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Kate O'Hara SEDUÇAO NO HAVAI

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Sedução no Havaí – Kate O’Hara (Bianca 216)
Sedução no Havaí
Kate O’Hara
Título original: “A Precious Thorn”
Publicado originalmente em 1983 pela
Mills & Boon Ltd., Londres. Inglaterra
No caminho do aeroporto até a casa, Gina observava a ilha paradisíaca que seria seu mundo dali por diante. A palavra Havaí sempre lhe sugerira um recanto idílico e luxuriante. Não estava vendo, porém, nada das praias selvagens, da paisagem exótica que povoava sua imaginação. Talvez seus olhos estivessem cegos pela angústia, sua mente turvada pelo desespero. Estava chegando para morar numa terra que não era a sua, iria criar um filho que não era seu, viver com Joe, um marido que não,amava. Sentia-se como a última peça de um quebra-cabeça que não conseguia se encaixar, por mais que tivesse certeza de que aquele era o seu lugar. Quando o carro parou em frente à casa de Joe, Gina engoliu as lágrimas e desceu… A sorte estava lançada!
Digitalizado por Alessandra Maciel.
Capítulo I
Mais um dia de trabalho estava chegando ao fim.
Quando se dirigira para o escritório, na manhã daquela ensolarada quinta-feira de verão, Gina Wells com toda certeza não podia imaginar que, ainda no final da tarde, teria um encontro que mudaria sua vida.
Da janela de sua sala, que dava para o primeiro andar da grande loja de departamentos em que trabalhava, seguia os movimentos da exótica figura que se agitava por entre uma pequena multidão de compradores, constituída em sua maioria por funcionários que só dispunham da última meia hora antes das seis, quando a loja fechava, para fazer suas compras.
Zac Hewson era um tipo tão peculiar que não seria difícil distingui-lo mesmo em meio aos outros empregados. Tudo nele chamava a atenção, desde o modo de andar até os cabelos cuja cor mudava praticamente a cada duas semanas, combinando com a extravagância das roupas supercoloridas.
Definitivamente, Gina não gostava dele. Não era uma antipatia profunda, porém. Na verdade, nos últimos cinco anos não se permitira vivenciar sentimentos extremos, fossem positivos ou negativos, e não seria aquele presunçoso que modificaria essa determinação.
Era difícil entender como havia concordado com sua admissão. Seu jeito indolente e o olhar atrevido mostravam claramente, à primeira vista, que significava problema.
— Ele é muitíssimo talentoso — defendera-o o gerente, quando Gina se mostrara relutante em aceitá-lo. — Tivemos sorte em entrevistá-lo primeiro. Qualquer outra loja não hesitaria em contratá-lo.
Assim, aceitara-o como seu assistente no departamento de artes, apesar de ter percebido desde o início que ele cobiçava seu lugar. Tranqüilizava-a, entretanto, o fato de tê-lo admitido sob a condição expressa de poder dispensá-lo, a qualquer tempo, se julgasse necessário.
Acabava de voltar à mesa quando o próprio Zac materializou-se à sua porta. Estava vestido de maneira menos espalhafatosa do que de costume, a não ser pelo brilhante tom limão da camiseta. Uma calça cinza um pouco curta e as inseparáveis alpargatas brancas, sempre incrivelmente limpas, completavam o traje. Sob os anéis do cabelo, hoje preto, aparecia uma argola de ouro na orelha direita.
— Queria falar comigo? — perguntou, entrando e sentando-se muito à vontade diante de Gina.
Cada poro daquele homem exalava insolência. Gina teve ímpetos de dar-lhe uma resposta atravessada, mas conteve-se. Embora fosse evidente que Zac Hewson queria a todo custo chamar a atenção sobre si mesmo e seu talento. Gina tinha a impressão que no íntimo ele sabia que seu verdadeiro “eu” era um mistério para todos, e ria daqueles a quem conseguia surpreender.
Não faria o jogo dele, tratando-o como esperava, ou seja, como se fosse “diferente”.
— Queria sim — respondeu friamente. — Pensei que houvesse deixado claro que era para você decorar a vitrine de cosméticos em cinza e rosa. Na hora do almoço vi, entretanto, que não seguiu minhas instruções.
Zac deu de ombros, com um ar enfastiado.
— Na minha cabeça, preto e vermelho são cinza e rosa, só que, digamos, menos frustrados.
Gina procurou controlar a voz.
— Essa não é a primeira vez que você ignora acintosamente uma ordem minha.
— É, você tem razão. Acho que é da minha natureza rebelar-me contra a autoridade. Gosto de me expressar livremente. Além disso, estamos expondo cosméticos, não roupinhas de bebê ou artigos para solteironas.
Aparentemente calma, Gina sustentou o olhar zombeteiro do rapaz.
— Quando refizer aquela vitrine amanhã cedo, de acordo com minhas instruções, quero que gaste alguns minutos examinando o produto que está apresentando. Verá então que aqueles cosméticos destinam-se a um segmento bem determinado do mercado, que não é, diga-se de passagem, a juventude.
A expressão de Zac não deixou dúvida de que aquela informação o pegava desprevenido.
Gina baixou os olhos e assinou um papel que estava à sua frente, colocando-o em seguida num envelope marrom.
— Aquela vitrine está muito boa. Está excelente, na verdade, e você sabe disso. Sugiro, Gina, que se alguma coisa tem que ser mudada deve ser o produto.
— O produto fica. A decoração é que muda — respondeu secamente, sem olhar para ele, enquanto fechava o envelope.
— E se me recusar? Serei despedido?
A última coisa que queria, naquele momento, era encarar novamente aquele indivíduo que a desafiava tão abertamente. Há situações na vida, porém, das quais não se pode fugir. Gina sabia que o quanto antes o colocasse em seu lugar melhor seria.
Olhou-o de maneira direta e impessoal.
— Minha intenção não é despedi-lo, você tem muito talento. É pena que, com sua ansiedade em exibi-lo, como todos os jovens, tenda ser meio descuidado e óbvio demais em suas intenções.
Levantou-se e passou a alça da bolsa pelo ombro.
— Estou, pelo contrário, pedindo um aumento para você — acrescentou, colocando o envelope na caixa de saída. Em seguida pegou um saco de compras de supermercado que estava ao lado de sua mesa e encaminhou-se para a porta. Zac também se levantou e passou por ela, meio atônito.
Assim que ele desapareceu, Gina teve um impulso de voltar a sentar-se, até parar a tremedeira das pernas, mas ao mesmo tempo esse sinal de fraqueza dava-lhe raiva. Escancarou a porta e saiu. Havia saído bem, afinal, daquele primeiro confronto cara a cara com Zac Hewson. Sua estratégia em reagir de maneira inesperada às tentativas dele de anular sua autoridade funcionara maravilhosamente.
Enquanto percorria a loja vazia até a porta de saída, Gina ponderava que de qualquer forma fora uma vitória meio dúbia. Ouvira muito bem as palavras escolhidas por ele: “frustrada”, “solteirona”… Chamara-o, em contrapartida, de “jovem”. Ainda que inconscientemente, tentara minimizar sua importância, e tinha que reconhecer que com isso envelhecera a si mesma. Ele estava com vinte e quatro anos, sendo, portanto, apenas três anos mais novo do que ela.
Gina estava tão entretida com os próprios pensamentos que mal reparou no calor que fazia lá fora e menos ainda nas pessoas que, apressadamente, transitavam pela rua. Acabou colidindo com um transeunte e deixou cair seu saco de compras, com estardalhaço.
Meio abobada com o susto, ficou olhando o homem que se abaixava e começava a recolher as coisas espalhadas. Dando-se conta subitamente de que a culpa do acidente fora dela própria, abaixou-se também para ajudá-lo.
— Receio que não vá ser possível apanharmos os amendoins.
— Não tem importância — respondeu, ainda um pouco aérea, observando os amendoins que rolavam em todas as direções.
— Acho que está tudo aqui — disse o estranho, levantando-se finalmente, com a sacola mais ou menos arrumada.
Gina ergueu-se e olhou pela primeira vez para o rosto do homem, dando com um par de olhos azuis que a fitavam com uma expressão agradavelmente surpreendida.
Ficando ainda mais confusa do que já estava, ela tentou ajeitar uma mecha de cabelo que lhe escapava do coque, severamente preso na nuca, ao mesmo tempo em que procuravapegar o pacote das mãos dele.
— Por favor, me desculpe, eu… eu estava mesmo distraída e…
— Posso assegurar-lhe que não me aborreceu absolutamente. — Ele interrompeu-a, com um olhar sorridente e ainda mais desconcertante. — Posso carregar as compras até seu carro?
— Ora, não… — Gina estava a ponto de agradecer e dizer que não era necessário. Naquela fração de segundo, porém, avistou a figura inconfundível de Zac, que vinha andando em direção a eles. Tomada por um impulso contrário à sua natureza, concentrou toda sua atenção no estranho.
— Bem… é muita gentileza de sua parte.
— É um prazer.
— Meu carro está estacionado aqui perto. — Começaram a caminhar juntos.
— Você não é daqui, é? — ela perguntou, olhando-o com exagerado interesse, no momento em que Zac passava por eles, procurando dar a impressão de que eram velhos amigos.
Congratulava-se por aquela chance de dar mais uma liçãozinha a ele, que aprenderia a não dar ouvidos ao que os fofoqueiros da loja diziam a seu respeito. Não que mentissem, ela era de fato uma solitária. Nunca tinha encontros e jamais se envolvera com qualquer funcionário da Illingworth, desde que começara a trabalhar na firma, há cinco anos. Chegou quase a rir ao pensar na surpresa que teriam quando Zac contasse que a vira na rua ao lado de um homem que carregava suas compras. Ela, a “Artista de gelo”!
— Chegamos, meu carro é este. Muito obrigada pela ajuda — sorriu, friamente, enquanto procurava as chaves dentro da bolsa.
— Bem, eu me sentiria mais do que recompensado se concordasse em jantar comigo amanhã à noite.
Aquele convite a pegou desprevenida. Olhou-o mais uma vez, examinando-o com atenção. Devido à sua constituição forte, ele aparentava ser mais baixo do que realmente era. Se ela própria media um metro e sessenta e cinco, ele devia, no mínimo, medir um metro e oitenta. Usava uma camisa xadrez de mangas curtas, e os músculos de seus braços davam a impressão de ser um homem que fazia muitos exercícios físicos.
Deteve-se nos cabelos escuros e bem aparados. Devia ter uns trinta cinco anos, concluiu, observando seu sorriso largo e desviando do olhar audacioso.
