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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIENCIAS DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE NUTRIÇÃO PRÁTICAS ALIMENTARES NÃO USUAIS: O que pensam, sentem e sabem os formandos em Nutrição? GABRIELA OLIVEIRA EMÍDIO Natal-RN 2016 51 GABRIELA OLIVEIRA EMÍDIO PRÁTICAS ALIMENTARES NÃO USUAIS: O que pensam, sentem e sabem os formandos em Nutrição? Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito final para obtenção do grau de nutricionista Orientadora: Profª Dra. Vera Lucia Xavier Pinto Co-orientador: Prof.Ms. Diôgo Vale Natal-RN 2016 51 GABRIELA OLIVEIRA EMÍDIO PRÁTICAS ALIMENTARES NÃO USUAIS: O que pensam, sentem e sabem os acadêmicos de Nutrição? Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Nutrição da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito final para obtenção do grau de nutricionista. BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________ Profª Drª Vera Lucia Xavier Pinto (Orientadora) ________________________________________________________ Prof. Esp. Diôgo Vale (Co-orientador) _________________________________________________________ Profª. Esp. Ginetta Kelly Dantas Amorim (3º membro) Natal, ______ de _______________ de 2016. 51 Aos sonhadores, que inconformados com a forma padrão buscam a visão de um novo mundo e ao meu pequeno vegetariano convicto, Eduardo. 51 AGRADECIMENTOS A Deus e a minha ilustríssima orientadora e amiga, Vera Lucia Xavier, por todas as orientações, paciência e afeto que tornaram esse trabalho possível. A minha mãe, por me inspirar a iniciar essa jornada e me trazer diversas reflexões durante o percurso. A minha tia Nadja, por todo o carinho e por ser como uma segunda mãe. Ao meu companheiro, amigo e amor da minha vida, André Gustavo, que esteve comigo em todas as circunstâncias, pela compreensão, carinho e apoio. A queridíssima Michelle Medeiros, por ter sido uma grande inspiração, além de uma grande amiga e irmã nas melhores e piores horas. A prima e irmã, Camila Marcela, por me fazer sorrir das piores situações e por me dar novas forças nos momentos de cansaço. As amigas Analis Costa, Natalia Araújo e Roxelly Teixeira, por partilharem momentos valiosos, e por estarem comigo durante todo o percurso e que independente da distância estiveram ao meu lado. Ao sobrinho Luiz Eduardo, meu vegetariano preferido, por ser, doce, respeitoso e convicto de suas escolhas e por ter sido a minha inspiração inicial. Aos colegas de turma que colaboraram para que esse trabalho fosse possível. 51 EMÍDIO, Gabriela. PRÁTICAS ALIMENTARES NÃO USUAIS: O que pensam, sentem e sabem os acadêmicos de Nutrição?. 2016. 52 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Nutrição) – Curso de Nutrição, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016. RESUMO As práticas alimentares não usuais têm se tornado cada vez mais presentes em decorrência da complexidade das escolhas alimentares, que podem ser regidas a partir da Ética, sustentabilidade, religião e questões ligadas a saúde e bem-estar. O presente trabalho associa a pesquisa de cunho exploratório com a autobiográfica. Tem como objetivo discutir a importância biossociocultural e o conhecimento e ideias que os estudantes concluintes de Nutrição da UFRN em 2016.1 têm a respeito do tema. Além dos relatos de vivência da autora, também concluinte desta turma, buscou-se realizar um levantamento quantitativo sobre a criação, abate e comercialização de animais; analisar quantitativamente a relação do vegetarianismo com a sustentabilidade ambiental; investigar a quantidade de adeptos de práticas alimentares não usuais no Brasil; analisar o Projeto Pedagógico do Curso e a prática pedagógica em relação ao tema; identificar o conhecimento científico e as ideias dos discentes acerca do tema. A metodologia uniu técnicas de caráter quantitativo e qualitativo e os resultados mostraram que há uma crescente adesão de pessoas às práticas não usuais e uma carência de informações a seu respeito na formação. Conclui-se que há necessidade do Curso de Nutrição da UFRN intensificar a discussão sobre esta temática. Palavras chave: Alimentação vegetariana; Formação; Nutrição; Reflexão; Saúde 51 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15 PRÁTICAS ALIMENTARES NÃO USUAIS, COMO CONHECÊ-LAS? ........................... 17 AS PRÁTICAS NÃO USAIS E SUA IMPORTÂNCIA BIOSSOCIOCULTURAL ............. 21 SOBRE AS PRÁTICAS NÃO USAIS: O QUE SABEM, PENSAM E SENTEM FORMANDOS EM NUTRIÇÃO? .......................................................................................... 35 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 58 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 59 APÊNDICES............................................................................................................................ 62 51 INTRODUÇÃO A alimentação é uma das atividades mais complexas inerentes ao ser humano. O envolvimento de diversos fatores biossocioculturais interfere diretamente em nossas escolhas alimentares. A exclusão dos componentes de origem animal pode se dar parcialmente ou completamente e acontece por diversos motivos, dentre eles a saúde, a ética, a sustentabilidade, a economia, conceitos filosóficos e religiosos, configurando o que conhecemos por práticas alimentares não usuais1 (COUCEIRO, 2008). Nas últimas décadas, os estudos epidemiológicos apontam importantes e significativos benefícios com a adoção do vegetarianismo e outras práticas alimentares derivadas e baseadas em vegetais. Foi observado a redução do risco de muitas doenças crônicas não transmissíveis, além da redução do risco de mortalidade. Estudos realizados em populações vegetarianas mostraram a redução dos níveis séricos de colesterol, da prevalência de doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, diversos tipos de câncer e diabetes tipo 2. (COUCEIRO, 2008; SVB, 2012). Várias organizações mundiais de grande relevância tais como American Heart Association (AHA), a Food and Drug Administration (FDA), o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), a Kids Health (Nemours Foundation), o College of Family and Consumer Sciences (University of Georgia) e a Associação Dietética Americana (ADA) apoiam a adoção das dietas vegetarianas e afirmam que os profissionais nutricionistas têm o dever de incentivar a prática daqueles que pretendem aderir à dieta. (SVB, 2012). A Sociedade Vegetariana Brasileira sob a presidência de Marly Winckler, tem contribuído bastante com informações de cunho científico e a respeito das implicações sociais e éticas que uma dieta vegetariana pode proporcionar. A partir de publicações online, disponíveis paratoda a população, pode-se ter acesso a orientações a respeito de preparações, conceitos éticos e sustentabilidade dentre todas as outras questões que se enquadram nas práticas. (SVB, 2012). De acordo com a avaliação do IBOPE realizada no ano de 2012, dentre os indivíduos com mais de 18 anos, existem 15,2 milhões de brasileiros se declaram vegetarianos de alguma forma. Desse quantitativo, cerca de 10% dos homens e 9% das mulheres se 1 O termo 'práticas alimentares não usuais' será utilizado para caracterizar as dietas vegetarianas, veganas e derivadas delas. Esta opção basea-se na constatação que este é o termo utilizado nas publicações científicas e na nomeação das aulas sobre estas práticas. 51 declarados. O que pode ser considerado uma amostra representativa da sociedade, visto que esse número tem crescido bastante nos últimos anos. (IBOPE, 2012; SVB, 2012). A partir de todo o conhecimento que se tem dos benefícios e o aumento de adeptos a prática da dieta vegetariana, como também dos estudos que comprovam a eficácia na adoção do estilo de vida sem produtos animais, surgiu a indagação inicial sobre a importância biológica e social das “práticas alimentares não usuais” e que conhecimento e ideias os estudantes de Nutrição têm sobre o tema. Optou-se por uma pesquisa quanti-qualitativa, cujo objetivo é discutir a importância biossociocultural do vegetarianismo e o conhecimento e ideias de estudantes de Nutrição da UFRN, concluintes em 2016.1, sobre a temática. Para tanto foi necessário: a) realizar um levantamento quantitativo sobre a criação, abate e comercialização de animais; b) analisar quantitativamente a relação do vegetarianismo com a sustentabilidade ambiental; c) investigar a quantidade de adeptos de práticas alimentares não usuais no Brasil; d) analisar o PPC e a prática pedagógica em relação ao tema; e) identificar o conhecimento científico e as ideias dos discentes acerca do tema. O trabalho resultante desta pesquisa está organizado nos três capítulos que se seguem. No primeiro deles, intitulado Práticas Não Usuais, Como Conhecê-las? expõe-se a metodologia utilizada. No segundo, As Práticas Não Usuais e Sua Importância Biossociocultural, trata-se dos aspectos biossocioculturais do vegetarianismo e por fim, em Sobre As Práticas Não Usais: o que Sabem, Pensam e Sentem Formandos em Nutrição? retrata-se as ideias e conhecimentos de concluintes de Nutrição sobre o tema. 51 PRÁTICAS ALIMENTARES NÃO USUAIS, COMO CONHECÊ-LAS? René Magritte, Les pommes masquées, 1966. Neste capítulo será exposto o percurso metodológico. O presente trabalho associa a pesquisa de