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P 079 O Inferno Atômico Kurt Mahr

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O INFERNO ATÔMICO
Autor 
KURT MAHR
Tradução 
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão 
ARLINDO_SAN
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500 mil homens aguardam — 
Será que o chefe está morto?
Poucos dias após a morte de sua esposa, Perry Rhodan, administrador do Império Solar, apresenta um plano por meio do qual pretende desferir um ataque relâmpago, afim de pôr fora de ação o computador positrônico.
São 500 mil homens decididos a destruir o principal inimigo da Terra!
Porém a ordem de ataque foi suspensa, pois Fera Cinzenta, onde se encontram quatro pessoas proeminentes do Império Solar, transformou-se numa bola de fogo...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Major Paul Brackett — A catástrofe é causada por um pequeno defeito técnico nas instalações amortecedoras de sua nave.
General Conrad Deringhouse — 500 mil homens aguardam sua ordem de ataque.
Perry Rhodan, Reginald Bell, Atlan e Fellmer Lloyd — Os homens desaparecidos em Fera Cinzenta.
Mike Judson — Comandante da base de Fera Cinzenta.
Lathon — Um arcônida que sabe demais.
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1
No momento em que a transição terminou, Paul Brackett viu a fileira de linhas angulosas verdes que corria rapidamente sobre a tela do oscilógrafo. Paul Brackett ainda sentia a dor provocada pelo hipersalto, mas compreendeu imediatamente o que significavam essas linhas.
O pânico tomou conta dele!
A Rigel, um cruzador pesado da frota terrana, estava regressando à base espacial de Fera Cinzenta. Estivera nas proximidades da área de superposição, onde se verificava o encontro entre o plano temporal dos druufs e o do Universo einsteiniano, e descarregara material destinado à base secreta de Hades, levando-o ao destino por meio do transmissor fictício. A operação consumira algumas horas, durante as quais a metade dos oitocentos tripulantes ficava de olho no espaço, a fim de verificar a eventual aproximação das naves da frota arcônida de bloqueio. Tal grupamento mantinha vigilância contínua sobre a área de superposição e rechaçava os druufs toda vez que estes tentavam transferir-se para o Universo einsteiniano. Os arcônidas não conheciam a base terrana de Fera Cinzenta, e, por enquanto, uma das coisas que mais preocupava os homens da Terra era que ela continuasse em segredo.
Em virtude disso, as naves terranas que trafegassem entre Fera Cinzenta e a área de superposição, situada a apenas alguns anos-luz de distância, e que constituía a área de operações da frota de bloqueio arcônida, viam-se obrigadas a tomar todas as precauções possíveis, para que as naves de Árcon não lhes seguissem a pista e fossem ter com a base espacial.
Durante as últimas semanas, haviam conseguido esse intento, o que representava uma obra-prima da técnica de camuflagem, fato que ninguém se atreveria a contestar. No entanto, Paul Brackett tinha certeza de que, naquele momento, estava começando a catástrofe.
As linhas angulosas deslizaram pela tela, da esquerda para a direita, e logo desapareceram. Tudo não demorara mais que dois segundos ou dois segundos e meio. Mas os espiões de rádio do regente de Árcon estavam em toda parte, e a atenção que dispensavam a qualquer sinal permitiria que não lhes escapasse um reflexo ainda mais breve.
O oscilógrafo da nave de Paul Brackett estava acoplado ao neutralizador de vibrações. Esse aparelho evitava que a energia desprendida pelo mecanismo hiperpropulsor, no início e no fim de cada transição, se espalhasse pelo espaço, pois era absorvida pela própria nave.
Se o neutralizador funcionasse perfeitamente, Paul Brackett não teria visto os ângulos verdes. Acontece que ele os vira; logo, o neutralizador não funcionara como devia. A energia remanescente da transição fora descarregada para o espaço, e, em algum ponto, situado no máximo a cinco anos-luz, um arcônida, especialista em localização, estaria empenhado em interpretar os estranhos sinais. Face à sua estrutura situada na quinta dimensão, o campo de ondulações gerado pela descarga energética se espalharia com uma velocidade infinita.
Não havia a menor dúvida de que os arcônidas não levariam mais que alguns minutos para descobrir o significado desses sinais. E, dali a pouco mais de dois minutos, saberiam de que ponto do espaço estes partiram.
E esse ponto ficava a apenas vinte unidades astronômicas de Mirta, o astro central do sistema de Fera Cinzenta. Assim que descobrissem o ponto de origem das ondulações, os arcônidas saberiam onde deveriam prosseguir com suas buscas.