Há muito tempo não sentia a menor atração por homem algum, diante desse estranho ainda poderia dizer, com toda a convicção: “Definitivamente, não é meu tipo!”
Gina virou a chave na fechadura do carro, respondendo, sem encará-lo:
— Obrigada, mas não posso.
— Por que não? Não é livre?
— Sou, mas…
— Então, tenha um pouco de piedade de um estrangeiro solitário em visita a seu país. Ouvi tanto falar da hospitalidade e cordialidade dos neozelandeses! Gostaria muito de comprová-las.
— Não será difícil — respondeu Gina, começando a ficar irritada —, mas não comigo. — Tirou o pacote das mãos dele e colocou-o dentro do carro.
— Dizem que todos temos possibilidade de mudar de idéia, o que, de certa forma, acho até excitante.
Gina endireitou o corpo e voltou-se para ele, em tempo de pegá-lo percorrendo com os olhos suas pernas e quadris.
— Pois eu não — disse secamente. — Obrigada, mais uma vez.
Entrou no carro, mas não conseguiu fechar a porta. O estranho havia se inclinado para dentro do carro, com um braço sobre a capota e o outro segurando a porta.
— Com licença?
Ele ignorou o pedido.
— Vou buscá-la às sete e meia, amanhã à noite. — Pelo visto ele não estava acostumado a ter seus convites recusados. Que homem irritante!
— Acho que devo lhe dizer que sinto uma solene antipatia por pessoas insistentes e autoritárias, qualquer que seja sua nacionalidade.
— Sou americano — respondeu, com os olhos zombeteiros, piscando muito.
— Até logo, senhor…
— Mitchell. J. P. Mitchell.
Gina cerrou os lábios, impaciente. Colocou a mão na fechadura da porta e tentou puxá-la. O intruso, porém, não parecia ter a menor intenção de permitir que o fizesse. Gina pôs as duas mãos no volante e olhou fixamente para frente.
— Onde posso apanhá-la?
— Sou péssima companhia.
— Bem que estou desconfiado, mas tenho uma incorrigível atração por loiras de olhos verde-acinzentados.
Mais do que irritada, Gina teve vontade de ligar o carro e pisar fundo no acelerador, mas controlando seus impulsos concluiu que só havia uma maneira de se livrar daquele impertinente. Dirigiu-lhe um sorriso doce, tão falso quanto os anteriores, e aceitou.
— Bem, por que não? Só que, se não se importar, acho que não vai dar para jantar. Sexta-feira é o único dia que tenho para fazer compras, depois do expediente. Que tal se o encontrar às oito e meia, na porta da loja?
— Sempre evita dar seu endereço às pessoas com quem sai?
— Também não costumo sair com estranhos, Como vê, já contrariei meus hábitos. Devia estar contente.
— Pretendo ficar ainda mais — retrucou o desconhecido, com um brilho malicioso nos olhos, fechando finalmente a porta, para alívio de Gina.
— Que grosso! — exclamou para si mesma, afastando-se rapidamente do estacionamento. Felizmente, o trânsito estava bom. Ela não se conformava com tamanha insistência. Tipicamente machista, egoísta e aproveitador, concluiu. Certamente não seria tão estúpido a ponto de acreditar que ela iria mesmo encontrá-lo no dia seguinte. Imagine se iria servir de mero entretenimento para um estranho mandão e rude como ele!
Aos poucos, conseguiu afastar da cabeça aquele incidente e descontraiu-se. Era uma delícia sentir a brisa tépida do final da tarde. Adorava os meses quentes. A cidade ficava com outra aparência, toda enfeitada pelo verde das árvores e das montanhas que a circundavam, formando um conjunto digno de um cartão-postal. A paisagem mais suave da primavera alcançava agora, no verão, seu esplendor.
Entrou com o carro na garagem de sua casa, na esquina de duas ruas muito arborizadas.
Era uma casa pequena, de dois quartos, e já devia ter uns cinqüenta anos. Suas janelas eram baixas e davam para um jardim tão bonito que, só de ver as árvores antigas e a variedade de plantas, tinha praticamente se decidido a comprar a casa.
Depois que abrira a porta, sentindo o coração bater ainda mais forte, entusiasmara-se completamente. Era exatamente o que queria! Iria transformá-la em sua casa. Pequenas alterações, esquemas de cores, objetos de decoração sucederam-se em sua cabeça, na medida em que a examinara, peça por peça.
Assim que se mudou, trocou o papel de parede de todos os cômodos e a cor das janelas, conseguindo um efeito alegre e harmonioso. Da cozinha já havia gostado muito desde o princípio, mas pretendia fazer uma reforma no banheiro . Acabara por fazer uma decoração muito criativa, em tons de verde-oliva e branco, escolhendo com cuidado cada peça da mobília, e agora estava plenamente satisfeita com o resultado.
Comprara muitos móveis, quadros e objetos usados em leilões, compondo-os com pinturas, cortinas, tapetes e almofadas feitos por ela mesma. O conjunto todo era uma excelente combinação do antigo e do moderno, e Gina orgulhava-se de ter conseguido criar um ambiente acolhedor, com personalidade e atmosfera próprias.
Entrou pela porta dos fundos e depositou as compras sobre a mesa da cozinha, indo diretamente para o quarto, onde tirou em primeiro lugar as sandálias altas e depois a roupa.
Era tão bom ter a liberdade de poder circular pela casa despida, sem qualquer preocupação! Essa privacidade era um luxo que não tinha preço, pensou mais uma vez, ao entrar no chuveiro.
Sua intenção inicial era alugar um dos quartos. A decoração, porém, levara muito mais tempo do que havia imaginado e agora duvidava que fosse capaz de abrir mão da liberdade e independência de que gozava. Nada como chegar à noite ao sossego e tranqüilidade de sua casa e poder fazer o que bem lhe aprouvesse, onde lhe aprouvesse: comer, ler, pintar, costurar e ouvir música a qualquer hora, sem perturbar ou ser perturbada por ninguém. Seria difícil mudar seus hábitos agora.
Sabia que corria o risco de se tornar muito individualista, e sempre pensava que precisava fazer algo a respeito. Mas ainda não era o momento. Demoraramuito para conseguir tudo aquilo. Pouco importava que as pessoas a achassem esquisita e muito introspectiva. Certamente não tinham sofrido a experiência dolorosa que ela sofrera… Era bobagem, porém, ficar remoendo o assunto, desde que há um bom tempo já havia se recuperado da pequena tragédia de sua vida. Apesar de ter sofrido muito, valera-lhe a lição. Já não era mais a garota tímida e ingênua de cinco anos atrás.
Terminou o banho e voltou para o quarto, sentando-se diante do espelho da penteadeira para secar e escovar os cabelos. Enquanto observava o próprio rosto refletido, pensava que, de qualquer modo, tinha que reconhecer que aquela imagem que se obrigara a refletir dificilmente agradaria a alguém, fosse homem ou mulher. Parecia uma máscara.
Pouco lhe importava, porém. Jogou os cabelos para trás, escovando-os com maior vigor. Não tinha o menor desejo de ser um tipo atraente no escritório, ou em outro lugar qualquer.
Assim que terminou de secar os cabelos, Gina prendeu-os num rabo de cavalo no alto da cabeça, e vestiu um caftã verde-água, longo e, de mangas largas.
No escritório, usava sempre um coque e roupas discretas, por isso seus colegas a achavam séria demais e a chamavam de solteirona. Não havia, no entanto, nada de sério em seu gosto. Seu armário estava cheio de roupas desenhadas e costuradas por ela mesma, cujos tecidos muitas vezes até tingia e estampava. Entretanto, como saía muito pouco, quase não tinha oportunidade de usá-las.
Fazia pouco tempo que havia encontrado essa válvula de escape para sua imaginação criativa. Estava fazendo roupas, xales e bolsas de tecido para uma pequena butique. A proprietária adorava suas coisas e queria comprar tudo o que produzisse. O tempo era pouco, porém, e sua produção muito limitada. Esperava um dia poder dedicar mais tempo ao que hoje considerava só um passatempo, e transformá-lo num emprego fixo.
Depois de jantar um bife com salada, e uma deliciosa sobremesa de morangos com sorvete, foi escrever a seus pais, que tinham uma fazenda na província de Hawkes Bay. Passou o resto da noite tentando colocar no papel uma idéia que há dias estava em sua cabeça: um vestido de noite muito leve e exuberante, próprio para o verão.
Capítulo II
No dia seguinte, quando foi almoçar, Gina passou pela vitrine de cosméticos para “mulheres maduras” e confirmou que realmente soubera lidar com Zac Hewson. As embalagens estavam dispostas entre arranjos cinza e preto, contrastando com tonalidades diferentes de rosa, de maneira tão original que ela duvidava que pudesse ter feito melhor.
Não havia pensado mais no assunto desde a véspera e não teve a oportunidade de pensar muito também agora, pois, assim que se sentou à mesa da lanchonete, uma mulher que trabalhava no departamento de modas veio ocupar um lugar ao seu lado:
— Era um tipão o homem com que a vi ontem à noite, hein?!
Gina levantou os olhos, mal entendendo ao que a mulher se referia.
— Desculpe-me… — De repente, veio-lhe à cabeça a lembrança do americano que carregara o pacote de compras. Tentou sorrir com naturalidade. — Achou mesmo?
— Provavelmente seria presa se lhe dissesse o que realmente achei! — exclamou Maida, soltando uma gargalhada. — Mas nunca pensei que se sentisse atraída por um tipo como aquele.
Gina procurou não demonstrar o quanto o comentário a aborrecia. Olhou para a mulher, examinando-a. Devia ser uns dez anos mais velha do que Gina. Andava impecavelmente vestida e maquilada e, apesar de ser casada, estava sempre pronta para um flerte com qualquer funcionário da loja.
Quase respondeu que realmente o americano não fazia seu gênero, embora não tivesse dúvidas de que fazia o dela.
— Ora — perguntou, mostrando um vago interesse — o que a faz pensar assim?
— Bem — disse Maida, indecisa, molhando os lábios, procurando aparentar um certo embaraço em intrometer-se num assunto que não lhe dizia respeito —, ele me pareceu do tipo muito quente para uma ingênua como você saber lidar… Sabe o que quero dizer?
— Não — Gina replicou, calmamente —, não sei o que quer dizer.
— Bem, minha querida — Maida deu-lhe um tapinha no braço, tragando profundamente o cigarro que havia acabado de acender — pense um pouquinho e logo vai entender. — Levantou-se em seguida, com um sorriso malicioso. — Imagino que o veja sempre.