cunho exploratório com a autobiográfica, em que eu, uma formanda em Nutrição, sensibilizada pela necessidade sentida de uma formação mais ampla em relação às práticas alimentares não usuais, investi na pesquisa junto àqueles que se formarão comigo na turma de 2016.1. Perguntava-me se as necessidades vivenciadas por mim eram coletivas e motivei-me à realização deste estudo construído adotando como referencial teórico a Teoria da Complexidade, de Edgar Morin. Percebemos que na construção de si mesmo, o ser humano não se compõe apenas por um esquema biológico no qual ocorrem reações químicas e fisiológicas que o mantém vivo. São vários os aspectos fundamentais que influenciam na formação humana como individuo, como a cultura, a religião, o meio onde vive e as contribuições destas a sua formação tornando-o um ser complexo. Atribuindo ao ser humano comportamento complexo, é válido que se tenha em mente a necessidade de considerar que as diversas áreas do conhecimento deveriam estar conectadas para a melhor compreensão de tal realidade. De acordo com Morin, existe um desligamento entre as ciências da natureza e as ciências do homem. De fato, o ponto de vista das ciências da natureza exclui o espírito e a cultura que produzem essas mesmas ciências, e não chegamos a pensar o estatuto social e histórico das ciências naturais. Do ponto de vista das ciências do homem, somos incapazes de nos pensar, 51 nós, seres humanos dotados de espírito e de consciência, enquanto seres vivos biologicamente constituídos. (MORIN, 2005). Segundo Pinto (2015, p 26), "qualquer pessoa que faça ciência com seriedade sabe que seu fazer se traduz em tomar o discurso científico para expressar determinada realidade. Não se trata de descobrir e reproduzir uma verdade imutável." O que leva à necessidade de se estudar todos os aspectos que compõe a realidade do ser humano para melhor compreendê-lo. Como afirma Morin (2005, p 31), "Trata-se de estabelecer a relação entre ciências naturais e ciências humanas, sem as reduzir umas às outras (pois nem o humano se reduz ao biofísico, nem a ciência biofísica se reduz às suas condições antropossociais de elaboração)." Baseando-se nestas ideias-guia, o percurso metodológico foi realizado. Como foram articulados os enfoques quantitativo e qualitativo, utilizaram-se técnicas pertinentes a cada um deles, tanto em relação às coletas quanto às análises. Quanto a abordagem quantitativa, foi realizado um estudo ecológico descritivo, que consiste em examinar a prevalência e a incidência de uma determinada condição em um dado local. Foi realizado no território brasileiro, dividido nas 27 Unidades da Federação (UF). Os dados são referentes aos anos de 1997 a 2012. Foram coletadas informações sobre a produção de ovos, leite e galinhas poedeiras, a quantidade de animais abatidos, aquisição anual e disponibilidade calórica proveniente de alimentos de origem animal e quantidade de gases do efeito estufa provenientes da pecuária. Esses dados foram coletados do Sistema de Dados Agregados do IBGE-SIDRA2. As pesquisas originais que geraram essas informações foram: Pesquisa trimestral do couro3, Pesquisa trimestral do abate de animais4, Pesquisa trimestral do leite5, Indicadores de desenvolvimento sustentável6 e Pesquisa de Orçamentos Familiares7. A 2 Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/, acesso em 26 de março de 2016. 3 Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl2.asp?c=1088&n=0&u=0&z=t&o=24&i=P Acesso em: 26 de março de 2016 4 Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/acervo9.asp?ti=1&tf=99999&e=c&p=AX&z=t&o=24 Acesso em: 26 de março de 2016 5 Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?c=1086&z=t&o=24 Acesso em: 26 de março de 2016 6 Disponível emhttp://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?z=p&o=8&i=P&c=5911 Acesso em: 26 de março de 2016 7 Disponível em http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/pof/default.asp?o=14&i=P Acesso em: 26 de março de 2016. Disponibilidade calórica de alimentos de origem animal: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?z=p&o=14&c=3036 Aquisição de alimentos de origem animal: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/listabl.asp?z=p&o=14&c=2393 51 quantidade de vegetarianos, veganos e simpatizantes foi obtida a partir do censo vegetariano8. Foi realizado um linkage9 de todas as variáveis finalizando com a construção de um banco de dados agregado por UF. As variáveis foram classificadas em dimensões nacionais, regionais e domiciliares. As nacionais englobam a emissão anual de gases do efeito estufa (Gigagrama) provenientes da agropecuária no Brasil e a quantidade total de animais abatidos anualmente no Brasil, ambos de 1997 a 2012. A dimensão regional é representada pelas seguintes variáveis: coeficiente de produção anualde ovos (unidades), de leite (litros), número de galinhas poedeiras e de animais abatidos, os quais foram calculados a partir da razão entre o valor de cada variável e a população de cada UF. A dimensão domiciliar incorpora a disponibilidade calórica per capta de alimentos de origem animal (%) e aquisição per capta anual de alimentos de origem animal e suas respectivas variações anuais. Foi calculada a proporção de vegetarianos, veganos e simpatizantes a partir da razão entre o número total e a população geral por 1.000.000. A abordagem qualitativa constituiu-se pelas narrativas de meu percurso de formação e pela investigação com outros estudantes da UFRN. Os colaboradores foram doze graduandos de Nutrição, que como eu, ingressaram no curso em 2012.1 e estão concluindo no semestre de 2016.1, com exclusão dos alunos que se consideravam vegetarianos ou veganos. A escolha dessa turma se deu, principalmente, por se tratar de uma jornada que foi vivenciada pelo mesmo grupo de pessoas nos últimos quatro anos e meio. Outro aspecto importante é o fato de todos haverem cursado as mesmas disciplinas e terem interação com os mesmo professores. Junto aos colaboradores, a coleta de materiais se deu da seguinte forma: a) Entrevistas semidirigidas, em que os participantes responderam questões inerentes aos conhecimentos adquiridos no curso em relação às “dietas não usuais”, e também colocaram suas opiniões sobre o tema. As perguntas realizadas estão constam no Apêndice 1. 8 mapaveg.com com acesso em 21 de março de 2016 9 Pode ser definido como a união de bancos dados agregados originários de diferentes estudos de inquéritos populacionais. Que precisam tem uma medida semelhante. No caso desse estudo a unidade da federação. 51 b) Associação de imagens, em que os participantes, a partir da apresentação de imagens de vários tipos de cereais, legumes e verduras foram agrupadas em quatro sessões: "Não conheço", "Conheço", "Sei preparar", "Sei os principais nutrientes e seus benefícios". (Apêndice 2). c) Uma escala de conhecimento para quantificar as vias utilizadas para obter informações sobre as práticas alimentares não usuais: colegas de turma, mídias oficiais e sociais, congressos, cursos e palestras, publicações científicas e disciplinas do curso. Foi utilizada uma escala de 1 a 10. (Apêndice 3). O Projeto Pedagógico, implementado em 2009, foi analisado a partir da proposta geral do curso e das disciplinas presentes na estrutura curricular. Verificou-se ainda o quanto foi abordado em relação às “dietas não usuais” a partir das ementas, da experiência durante as aulas e dos relatos dos alunos referentes ao processo de formação e a contribuição do curso na aquisição de informação sobre o tema. Além da relevância das abordagens em comparação com o total de horas do curso. Foi analisado quantitativamente a partir da comparação das horas de aula que abordavam o tema com a quantidade total de horas estabelecidas para o curso. Os resultados da análise ecológica foram apresentados em gráficos para comparação entre o abate de animais e a produção de Gases do Efeito Estufa proveniente da pecuária; e a partir da cartografia das demais variáveis, para a identificação das regiões com maior abate, produção e consumo de produtos de origem animal, proporção de vegetarianos, veganos e simpatizantes na população em geral. Na associação de imagens avaliamos o percentual de alimentos conhecidos pelos participantes em cada sessão. Também elencamos a partir da escala de conhecimento quais fontes de informação se tornaram mais frequentes na contribuição para o conhecimento dos colabores sobre o tema a partir do preenchimento das escalas. A análise qualitativa em relação às entrevistas foi realizada com uma leitura flutuante inicial e posterior marcação de temas relevantes, que geraram os três tópicos que nortearam as discussões. A mesma metodologia foi adotada para a análise das disciplinas presentes na estrutura curricular. Foram escolhidas aquelas que mais apresentaram potencial para integração do tema central desse trabalho, obrigatórias ou optativas. Foram observadas as ementas e a profundidade do tratamento sobre o tema nas aulas ministradas. 