Paul Brackett deu o alarma. O uivo das sereias encheu todos os recantos da enorme nave. As palestras foram interrompidas e os homens moveram-se rapidamente, a fim de dirigir-se aos seus postos.
Paul Brackett pegou o microfone do sistema de intercomunicação e explicou o que havia acontecido. Enquanto isso, o oficial de rádio transmitiu um relato resumido para Fera Cinzenta.
— Podemos esperar qualquer coisa — concluiu Brackett. — Inclusive a presença de uma frota arcônida composta de dez mil unidades que venha para destruir a base de Fera Cinzenta.
* * *
A decolagem em massa estava em pleno andamento. Uma após outra, as naves desprendiam-se do solo e subiam ao céu azul, com os propulsores cantantes. Os gigantescos couraçados também subiam com igual leveza e elegância.
A frota terrana pôs-se a caminho. Viajaria de Fera Cinzenta para Árcon, a fim de oferecer ao computador-regente uma demonstração concreta do que os terranos pensavam de um falso aliado.
Foi o grande dia de Perry Rhodan: 23 de outubro de 2.043. O poder da Terra concentrava-se para o grande golpe contra Árcon. A Terra estava prestes a oferecer às potências galácticas uma demonstração do papel que, dali em diante, pretendia desempenhar.
As unidades da frota, comandadas pelo General Deringhouse, reuniram-se num ponto afastado de todas as rotas de navegação espacial, isto é, a quinhentos anos-luz de Fera Cinzenta. Nesse planeta só ficaram vinte e três naves e o pessoal estritamente necessário ao funcionamento da base. Isto se devia ao fato de que algumas unidades ainda se dirigiam à área de superposição — local onde se fazia o aprovisionamento da base de Hades, situada no plano temporal dos druufs — ou de lá regressavam.
A Rigel, por exemplo, ainda estava fora.
Todavia, em Fera Cinzenta permaneciam quatro pessoas que teriam de liquidar alguns assuntos importantes. Só se uniriam à frota, pouco antes do ataque a Árcon.
Estes quatro indivíduos eram Perry Rhodan, Atlan, o arcônida, Reginald Bell e o mutante Fellmer Lloyd.
Encontravam-se num abrigo subterrâneo situado fora da área da base propriamente dita. Dali extraíam do setor de processamento as últimas normas relativas à ação que seria desencadeada contra o computador-regente.
O trabalho foi iniciado pouco depois das onze horas, tempo de Terrânia.
Às onze horas e trinta e quatro minutos, um cruzador pesado chamado Rigel, comandado pelo Major Paul Brackett, concluiu seus trabalhos na área de superposição e, adotando todas as precauções, iniciou a viagem de volta para Fera Cinzenta.
As tarefas foram distribuídas entre os homens, que trabalharam com a concentração peculiar aos indivíduos que querem fazer um serviço rápido e esmerado.
Quem forneceu o primeiro relato intermediário foi Reginald Bell. Este tinha à sua frente uma folha saída da máquina, repleta de cifras. Leu-a atentamente e depois de algum tempo disse:
— O momento decisivo deve ser adiado pelo menos por quatro horas.
Não olhou para trás; continuou a fitar atentamente a folha. Apesar disso, tinha certeza de que todos interromperam seu trabalho e olhavam para ele.
— São muitas ramificações, não é? — perguntou Rhodan.
— Exatamente — respondeu Bell. — A máquina apurou duas mil quatrocentas e trinta e quatro alternativas. E cada alternativa encerra, em média, cinco subalternativas, parte das quais poderá ser recombinada no estágio final.
Levantou os olhos.
— Estas informações ainda deverãoser programadas e introduzidas nos autômatos das naves — prosseguiu. — É verdade que a programação pode ser concluída em trinta minutos, mas sua distribuição levará mais tempo.
Perry Rhodan virou-se na poltrona, ficando de costas para a mesa de programação. Atlan, o arcônida, estava sentado à sua direita. Tinha o cotovelo esquerdo apoiado na mesa. Lançou um olhar pensativo para Reginald Bell.
— Sugiro cancelarmos todas as alternativas e subalternativas que apresentem um nível de probabilidade inferior a zero vírgula quatro — disse.
Perry Rhodan sorriu.
— Vejo que o almirante dispensa a prudência costumeira e se declara disposto a concordar com procedimentos simplificados — disse em tom irônico.