— Sempre que posso — Gina odiou-se por ter que mentir.
Maida soltou outra gostosa gargalhada, cheia de insinuações.
— Ora, quem diria… Também, não posso culpá-la… Se fosse você, não o deixaria um minuto longe de meus olhos. Mas, enfim, se por acaso ele se tornar… digamos… um pouco exigente demais, não o dispense sem antes nos apresentar, está bem?
Gina afetou um sorriso. Mulher horrorosa, nojenta! — pensou, observando a impecável figura que se afastava em busca de uma nova presa. Um calafrio percorreu-lhe a espinha. Quem mais a teria visto, num espaço de tempo tão pequeno? Em todo caso até que era interessante saber que Maida o achara tão atraente, apesar mesmo de sua conhecida capacidade de achar todos os homens, sem exceção, atraentes. Só o fato de ter vindo falar com ela provava que realmente o americano a havia impressionado, pois jamais teria se aproximado em outras circunstâncias
Os iguais se atraem, concluiu, louca da vida ao lembrar a maneira ofensiva com que Maida a havia chamado de “ingênua”. Não ignorava que o pessoal da loja a havia apelidado de “Artista de gelo”. Não sabia de quem partira o apelido, nem estava interessada em saber, mas, no mínimo, era do conhecimento de todos e era isso que Maida queria dizer com “ingênua”. O que um homeme “quente” como aquele iria querer com uma “geladeira” como ela?
Bela droga! Na verdade, achava que só uma mulher em verdadeiro desespero de causa poderia desejar sair com um homem como J. P. Mitchell. Ele não passava de um brutamontes!
Ao retornar à sua sala, Gina nem conseguia mais lembrar das feições dele. Sabia apenas que era grandão e tinha muitos dentes na boca, como a maioria dos americanos, diga-se de passagem. Tentou retomar o trabalho que estava fazendo, mas apesar de tudo o encontro que tivera com Maída Berry não lhe saía da cabeça.
Ao chegar em casa, à noite, estava decidida a ir encontrar-se com o americano. Alguma coisa lhe dizia que lamentaria essa decisão, mas, de repente, tornara-se um verdadeiro desafio ir verificar o que havia naquele homem que atraía as outras e a deixava tão indiferente.
Estava travando uma verdadeira batalha interior. Sabia que afinal estava tendo o que queria, então, por que se irritava? Havia lutado todos aqueles anos para conseguir essa atitude fria perante os homens, para matar a mulher dentro dela. Mas, enfim, assegurava-se de que não tinha nada a perder. Estava apenas interessada em provar que, apesar de suas determinações, ainda sabia reconhecer um homem atraente e que aquele de fato não o era, por isso não corria risco algum.
Gina tirou a roupa de trabalho e vestiu um vestido branco de alça, com a cintura marcada e uma saia de tecido macio e ligeiramente rodada, que deslizava e se movimentava a cada passo. Escovou bem os cabelos e tornou a prendê-los num coque, na nuca. Não queria mostrar ao desconhecido que levara muito tempo se arrumando para ele, mas também tinha seu orgulho e gostava de se apresentar bem. Fez com cuidado a maquilagem, procurando não exagerar, e, com exceção do relógio de pulso, não colocou jóia alguma. O efeito geral era extremamente feminino e gracioso.
Às oito em ponto saiu de casa. Iria a pé até a cidade. Normalmente, só pegava o carro quando precisava fazer compras. De salto baixo, levava em média vinte minutos para chegar ao escritório, mas hoje, como estava com uma sandália alta e delicada, caminhava mais devagar. Aproveitaria para usufruir da beleza do cenário ao anoitecer. O sol ainda não havia se posto totalmente, e tingia o céu de uma cor róseo-alaranjada que emoldurava o verde das árvores da avenida, num contraste que chegava a emocionar de tão bonito.
Desde que se decidira a morarem Palmerston, Gina constatara que o pôr-do-sol ali era lindo, quase espetacular. Pouco lhe importava que o sol não fosse tão brilhante nem tão quente como em Hawkes Bay. O que não lhe agradava muito eram os contínuos ventos que sopravam na região, mesmo que, conforme alegavam os moradores locais, ajudassem a manter a atmosfera livre de poluição.
Conforme ia se aproximando do local do encontro, Gina sentia crescer uma apreensão dentro dela. Talvez realmente não tivesse feito bem em vir. Começou a desejar que o americano não aparecesse.
Mas sua sorte não foi tão grande. Do ponto em que estava, já bem próximo da loja, viu-o chegar, com passadas largas, ao lugar onde haviam colidido no dia anterior. Gina sentiu a boca seca e as palmas das mãos úmidas. Queria virar as costas e ir embora, mas seus pés pareciam plantados no chão. Também de pouco adiantaria, pois ele já a havia visto e se aproximava sorrindo, com aquela atrevida cara insinuante que tanto a desagradava.
— Devo estar louca! — disse de si para si arrepiando-se ante a perspectiva de passar algumas horas na companhia arrogante e dominadora daquele homem. Por que se deixara influenciar pelo comentário leviano de uma Maida qualquer, quando sua própria experiência lhe havia ensinado a não agir impulsivamente?
— Olá! — Ele a cumprimentou com verdadeiro entusiasmo, todo cheio de sorrisos, com ar de triunfo. — É muito bom vê-la!
O sorriso de Gina, pelo contrário, foi pálido e desenxabido, mas ele pareceu não notar.
— Devo confessar que foi quase uma surpresa. Estava ansioso por saber se viria, mas tinha as minhas dúvidas.
— Não posso imaginar por quê! — Gina replicou com certo sarcasmo, mas ele não demonstrou notar a pequena nota de ironia que havia em sua voz.
— Você foi embora com tanta pressa que nem fiquei sabendo o seu nome.
— Gina — interrompeu-o quase secamente. — E o seu?
— J. P. Mitchell. Não havia lhe dito?
— Disse, mas acho que não dá para chamá-lo de J. P., dá?
— Ora, se quiser… muita gente me chama assim, entre outras coisas… — respondeu, dando uma gostosa gargalhada. Gina finalmente descobriu algo de que gostava nesse homem, cuja carga de energia e espontaneidade até então achara excessiva.
— J. P. — repetiu, fingindo grande concentração. — Juízo e Paciência… Justiça e Paz… é, não dá mesmo.
— Joseph Parron é o meu nome.
— Posso então chamá-lo de Joseph?
Ele encolheu seus ombros musculosos.
— Pode, se quiser. Ou de Joe, como a maioria de meus amigos. Bem, há algum lugar onde prefira ir? — Os olhos azuis dele brilhavam, num misto de alegria e admiração, enquanto a olhava de alto a baixo, mas Gina mal podia agüentar esse olhar. Soltou um suspiro desanimado. O único lugar para onde gostaria realmente de ir era sua casa, e sozinha!
— Não, não tenho preferência alguma. — Aquela resposta apática desanimaria qualquer um, mas Joseph Parron Mitchell, decididamente, não parecia disposto a deixar nada estragar seu bom humor.
— Nesse caso, tenho um amigo que vai gostar muito que lhe façamos companhia. Ele disse que iria a um hotel chamado The Coachman. Você conhece?
Gina olhou-o espantada.
— Já ouvi falar — respondeu, vagamente, sem saber direito qual era a intenção dele.
— Não tem boa reputação? — Joe perguntou, percebendo pela primeira vez a reação dela.
— Não sei dizer. Não tenho o hábito de freqüentar hotéis.
— Bem, então podemos encarar o programa como uma experiência nova para nós dois.
— Não vai me dizer que também não freqüenta hotéis.
— De jeito nenhum. No meu trabalho, é praticamente impossível evitá-los. Estou dizendo que, como nós dois não conhecemos este, será uma experiência nova para ambos.
Ela apertou os lábios com força.
— Muito bem, suponho que esteja me convidando apenas para o bar, não é?
— Sem dúvida alguma — ele retrucou, com voz séria, embora Gina pudesse ver claramente um certo ar malicioso em seus olhos. Enrijeceu-se e uma onda de calor subiu-lhe ao rosto.
Depois que atravessaram a avenida, ele acendeu um cigarro e os dois caminharam calados por alguns minutos. Cruzavam agora a praça, muito bem ajardinada, e Gina teve de diminuir o passo para acompanhar Mitchell, que parecia estar querendo ir bem devagar, apreciando tudo.
— Em que você trabalha? — procurou quebrar o silêncio que a incomodava.
— Sou do Exército — foi a resposta calma. Sem saber se por mera coincidência, ou se pela surpresa que a resposta lhe causara, Gina torceu, naquele instante, o tornozelo perdendo o equilíbrio.
Prontamente os braços de Mitchell a envolveram, não permitindo que ela caísse. Assim que se recompôs, afastou-se de suas mãos, mas a pressão dos dedos fortes continuou se fazendo sentir em sua cintura por mais alguns minutos.
— Você está bem?
— Estou… estou, obrigada. Isso sempre me acontece. Acho que nunca vou me habituar com sandálias altas. — Gina sabia que estava quase gaguejando, mas não se importava. A única coisa que tinha na cabeça era a resposta dele. “Meu Deus”, repetia para si mesma, horrorizada, “ainda por cima é militar!”
Não restava dúvida de que havia feito uma asneira. Talvez até pudesse ver o lado cômico da situação algum dia, num futuro distante, mas por hora tudo estava parecendo um grande desastre.
— Está aqui de visita? — perguntou hesitante.
— Estou. Venho de Schofield, em Honolulu. Estamos com uma companhia aqui. Já ouviu falar de Schofield?
— Devo ter ouvido, pois o nome não me é estranho, mas sei tanto do Acampamento Schofield no Havaí, quanto do de Linton em Palmerston North, ou seja, nada.
— Isso é estranho. Pensei que as jovens daqui se encontrassem eventualmente com meus companheiros do Exército.
— Talvez se encontrem, não sei. Não sou exatamente daqui. Não fui criada aqui.
Mitchell permaneceu calado, pensativo.
— Imagino que seja um oficial. — Ela procurou não dar à voz aquela inflexão de “última esperança”.
Como ele continuasse calado, Gina virou a cabeça para olhá-lo. Ele estava soltando uma baforada de seu cigarro e parou por um minuto para olhá-la. Gina teve a nítida impressão de que sua pergunta não o surpreendera e também não o agradara. Desapontara-o, de fato. Apesar de não fazer diferença para ela, seu silêncio começava a impacientá-la.
— Sou apenas um sargento. Talvez isso seja uma decepção para você.
