤19 anos Paridade de mais de 1 filho Outros filhos com baixo peso Relato de natimorto Relato de aborto Relato de fumo Peso habitual (contínuo) Peso habitual menor que 50 kg Intervalo interpartal menor de 18 meses Vive maritalmente Variáveis gestacionais Menos que 6 consultas no pré-natal Ganho de peso igual ou inferior a 10 kg Fumo durante essa gestação Hipertensão arterial Infecção urinária Sangramento independente do trimestre 1,61 1,30 1,77 0,82 0,98 1,82 1,02 2,76 2,42 1,89 1,29 1,01 1,23 1,01 0,70 1,08 1,64 1,48 2,17 1,87 2,30 0,93 – 2,78 0,74 – 2,27 0,89 – 3,45 0,40 – 1,57 0,94 – 1,03 1,03 – 3,51 0,61 – 1,87 1,36 – 5,60 0,77 – 7,60 0,95 – 3,77 0,90 – 1,87 0,98 – 1,04 0,63 – 2,44 0,95 – 1,070,41 – 1,22 0,95 – 1,24 0,96 – 2,82 0,85 – 2,57 1,16 – 4,06 1,07 – 3,28 1,21 – 4,38 0,09 0,34 0,11 0,57 0,45 0,04 0,82 0,005 0,13 0,07 0,17 0,51 0,54 0,78 0,20 0,20 0,08 0,17 0,01 0,03 0,006 255 (46,9) 308 (56,6) 154 (28,3) 119 (21,9) 99 (18,2) 349 (64,1) 55 (10,1) 18 (3,3) 72 (13,1) 420 (77,2) 52 (17,1) 275 (50,5) 215 (39,6) 224 (41,2) 301 (55,3) 86 (15,8) 159 (29,2) 80 (14,7) Tabela 2 – Variáveis do nível demográfico-reprodutivo ajustadas pelas variáveis desse nível e pelas do nível socioeconômico, com OR ajustada para todas as variáveis do nível, IC 95% e p OR# IC 95% p* Idade materna ≤ 19 anos Paridade de mais de 1 filho Outros filhos com baixo peso História de natimorto História de aborto Relato de fumo Peso habitual menor que 50 kg Intervalo interpartal menor de 18 meses Vive maritalmente 2,68 1,07 3,35 2,93 2,16 1,44 1,25 1,04 0,68 1,23 – 5,62 0,41 – 3,12 1,52 – 7,38 0,62 – 7,20 1,01 – 4,61 0,79 – 2,65 0,63 – 2,51 0,93 – 1,16 0,38 – 1,22 0,01 0,80 0,003 0,24 0,046 0,24 0,53 0,49 0,19 #OR ajustada para as variáveis renda familiar e escolaridade materna e pelas variáveis desse nível hierárquico; *após ajuste pelas variáveis socioeconômicas e pelas variáveis do próprio nível 80 Análise hierarquizada dos fatores de risco para o baixo peso ao nascer Rev Paul Pediatria 2005;23(2);76-82. As variáveis de terceiro nível (gestacionais) foram então inseridas em modelo multivariado demonstrado na Tabela 3. Os valores das OR ajustadas, os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%) e a significância estatística (p) mostram a importância, nesta amostra, do sangramento vaginal e da hipertensão arterial na gestação atual como risco para o nascimento de um neonato de BP, dobrando sua chance. O ganho de peso igual ou inferior a 10 kg durante a gravidez também se constituiu em como fator de risco para o BP: as mães nessa situação apresentavam, após ajuste para as demais variáveis, duas vezes mais chance de darem à luz a recém-nascidos de baixo peso, quando comparadas àquelas com ganho superior a 10 kg. Não mostraram significância estatística, após ajuste para as outras variáveis desse nível, o número de consultas no pré-natal, o fumo na gestação e o relato de infecção urinária. Os valores obtidos na análise multivariável hierarqui- zada estão na Tabela 4, com os respectivos OR ajustados, intervalos de confiança de 95% (IC 95%) e a significância estatística (p). As variáveis socioeconômicas que perma- neceram no modelo foram: renda familiar menor que três salários e mãe com oito anos ou menos de escolaridade. Com relação às variáveis demográficas, mães com idade igual ou inferior a 19 anos e aquelas com história pregressa de aborto têm 2,5 vezes mais chance de ter recém-nascido de baixo peso. Já quanto às variáveis gestacionais, as chances BP são Tabela 4 – Modelo final hierarquizado com as OR ajustadas (ORaj), IC 95%, p e função-desvio para estimar risco de baixo peso ao nascer ORaj IC 95% p Função-desvio@ Variáveis socioeconômicas Renda Familiar < 3 SM Escolaridade até 8 anos Variáveis demográfico-reprodutivas1 Idade Materna ≤ 19 anos Outros Filhos com Baixo Peso História Pregressa de Aborto Variáveis gestacionais2 Hipertensão arterial Sangramento Ganho de peso até 10 kg 1,82 2,02 2,50 1,31 2,49 2,44 2,16 1,93 1,05 – 3,22 1,01 – 4,07 1,32 – 4,76 1,01 – 1,68 1,22 – 5,08 1,25 – 4,86 1,09 – 4,28 1,08 – 3,45 0,02a 0,038 0,048 < 0,001b 0,005 0,04 0,012 < 0,001c 0,009 0,03 0,03 362,00 345,84 331,51 @ função-desvio com modelo vazio = 378,60; ap do modelo com o bloco 1; bp do modelo com os blocos 1 e 2; cp do modelo com os blocos 1, 2 e 3; 1ajustadas para as variáveis socioeconômicas e pelas do nível