— Você sabe perfeitamente que o momento X não pode ser adiado indefinida mente — respondeu Atlan. — As naves do regente estão em toda parte. Assim que descobrir a concentração de unidades terranas, saberá o que está em jogo, e, depois disso, será tarde.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Eu sei. Acontece que, se eliminarmos todas as alternativas, de probabilidade inferior a zero vírgula quatro, estaremos assumindo um risco muito grande. A probabilidade de zero vírgula quatro não é pequena, se considerarmos que a cifra um representa a certeza absoluta.
Atlan manteve-se calado.
— Vamos falar em termos mais concretos — sugeriu Bell. — O computador descobriu um total aproximado de cinco mil alternativas básicas, ou seja, cinco mil maneiras diferentes pelas quais o regente poderá reagir ao nosso ataque. Essas cinco mil alternativas, em conjunto, têm uma probabilidade de zero vírgula noventa e oito. A fração de zero vírgula zero dois, que falta para atingir a unidade, distribui-se por outras dez mil alternativas básicas, que a máquina deixou de indicar uma por uma, porque seu grau de probabilidade é muito reduzido. Abandonamos todas as alternativas básicas, cuja probabilidade seja inferior a zero vírgula zero seis. Com isso, o número de alternativas básicas baixou para dezessete.
“Consideremos uma das alternativas básicas. A reação do regente poderia consistir na retirada da frota de bloqueio. Nesse caso teríamos, dentro de alguns minutos, mais de dez mil naves pelas costas. O grau de probabilidade desta alternativa básica é de zero vírgula treze. Logo, inclui-se entre aquelas que devem ser consideradas.
“Passemos às subalternativas. Segundo uma delas, o regente, em vez de nos atacar com a frota de bloqueio retirada da frente de combate, manda que ela proteja Árcon III, ordenando que forme um anel de naves em torno deste mundo. A probabilidade desta subalternativa é de zero vírgula quarenta e quatro, ficando acima do limite sugerido por Atlan. E é igualmente provável que o regente dê ordem para que essa frota nos ataque.
“Resta, portanto, uma probabilidade de zero vírgula doze por outra ou outras subalternativas. Entre elas se conta, por exemplo, a de que a frota de bloqueio pouse em Árcon II, leve certos materiais importantes, entre esses, talvez, algumas peças do próprio regente, e desapareça com os mesmos, fazendo pouco de nós. Se seguíssemos a sugestão de Atlan, deveríamos abandonar esta subalternativa.”
Suspirou e passou a mão pelos cabelos curtos.
— Sou de opinião que não nos podemos permitir o luxo de proceder assim.
— Também tenho opinião idêntica — disse Rhodan em tom sério. — A idéia é boa, mas a proposta é muito radical. Vamos eliminar todas as alternativas cuja probabilidade seja inferior a zero vírgula um. Qual seria o número de alternativas que restaria depois disso?
Reginald Bell fez alguns cálculos.
— Trinta e cinco — respondeu.
— Isso basta. E procederemos da mesma forma com as subalternativas. Com quantas ficaremos?
— Quarenta e uma subalternativas e... — desta vez, os cálculos foram mais demorados — ...zero vírgula 937 de probabilidade de...
Perry Rhodan bateu com a mão espalmada na mesa.
— Isso basta! — decidiu. — E basta, mesmo que consideremos que o regente fará o possível para escolher uma reação pouco provável.
— Está bem — concordou Bell. — Neste caso, só resta confeccionar as matrizes de programação. Vamos fazer uma para cada unidade?
— Duas — ordenou Rhodan.
Atlan, o arcônida, continuava imerso em profundas meditações.
— Não está de acordo, almirante? — perguntou Rhodan, virando o rosto em sua direção.
Atlan sacudiu a cabeça. Isso poderia significar um não, ou então, que a formulação da pergunta não fora correta.
— É muito arriscado — disse. — Quem dera que eu estivesse em condições de provar isto, Perry. Mas por enquanto não sei onde está o problema — levantou a cabeça.
— Na minha opinião deveríamos esperar mais alguns meses. Você tem certeza absoluta de que não foi o ressentimento causado pela morte de Thora que lhe incutiu este plano?
Perry Rhodan tinha uma resposta na ponta da língua. Mas resolveu refletir um pouco. Levou algum tempo para responder.