— Não poderia ser decepção, pois não tinha expectativa alguma. Foi apenas suposição minha, talvez por causa de sua idade. Não entendo nada das Forças Armadas, nem sei como operam.
Ao chegarem ao The Coachman, Gina ficou mais desanimada ainda. Detestava multidões, barulho e fumaça. Olhava para todos os lados, procurando um canto mais tranqüilo, quando sentiu a mão de Joe em seu braço, conduzindo-a para o vestíbulo.
— Pode me esperar aqui um instante? Vou ver se acho Lou. Depois iremos tomar um drinque num lugar mais calmo.
Desapareceu em seguida, no meio da multidão, e só quando o viu voltar é que Gina se deu conta de que poderia ter aproveitado a ausência dele para fugir dali. Pena que era tarde demais. Teve vontade de dar uns tapas em si mesma quando reparou que ele dava passagem a uma jovem de cabelos escuros, quase tão alta quanto ele e um pouco mais alta do que seu amigo, que vinha logo atrás.
— Gina, gostaria que conhecesse um de meus companheiros, Lou de Laney, e sua amiga, Pamela Ansell.
Enquanto Lou e Pamela a cumprimentaram efusivamente, Gina saudou-os de modo frio e constrangedor. Ambos lhe causavam a mesma impressão que Joe. Que noite horrível iria ter!
— Lou e Pam sugerem que a gente vá para o bar do terraço. Provavelmente também deve estar cheio, mas é mais calmo porque não tem conjunto, só piano. O que você acha?
Gina forçou um sorriso.
— Para mim, tudo bem — disse, apressando o passo para evitar a mão dele em seu cotovelo, enquanto subiam as escadas.
Lá em cima, havia um pequeno salão com uma pista de dança, na extremidade da qual um pianista tocava uma seleção de música popular. Os dois homens esperaram que Pamela e Gina se sentassem,e quando o fizeram Gina sentiu imediatamente a coxa volumosa de Joe encostar-se na sua e encolheu-se para evitar o contato. Ele também logo procurou acomodar-se melhor, como para lhe dar mais espaço.
Deixou-se ficar quieta, rígida, gelada e incapaz de sentir-se à vontade enquanto ouvia os três conversarem e rirem descontraidamente.
Lou também era americano, um pouco mais baixo do que Joe e de uma beleza convencional. Parecia ainda mais rude e egoísta do que já considerava Joe, mas Pamela não dava o menor sinal de se preocupar com isso. Pelo contrário, aparentemente estava achando muita graça nas “estórias” do Exército que os dois contavam.
Era uma moça atraente. Devia ter por volta de vinte e cinco anos e sua figura não tinha nada de discreta ou inocente. Era completamente desinibida e estava realmente a fim de se divertir, com quem quer que fosse. Lou devia tê-la conhecido no bar lá embaixo, antes de ela e Joe chegarem… A esse pensamento, Gina teve um sobressalto. Não queria de forma alguma igualar-se a uma moça vulgar. O pior é que na verdade estava se sentindo exatamente igual à outra. Também havia concordado em se encontrar com Joe mal acabara de conhecê-lo.
Um estranho, servindo no Exército, e nem oficial era! Estava vivendo um verdadeiro pesadelo. Nunca mais se afastaria do caminho que havia se proposto cinco anos atrás.
Perdida em seus próprios pensamentos, permaneceu a maior parte do tempo quieta, com as mãos cruzadas sobre as pernas, olhando para o quase intocado copo de gim à sua frente.
— Quer dançar? — Joe perguntou, de repente. Há algum tempo ele também estava quieto e a olhava em silêncio.
— Não… obrigada. — Esboçou um rápido sorriso e, como não conseguisse sustentar seu olhar, virou o rosto, dizendo: — Gosto de observar.
Lou levantara-se nesse momento para dançar com Pam, mas antes de se dirigirem para a pista parou, com os olhos fixos em Gina. Como que magnetizada por esse olhar, ela ergueu a cabeça e constatou imediatamente que Lou não gostava dela. Sentiu-se tão constrangida que não teve sequer palavras para responder, quando ele lhe deu um ultimato:
— Se não estiver dançando quando voltar, vai dançar comigo e já vou avisando: não aceito recusa!
— É de homens assim que gosto — vibrou Pamela, passando a mão pelo braço dele —, dos que sabem se impor! — Ele a abraçou, e foram dançar, misturando-se aos outros pares.
Antes que se desse conta, Gina estava de pé. Joe a olhou com ar interrogativo.
— Você ouviu o que seu amigo disse — justificou-se ela. — Acho que prefiro dançar um foxtrote com você, agora, do que mais tarde um tango com ele!
— Sem dúvida, ele tem mais psicologia do que eu — comentou Joe levantando-se.
Gina não podia estar mais enrijecida quando ele a enlaçou. Há cinco anos não sentia o braço de um homem em sua cintura. E nunca antes fora envolvida por braços tão fortes. Sentiu-se tremer, Longe de agradá-la, sua força a fazia sentir uma enorme repulsa. Precisava se controlar para não sair correndo dali.
Achava que Joe e Lou eram como dois animais poderosos e saudáveis, cheios de energia e vitalidade e sempre prontos a atacar. Sentia uma enorme vontade de ver-se fora de seu alcance. Pouco depois, como que consciente da aversão que causava, Joe a conduziu de volta à mesa.
Felizmente, chegou a hora de irem embora. Pamela convidou Gina para acompanhá-la ao toalete, e ela não teve jeito de recusar. Levantou-se e acompanhou a exuberante moça pelo corredor acarpetado.
Lavou as mãos rapidamente e deixou Pam escovando os cabelos, descendo primeiro para o vestíbulo onde os dois deviam esperá-las.
Logo estaria livre da atmosfera desagradável daquele hotel, principalmente, de J. P. Mitchell.
Já estava quase chegando ao fim da escada quando ouviu o som de vozes masculinas.
— Desse mato não sai coelho, hein velhão? — dizia Lou.
— O que quer dizer?
— Sabe muito bem. Aquela dama, a Gina.
— Tem uma boca muito sexy — foi a resposta de Joe.
— O quê? Está brincando! O que tinha na cabeça quando marcou um encontro com ela?
— Ela tem classe.
Lou soltou uma exclamação de baixo calão e acrescentou:
— Não é bem classe que vai aquecê-lo à noite.
— Quando quero ser esquentado, sei muito bem onde ir. Às vezes, acredite ou não, gosto simplesmente de conversar com uma mulher.
A gargalhada de Lou foi sonora.
— Nem isso vai conseguir. Admita, meu irmão, marcou encontro com uma múmia. Ou talvez esteja perdendo sua capacidade de…
— Chega, Lou!
— Está perdendo seu tempo, Joe — continuou ele, ignorando o tom contrariado da voz do amigo. — Ela é do tipo que só aprecia oficiais, mas duvido que sejam tolos de querer sair com ela. Há qualquer coisa estranha com essa moça. Está na cara que tem problemas. Por que não arruma alguém bacana e sem complicações como Pam? A propósito, você pode nos deixar no apartamento dela e ficar com o carro. Amanhã de manhã tomo um táxi para voltar ao acampamento…
Sem se dar conta, Gina começou a subir de costas degrau por degrau. Estava incrédula e horrorizada com o que ouvira. Então era isso o que os homens pensavam dela? Queria mais que nunca sair dali o quanto antes. Estava nauseada de raiva e desgosto. Nesse momento, porém, Pam descia saltitante escada abaixo, bem trás dela.
— Oi, esqueceu alguma coisa?
— Acho… acho que meu anel no banheiro… — disse Gina, tentando disfarçar. — Ou será que não o coloquei? É… acho que não o coloquei…
— Antes assim — replicou Pam, sorrindo. — Duvido que ainda estivesse lá se o tivesse esquecido. Os homens já desceram?
— Sim… sim… Acho que sim.
Acabaram de descer e encontraram Mitchell e Lou, silenciosos, esperando por elas.
Gina evitou até olhar para Joe. Depois de deixarem o outro casal no apartamento de Pam, continuaram modos durante todo o percurso até sua casa. Mal ele parou o carro Gina abriu a porta.
— Obrigada por esta noite — disse, num fio de voz.
— Parece que não foi muito agradável para você, me desculpe.
Ela encolheu os ombros e saiu.
— Realmente bares não fazem o meu gênero. Adeus, Joe.
Joe também saíra do carro e dera a volta. Antes que ela pudesse se afastar, pegou-a pelo braço.
— Gostaria de vê-la novamente, Gina.
A perspectiva a apavorava, com um gesto brusco, soltou o braço.
— Não, muito obrigada! — Caminhou rapidamente, alcançando o portão. Sem saber por que, voltou-se para trás e viu que ele a olhava sacudindo a cabeça, antes de dar a volta e entrar novamente no carro, sem mais uma palavra. Quem era ele para sentir pena dela? A inquietação de Gina aumentou ainda mais.
Destrancou a porta com dedos trêmulos e mergulhou no silêncio reconfortante de sua casa. As lâmpadas da rua iluminavam a sala através da cortina, por isso nem acendeu as luzes, indo diretamente para o quarto.
Com movimentos bruscos despiu-se. Estava exalando fumaça e sentia uma terrível necessidade de tomar um banho. Queria lavar até a alma. Foi para o banheiro, acendeu a luz e entrou no chuveiro. Depois que se acalmasse, faria de conta que aquela noite jamais havia existido.
Não foi tão fácil assim. Pouco depois, na cama, virava-se de um lado para o outro, remoendo a lembrança de cada detalhe do que tinha acontecido. Queria chorar, mas nem isso conseguia. Há muito tempo havia se prometido nunca mais chorar, e estava bem treinada. Congelara suas emoções e aquela noite viera comprovar que estava certa.
Depois de algumas horas de sono intranqüilo, Gina acordou sobressaltada às dez e meia. Não gostava de acordar tarde. Tinha a impressão de estar desperdiçando as poucas horas de liberdade que lhe eram tão caras, e queria fazer muitas coisas naquele sábado.
Ao anoitecer, fazendo um balanço de seu dia concluiu que realizara apenas urna pequena parte das tarefas que se havia proposto a executar. Pegara-se muitas vezes com a cabeça longe e um trabalho parado nas mãos. Não saberia dizer no que estivera pensando. Passara o dia estranhamente distraída.
O mesmo aconteceu no domingo. Perambulou pela casa, fazendo quasenada, sem concentração alguma. Quando, porém, se deu conta de que estava com os instrumentos de jardinagem na mão há mais de cinco minutos, sem saber o que fazer com eles, desistiu de tentar trabalhar, pôs seu maiô, pegou unia toalha e as chaves do carro e foi à praia.