demográfico-reprodutivo; 2ajustadas para as variáveis socioeconômicas, pelas do nível demográfico-reprodutivo e do gestacional; χ2 do modelo final, com 8 graus de liberdade = 38,17 (p < 0,001) Tabela 3 – Variáveis do nível gestacional ajustadas pelas variáveis desse nível e pelas do nível socioeconômico e demográfico- reprodutivo, com a OR ajustada para todas as variáveis do nível, IC 95% e p OR# IC 95% p* Nível gestacional de acompanhamento Menos de 6 consultas no pré-natal Ganho de peso na gravidez menor que 10 kg Relato de fumo durante essa gestação Nível gestacional de intercorrências Hipertensão arterial Infecção urinária Sangramento 1,05 1,70 1,16 2,02 1,65 1,91 0,90 – 1,22 0,97 – 3,00 0,63 – 2,11 1,06 – 4,05 0,90 – 3,01 0,99 – 3,85 0,34 0,04 0,64 0,023 0,104 0,07 #OR ajustada para as variáveis socioeconômicas, demográfica-reprodutivas e pelas variáveis do próprio nível; *após ajuste pelas variáveis socioeconômi- cas, demográfica-reprodutivas e pelas variáveis do próprio nível 81Rev Paul Pediatria 2005;23(2);76-82. 2,4 vezes maiores quando há relatos de sangramento ou hipertensão arterial durante a gravidez e o ganho de peso na gestação insuficiente dobra a chance do nascimento de um recém-nascido de baixo peso. Discussão No presente estudo foram identificados 60 RNBP, corres- pondendo à prevalência de 11,0% de nascidos vivos abaixo de 2.500 g na maternidade avaliada, sendo esse valor próximo ao encontrado em outros estudos realizados no Brasil(8-11). O fato mais interessante da presente pesquisa é o emprego da análise hierarquizada dos potenciais fatores de risco para o baixo peso ao nascer. Essa metodologia determina os níveis em que as variáveis a serem estudadas entrarão e mostra o ajuste das variáveis para cada nível, permitindo a inclusão tanto de determinantes distais como proximais no modelo final. Na literatura, não se observa o emprego de tal estratégia para o estudo de fatores de risco para o baixo peso ao nascer. Com esse enfoque, no que tange às variáveis relacionadas ao nível socioeconômico da população analisada, manteve sua importân- cia a renda familiar, similar ao encontrado em estudo realizado no Sul do Brasil(15), em que a prevalência de baixo peso era o dobro entre os nascidos em famílias com renda até três salários mínimos, quando comparados àqueles provenientes de famílias com renda acima de dez salários mínimos. No presente estudo, a baixa renda familiar (abaixo de três salários mínimos) associa-se a 1,8 vezes maior chance de baixo peso, sendo controlada pela variável escolaridade materna. A variável “número de pessoas que habitam a casa”, associada em outros trabalhos a aspectos nutricionais da família e da criança, tais como os que levam em conta o déficit estatural em escolares e desnutrição infantil(16,17), não mostrou significância estatística. A escolaridade materna, por sua vez, mostrou associação significante com o baixo peso ao nascer em outros estudos(9,10) e no presente trabalho, contro- lando a variável “renda familiar” e permanecendo no modelo final. Mães com baixa escolaridade têm o dobro de chance de ter recém-nascidos de baixo peso, comparadas com as de maior escolaridade. O relato de trabalho (emprego) materno, após ajuste para as outras variáveis do mesmo nível, não mostrou significância estatística, o que coincide com os achados de Kra- mer(12), que afirma não ser possível associar o papel do trabalho materno e o nascimento de baixo peso. Quanto às variáveis reprodutivas e demográficas, permane- ceu no modelo final a idade categorizada em até 19 anos (ado- lescentes) ou mais de 19 anos (adultas). As mães adolescentes apresentaram chance 2,5 vezes maior para o nascimento de bebês com peso inferior a 2.500 g, comparadas às adultas. Isso talvez se deva a uma imaturidade biológica e, daí, a opção por fazer o corte nessa idade. Os resultados obtidos coincidem com os dados de outros estudos(4,5,9) e apontam para a neces-sidade de programas de saúde voltados para as adolescentes. O investimento em educação e o aumento da escolaridade da população poderiam ajudar as adolescentes a entender o risco da gravidez em idades precoces, assim como suas técnicas de prevenção. Vale lembrar que a proporção de nascimentos em mulheres abaixo de 20 anos é alarmante, representando cerca de 20% dos partos no Estado de São Paulo(18). Ainda com relação às variáveis