— Não tenho certeza absoluta, arcônida — confessou em tom inseguro. — É possível que a causa disto seja a morte de Thora. Mas para que havemos de preocupar-nos com isso? Já refletimos centenas ou mesmo milhares de vezes sobre cada lance do jogo que pretendemos lançar. E nossos planos não foram elaborados com o maior cuidado? O computador positrônico não apurou, com absoluta segurança, que nas circunstâncias atuais a probabilidade de que a missão seja bem sucedida é superior a noventa por cento? Será que, com tudo isso, ainda faz alguma diferença que a verdadeira causa da ação seja analisada?
Atlan refletiu.
— Acho que faz diferença. Geralmente um plano concebido em estado de excitação tem algum erro. É claro que a existência do erro independe do fato de que nós o conheçamos ou não.
— Se houvesse um erro, o computador positrônico o teria descoberto — respondeu Rhodan.
O fato de Atlan não concordar inteiramente com seus planos deprimia-o de uma forma estranha. Desde o momento em que começaram a trabalhar lado a lado, praticamente não houvera nenhuma divergência entre eles. Esta era a primeira vez que não concordavam sobre um assunto de grande importância.
Numa questão de segundos, Perry Rhodan rememorou os motivos que o haviam levado a acreditar que este seria o momento mais favorável para lançar o ataque contra Árcon. E ainda desta vez não encontrou qualquer erro.
Como os computadores também não houvessem constatado qualquer ponto falho, concluiu que Atlan era um pessimista. Talvez isso tivesse sua origem no fato de que, embora estivesse sendo governado por um gigantesco computador, Árcon era sua pátria. E, quando a pátria está em jogo, os sentimentos sempre desempenham papel relevante.
Perry Rhodan olhou para o relógio. 
Eram onze horas e trinta e quatro minutos.
* * *
As naves não apareciam nas telas de visão global. Mas as telas foscas verde-escuras dos instrumentos de localização as mostravam como pontos de interseção de uma rede uniforme de malha fina.
Pensativo, o General Deringhouse lançou um olhar para o quadro. Estavam todas reunidas: eram vários milhares de naves, prontas para incutir ao computador-regente de Árcon algum respeito por seu “aliado” terrano.
Pelos padrões terranos, era uma frota gigantesca. À medida que contemplava o quadro, Deringhouse teve a impressão de ter uma sensação física de força incorporada nestas naves. Sabia até onde chegava o poder das mesmas. Estava perfeitamente ciente de que o potencial energético da frota, manipulado por um indivíduo irresponsável, seria capaz de desagregar e destruir vários sistemas solares...
Bem, o sistema de Árcon também era um sistema solar. Não havia dúvida de que era rodeado por um gigantesco anel de fortificações, mas continuava a ser apenas um sistema solar.
“A dificuldade consiste em avançar rápida e profundamente”, pensou. “Se conseguíssemos isso, o regente perderia a guerra antes que a mesma tivesse começado.”
Desviou os olhos do quadro.
“O golpe será bem sucedido”, voltou a refletir Deringhouse. “Quando estivermos sobre Árcon, ocomputador-regente ainda estará ocupado com o problema dos druufs. Depois disso, as coisas serão diferentes na Galáxia. Teremos liberdade de movimentos. Já não precisaremos realizar acrobacias mentais para manter em segredo a posição galáctica da Terra e das nossas principais bases.
“Já deveríamos tê-lo feito há muito tempo”, continuou a pensar, prosseguindo no seu raciocínio. “Sabemos perfeitamente que, nos últimos dezessete anos, o regente não realizou nenhum progresso técnico. Já o excedemos em qualidade, e faremos tudo para que a quantidade não venha a ser o fator decisivo.”
Deringhouse tinha certeza de que os oficiais superiores pensavam da mesma forma. O golpe contra Árcon estava no ar há dois anos. Nos últimos meses tiveram, por assim dizer, que prender o ar para não pôr tudo por água abaixo.
Deringhouse voltou a examinar a tela. Quinhentos mil homens aguardavam ansiosamente o momento em que pudessem dar provas de seu valor.
— Cuide-se, Árcon! — balbuciou.
Às onze e trinta e seis, hora de Terrânia, o posto de observação da nave capitania captou um ligeiro impulso, causado pela transição de uma espaçonave desconhecida. Essa transição foi realizada a quinhentos anos-luz de distância.
Mesmo depois de cientificado, o General Deringhouse não atribuiu maior importância ao impulso. A quinhentos anos-luz do lugar em que se encontravam, a frota de bloqueio arcônida aguardava outra investida dos druufs. Provavelmente uma de suas unidades realizara uma transição a curta distância, dando origem ao impulso.
Não valia a pena quebrar a cabeça sobre isso.