Capítulo III
Gina acompanhava os movimentos precisos do cabeleireiro com apreensão. Pedira que ele aparasse cinco centímetros de seu cabelo e o repicasse um pouco em cima, deixando uma franja repartida ao meio. Só relaxou ao ver que ainda estava comprido, depois de seco e escovado. Finalmente, ficou satisfeita com a nova imagem que viu refletida no espelho. Como estava diferente! Mas a diferença não se devia apenas ao corte do cabelo.
— Tem uma boca muito sexy. — Durante toda a semana, as palavras de Joe vinham-lhe constantemente à cabeça. Queria esquecê-las, assim como cada detalhe daquela noite horrorosa, mas não conseguia.
Examinou detidamente cada detalhe de seu rosto. Realmente, seus lábios eram grossos e bem delineados, o que raramente dava para se perceber nos últimos anos, pois estavam apertados num ricto de contrariedade. Seus olhos não tinham nada de excepcional em formato ou tamanho, mas a espessura dos cílios realçava-lhes a cor.
O nariz era reto e bem-feito. Enfim, não era nada feia, mas não pensava nisso há cinco anos. Agora, com os cabelos soltos nos ombros e a franja, suas feições pareciam mais suaves e toda a expressão menos austera. Sentindo-se extremamente feminina, Gina perguntava-se se fizera bem em cortar os cabelos.
Fora uma decisão de momento, uma tentativa de levantar um pouco o moral que estava muito baixo desde o último fim de semana. Olhou-se mais uma vez ao espelho e fez votos de que, com a nova imagem, pudesse finalmente apagar da memória aquelas horas desagradáveis.
Mas não conseguiu.
Continuava a trabalhar automaticamente, o seu tempo livre, que quase nunca era suficiente para as coisas que pretendia fazer, arrastava-se agora como um pesadelo. Passada mais uma semana, a perspectiva de voltar para casa todos os dias começava a atormentá-la.
Deixara de sentir a casa como seu paraíso. Vagava de um cômodo para outro desanimada, não via mais motivo para trabalhar no jardim, ou redecorar o banheiro Não era mais capaz de passar nem quinze minutos entretida numa atividade, achando tudo inútil. Perguntava-se, então, o que poderia lhe dar prazer. Tentava tudo: ler, pintar, ouvir música… Logo se cansava e voltava à letargia anterior.
Tinha perdido o sono, sua forma segura de fugir da realidade, Depois de passar algumas noites olhando para o teto, decidira dar sempre uma caminhada após o jantar para ver se se cansava e conseguia dormir. Mas não adiantou. No final da primeira tentativa, estava em lágrimas. Foi para a cama chorando copiosamente.
Como um homem como J. P. Mitchell tivera a capacidade de se intrometer numa área de sua vida há tanto tempo adormecida, fazendo-a reviver lembranças que sofrera tanto para apagar de sua cabeça e de seu coração?
No fim de janeiro, Gina começou a perceber que sua disposição estava gradualmente voltando ao normal, e sentiu um grande alívio. Temera estar à beira de um colapso nervoso.
Tinha vestido para sair uma calça bege e uma camiseta vermelha, prendendo o cabelo para cima.
Aos poucos, habituara-se às caminhadas noturnas. Entretanto, agora que estava se sentindo melhor, achava que era um luxo ao qual não se podia permitir. Aquela seria a última, pelo menos por um bom tempo.
Distraída com seus pensamentos, Gina acabou fazendo um trajeto a que não estava acostumada. Quando deu por si, estava virando a rua principal, em direção aos hotéis, bares e restaurantes que caracterizavam aquela parte da cidade.
Não pensou muito se passaria ou não por eles. Devia ser hora de fecharem. Sentia-se tão bem consigo mesma, retomando a paz que tanto lutara para conquistar que se julgava apta a enfrentar qualquer coisa.
Não podia estar mais errada.
Parou subitamente de andar e sentiu as forças lhe fugirem. Parados na calçada a poucos metros dela, aparentemente recém-saídos de um hotel, estavam Lou com Pam e Joe com uma jovem bonita e atraente, cujas feições irradiavam alegria e vivacidade.
Gina desviou os olhos dela, com grande esforço, e encontrou os de Joe. Seu coração quase parou. Sabia que estava lívida. Precisava a qualquer custo evitar aquele encontro. Virou-se, instintivamente, e começou a atravessar a rua. Mal se deu conta do barulho ensurdecedor de uma buzina estridente e dos faróis muito fortes sobre ela. Ouviu ao longe um violento ranger de pneus e só sentiu a dor de uma batida forte contra seu corpo. No próximo segundo já caía entontecida, ao chão.
Ficou imóvel, muito quieta e apavorada para se mexer. O primeiro rosto que viu foi o de J. P. Mitchell. O rosto que tanto queria evitar estava debruçado, tentando esboçar um sorriso pálido, sobre ela.
Tentou, desesperadamente, se levantar, mas sentiu uma força contrária sobre seus ombros. Não queria as mãos dele em cima dela. Será que não percebia que o odiava? Tentou se livrar e se levantar para mostrar a todos que estava perfeitamente bem. A dor que sentia do lado, porém, fez com que soltasse um grito e se deixasse ficar no chão, novamente.
— Fique quietinha — ordenou-lhe Joe, com um misto de severidade e doçura na voz. Tirou seu paletó e a cobriu. — Lou foi chamar uma ambulância.
— Não quero ambulância alguma! — exclamou, jogando o paletó dele para o lado. — Apenas ajude-me a levantar.
— Não deve se mexer — recomendou ele, colocando a mão sobre a cabeça de Gina, que ela, agitada, empurrou até tirar.
— Pois bem, então me levanto sozinha! — Embora zonza, estava determinada a erguer-se. Sentou-se primeiro e depois, com grande esforço, pôs-se de pé. Voltou os olhos para a amiga de Joe e a visão do rosto preocupado da moça logo se turvou. O mundo todo parecia girar rapidamente.
Joe a segurou com mãos firmes e a deitou novamente. Ao ver a expressão do rosto dele, assim como a das pessoas que começavam a se aglomerar em torno dela, Gina sentiu um medo súbito. Joe deve ter notado, pois colocou a mão em seu rosto.
— Não há nada para se preocupar, Gina. Não foi nada sério, logo estará boa. É só o choque.
Ela virou o rosto, forçando-o a tirar a mão. Estava sentindo uma dor latejante, mas não lhe agradava o som da ambulância que se aproximava. Pouco depois, foi levada numa maca e colocada lá dentro. Pelo menos se livraria do olhar ansioso de Joe.
Percebeu que as portas se fechavam e, involuntariamente, deixou escapar um gemido de dor. Felizmente, logo lhe aplicariam um sedativo e não sentiria mais nada. Voltou a cabeça e abriu os olhos. A única pessoa dentro do veículo com ela era Joe.
— O que está fazendo aqui?
— Pode precisar de alguém.
— Não preciso de ninguém. — O tom dela agora era quase beligerante. — Muito menos de você. Por favor, saia.
Ele deu um meio sorriso.
— Creio que não é hora de discutir. Acho que seria bom avisar seus pais.
— Quem deve decidir se meus pais devem ou não ser avisados sou eu. Faça o favor de não interferir.
— Algum amigo ou amiga íntima?
— Quer cuidar de sua vida? — Olhou-o por alguns segundos com um olhar glacial, voltando depois, deliberadamente, a cabeça para evitar vê-lo, e só descansou quando, já no hospital, pensou que ele havia ido embora.
Os dias se passaram. Gina dormia a maior parte do tempo, alheia ao lugar onde se encontrava. A partir do terceiro dia, começou a recobrar rapidamente a consciência. Em determinado momento, abriu os olhos e deu com Joe, sentado próximo a sua cama, com os olhos fixos em seu rosto. Não agüentava aquele olhar sempre a observá-la, como se conseguisse ler seus pensamentos e tivesse pena do que via.
Queria voltar as costas para ele mas seu corpo, pesado e dolorido, não a obedecia.
Na vez seguinte em que o viu, ele estava de costas, olhando pela janela.
— Por que não vai, embora? — choramingou, quase num sussurro. Ele se voltou para ela, mas não saberia dizerse havia respondido ou não.
A verdade é que, apesar de seus pedidos para ser deixada sozinha, toda vez que acordava encontrava Joe sentado ao lado de sua cama, eu por perto.
— Não tem nada melhor para fazer? — perguntou-lhe uma tarde. Como sempre, ele estava pensativo com os olhos fixos nela.
Endireitou o corpo e esboçou um sorriso.
— Sinceramente não. Gosto de observar seu rosto em repouso. — Automaticamente, ele estendeu a mão e fez-lhe uma pequena carícia na face.
Gina virou a cabeça, fulminando-o com o olhar.
— Bem, você pode gostar de observar as pessoas quando dormem, mas eu não gosto nada de ser observada. E também não gosto que me toquem o tempo todo.
Ele fez um gesto desconsolado.
— E eu a toco o tempo todo? Então desculpe. Você parece às vezes tão desprotegida e vulnerável que fico tentado a mimá-la um pouco.
Sentindo-se momentaneamente desconcertada, Gina hesitou. Depois disse:
— Posso lhe assegurar que não sou nem uma coisa nem outra, e gostaria que você parasse de me amolar. Por favor, vá embora e não apareça mais!
— Por que é tão hostil? — Joe recolheu as mãos sobre os joelhos.
— Gostaria de saber se tem alguma coisa contra mim em particular, ou contra os homens em geral.
— É claro — disse Gina, dando uma risada nervosa —, estava mesmo esperando por essa pergunta. Isso acontece invariavelmente. Quando um homem é repudiado, a maneira de salvaguardar sua vaidade é acusar a mulher de ter alguma coisa contra os homens em geral. Bem típico! Por que não coloca na sua cabeça a verdade, ou seja, que simplesmente não gosto de você?
— Por quê? — perguntou ele, esfregando o queixo com os dedos, as sobrancelhas grossas arqueando-se interrogativamente.
Gina ficou olhando para aquele rosto sério. Joe tinha o nariz reto, mas agressivo como o de um pugilista. Seu queixo também era agressivo. A linha do pescoço, exposta sob a camisa, era forte como o resto de seu corpo. Seus cabelos eram lisos e bem aparados, quase pretos e muito lustrosos. Saúde, vitalidade e masculinidade exalavam de cada poro daquele homem, pelo qual sentia verdadeira repulsa. Estremeceu, não conseguindo esconder seus sentimentos ao dizer-lhe, sem se importar em magoá-lo:
— Não gosto de nada em você. Você é muito descarado. Não gosto de homens precipitados, insistentes e… e que têm dentes demais. — acrescentou para enfatizar bem sua aversão.