51 AS PRÁTICAS NÃO USAIS E SUA IMPORTÂNCIA BIOSSOCIOCULTURAL Vladimir Kush - Sunrise by the ocean, 2000. Criação, abate e comercialização de animais: um comércio justo? De acordo com a ONU, em dimensões mundiais são criados e abatidos por ano mais de 70 bilhões de animais para a produção de carnes e produtos oriundos. Grande parte desses animais é criada em confinamento intensivo. O principal objetivo é conseguir manter uma maior quantidade de animais em um menor espaço físico, resultando em um controle total da sua alimentação e da forma de como vivem esses animais. A lógica aplicada a esse setor da economia é a mesma que se aplica as produções em larga escala, fazendo com que os animais sejam apenas peças em uma grande linha de montagem. Dentre os países com maior produção e comercialização de carnes, o Brasil está entre os primeiros, ficando atrás apenas dos EUA e da China, sendo o responsável por 8% da produção total, equivalente a 5,5 bilhões de animais por ano abatendo assim 10 mil animais a cada minuto. (NACONECY, 2015). Nos Estados Unidos o consumo de carne é tão relevante culturalmente que se utilizam da expressão “Religião do Grande Bife Americano”. Sendo um dos maiores símbolos de prestígio e valor econômico. Em decorrência do elevado consumo humano de produtos e subprodutos animais, essa atividade tem ganhado cada vez mais prestígio na economia brasileira. Nos últimos 50 anos as grandes empresas e corporações tem feito da agricultura verdadeiras linhas de produção e agronegócio. A modernização de técnicas elevou 51 o setor pecuário a um patamar de destaque econômico pelo aumento quantitativo na produção e por ter gerado um peso significativo no aumento do PIB (Produto Interno Bruto) com a exportação. (BLEIL, 1998; SINGER, 2010; FILHO, 2006). A quantidade de animais abatidos nos últimos 15 anos, praticamente triplicou, saindo de cerca de 7 bilhões em 1997 para 23 bilhões em 2012 (Figura 1). A carne produzida no Brasil não é considerada de boa qualidade. Para isso, seriam necessários investimentos que melhorassem a qualidade de vida dos animais e por consequência a qualidade dos seus produtos. Entretanto, por se tratar de um método mais caro, não é bem aceito pelos produtores. A competição gerada pela produção privilegia métodos que aumentem os lucros e reduzam os custos, significando proporcionar aos animais uma vida miserável e de sofrimento do nascimento até o momento do abate. (FILHO, 2006; SINGER, 2010). Figura 1: Distribuição anual da quantidade de cabeças bovinas, suínas e galináceos produzidas no período de 1997 a 2012 no Brasil. FONTE: Elaborado pelos autores a partir da Pesquisa trimestral do abate de animais. As quantidades de ovos produzidos são maiores nas regiões centro-oeste, sul, sudeste e no estado de Pernambuco, exceto no Distrito Federal e no Mato Grosso do Sul (2a). Já a produção de leite tem grandes números no estado de Sergipe, na região centro-oeste, sul e sudeste, sendo menor em São Paulo, Rio de Janeiro Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. (2b). A quantidade de galinhas poedeiras é elevada na região centro-oeste, sul e sudeste, exceto no estado do Rio de Janeiro e no Distrito Federal (2c). As regiões com maior produção de subprodutos animais no Brasil são aquelas com climas favoráveis para a manutenção do pasto ou condições favoráveispara o investimento em alimentação (Figura 2). 51 Distribuição espacial da quantidade produzida de ovos (2a), leite (2b) e galinhas poedeiras (2c) no ano de 2012. FONTE: Elaborado pelos autores a partir da Pesquisa trimestral do leite e Pesquisa de Orçamentos Familiares. Do total de galinhas poedeiras existentes no Brasil, cerca de 90% são criadas em um sistema de gaiolas em bateria que consiste no empilhamento de gaiolas para que se tenha uma maior quantidade de animais confinados. Cada galinha tem um espaço equivalente a uma folha de papel A4 durante a vida inteira, que dura em média 1 ano e meio quando o normal são 7 anos, impossibilitando o movimento e a mobilidade das galinhas que são privadas até de abrirem as asas. Os elementos fundamentais como a ração e a água são mantidos em comedouros no teto, as luzes são reguladas para favorecer o rápido crescimento até a fase de produção. (NACONECY, 2015). Em um galpão com até 90 galinhas é possível se estabelecer uma ordem social, mantendo a harmonia natural do grupo. Contudo, os galpões abrigam cerca de 80 mil galinhas empilhadas. Essas condições geram bastante estresse para os animais, fazendo com que fiquem agitadas e agressivas, tendem a atacar umas as outras. Para evitar a morte de 51 galinhas dessa forma, os bicos são cortados no momento do nascimento. Também foi comprovado que a variação de luz, assim como a iluminação intensa podem aumentar o comportamento agressivo, dessa forma, as luzes são reduzidas para evitar conflitos entre os animais e o desenvolvimento de um comportamento canibal devido as condições de estresse. (SINGER, 2010). Diminuir a superpopulação e trabalhar com menor quantidade de galinhas por galpão acarretaria em um maior bem estar animal e uma melhor qualidade da produção de ovos. A utilização dos métodos para a criação, como alimentação, sistema de ventilação e iluminação seriam os mesmos, contudo seria necessária a construção de vários galpões para abrigar a quantidade de galinhas e sustentar a mesma produção, o que acomete a um custo maior sem aumento do lucro. (SINGER, 2010) As vacas utilizadas para a produção de leites e derivados são mantidas em confinamento intensivo. Passam longas horas do dia em máquinas de ordenha, que causam inflamações severas nas tetas. Para aumentar a produção foram feitas seleções genéticas nas vacas para maximizar a quantidade de leite, podendo aumentar de 5 a 6 vezes o volume por animal. Para que haja essa produção, as vacas precisam dar à luz continuamente, sendo inseminadas artificialmente e passando por gestações repetitivas. Uma vez que o bezerro nasce, ele é separado da mãe por não poder se alimentar do leite para não debilitar a produção que vai ser comercializada. Grande parte dos filhotes é abatida como novilhos ou criados para carne de vitela. O tempo de vida de uma vaca é cerca de 20 anos. Sobre essas condições, elas sobrevivem de 5 a 6 anos em condições deploráveis. (NACONECY, 2015). O custo para a produção de leite tem sido relativamente alto. Nesse caso, para se investir em bem-estar animal é demasiadamente oneroso. Não se tendo como elevar os custos com tal produção oferecendo maiores benefícios aos animais, se tem a necessidade de investir em uma boa alimentação para que haja maior produção de leite. O que leva o produtor a utilizar as vacas apenas como máquinas produtivas visando apenas o seu lucro total e não a produção individual de suas vacas. Desta feita, as preocupações com o devido bem-estar animal, não são realizadas, de modo que os animais se tornam apenas objetos de produção em massa. (MATOS, 2002). Existe uma grande quantidade de cabeças bovinas abatidas em todas as regiões no país, tendo um destaque maior para os estados localizados nas regiões mais centrais e no Acre, e uma menor quantidade de abates bovinos no Distrito Federal e nas regiões mais 51 litorâneas, exceto, o Rio Grande do Sul. As menores proporções estão entre 0 e 4 cabeças de gado per capta, e as maiores são de 14 a 140 cabeças de gado per capta (3a). Existe maior quantidade de abate de suínos nas regiões, Centro-oeste, Sul e Sudeste, com exceção dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. As menores proporções estão entre 0 e 1 per capta, enquanto que as maiores estão entre 5 e 150 cabeças suínas per capta (3b). A quantidade de frangos abatidos é maior nas regiões, Centro-oeste, Sul e Sudeste com exceção do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em que as menores proporções estão entre 0 e 1 cabeças de frango, enquanto que as maiores estão entre 14 e 150 cabeças e frango per capta (3c). A proporção de animais abatidos em quilogramas foi menor nas regiões Sudeste, Nordeste e Norte com exceção dos estados do Acre, Roraima e Tocantins que tiveram quantidades maiores de carnes juntamente com as outras regiões do país. As áreas de menor proporção tiveram valores per capta ente 0 e 15 kg anuais, enquanto que as áreas de maior proporção de abate tiveram de 115 a 510 kg per capta (3d). (Figura 3) 51 Figura 3: Distribuição espacial de cabeças bovinas (3a), suínas (3b) e galináceos (3c) abatidos no ano de 2012 e a estimativa per capta em quilos de animais abatidos no ano de 2012(3d). FONTE: Elaborado pelos autores a partir da Pesquisa trimestral do abate de animais. Os porcos são animais bastante inteligentes, inclusive comparados aos cães domésticos capazes de aprenderem comandos e de manterem relações sociais entre si e com seres humanos. Mantem grupos sociáveis e constroem ninhos comunitários. Defecam longe dos ninhos e as fêmeas, quando estão prestes a parir constroem seus próprios ninhos, onde ficam com a cria por alguns dias antes de voltar ao grupo. São animais que instintivamente precisam de movimento e quando privados, ficam deprimidos. (NACONECY, 2015; SINGER, 2010). São animais que instintivamente precisam de movimento e quando privados, ficam deprimidos. (NACONECY, 2015; SINGER, 2010). Os porcos de abate são criados em confinamento e em condições de crueldade, em que o único objetivo traçado para as suas vidas é comer e engordar. Quando mantidos em ambientes hostis e superpopulosos tendem a ficarem agitados, e da mesma forma que as aves demonstram comportamentos agressivos com os demais, mastigando suas caudas. Por causa disso, são submetidos a processos de mutilação, como o corte dos dentes e da cauda. Tal problema poderia ser resolvido com a criação em ambientes abertos e uma maior amplitude. 