demográficas e reprodutivas, a his- tória pregressa de filhos com baixo peso aumenta em 30% a chance de outro baixo peso. Ainda não se sabe o porquê desse fato, como apontado por Maruoka(19). A mãe com relato de aborto prévio também tem 2,5 vezes mais chance de ter um neonato de baixo peso, mesmo após ajuste pelas outras variáveis. Não foi identificado, neste trabalho, se o aborto foi espontâneo ou induzido, mas essa situação vai de encontro aos achados de Mies(5), embora Kramer(12) associe o abortamento anterior à prematuridade. Neste estudo, as demais variáveis de tal nível perderam a significância após o ajuste. Dentre elas estão a história pregressa de natimorto, a multiparidade, o pequeno intervalo interpartal e o peso habitual menor que 50 kg, variáveis descritas como fatores de risco para o baixo peso ao nascer em outros artigos, nos quais não foi utilizada a análise estatística hierarquizada(5,6,9,19,20). Finalmente, das variáveis gestacionais, permaneceram no modelo final o relato hipertensão arterial e sangramento vagi- nal pelas mães, além do ganho de peso igual ou inferior a 10 kg durante a gravidez. O número de consultas de pré-natal superior a seis, isoladamente, mostrou-se como fator protetor para o baixo peso ao nascer, o que é similar ao achado de outras pesquisas(4,9). No entanto, após ajuste para as demais variáveis, o atendimento pré-natal não manteve a significância estatís- tica. O relato de fumo na gravidez, que também se relaciona à prevalência de baixo peso ao nascer em outros trabalhos(5,19), não mostrou essa associação no presente estudo possivelmente pelo fato de se questionar apenas o relato positivo ou negativo para o fumo e não quantificar o número de cigarros por dia. A infecção urinária, por usa vez, parece não estar associada fortemente ao baixo peso ao nascer (12), mas tem um papel mais importante na gênese do prematuro(20). Sabe-se que estudos transversais podem apresentar limitações que afetam a interpretação dos resultados, por exemplo, a temporalidade dos eventos. Além disso, a população entrevistada para essa investigação compu- Luiz Fernando C. Nascimento 82 Análise hierarquizada dos fatores de risco para o baixo peso ao nascer Rev Paul Pediatria 2005;23(2);76-82. nha-se de gestantes atendidas em hospital universitário, com participação quase exclusiva de pacientes do Sistema Único de Saúde, mas não distinguiu eventuais usuárias de convênios médicos ou seguro-saúde. Tais aspectos, além do fato de não haver sido considerada a idade gestacional, que caracterizaria os recém-nascidos em adequados para idade gestacional ou com retardo de crescimento intra-uterino, podem representar uma limitação a este trabalho. No en- tanto, a análise hierarquizada utilizada mostrou o papel de vários fatores associados ao baixo peso ao nascer, desde variáveis distais, como fatores socioeconômicos (representa- dos pela renda familiar e pela baixa escolaridade materna), passando por fatores demográficos e reprodutivos (como a gestação na adolescência, a presença de outros filhos com baixo peso e de abortamento prévio), até chegar às variáveis proximais, gestacionais (tais como a hipertensão arterial desencadeada pela gravidez, o sangramento vaginal, mesmo não especificado em qual trimestre ocorreu, e o ganho de peso insuficiente durante a gestação). A partir desta análise, é possível traçar estratégias para reduzir a freqüência de baixo peso ao nascer em nossa po- pulação, destacando-se a melhora da renda familiar, maior acesso das mães à escolaridade além do nível fundamental, a prevenção da gravidez na adolescência e, finalmente, o controle clínico adequado da gestação atual, prevenindo ou minimizando a morbidade durante a gravidez. 1. Organização Mundial da Saúde. CID-10. Classificação estatística internacio- nal de doenças e problemas relacionados à saúde. 10a Revisão. São Paulo: Edusp; 1998. p. 1184. 2. McCormick MC. The contribution of low birth weight to infant mortality and childhood morbidity. N Eng J Med 1985;312:82-90. 3. Puffer RR, Serrano CV. Patterns of birth weight. Washington, DC: Pan American Health Organization; 1987. Publicação científica n. 504. 4. Walraven GE, Mkanje RJ, van Asten HA, van Roosmalen J, van Dongen PW, Dolmans WM. The aetiology of low birthweight in a rural area of Tanzania. 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