Esperou por uma resposta, sem se importar com o que poderia ouvir. Não imaginou, porém, que ele fosse jogar a cabeça para trás, numa gostosa gargalhada. Olhou-o espantada. Até que tinha uma risada atraente, contagiante. Mas de fato tinha dentes demais!
— Acho que você e eu temos de chegar a um entendimento — ele disse, recobrando a sobriedade. Seus olhos, porém, ainda brilhavam muito. — Você tem alguns traços muito pouco felizes. Por exemplo, tem um péssimo senso de humor, uma expressão continuamente irritada e uma disposição que só me faz pensar que deve tomar vinagre todos os dias, ao amanhecer. Apesar de tudo, ainda gosto de você.
Gina permaneceu calada, enfrentando o olhar dele por alguns minutos. De repente, sentiu a visão se turvar e escurecer. Virou a cabeça para o lado, tentando conter as lágrimas que insistiam em escorrer pelo seu rosto.
— Pouco me importa a opinião que tenha de mim — disse em tom seguro. — Gostaria de dormir, se não se importar. E quando se for desta vez, por favor, não volte mais.
Ele se levantou.
— Muito bem… durma. Vou sair agora, mas voltarei. Acho que precisa de um amigo, apesar de não querer.
Gina voltou a cabeça.
— Tenho amigos! — exclamou, esquentada.
— Dois, de acordo com o pessoal do hospital com quem falei. Teve apenas mais dois visitantes, segundo o que me disseram, e era um casal.
Aquilo também era demais. Gina estava possessa de raiva.
— Como se atreve a espionar minha vida? É bom que saiba que quando quiser mais amigos eu mesma irei procura-los. No momento, estou muito contente com os que tenho e você não se inclui entre eles!
— Se estivesse “muito contente”, minha querida, já estaria em pé e fora deste hospital há dias. O carro que a atropelou estava apenas manobrando na rua, não era nenhum concorrente ao Grande Prêmio. Seus ferimentos foram mínimos mas, por causa de suas condições mentais e emocionais, levou todo esse tempo, cinco dias, para sair do estado de choque. — Ele fez uma pausa brusca. — Talvez não devesse ter lhe dito isso, mas acho que precisava tomar consciência dos fatos para questionar o tipo de vida que vem levando. Nenhum homem é uma ilha, sabia?
Depois de acariciar com mão firme a cabeça de Gina, ele se foi, deixando-a sozinha para remoer aquelas palavras.
Cumprindo sua palavra. Joe foi visitá-la nas duas noites seguintes. Gina tolerou a companhia dele. Respondia laconicamente às suas perguntas e ouvia apática o que lhe contava.
No oitavo dia Gina teve alta. Ainda estava um pouco fraca e dolorida, mas isso não a incomodava. O que realmente a preocupava era a idéia de voltar para sua linda, mas solitária, casa, e para a vida sem amigos nem perspectivas que Joe havia descrito. Na verdade, lhe apavorava a rotina que cuidadosamente construíra para si, e com a qual estava muito satisfeita até aquele homem aparecer em cena.
Por que permitira isso? Mas não permitira, justificava-se imediatamente. Acontecera independentemente de sua vontade. Não era possível impedir uma personalidade dominadora como a de Joe de agir segundo sua própria vontade. Gina temia não mais poder reconstruir a vida que sonhara para si próprias pois já não sabia se era aquilo o que queria. À medida que arrumava suas roupas, sentia um suor frio banhar-lhe o corpo.
Estava com o coração e a mente cheios de incertezas, por isso resolveu, em vez de ficar mais alguns dias de repouso, voltar imediatamente ao trabalho. Teria menos tempo para pensar na fragilidade de seu mundo.
O sábado seguinte era dois de fevereiro. O dia amanhecera claro e brilhante e, com o passar da manhã, o calor aumentara, fazendo com que as flores murchassem, a terra secasse e os galhos das árvores pendessem ressequidos. Outras zonas do país também estavam sofrendo condições climáticas semelhantes, com ameaças de seca e queimadas espontâneas em várias áreas.
Gina começou o dia limpando os azulejos da cozinha. No meio da manhã estava banhada em suor, e uma dorzinha enjoada do lado onde havia levado a batida começou a incomodá-la. Resolveu desistir do serviço e tomar um banho frio.
Mal havia saído do chuveiro, quando ouviu uma série de pancadinhas na porta dos fundos.
“Quem poderia ser?” Endireitou a toalha que enrolara na cabeça para não molhar os cabelos e parou à porta do banheiro, para ouvir melhor. Desta vez, seguindo-se às pancadinhas, ouviu o barulho da porta se abrindo. Sentiu o coração gelar e imediatamente prendeu melhor a toalha em volta do corpo.
— Alguém em casa?
Era Joe! Do medo Gina passou à incredulidade. Que atrevimento!
— Gina!
Voou para seu quarto. Se tivera a ousadia de entrar na cozinha sem ser convidado, não seria de espantar se resolvesse percorrer a casa toda à sua procura.
Contendo sua indignação, vestiu rapidamente as roupas que havia deixado sobre a cama, gritando:
— Um momento, estou saindo do banho!
A única coisa que esperava era que Joe não julgasse normal subir para conversar enquanto ela se vestia.
Finalmente desceu para a cozinha, passando os dedos pelos cabelos que não tivera a oportunidade de pentear.
— Bom dia — ele cumprimentou-a, levantando-se da cadeira onde havia se sentado. Apesar das liberdades que tomava, não havia o que criticar em suas maneiras, mesmo que o achasse grosseiro e deselegante.
Os olhos de Joe percorreram imediatamente suas pernas expostas pelo short, cor de areia, subindo para a camiseta verde que não só modelava o contorno bem-feito de seu busto como também, por ser muito cavada, deixava perceber que ela não havia se enxugado direito. A expressão dele não podia ser mais divertida e surpreendida.
Ginasentiu que corava violentamente e ficou louca da vida por ter tido a ingenuidade de se vestir daquele jeito, sem se preocupar, diante das circunstâncias, em pegar uma outra roupa. Parou atrás de uma cadeira, como que para se proteger, e olhou-o com firmeza.
— Normalmente acorda tão tarde? — perguntou-lhe Joe, consultando o relógio.
— Levantei às sete horas se quer saber. E você, normalmente invade a casa alheia sem ser convidado?
— Não, normalmente não. — Ele levantou uma sobrancelha, forçando um ar grave. — Mas sabia que, se dependesse de seu convite, passaria o resto de minha vida plantado à porta. Você tem uma bonita casa — concluiu, olhando ao redor.
— Estou tão contente que tenha aprovado! — Gina replicou em tom irônico, ouvindo naquele instante o apito da cafeteira elétrica sobre a pia. Voltou-se intrigada. — Estranho, não liguei isso!
— Não ligou mesmo. Fui eu que liguei. Achei que gostaria de tomar uma xícara de café antes de irmos ao jogo de beisebol.
Gina ficou de queixo caído.
— Escute, que direito tem você, um verdadeiro estranho, de ir entrando em minha casa e se portando como se fosse o dono?
Joe esboçou uma careta.
— Um verdadeiro estranho? Quanto tempo as pessoas precisam se conhecer neste país para se considerarem amigas?
— Nunca ouviu dizer que a amizade tem de ser recíproca? Sabe muito bem que não é o nosso caso. Quantas vezes vou ter de lhe dizer que não quero amizade com você?
— Sou do tipo persistente e não aceito nãos como resposta. Que tal tomarmos o café?
Gina atravessou a cozinha e desligou a tomada do interruptor. Cruzou os braços e encostou-se à pia.
— Não bebo café e não gosto de beisebol, não gosto de amizades. De fato, creio que não há muito o que me agrade no modo de vida americano. Por isso, sugiro que dê meia-volta e vá para o lugar de onde veio. Ou melhor, que pare de perder tempo comigo e vá procurar sua amiga morena, muito mais atraente. Tenho certeza de que vai apreciar suas atenções melhor do que eu.
Havia qualquer coisa no sorriso de Joe, ou no brilho de seus olhos, que fez Gina se sentir pouco à vontade. Apesar de não ter saído do lugar, teve um ímpeto de dar dois passos para trás. Não o fez, porém, sustentando, com grande esforço, aquele olhar.
— Em primeiro lugar, você está certa. Jennie é uma mulher muito atraente, feminina e carinhosa. Acontece, porém, que prefiro as loiras insociáveis, de olhos verdes glaciais. Em segundo lugar, creio que não exista um tipo de vida, americano ou qualquer outro, do qual você goste ou, pelo menos, saiba apreciar. Por último, pretendo lhe dar algumas lições. Agora, vá colocar uma roupa que não distraia a atenção dos rapazes no campo e vamos começar a primeira aula.
Gina não se mexeu do lugar.
Um sorriso brincou nos lábios de Joe.
— Tem certeza de que está preparada para um combate drástico? — perguntou, levantando a sobrancelha, com ar de desafio.
Gina endireitou o corpo, procurando entender aquela insinuação. Será que ele seria capaz de ir mais longe? Rangendo os dentes, dirigiu-se para a porta, trancando-a acintosamente.
— Daqui por diante, minhas portas estarão bem fechadas!
— Eu saberei dar um jeito — ele respondeu, rindo gostosamente.
Não adiantou tentar conter aquele riso com um olhar gelado. O jeito era fazer o que aquele monstro queria. Como iria conseguir mandá-lo embora?
Trocou o short por uma saia verde-oliva e vestiu uma camiseta de decote canoa, listrada de verde-oliva e branco. Calçou umas sandálias altas de couro cru e pegou sua bolsa, óculos escuros e um chapéu de palha. Estava pronta, mas ainda sem a menor idéia de como faria mais tarde para livrar-se de Joe de uma vez por todas.
Sentou-se ao lado dele, no carro que ele havia alugado, mantendo-se em total silêncio durante todo o trajeto. Queria ver quanto tempo ele agüentaria aquela atitude.
Ao chegarem ao Colquhoun Park, ele saiu trancando a porta do seu lado e deu a volta para ajudá-la a descer, pegando-a pela mão antes que ela se desse conta. No mesmo instante, Gina tentou soltar a mão mas, como que prevendo aquela reação, Joe manteve-a firme entre seus dedos.