51 Contudo, da mesma forma como acontece com as galinhas poedeiras, é um investimento mais custoso e que não proporciona maior lucro. Além disso, como não tem espaço para se movimentar, gastam menos calorias e engordam com mais facilidade. (SINGER, 2010). Os pisos do confinamento são de ripa ou de concreto, o que provoca ferimentos em seus cascos diminuindo a locomoção desses animais. Da mesma forma que as galinhas, são negligenciados em termos de higiene, em que os excrementos acumulados geram uma atmosfera com grandes quantidades de amoníaco, causando danos à saúde dos animais. Por isso, precisam de uma grande quantidade de antibióticos devido à baixa imunidade adquirida pelas condições em que são criados. (SINGER, 2010; NACONECY, 2015). O frango de corte, como são chamadas as aves destinadas para o abate, atingem o peso ideal de 2,0 kg em um período de 40 dias. Há algumas décadas, esse processo demorava anos. As consequências desse crescimento acelerado podem provocar deformidade esquelética e dificuldades de locomoção, além de uma alta incidência de doenças e dores que acompanham essequadro. Da mesma forma que as galinhas poedeiras, os frangos de corte são criados em gaiolas empilhadas dentro de galpões de paredes sólidas com pouquíssima iluminação, ventilação artificial e fracionamento de água e comida. (NACONECY, 2015). Um dos principais motivos de morte nos galpões de criação é o sufocamento das aves. Devido ao estresse gerado pela superpopulação, o menor estímulo luminoso ou sonoro diferente do convencional faz com que os animais entrem em pânico e tentem fugir para um local seguro. Nessa fuga, acontece o que chamam de empilhamento, em que os animais sufocam uns aos outros formando uma pilha de corpos empilhados. (SINGER, 2010). Os galpões em si, representam um grande risco a vida das aves. Durante as semanas de vida que tem as palhas das gaiolas não são trocadas, provocando um acumulo de esterco e deixando o ar carregado de amoníaco. Além disso, as camas sujas, em que as aves são obrigadas a ficar de pé provocam ferimentos ulcerativos em seus pés, como em todo o corpo. Por causa disso, muitas vezes são utilizadas apenas algumas partes das aves para o comércio. A única vez que as aves têm contato com a luz do sol é a caminho do abate. Em que são colocadas em que são colocadas em gaiolas semelhantes a engradados e levadas para unidade de processamento, para serem lavadas e depenadas e em seguidas transportadas ao frigorífico, onde ficam esperando por horas sem água e sem comidas o momento do abate. (NACONECY, 2015; SINGER, 2010). 51 A variação da quantidade de calorias consumidas foi maior na região Norte e Nordeste com exceção dos estados do Acre, Amapá, Maranhão, Tocantins, Rio Grande do Norte e Paraíba, que tiveram menor variação da quantidade de calorias juntamente com as outras regiões do Brasil (4a). A disponibilidade de calorias no ano de 2008 foi maior na região Sul, e na região Norte, incluindo o estado de São Paulo e Sergipe e excluindo os estados de Tocantins, Roraima e Rondônia, com menor disponibilidade juntamente com as outras regiões (4b). A maior variação na aquisição de produtos oriundos de animais se deu principalmente na região nordeste, Tocantins, Acre e Paraná. Os estados do Maranhã, Sergipe e Alagoas tiveram menores variações juntamente com as outras regiões brasileiras (4c). A aquisição anual per capta em 2008 foi maior na Região Norte e Sul do país e também no estado de São Paulo. Os estados de Amapá e Roraima tiveram menores números assim como o resto do país. (Figura 4). 51 Figura 4: Distribuição espacial variação anual da disponibilidade calórica per capta de alimentos de origem animal (4a) a disponibilidade calórica em 2008(4b), a variação anual per capta da aquisição de produtos de origem animal (4c) e a aquisição per capta anual em 2008(4d). FONTE: Elaborado pelos autores a partir da Pesquisa trimestral do couro, Pesquisa trimestral do leite e Pesquisa de Orçamentos Familiares. O aporte calórico de alimentos de origem animal chega a ultrapassar 50% das recomendações diárias para um adulto normal, nos locais de maior consumo. Tendo em vista que as recomendações de proteína e gorduras saturadas ficam nas margens de 10 a 15% e 5% das frações lipídicas totais respectivamente. O consumo elevado de tais gêneros pode provocar aumento da ingestão de tais nutrientes, que em excesso, são prejudiciais ao organismo, sendo responsáveis por doenças cardiovasculares e sobre carga renal, além de contribuir com a diabetes e o aumento da obesidade. (BRASIL, 2014; MAHAN-STUMP, 2005). De acordo com Singer (2010, p. 143) "Quando retiramos os animais não humanos da esfera de consideração moral e os tratamos como coisas que utilizamos para satisfazer nossos desejos o resultado é previsível." A quantidade de animais abatidos é um reflexo da grande 51 produção e investimento da atividade pecuária bovina, suína, sendo a produção de galinhas algo bem representativo no país. O elevado consumo desses produtos e seus subprodutos reflete o alto consumo pela sociedade e a intensa atuação da indústria em suprir essa demanda, podendo provocar consequências sociais e ambientais. Embora isso parece não ser observado pela sociedade em geral, refletindo-se em uma naturalização, quando se pensa no consumo exacerbado. (PAZ, 2015) No que diz respeito ao tratamento dos animais, existem políticas que implementam normas de criação que proporcionem o mínimo de bem estar animal. As variáveis que implicam em um maior bem-estar animal são os cuidados básicos com instalações, nutrição, programa sanitário e restrições comportamentais. Contudo, muitas dessas normas não são cumpridas pelos produtores, ficando abaixo da média no tratamento proposto, visto que demanda um certo custo, sendo priorizada apenas a produção. Segundo Molento (2005): Uma vez que o Bem Estar Animal não é tradicionalmente um bem comercializável, ele não carreia um benefício econômico evidente e, desta forma, os produtores concentram-se na produtividade. As teorias econômicas demonstram que os sinais de mercado tendem a conduzir a padrões de Bem Estar Animal abaixo da norma considerada desejável por algumas sociedades (MOLENTO; 2005 p. 3) Pesquisadores, como Bellaver (1999), acreditam que, não se deve aumentar o grau de bem estar animal a ponto de se prejudicar a economia, pois acreditam que quanto melhor for a qualidade de vida do animal mais valor de mercado ele tem. Aves e suínos são a exceção nos parâmetros estabelecidos de bem estar animal, pois não consistem em aninais de produção. Segundo Molento, (2005) no Brasil, ainda existe a cultura de se preconizar através do ensino o animal como máquina de produção. Há ainda um valor adicional para se manterem condições favoráveis para a produção de ovos e a criação de suínos que são desconsiderados, e são tratados em condições de crueldade, sem nenhum cuidado específico ou veterinário, pois afetam a economia produtiva. De acordo com a EMBRAPA, as implicações éticas não qualificam animais ou bens naturais com usáveis, ou seja, que se potencializa o valor econômico, sendo os animais considerados não usáveis, e sendo necessário que haja cuidados específicos para que se tenha o maior conforto possível e os menores impactos ao ambiente. (MOLENTO, 2005). Além do sofrimento provocado no momento do matadouro, os animais já nascem destinados ao abate. Destarte, passam a vida inteira submetidos a procedimentos absurdos para favorecer a produção de carne e dos seus subprodutos, como é o caso do leite e dos ovos. 51 Tom Regan, defende os direitos inatos dos animais. Para ele, existem diversas razões indicando que os seres humanos não são mais merecedores da vida do que os animais e sim que ambos possuem direitos iguais nesse aspecto. "A mesma forma como é afirmado que homens e animais têm o direito de serem poupados de dores injustas, então, também não podemos indicar que o direito em questão nunca poderá ser anulado." (REGAN, 1975, p.5) Comendo o meio ambiente: vegetarianismo e sustentabilidade. Um sistema alimentar visando a sustentabilidade é aquele que utiliza os recursos para suprir as necessidades da população atual, mas sem comprometer os recursos para as gerações futuras. A criação de gado, afeta diretamente a qualidade dos pastos. A degradação das pastagens favorece a perda da fertilidade do solo, menor captação de CO2 da atmosfera, além da redução na produtividade. (PAULINO, 2009). Desta forma, os efeitos provocados pela produção de gêneros animais são bastante danosos ao meio ambiente. No Brasil a emissão de gases do efeito estufa provenientes da agropecuáriaapresentou um crescimento anual de 1997 (valor) até 2012 (Valor). (Figura 5). Figura 5: Distribuição anual da emissão de Gases do Efeito Estufa provenientes da agropecuária no período de 1997 a 2012 no Brasil. FONTE: Elaborado pelos autores a partir dos Indicadores do desenvolvimento Sustentável. Um dos principais responsáveis pelo efeito estufa é a emissão do gás metano. Pesquisas indicam que 25% da produção desse gás é proveniente de ruminantes. Além disso, existe o desmatamento