— Por favor, solte minha mão! Só porque me obrigou a acompanhá-lo até aqui, não vá pensando que pode conseguir tudo o que quiser.
— Lição número um — ele replicou atravessando o enorme gramado sem soltá-la, quase a arrastando atrás de si. — E se procurar relaxar vai ver que vai gostar.
Chegaram até a quadra onde estavam espalhados mais de trinta homens, todos de uniformes brancos com números nas sobre-peças coloridas. O barulho da torcida e dos próprios jogadores era bem alto, Gina sentia-se aturdida e não parava de remoer sua raiva, quando ouviu gritarem:
— Ei, Joe, aqui!
— Verdadeiros Cosme e Damião, não? — Sua disposição tornara-se pior ainda ao ver Lou.
— Não por muito tempo — Joe replicou. — Lou também não gosta de você.
— Estou de coração partido. — Gina deu um suspiro irritado.
Joe prensara a mão dela entre a sua própria e o lado de sua coxa.
— Ah, é você…. — foi a exclamação voluntária ou involuntária que Lou soltou ao vê-la, uma vez que seu rosto estava meio escondido sob o chapéu.
Ela, por seu lado, contemplou-o com um sorriso gelado.
— Posso lhe garantir que o desapontamento é recíproco. Mas deixe para lá, quem sabe vamos acabar convencendo Joe de que está insistindo em vão com a pessoa errada.
Lou ignorou-a e voltou sua atenção para Joe.
— Pam e eu estamos sentados lá na grama. — Fez um gesto com a mão, indicando o lugar. — Junte-se a nós, se quiser. — E afastou-se, sem esperar pela resposta.
— Fico contente em saber que mais alguém não aprova nosso relacionamento, mesmo que por razões diferentes.
— O que significa que você terá a exclusividade da minha companhia, e eu a terei inteirinha para mim.
— Devo ter nascido com muita sorte mesmo — ela murmurou. — Será que pode soltar minha mão agora? Não há nada pior do que o contato prolongado com uma pele quente e suada.
Joe se voltou lentamente para ela. A maneira como a olhou fez com que sentisse uma onda de calor invadir cada milímetro de seu rosto, pescoço e descer pelo corpo todo. Apesar de conseguir evitar aquele olhar penetrante virando o rosto, não pôde evitar de ouvir a pergunta que ele lhe fez num tom grave e sério:
— Pelo contrário, esse contato pode ser até muito agradável. Nunca sentiu isso com ele?
Voltou a cabeça imediatamente, quase perguntando, se a bola de couro não viesse cair próxima a eles.
— Quem? — ela conseguiu dizer.
— Ei, amigo — gritou um jogador —, joga para cá?
Assim que Joe se abaixou para pegar a bola, Gina levantou com as pernas trêmulas e foi procurar um lugar na grama, um pouco afastado da multidão de espectadores. Sentou-se e procurou na bolsa os óculos escuros, deixando-se ficar olhando às cegas para o jogo. Sua visão estava turva e a garganta seca. Sentiu que Joe se aproximava. Mesmo sem olhar para ele, sabia que a observava, estirado na grama ao seu lado, com o corpo apoiado no cotovelo e a cabeça nas mãos.
— Você cheira gostoso — ele lhe disse de repente.
Ela não moveu um músculo. Simplesmente endireitou os óculos sobre o nariz.
— A maioria das pessoas cheira gostoso quando acaba de sair do banho — disse num tom casual, cobrindo a boca com a mão para fingir esconder um bocejo deliberado.
— Cansada?
— Não. Enfastiada.
— Hum… Acho que o beisebol, como qualquer outro jogo, se torna maçante se a pessoa não entende. Vou explicando as regras para você, enquanto eles jogam.
Gina levantou os olhos por um momento, como quem suplica aos céus força e paciência. Só com ela mesmo podia acontecer uma coisa dessas! Subitamente, entretanto, toda sua irritação foi substituída por uma vontade que não sentia há anos: a de morrer de rir.
Se o fizesse, abertamente, porém, estaria completamente desmoralizada. Joe concluiria que havia ganho a parada e nunca mais se livraria dele. Abaixou a cabeça sobre os joelhos e, apesar de seus esforços, não conseguiu evitarse sacudir inteira de tanto rir.
— Gina? — A enorme mão dele pousou sobre seu ombro e curiosamente, pela primeira vez, não sentiu urgência em tirá-la de lá. Levantou a cabeça, tentando abafar o riso, e teve que tirar os óculos para limpar as lágrimas que lhe saíam abundantemente dos olhos.
— Muito bem — capitulou — fale-me sobre o jogo. Os jogadores são todos americanos?
— Não… não, nem todos. Só um ou dois, que jogam no time do Exército. O outro é um time local. — Com toda paciência, começou a explicar-lhe o que estava acontecendo no campo. Depois de algumas jogadas, no entanto, Gina chegou à conclusão de que definitivamente o beisebol não a interessava a mínima!
— Ainda estou enfastiada! — comentou, bocejando novamente. Deitou-se no gramado e cobriu o rosto com o chapéu.
— Tenho uma idéia, então! — Antes que pudesse tirar o chapéu do rosto, Joe havia segurado sua mão, e sem maiores preâmbulos puxava-a para cima. A surpresa de Gina foi tamanha que não teve sequer chance de protestar, atrapalhada em recolher suas coisas rapidamente. Precisou correr para acompanhar o passo dele, pois tinha a impressão de que se não o fizesse seu braço seria arrancado.
— Para que tanta pressa afinal? — perguntou, ao chegarem ao carro.
— Vamos voltar para sua casa e você me mostra tudo por lá. Gosto dela. Depois, enquanto prepara o almoço para nós, pode me contar tudo a seu respeito.
Gina olhou-o, cada vez mais espantada. Depois, recuperando-se, livrou seu braço da mão de Joe, que o mantinha preso com delicadeza agora. Tinha até a impressão de que ele acariciava seu pulso.
— Sabe que nunca vi um rosto tão grande quanto o seu?! — exclamou.
Joe sorriu.
— E, se eu não tivesse vindo para a Nova Zelândia, jamais teria a oportunidade de ver.
Com um suspiro, Gina entrou no carro e colocou o cinto de segurança.
— Quer dizer que está de acordo? — perguntou, antes de dar a partida.
— Com o almoço?
Dando um sorriso, Joe ligou o motor.
— Acho que está bom para começar.
Gina não disse mais nada. Recostou-se no banco e ficou quieta enquanto ele dirigia. Estava se sentindo muito estranha. Tinha a toda hora vontade de rir sem motivo. A ansiedade que vinha nutrindo por aquele homem de repente parecia ter se acabado, deixando em seu lugar uma sensação de paz que há muito não conhecia. As gargalhadas que dera no gramado pareciam ter lhe lavado a alma.
Foi uma Gina muito submissa que mostrou a Joe todos os recantos da casa, contente por assumir a posição de uma anfitriã perfeita.
— Linda casa. É sua mesmo? — Joe perguntou na cozinha, enquanto ela preparava a salada.
— Minha e do banco, por enquanto.
— Há quanto tempo mora aqui?
— Uns três anos.
Joe foi recostar-se na borda da pia, onde ela estava trabalhando.
— Você não era muito jovem para conseguir um empréstimo bancário?
— Meus pais me ajudaram, depositando a metade do dinheiro. Sempre tive muita sorte.
— Estou vendo, mas, diga-me, é comum aqui jovens em idade casadoira comprarem casa própria?
Gina encolheu os ombros, colocando um pouco de pimenta no tempero que preparava para a salada.
— Acho que não. Via de regra, as mulheres com intenção de casar se instalam em pequenos apartamentos.
— Por que não fez isso?
Ela o olhou rapidamente, antes de espalhar o tempero pela salada.
— Porque não tenho desejo algum de me casar. Gosto demais do meu trabalho.
— E não poderia conciliar as duas coisas?
— Não. Não gostaria de ter que abrir mão de uma parte do tempo em que estou trabalhando para me dedicar a marido e filhos. O almoço está pronto.— fez um gesto em direção à sala de jantar —, vamos a ele!
— Em que trabalha? — Joe perguntou assim que se sentou, enquanto fazia seu prato.
— Dirijo o departamento de arte da loja onde nos encontramos pela primeira vez.
— Não diga! Então é artista?
— Sou.
— Faz decoração de vitrines?
— Entre outras coisas.
— Foi você quem decorou esta casa?
— Sim, a maior parte dela.
— Admiro seu bom gosto.
— Obrigada.
— Vejo que há muito trabalho artesanal. É todo seu?
— Todo. De vez em quando me bate a inspiração e faço essas coisas.
— Quem diria. Você é um poço de talento, menina! — Como sempre, ele era efusivo e sincero. Seus olhos exprimiam surpresa e admiração.
Não estando habituada a tanto entusiasmo e a receber elogios, Gina ficou sem saber o que dizer. Intimamente, porém, exultava, e chegou a olhá-lo com olhos brilhantes. Dando-se conta de sua reação, abaixou os olhos para o prato e se concentrou na refeição.
— É, vejo que seu tempo disponível é gasto de maneira valiosa. O que mais você faz que ainda não me contou?
Gina contou-lhe então, com a maior simplicidade, seu trabalho extra desenhando roupas e tingindo tecidos.
— Um dia gostaria de fazer um pequeno galpão no fundo do jardim, para instalar o equipamento necessário e me dedicar exclusivamente ao desenho de moda e padrões para tecidos. Naturalmente, é um sonho e não dos mais viáveis. Qualquer hobby deixa de ser hobby quando se depende dele para ganhar a vida. Ainda assim, continuo sonhando em ter uma chance nesse sentido!
Bastava uma palavra de encorajamento para que continuasse falando e contando sobre suas coisas e sua arte. O tempo voava e Gina nem se dava conta dos olhos azuis que observavam seus mínimos movimentos, desde seu modo de andar ao ir pegar o café até as mais variadas expressões de rosto, normalmente tão circunspecto.
A pedido de Joe, ela o levou até o fundo do jardim, onde já existia um pequeno galpão que pretendia ampliar ou talvez derrubar para construir outro. Depois, foi lhe mostrar a horta, com verduras e legumes de várias espécies, muito viçosos. Joe olhava tudo com sincero interesse.
— Incrível — não se cansava de dizer, na medida em que percorria os diversos canteiros de beterraba, tomate e alface, abaixando-se para examiná-los de perto. Ao levantar-se, numa dessas vezes, não percebeu que ela estava logo atrás dele e deram um encontrão. Gina imediatamente recuou.