da floresta amazônica para a produção pecuária, o que também possui forte contribuição para emissão de GEE. O Brasil é o segundo do mundo com produção de GEE 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 51 gado, ficando atrás apenas da Índia. Nos últimos anos, a emissão desses gases tem aumentado no país (Figura 1b), o que pode está intimamente atrelado a grande produção pecuária e o desmatamento para a produção de pasto. (BERNDT, 2010). Segundo Greif, 2002: A criação animal deve dispor de maiores recursos do que a agricultura, sejam recursos da natureza, sejam da economia; de que o esgotamento de recursos leva à busca por novos, o que frequentemente significa o monopólio de grandes extensões de terras para o sustento de poucos, na transformação de florestas em pastos, na invasão de territórios vizinhos e na privação de certos setores da sociedade de recursos alimentares, ainda que naturalmente disponíveis. (GREIF, 2002, p. 2) Desde os primórdios da história, durante a Era de Ouro, Sócrates já nos alertava que uma das formas para se manter a paz em uma cidade era a sustentabilidade, e que a pecuária seria um motivo para a guerra, pois sempre haveria a necessidade de se ir em busca de novos territórios e consequentemente levando a guerra. Esse fato foi comprovado na Índia, com a super população e a grande disputa entre as castas, houve a adoção em massa pelo estilo de vida vegetariano, e houve a diminuição da atividade pastoril e o aumento da agricultura como forma mais sustentável de alimentação e como forma de evitar as guerras Inter territoriais. (GREIF, 2002). A produção de carne, é hoje, é a principal causa de danos ao planeta. Segundo a FAO, de todas as atividades realizadas pelo homem, a pecuária é a que provoca erosão dos solos e contaminação de mananciais, sendo responsável pelos maiores danos ao meio ambiente. Estima-se que cerca de 30% das terras são destinadas a atividade pecuarista, e outros 30% são destinados apenas a produção de grão para alimentar os animais de abate. Além de ser a principal responsável pelos desmatamentos e consequente extinção de espécies, desertificação e esgotamento do solo. (WINCKLER, 2012). De acordo com um estudo publicado pelo National Geografic e realizado por US Geological Survey, para a produção de 450 gramas de carne bovina são necessários em média 1.799 litros de água, que inclui irrigação dos grãos e gramas em alimentos, além de água para beber e processamento. Para a produção da mesma quantidade de frango e carne suína e um ovo são necessários, 468 litros, 576 litros e 53 litros respectivamente. Ao passo que para a produção da mesma quantidade de arroz, milho, soja e batata, juntos somam um total de 892 litros de água. (LA TIMES, 2016). No Brasil, podemos perceber uma grande produção e grande consumo de produtos animais, sem se levar muito em consideração os impactos ambientais provocados por tais 51 atividades. Vemos que, principalmente nas regiões do Cerrado, a produção é aumentada pela melhor adaptabilidade pecuária e melhor disponibilidade de pasto. Algumas técnicas estão sendo utilizadas para aumentar a sustentabilidade, contudo demandam um certo abalo na lucratividade, considerando o aumento de capital para viabilizar tal produção. (BARCELLOS, 2008) Adeptos de práticas alimentares não usuais no Brasil; quem e quantos são? A quantidade de adeptos as práticas não usuais só têm aumentado com o passar dos anos. No Brasil, estima-se que cerca de 10% dos homens e 9% das mulheres optem por não consumir produtos animais total ou parcialmente. As regiões Sul e Sudeste, embora detenham também a maior produção e consumo de produtos animais, são também as regiões com maior número de vegetarianos. O que se deve a grande população concentrada nessas regiões. (Figura 5). Em detrimento desse número, são nesses locais que existe também maior disponibilidade de gêneros e opções para os adeptos das práticas não usuais. Em 2016 a proporção de vegetarianos, veganos e simpatizantes, há um maior número na região Sul e Sudeste e no estado do Mato Grosso do Sul e Distrito Federal e menor em toda região Norte (Figura 6). 51 Figura 6: Distribuição espacial da proporção de vegetarianos, veganos e simpatizantes no ano de 2016. FONTE: Elaborado pelos autores a partir do censo vegetariano encontrado em mapaveg.com Com o aumento do acesso a informação e o nível de conhecimento das pessoas, esses números tem se tornado cada vez mais expressivo. As maiores concentrações mais ao Sul e Sudeste do país se devem principalmente a quantidade de recursos que proporcionem o estilo de vida e a adoção de práticas, como a venda de produtos e as opções de alimentação. Como também a maior parte de conteúdo de cunho informativo e científico ser proveniente de lá. 51 SOBRE AS PRÁTICAS NÃO USAIS: O QUE SABEM, PENSAM E SENTEM FORMANDOS EM NUTRIÇÃO? Hieronymus Bosch - O Jardim das Delícias, 1504. Pensando na necessidade de perceber se os alunos seriam capazes de reconhecer os alimentos em suas formas mais naturais, foi realizada uma entrevista em que eles tiveram que associar imagens de alguns alimentos em suas formas mais naturais, o que resultou numa certa dificuldade na distinção. Grande parte dos alunos se mostrou conhecer praticamente todos os alimentos mostrados, contudo encontraram dificuldades em saber preparar e em conhecer as propriedades nutricionais dos mesmos. A soja, o brócolis, o manjericão e o almeirão, foram pouco reconhecidos. (Figura 7) 51 Figura 7. Gráfico representativo da associação de imagens Isso mostra que os participantes ainda apresentam dificuldades em reconhecer os alimentos em suas formas naturais e de distinguir determinados tipos de alimentos do mesmo grupo, marcando uma deficiência tanto por parte da estrutura curricular não abordar de forma satisfatória nas disciplinas com o reconhecimento dos alimentos propriamente ditos, como também o consumo rotineiro diminuído dos grupos apresentados. Parte da deficiência apresentada em reconhecer os alimentos e saber prepara-los, como também de relacionar os alimentos e suas propriedades nutricionais pode estar associado à forma de como os nutrientes são tratados no curso. Nós aprendemos de forma técnica os nutrientes e suas funções no organismo, entretanto, temos uma grande dificuldade de associa-los aos alimentos. A associação quando é feita a partir de um objeto já conhecido, o processo de aprendizagem se torna mais eficiente, visto que "nosso cérebro foi desenvolvido para processar as informações visuais organizando-as em modelos que reconstroem internamente a realidade, dando-lhes sentido. Por isso, ver é conhecer." (COSTA, 2005, p.32). Se aprendêssemos a partir do alimento, em que já reconhecemos e temos a sua imagem formada em nosso subconsciente, quais seus principais benefícios, suas características e os principais 51 conceitos seriam assimilados de uma forma mais claralevando o aluno dinamizar melhor suas prescrições dietéticas. Foi realizada uma enquete com o objetivo de identificar as principais fontes de informação que contribuíram para o conhecimento dos participantes acerca das “dietas não usuais” e como resultado, observou-se que o que mais contribuiu com o conhecimento sobre as “dietas não usuais” foram os colegas de turma, classificados pela média geral de 7,92 e as publicações científicas com uma média geral de 5,25. Entretanto, o que os participantes julgaram que menos contribuiu para tal conhecimento foram as disciplinas do curso com média geral de 3,08. As demais opções obtiveram uma média geral de 4,00. Os resultados estão expressos na Figura 8. Figura 8. Gráfico representativo dos resultados da escala de conhecimento quantitativo. Como se pode perceber a comunicação interpessoal da turma proporcionou maior expressividade na aquisição do conhecimento. O que se deve principalmente a necessidade de pertencimento de um grupo. A partir dos conhecimentos adquiridos nesse grupo, a mudança do hábito pode acontecer ou não. Embora haja um grande aumento da adesão da dieta vegetariana/vegana nos últimos anos, com vários estudos comprovando a eficácia da dieta vegetariana no tratamento e prevenção de um gama de doenças, além de melhor acessibilidade e menor impacto ambiental, como também as vantagens frente à dieta omnívora (LOPES, 2013; PEDRO, 2010) ainda existe bastante resistência em se trabalhar o tema como uma opção alimentar no 51 meio acadêmico. Nossa formação continua seguindo a linha tecnicista e padronizada das dietas onívoras, sem levar em consideração os benefícios que as dietas não usuais podem trazer a população e nem o grande crescimento de adeptos de tais práticas. (SVB, 2012). Práticas alimentares não usuais: O que eu penso sobre elas? "Uma opção bem mais saudável. Uma opção que só vai trazer benefícios pro corpo, biologicamente. Até porque, quando a gente fala em alimentação vegetariana, a gente procura o mais natural possível." (Jéssica Queiroz). Desde sempre fomos levados a crer que os primeiros humanos sobreviviam de suas caças e dos animais disponíveis para alimentação. Entretanto, o que poucos sabem é que a caça surgiu como uma estratégia nos períodos de escassez, e que na verdade o homem primitivo tinha suas necessidades nutricionais supridas por uma dieta vegetariana, completamente a base de grãos, cereais e frutas. (MONTANARI, 2006). Durante alguns milhões de anos, frutas folhas ou grãos parecem ter fornecido ao homem pré-histórico o essencial das calorias de que necessitava. A preponderância da alimentação vegetal é sugerida pelas dimensões relativamente pequenas dos territórios explorados e pelo desgaste característico dos dentes dos fósseis humanoides. (MONTANARI, 2006, p. 26) Embora os motivos mais conhecidos para se adotar uma dieta vegetariana sejam ideológicos, também existe um grande apelo referente as questões de melhorias de saúde, sendo um dos principais motivos da adesão. Como podemos ver na fala de Jéssika: "É uma opção mais saudável para o ser humano, pois o consumo de carnes traz para a alimentação uma quantidade de gorduras, colesterol, proteínas e hormônios nocivos" (Jéssika Priscilla). A busca pela redução de peso e a terapia no que diz respeito a doenças crônicas, são algumas das causas apontadas. (SVB, 2012). Na fala de outros participantes, vemos que o consumo de carne é citado como principal contribuinte para as doenças crônicas. Sendo a opção vegetariana como uma alternativa de terapia nutricional, como destaca Gabriela: "Os alimentos fonte de proteína de origem animal(...) são fonte de colesterol, gordura saturada e sódio, sem contar que nas carnes produzidas atualmente são utilizados muito hormônios. (...)e eles estão bastante associados ao desenvolvimento de doenças crônicas (...) a dieta vegetariana, quando bem orientada e planejada, pode promover mais benefícios." (Gabriela Pereira). 51 Vegetarianos geralmente tendem a pesar menos que os onívoros e também possuem menores níveis de colesterol total e menor pressão arterial. O que se deve a uma maior ingestão de fibras e menor ingesta de gorduras saturadas e colesterol. O maior consumo de alimentos de origem animal, também favorece a diminuição da glicemia pós-prandial, auxiliando na prevenção e tratamento do Diabetes tipo 2. (PEDRO, 2010). Tal conhecimento pode ser encontrado na fala da participante Anna: "(...) rica em fibras, além dos minerais e vitaminas, o que contribui ainda mais com os mecanismos de digestão e absorção de bons nutrientes. Além disso, reduz a ingestão de alimentos gordurosos e açucarados o que reduz o aparecimento de doenças." (Anna Larissa) Outros estudos também afirmam a eficácia de uma dieta vegetariana para a prevenção de alguns tipos de câncer. O que está diretamente relacionado fator de proteção inerente do maior consumo de frutas, vegetais e ácidos graxos poli-insaturados, promovendo maiores quantidade de antioxidantes que atuam como fator de proteção no desenvolvimento de neoplasias. Se tem menores riscos de morte e desenvolvimento de doenças cardiovasculares e coronárias por possuírem índice de massa corporal (IMC) menor em relação a população em geral, e por terem menores valores de pressão arterial e consumirem menos gordura saturada e colesterol e mais fibras. Há menor prevalência de síndrome metabólica e problemas gastrointestinais. (SVB, 2012) É notável uma grande preocupação dos participantes em relação a adequação de nutrientes. Todos concordam ser um tipo de alimentação que traz benefícios, contudo, como todas as outras se faz necessário o acompanhamento e orientações nutricionais para esse público. Como podemos ver na fala de Raiane: "É um tipo de alimentação que pode atender todas as necessidades do indivíduo desde que seja adequada e orientada." (Raiane Medeiros) De igual forma a preocupação dos participantes, Negri (2011), também afirma que, Dietas vegetarianas balanceadas podem prevenir estas possíveis deficiências nutricionais, bem como algumas doenças crônicas não transmissíveis. Assim sendo, os estudos avançados parecem estar apontando para uma inversão de paradigmas e as dietas vegetarianas sejam mais associadas à saúde do que à doença, contrastando com as dietas baseadas em elevado consumo de produtos de origem animal. (NEGRI, 2011, p.3). Em termos de deficiências nutricionais, as dietas vegetarianas suprem de forma adequada as necessidades nutricionais. O aporte de proteína é proveniente da combinação de grãos, cereais e leguminosas. O consumo de proteína vegetais, além de proporcionar maior quantidade de aminoácidos essenciais, atual como fator de proteção para doenças renais. As 51 quantidades consumidas na dieta vegetariana, são correspondentes ao RDA recomendado de 10 a 15% do VCT, ficando numa margem de 12 a 13%. (PEDRO, 2010; SVB 2012) Embora no relato do participante, Richardson, haja a preocupação com a carência de nutrientes: "Eu vejo como uma alimentação rica em micronutrientes, antioxidante, porém com deficiência de alguns nutrientes que precisam de estratégias e manobras nutricionais pra um desempenho eficiente do organismo" (Richardson Oliveira) É possível que mesmo entre veganos, existe uma baixa deficiência de vitamina B12. O que se deve ao fato de que é um micronutriente necessário em pequenas quantidades, além da reserva entero-hepática dessa vitamina. Para casos com níveis menores dessa vitamina, pode ser realizada a suplementação. (JONHTSON, 1998; SVB, 2012) Minerais como o ferro, estão presentes em quantidades consideráveisem vegetais verdes escuros. E em alimentos bastante recorrentes da dieta vegetariana, como o feijão, a soja, a lentilha e o grão de bico. Para melhorar a biodisponibilidade do ferro, é aconselhado que se consuma com alimentos ricos em vitamina C. Estudos mostraram que tanto mulheres que consumiam carne como as vegetarianas tiveram deficiência de ferro, em 60 e 40% respectivamente. Nesse caso, o mineral não se torna um fator de preocupação relacionado as dietas vegetarianas. (SVB,2012; HARVEY, 2005). A ingestão de cálcio nas dietas vegetarianas também é similar às dietas onívoras. E se aconselha não consumir alimentos ricos em ácido oxálico junto com refeições que contenham alimentos ricos em cálcio, pelo ácido funcionar como fator anti-nutricional. A maior parte do cálcio está presente em vegetais, como nos leites vegetais (soja, amêndoas, arroz, gergelim), que são enriquecidos com o mineral. Não há relatos de maior prevalência de osteoporose em populações vegetarianas. (WEAVER,1999; SHILS,1999; SANDBERG, 2002). Como podemos perceber na fala de André: "Eu acho super possível de se ter uma alimentação vegetariana e saudável. (...)assim como as pessoas "carnívoras" as pessoas vegetarianas e veganas também precisam dessa orientação, desse acompanhamento." (André Luiz). A relevância de uma orientação nutricional é inquestionável para os adeptos das práticas não usuais, assim como para qualquer outro tipo de prática alimentar. Visto que são necessárias diversas combinações de preparações para se suprir as necessidades básicas de nutrientes. 51 Ética animal e sustentabilidade "Eu vejo que a relação do homem com a natureza e com os animais, o respeito a vida, em todas as suas dimensões é um ponto a ser cuidado com atenção, pois além dos aspectos de saúde que eu prezo, ainda existe o respeito a vida animal que é muito importante." (Jéssika Priscilla). Dentre os motivos em aderir ao vegetarianismo, o que diz respeito às questões de ética e respeito aos animais é um dos principais apontados pelas pesquisas e também pelos participantes, também evidenciaram questões sustentáveis, percebidas na fala de Matheus: "(...)eu acho que é mais uma questão ideológica, de sustentabilidade... enfim... É... pra não maltratar os animais, do que questão de saúde" (Matheus Anselmo). Como já abordamos anteriormente nesse trabalho, o tratamento dos animais destinados para o abate possui conforto mínimo, além de alguns casos serem as margens da crueldade (MOLENTO, 2005). A fala de Luana, nos remete a essa reflexão de utilização dos animais apenas como maquinário para satisfazer nossas necessidades: "É natural que o homem ache q as vacas, os bois, galinhas etc só nascem para que ele possa se alimentar. (...) Muita gente acha isso errado, antiético, e acho q esse é o peso maior que se tem para a escolha vegetariana, por que, é muita crueldade que se tem com os animais." (Luana Alves) No que diz respeito ao direito a vida inerente tanto dos seres humanos como dos animais, Tom Regan (1975), afirma: O argumento mais plausível para a afirmação de que os humanos têm um inerente direito natural à vida, então, traz uma igualmente plausível justificativa para a ideia de que os animais também detêm este direito. Da mesma forma como é afirmado que homens e animais têm o direito de serem poupados de dores injustas, então, também não podemos indicar que o direito em questão nunca poderá ser anulado. (REGAN, 1975, p. 5) Os animais que são levados para o abate, conseguem perceber o perigo que os espera e começam a passar por momentos de intenso estresse. O ramo da psicologia que estuda o comportamento entre humanos e animais é conhecido como Behaviorismo. Este afirma que o comportamento animal está condicionado as experiências vividas e as mudanças que estas podem causar na relação homem animal. Tais experiências consolidam as relações entre ambos, podendo ser harmônicas, ao passo do animal considerar a espécie humana como "família", o que pode caracterizar o processo de domesticação. Também está comprovado 51 que os animais possuem capacidade de raciocínio e inteligência, podendo chegar a fazer escolhas e