— É melhor entrarmos. — Falou num tom glacial, estranho até aos seus próprios ouvidos. Virava-se em direção à casa quando ele fez, calmamente, uma pergunta que a deixou paralisada.
— Quem é ele?
— Ele quem? — A pergunta escapou de seus lábios antes que pudesse evitar.
— O homem que a fez tornar-se uma reclusa, alienada e introvertida, apresentando para o mundo uma fachada que não é real, que não tem nada a ver com seu verdadeiro eu.
Gina tentou disfarçar sua confusão, jogando a cabeça para trás e rindo.
— Que imaginação pródiga! Não há homem algum, nunca houve nem haverá. Não tenho tempo. Você já conheceu meu verdadeiro eu há quatro semanas. Sinto muito desapontá-lo, mas nunca fui diferente.
— Não estou nem um pouco desapontado — Joe assegurou-lhe, olhando-a de maneira penetrante. — Tive uma visão de seu verdadeiro eu esta tarde. Não vou permitir que se feche para mim novamente.
Gina endireitou o corpo. Seus olhos estavam frios e duros.
— Você se superestima. Não vá pensando que me conhece assim. Não sabe nada de mim… nem vai saber, pois não pretendo lhe dar essa oportunidade! — Com passadas largas, caminhou até a casa e entrou.
— Está querendo dizer que não vai querer me ver mais? — Joe perguntou, entrando atrás dela. — Por que não?
— É o tipo da pergunta irrelevante, mas, se quer saber, não temos nada em comum.
— Como não? Nos demos tão bem esta tarde!
— Me dou bem com quem quer que queira conversar sobre meu trabalho.
— E eu adoro a mulher que fica tão animada quando discute seu trabalho. Vamos chamá-la de volta.
— Não seja ridículo!
— Tenho certeza de que se ela fosse beijada como merece não hesitaria em voltar. — Ele achou graça de ver a cor fugir-lhe do rosto.
Gina deu vários passos para trás.
— Não… não se atreva a tocar em mim!
— Não. Fique sossegada. Uma vitória desse jeito não me satisfaria. — Depois de um pequeno e tenso silêncio, ele deu um suspiro, quase um lamento. — Acho que está na hora de eu ir.Obrigado pelo delicioso almoço e pela tarde encantadora. Estou na Nova Zelândia por apenas mais seis semanas, por isso não se preocupe, não vai ter de me aturar por muito tempo.
— Não quero vê-lo novamente, Joe. Será que entende?
— Tomei nota de seu telefone — disse, batendo a mão no bolso. — Vou telefonar da próxima vez, antes de vir. — Com um ligeiro sorriso e apenas um aceno de mão, ele atravessou a porta e desapareceu jardim afora.
Fora-se. Gina desmoronou na primeira cadeira que encontrou na cozinha, Que homem! Era incorrigível, um arrogante.
Entretanto, o alívio de sua partida e toda indignação que havia suscitado desapareceram quase que imediatamente, quando sentiu o vazio que sua partida deixara. Enquanto estava lá, a casa parecia ter ganhado vida, energia calor. O silêncio tornou-se insuportável e Gina sentiu-se estranhamente oprimidas quase desejando sair dali também. Lutou, porém, contra essa sensação. Ligou o rádio bem alto e foi lavar a louça do almoço para se ocupar, fazendo o maior barulho possível.
Capítulo IV
Passaram-se três dias e três noites sem que o telefone desse qualquer sinal de vida. Apesar de sentir-se exausta à noite, Gina não conseguia dormir e se recusava a admitir a causa de sua insônia. Desde que conhecera aquele homem execrável perdera o sono, mas preferia acreditar que fosse mera coincidência.
Eram quase nove horas quando o telefone tocou, na quarta noite. Estava lendo no sofá e seu coração disparou ao som da campainha estridente. Levantou-se e foi atender, vencendo a tentação de não fazê-lo, tal era o pânico que lhe causava a certeza de ouvir a voz de Joe de novo.
Mas, ao ouvir a voz do outro lado do fio, a tensão se dissipou e ela sentou-se na poltrona próxima ao telefone:
— Mamãe, que bom ouvir sua voz! Como vai!
— Nunca me senti melhor. E você? Achei suas últimas cartas meio desanimadas.
— Tudo bem. Na verdade, sofri um pequeno acidente e andei com o moral meio baixo, mas já está tudo em ordem.
— Acidente? Que acidente? No trabalho?
— Não. — Gina hesitou por um momento. — Fui atropelada por um carro.
— Gina! — A voz da mãe estava assustada — Por que não me chamou?
— Não foi nada sério, mãe. Não havia razão para preocupá-los — Dada a insistência materna, Gina acabou por lhe contar os detalhes do que acontecera, omitindo, porém, a observação do médico de que a recuperação havia sido lenta por causa de seu estado emocional.
— Está tudo bem agora, por isso não se preocupe. Logo estarei aí com vocês. O aniversário de papai é daqui a duas semanas, não é?
— É sim, querida, por isso estou telefonando. Para lembrá-la.
Gina riu.
— Não preciso de lembretes, mamãe. Não vejo a hora de estar com vocês. Aliás, quero ver se começo a fazer isso com mais freqüência.
— Que bom! Sabe, Gina, estamos planejando uma festa e eu gostaria que trouxesse algum amigo com você. Tem saído com alguém?
— Você não perde as esperanças, hein? — comentou Gina, rindo. — A resposta, porém, ainda é a mesma. Não tenho ninguém. Não dá tempo para essas coisas. Vai muita gente?
— Umas setenta pessoas. Wiremu e os irmãos estão organizando um hangi, por isso não vamos ter problemas com o cozimento da carne e das batatas. O resto é fácil.
— Gostaria que eu chegasse um ou dois dias antes para lhe dar uma mãozinha?
— Não… acho que não é necessário. Na verdade, parece que vou ter ajuda de quem não esperava. — A mãe fez uma pausa e Gina perguntou, curiosa:
— De quem?
— Bem, recebi um telefonema de Sidnei ontem à noite.
Bastaram aquelas poucas palavras para que seu sangue quase gelasse nas veias. Ficou de pé no mesmo minuto.
— Da Colette?
— Sim. Ela disse que gostaria de voltar a viver na Nova Zelândia, mas só pode decidir estando aqui. Acha que chegará a tempo para o aniversário de Howard.
Com tato e diplomacias sua mãe havia evitado tocar no assunto que sempre seria o pomo da discórdia entre sua irmã e ela, sabendo o quão profundamente a afetava. Deixava a Gina a iniciativa de tocar no assunto, se quisesse. Naturalmente, sabia que não desligaria sem formular a pergunta crucial:
— E o Norrie?
A mãe deu um suspiro.
— Ele também vem, querida. Sinto muito.
— Tudo bem, mãe — Gina tentou falar com naturalidade. Não havia nada que pudesse fazer. Coisas como aquela simplesmente aconteciam.
— Você vem mesmo assim, não vem?
— Claro — concordou, não se permitindo hesitar.
— Que bom… agora estou mais tranqüila. Tente trazer um amigo, Gina.
— Vou fazer o possível.
Depois de desligar o telefone, Gina caminhou devagar até a cozinha para tomar um copo de leite quente. Precisava de toda e qualquer ajuda para tentar dormir aquela noite. Olhou, porém, para o leite no copo e sentiu que ficaria nauseada se o tomasse. Sentou-se e apoiou a cabeça no braço.
Colette e Norrie. Então ainda estavam juntos. Juntos sem terem se casado depois de tanto tempo! Caso tivessem casado, sua mãe certamente lhe teria dito. Como conseguiria enfrentá-los?
Como num filme, vieram-lhe à mente todos os acontecimentos daquele dia, há cinco anos. Mais dez ou cem poderiam se passar, que jamais se esqueceria. O dia de seu casamento, quando sua irmã fugira com seu noivo.
Para a pequena comunidade de Kaimoana, era o casamento do ano. Norrie Freeman era filho de um dos mais prósperos fazendeiros da região e ia se casar com ela, uma jovem muito popular, filha também de um fazendeiro, se bem que não tão rico. Era um acontecimento para marcar época. E acabou mesmo marcando, embora por uma razão bem diferente.
O cortejo nupcial já se dirigia para a igreja mais antiga e tradicional da cidade. Ela estava radiante, num original vestido de noiva de sua própria criação. Eis que o carro que a levava à igreja foi interceptado por um primo de Norrie, a quem havia sido delegada a desagradável missão de avisar à noiva e seus acompanhantes de que o noivo havia fugido para a Austrália, e com a irmã de Gina.
Foi quase impossível suportar aquela traição. Sabia que sua irmã estava um pouco interessada em Norrie. Ela mesma nunca tinha feito questão de esconder isso. Flertava abertamente com ele sempre que podia. O ciúme que sentia da irmã mais velha acabara criando um abismo entre elas. Recusara-se a ser a principal dama de honra e tornara-se desde então mais petulante e difícil do que nunca.
Gina não se deixara perturbar pelo fato, por considerar a irmã uma criança. Achava que atravessava uma crise da adolescência. Tê-la subestimado foi seu maior erro. Colette estava com dezoito anos e talvez nunca tivesse sido criança. Norrie ficara enfeitiçado por aquele rosto de menina num corpo bem-feito de mulher, e não se importara em relegar para segundo plano os sentimentos que nutria por Gina, pouco ligando também para sua reputação, o bom nome da família e seu futuro. Não levara em conta sequer a imensa propriedade que um dia herdaria, com seus dois irmãos.
Aos vinte e dois anos, Gina fora forçada a descobrir que certas mulheres possuíam um carisma, quase que um magnetismo animal, que as tornava capazes de manipularem os homens a seu bel-prazer. Colette possuía esse dom. Ela não.
Não podia perdoar a irmã pelo que tinha provocados pelos anos de frustração e sofrimento que a fizera passar. Sempre soubera, porém, que mais dia menos dia teria de reencontrar os dois, e agora chegara o momento. Não seria capaz de enfrentar esse encontro sozinha, precisaria de apoio. Mas de quem?
O nome de Joe veio-lhe imediatamente à cabeça, mas rejeitou-o no mesmo instante. Não queria arranjar mais um problema.
O tempo passava no entanto. À medida que a data se aproximava, como não tivesse feito novos amigos, Gina admitiu que não teria outra alternativa senão convidá-lo, e principiou a lamentar não ter aceito sair com ele, uns dias antes.
Por sorte, o homem era persistente e, quando telefonou novamente, Gina até gostou dessa faceta da personalidade dele. Aceitou prontamente seu convite para jantar.
Quando mais tarde, procurando aparentar a maior naturalidade,

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