solucionar problemas. (GOMES, 2010) A adoção do hábito de comer carne, é justificável pela população onívora, para suprir necessidades nutricionais e pelo prazer gastronômico. Contudo, é possível afirmar que, a prática de uma alimentação livre de produtos animais é capaz de suprir todas as necessidades nutricionais do ser humano a partir do reino vegetal, como também pode proporcionar prazer ao paladar, sendo que esta além de não gerar sofrimento nem sacrifício de outros seres, além de preservar o meio ambiente. (NACONECY, 2015). A banalização e o incentivo ao consumo de carne e produtos animais são feitos pelas grandes industrias visando apenas a lucratividade e o balanço econômico. A preocupação com os danos ambientais e morais ficam ocultos para a sociedade por trás da manipulação massiva dos meios de comunicação, que introduzem para sociedade apenas as informações que irão favorecer tal consumo. Segundo Paz (2015), A indústria da carne manipula a sociedade para uma naturalização do consumo da carne animal, escondendo em suas intenções toda uma problemática ambiental e social, já que dispõe de uma comunicação em massa que produz informações e conteúdos questionáveis. (PAZ, 2015, p.3). As questões relacionadas aos recursos disponíveis são uma grande preocupação no tratante a atividade pecuária, o que acarreta o domínio de terras e a produção de monoculturas para alimentação dos animais. A população mundial tem crescido em progressão geométrica nos últimos anos, o que tem provocado uma superpopulação do planeta e que torna a alimentação onívora insustentável daqui a alguns anos. Estima-se que em 2050, a produção de carnes seja de aproximadamente 500 milhões, gerando consequências catastróficas para o ecossistema. (GREIF, 2002; SVB, 2012). Incompreensão onívora "Não é bem aceita pela sociedade, e isso vai das pessoas que moram na sua casa, aquelas que acompanham você para comer fora de casa. (...) Os vegetarianos ainda precisam estar sempre justificando o porquê de não comer isto ou aquilo, exatamente porque muita gente não entende." (Cínthia Regina) 51 Não é incomum um vegetariano escutar vários questionamentos infundamentados como: "como você não sente falta de um churrasco?" Ou então: "Mas, nem peixe, você come?" Até mesmo: "e a proteína? Você tira de onde?". Na maioria das vezes é preciso ficar justificando cada escolha e as motivações que levaram a ela até mesmo a nutricionistas. Muitos participantes também abordaram questões pertinentes a resistência que a população em geral carrega em aceitar o estilo de vida vegetariano, como Gabriela disse: "Isso significa ter que levar sua comida para um churrasco, e ouvir piadas e críticas. A sociedade ainda não está muito aberta para esse estilo de vida." (Gabriela Pereira) Grande parte dos vegetarianos sofre com diversos questionamentos referentes ao seu estilo de vida. Para a maioria dos onívoros é inconcebível que se consiga viver bem sem o consumo ou uso de produtos animais. Como os participantes bem relataram, trata-se de uma população que muitas vezes não tem credibilidade e que não é compreendida pela falta de informação por parte da população em geral. Como bem retratada na fala de Jessika: "Ainda há uma resistência muito grande na aceitação da dieta vegetariana, ainda é vista como uma "besteira" ou tida como prejudicial à saúde, (...) Há muita ignorância e isso dificulta o entendimento e aceitação das pessoas que optam por essadieta." (Jéssika Priscilla) Sabe-se que muito significado pode ser atribuído a alimentação. Principalmente por se tratar de uma forma da preservação de necessidades sócio culturais, e por carregar diversos aspectos inerentes a cultura que são satisfeitos a mesa juntamente com a necessidade biológica que garante a sobrevivência. (GARCIA, 1997) Destarte, a presença de produtos de origem animal nas refeições prezam por um apelo significativo referente a carne. Os valores atribuídos a tal alimento são sustentados pela sociedade desde épocas mais remotas, quando a as classes sociais mais altas promoviam grandes banquetes exaltando o seu papel como prato principal. (MONTANARI, 1998). Segundo Fonseca (2011): A comida é percebida como um sistema de comunicação, um corpo de imagens, um protocolo de usos, situações e condutas. Quando um alimento é comprado e consumido, ele deixa de ser apenas um alimento e passa a ser um signo. Consumido, esse mesmo alimento expõe e transmite uma situação, e assim constitui uma informação, tornando-se significante. (FONSECA et.al, 2011, p. 3854) Com o desenvolvimento dos sistemas sociais, as culturas foram tomando forma e os povos começaram a realizar suas próprias escolhas alimentares e formular regras relativas à comida. Algumas dessas regras são apresentadas como proibições, motivos religiosos ou 51 higiênicos, outras são inconscientes ou se baseiam em justificativas explícitas por quem as escolhe, podendo ter caráter moral, ou político envolvidos. (MONTANARI, 1998) De acordo com Bleil (1998) "Percebe-se que a eleição dos alimentos satisfaz às necessidades do corpo mas também, em grande medida, às necessidades da sociedade. A cultura estabelece o que é comestível." (BLEIL, 1998, p. 3). O mesmo autor também afirma que a alimentação busca passar uma mensagem a sociedade, a partir do que se consome. A prática do vegetarianismo não se constitui em apenas uma escolha alimentar. Implica em questões morais bem mais relevantes, uma visão de mundo diferenciada, não só de como a situação é, mas viabiliza como ela deveria ser. Onde os onívoros veem carne, os vegetarianos enxergam um cadáver de um ser que foi torturado e morto após um período de vida miserável. (NACONECY, 2015). No contexto contemporâneo, vivemos em uma sociedade voltada ao capitalismo. Nesse contexto, a indústria cultural se utiliza desse aspecto para incentivar um consumo como hábito necessário, tornando aquela prática natural. A sociedade é levada a consumir carne para fomentar os interesses econômicos envolvidos no processo, mesmo sabendo dos males que a ingestão pode causar a saúde e ao ambiente. (PAZ, 2015). Essas questões de economia são vistas claramente na percepção de André: "É muito complexo. Principalmente, no tocante a grupos de amigos, a oferta das grandes redes, supermercados, restaurantes etc... que restringe muito a pessoa vegana a não comer, ou ser obrigado a andar com sua comida... e acredito ser bem chato, né? (André Luiz) A tendência ao julgamento e a crítica a esse público também se deve principalmente, por ser uma forma de se alimentar fora do padrão imposto pela cultura contemporânea fundamentada no consumo de produtos animais. E o questionamento em relação ao novo. Como diria Cascudo (2004): A escolha dos nossos alimentos diários está intimamente ligada a um complexo cultural inflexível. É preciso um processo de ajustamento em condições especiais de excitação para modificá-lo com o recebimento de outros elementos e abandono dos antigos. [...] Quando saímos do costume dizem ser uma depravação do paladar. (CASCUDO, 2004 p.22-24) As grandes indústrias tem sido as principais responsáveis por incentivar o consumo de produtos animais. As questões inerentes a ética e a moral são deixadas de lado, ao passo que as escolhas são manipuladas a partir de um contexto capitalista (BAUDRILLARD. 2008). Essas razões explicam o porquê de até mesmo os profissionais de nutrição ficarem na 51 defensiva em discutir sobre a retirada de produtos animais da dieta, alegando a carência de nutrientes. "É um estilo de vida que você escolhe pra seguir. Não é, como muita gente acha, uma frescura, por causa disso ou por causa daquilo, mas não, tem todo um contexto por trás disso, e que eu acho muito interessante." (Jéssica Queiroz). Todo esse contexto vai de encontro ao que segundo Canesqui (2005): Não comemos apenas quantidades de nutrientes e calorias para manter o funcionamento corporal em nível adequado, pois há muito tempo os antropólogos afirmam que o comer envolve seleção, escolhas, ocasiões e rituais, imbrica-se com a sociabilidade, com ideias e significados, comas interpretações de experiências e situações. (CANESQUI; 2005 p. 9) Desta feita a população geral passa a não compreender as motivações presentes nas escolhas alimentares vegetarianas, em decorrência dos efeitos da globalização frente a sociedade contemporânea. Não se tem o interesse de se saber mais a respeito, pois, a quantidade de informações no mundo é exaustiva. O que faz com que a transmissão seja rápida e massiva. o conteúdo principal são imagens e sons que são apresentados de forma superficial, fazendo com que não se tenha o interesse de aprofundamento. (MASHALL, 2013). O Projeto Pedagógico de Curso e as disciplinas: deixaram de nos ensinar algo relevante? "A gente realmente só tem o básico, do básico, do básico. É fundamentado numa nutrição arcaica, enraizada, engessada, onde apenas se repete conceitos e não se reflete sobre. e acho que isso deveria mudar, e deve mudar." (André Luiz). Durante a graduação de nutrição temos que lidar com situações diferenciadas. Tais situações contribuíram para a realização desse estudo. Como já é sabido, a alimentação além de biológica tem um forte impacto sociocultural. Por várias vezes me senti num "beco sem saída" ao ter na minha frente uma abordagem digamos que "alternativa". E assim como eu, muitos dos meus colegas se sentiram de igual forma ao tentar planejar uma dieta adequada para uma criança de 7 anos que por não querer que os animais morram, se recusava ardentemente a comer carne, ou ainda, um atleta de alto rendimento declarado vegano. Essa dificuldade pode ser visualizada claramente pela fala de Jéssica: "Eu não acho que o curso tenha uma abordagem boa pra dietas não usuais. Na verdade ele não tem! E isso é muito errado." (Jéssica Queiroz) 51 Com aproximadamente 20% da turma sendo composta de vegetarianos e simpatizantes, alguns relatos dos participantes sobre a proposta do curso fizeram com que a avaliação da estrutura curricular fosse essencial nesse trabalho. Muitos alunos se mostraram bastante insatisfeitos ao serem questionados sobre a abordagem em relação as práticas não usuais, ao passo que a opinião sobre o preparo que o curso oferece pode ser percebida na fala de Matheus: "Muito fraco. Na verdade, eu acho ridículo! Porque um curso de nutrição e a gente não aborda esses temas é no mínimo irônico." (Matheus Anselmo) Muitos também alegaram a padronização das dietas. O aluno só precisa se preocupar com o cardápio padrão e com a adequação dos respectivos nutrientes que vão ser necessários e importantes para o paciente, sem levar em consideração aspectos socioantropológicos. Sendo considerada pela maioria como uma abordagem insuficiente e bastante tradicional, como alega Gabriela: "O curso de nutrição da UFRN ainda aborda as dietas de forma muito tradicional. E se o aluno não tiver interesse de pesquisar por si mesmo, também vai ficar bitolado nisso." (Gabriela Pereira) No que diz respeito ao público, existe um crescimento enorme de adeptosa proposta vegetariana/vegana. Os números são cada vez maiores e a procura por opções de alimentação saudável proveniente dessas pessoas também é relevante. Alguns relatos mostram a preocupação com esse crescimento. Segundo o IBOPE, que avaliou indivíduos com mais de 18 anos de idade, cerca de 10% dos homens e 9% das mulheres brasileiras declararam-se vegetarianos. (SVB, 2012). A partir desses números, vemos que existe uma preocupação dos alunos em se ter o preparo e o incentivo por parte da universidade, como vemos na fala de André: "A população de pessoas vegetarianas e veganas só tem crescido e é um movimento muito bacana que merece atenção e incentivo... inclusive, pela academia, né? pelas universidades." (André Luiz) e despreparo do curso também é citado na fala de Jéssica: "O curso não é preparado pra mostrar ao aluno essa nova corrente, esse novo estilo na alimentação." (Jessica Queiroz) O Projeto Pedagógico do Curso (PPC) é o documento que melhor define a proposta do curso de graduação, como também o perfil do profissional que se espera formar. Nos seus objetivos e princípios podemos analisar o embasamento que fomenta toda uma profissão e quais os seus impactos para a população em geral. Em nutrição, é priorizada uma formação generalista, crítica e humanista em que se detenha atenção ao indivíduo e a comunidade, promovendo o Direito Humano a Alimentação Adequada e a Segurança alimentar. 51 Assim sendo, o PPC configura-se como um conjunto de estratégias de ensino- aprendizagem que favoreça a formação de um profissional nutricionista generalista, humanista e crítico, capacitado a atuar, visando à segurança alimentar e a atenção dietética, em todas as áreas do conhecimento em que alimentação e nutrição se apresentam fundamentais para promoção, manutenção e recuperação da saúde de indivíduos ou grupos populacionais. (PPC, p. 4) O principal objetivo do curso visa forma um profissional reflexivo, ético, cidadão, responsável, comprometido com as questões sociais e culturais no que diz respeito a alimentação, e competente para promover e tratar da saúde a partir do estudo e aplicação dos conhecimentos teóricos sobre nutrição. Formar um profissional nutricionista com percepção crítica da realidade social, econômica, cultural e política, capaz de desenvolver atividades técnico-científicas específicas no campo da Nutrição e da Alimentação Humana, visando à promoção, manutenção e recuperação da saúde, assim como a prevenção de doenças em sua dimensão individual e coletiva. O processo formativo com concepção interdisciplinar e alinhado à missão da UFRN contribuirá para a produção do saber em defesa do Desenvolvimento humano articulado com os princípios éticos e o exercício da cidadania, em observância a cultura nacional e regional e local." (PPC, p. 15) Em caráter técnico o projeto define a carga horário total do curso em 4.050 horas, sendo dividas em 2.205 horas para disciplinas obrigatórias e 825 horas para disciplinas optativas. E 1.020 horas de atividades obrigatórias. Durante nossa graduação, foram requisitadas 750 horas de disciplinas optativas, e 3.300 horas de disciplinas e atividades obrigatórias. No que diz respeito as práticas não usuais de alimentação, e a abordagem no curso, pela fala de Richardson é: "Falha e voltada para a centralização do conhecimento, sem dar oportunidade para novos conceitos de nutrição e alimentação." (Richardson Oliveira). E em relação as disciplinas, Raiane relata muito bem como foi abordado durante a gradução "Só lembro de uma prática que, inclusive, foi em uma disciplina optativa, gastronomia. Isso falando em vegetariana, mas, os outros tipos de dieta a abordagem ainda é menor, lembro de algumas aulas de aspectos que falava de outros tipos como a macrobiótica." (Raiane Medeiros). Nesse caso os componentes curriculares que, a partir da experiência do curso e das ementas, abordaram em algum momento o assunto ou mais apresentaram potencial para se trabalhar o tema, foram: Fundamentos da ecologia e meio ambiente, Bioética e cidadania, Aspectos sócio-antropológicos da alimentação humana, Técnica e dietética, Nutrição e dietética 2 e 3, Dietoterapia 1, Introdução a gastronomia, Tópicos especiais em Nutrição e 51 Dietética, Gestão e políticas de alimentação, nutrição e saúde e Nutrição aplicada a atividade física. Fundamentos da ecologia e meio ambiente É uma componente optativa, com carga horária de 30h semanais, que não foi oferecida a nossa turma. Ementa: Introdução à Ecologia: níveis hierárquicos e organização dos sistemas ecológicos. Fundamentos de Ecologia de Ecossistemas: fluxo de energia e ciclos de matéria. Ecologia das Populações e Comunidades e Ecologia dos indivíduos. O ser humano como organismo consumidor e produtor de alimentos, e seus impactos no ambiente. Cultura e consumo. Dieta como um modelo de estudos em ecologia. Ecologia química. Agroecologia: propriedades ecológicas de sistemas agrícolas. Ecologia Aplicada: perturbação ambiental, conservação da biodiversidade. Seria uma ótima oportunidade para se abordar as questões voltadas à sustentabilidade, visto que trataria dos impactos ambientais provocados pelo ser humano a partir das características do seu alimento. Em relação à sustentabilidade, Platão já afirmava que a pecuária prejudicava o equilíbrio e criava a necessidade de se conquistar novos territórios para a sua atividade. Os dados mais recentes apontam que a pecuária utiliza cerca de 30% das terras produtivas do planeta e ainda outros 33% são necessários para a produção de alimentos para os animais. Atualmente essa atividade é a principal responsável pelo desmatamento e contaminação dos mananciais aquíferos. (SVB, 2012). Os conceitos de sustentabilidade e também promover o conhecimento sobre os vários ecossistemas possibilitando ao aluno maior conhecimento de botânica, além de tratar também da agroecologia, trazendo a realidade do nutricionista a produção dos alimentos auxiliando na compreensão dos conceitos de agricultura familiar. O cursar dessa disciplina iria auxiliar, dando suporte nesse aspecto contribuindo ainda mais para as competências da profissão. Bioética e cidadania É uma componente optativa, com carga horária de 30h semanais. A ementa propõe: Educação para a cidadania. Cidadania, Solidariedade e Voluntariado. Inter-relação Ciência, Saúde e Cidadania Bioética: aspectos conceituais e históricos/ paradigmas mais comuns dos referenciais de análise em Bioética. Bioética da Proteção – o Direito Humano à Alimentação Adequada. Ética nas relações de consumo – direitos básicos dos consumidores. Conflitos de Interesses na área de Saúde (pesquisa e assistência). Bioética, cidadania e Inclusão social. 51 Embora não tenha sido abordado, a partir do conceito de Direito Humano a Alimentação Adequada, o tema pode ser combinado como uma forma de garantia ao acesso a alimentação promovendo também a Segurança Alimentar e Nutricional. Por se tratar de uma forma mais simples mais acessível. Além de favorecer a sustentabilidade e incentivar princípios éticos. Pelas questões políticas e sustentáveis envolvidas num menor consumo de carne. Estima-se que 1/3 das produções de grãos são apenas para alimentar os animais para pecuária sem contar os hectares de terreno fértil usado para a atividade pecuarista, os quais poderiam ser usados apara alimentar a população e reduzir a fome em países subdesenvolvidos. Também existem preocupações éticas com o sofrimento e a matança desenfreada de animais, que podem acabar com o equilíbrio do meio ambiente. (LOPES, 2013) Aspectos sócio-antropológicos da alimentação humana