* * *
Paul Brackett recebeu ordens para afastar-se do sistema de Fera Cinzenta o mais rápido possível. O comandante da base tomou essa decisão sem consultar Perry Rhodan. Era evidente que a decisão deste não seria outra. Devia-se impedir que os arcônidas descobrissem Fera Cinzenta. E, para isso, a Rigel não deveria prosseguir diretamente em direção à base, mas afastar-se do sistema.
O Major Brackett prontamente iniciou outra transição. Já sabia que seu neutralizador de vibrações entrara em pane, motivo por que os arcônidas seriam capazes de medir também esse novo salto. Esperava que assim pudesse confundi-los, muito embora no fundo essa esperança fosse um tanto suicida. Se os confundisse, faria com que a Rigel fosse perseguida, e só mesmo o deus de pele escamada e cabeça de dragão dos tópsidas seria capaz de dizer o que os arcônidas fariam com uma nave terrana isolada, se conseguissem encontrá-la.
A transição afastou a Rigel cerca de trinta anos-luz de Fera Cinzenta, e isso numa direção diversa da Terra e da concentração das naves de guerra comandadas pelo General Deringhouse.
Os tripulantes continuaram a guarnecer as posições de artilharia. Paul Brackett anunciava que, se atacada, a Rigel se defenderia, por maior que fosse a superioridade do inimigo.
Mas o ataque não se verificou.
O que se seguiu foi uma série de impulsos, produzida por centenas de transições realizadas em seqüência rápida num trecho de alguns poucos anos-luz.
Não podia haver a menor dúvida sobre o significado desse fato.
Paul Brackett sentiu a boca seca.
* * *
O intercomunicador chamou.
Perry Rhodan olhou para o relógio.
Eram onze e trinta e quatro.
O rosto do Tenente Judson dizia mais que um discurso de cem palavras. Os olhos de Judson estavam arregalados de medo e os pingos de suor brilhavam em sua testa.
— Alarma, Sir! — gritou. — Uma frota arcônida está atacando a base. Ainda temos...
Perry Rhodan interrompeu-o. Sua reação foi a de uma máquina. Não se via o menor sinal de surpresa, susto ou medo. Numa fração de segundo, avaliou a situação.
— Por que aconteceu isso? — perguntou.
— Foi a Rigel — respondeu Judson com a voz triste. — O neutralizador falhou; localizaram-na imediatamente.
Perry Rhodan não levou mais de um segundo para avaliar todas as chances que lhe restavam. Não eram muitas.
— Procure rechaçar os arcônidas! — ordenou. — Mande guarnecer todas as posições de defesa. As naves deverão ficar no solo. A partir deste momento, as decolagens estão suspensas. Ainda existe uma chance pequenina de os arcônidas passarem por Fera Cinzenta e descarregarem sua raiva contra Peep. Quanto tempo ainda nos resta?
— Dez minutos, Sir — respondeu Judson em tom apressado. — Se até lá não mudarem de rota, poderão reconhecer a base a olho nu.
Rhodan confirmou com um gesto.
— O que está fazendo a Rigel?
— Seguiu as instruções que lhe foram ministradas, afastando-se do planeta. Achei preferível afastar a nave quanto antes de nosso sistema.
Perry Rhodan rememorou rapidamente...
A Rigel era comandada pelo Major Brackett. E Brackett não seria capaz de levar uma nave, cujo neutralizador estivesse avariado, para a Terra ou qualquer outro lugar onde houvesse segredos importantes. Quanto a isso, não precisaria preocupar-se.
— Está bem — disse Perry Rhodan, encerrando a palestra. — Mantenha-nos informados.
Antes que Judson desligasse, virou-se. Atlan, Bell e o mutante Fellmer Lloyd fitaram-no.
— As coisas estão ruins — disse Rhodan em tom tranqüilo.
O arcônida suspirou.
— Sabia que haveria um problema. 
Perry Rhodan esboçou um sorriso amargo.
— Não havia nenhum problema que razoavelmente pudesse ser previsto — retrucou. — De qualquer maneira, você tem razão. Mas isso não altera nada.
Mantiveram-se calados por algum tempo. Finalmente Rhodan levantou-se e foi a uma das portas que davam para os corredores situados entre a sala de computação e os outros recintos do abrigo subterrâneo. Ao se aproximar da porta, virou-se.
— Acabo de me lembrar de uma coisa — sua voz não revelava a menor comoção.
— É possível que os arcônidas acreditem que Fera Cinzenta seja a Terra. Isso não acontecerá, se ficarem com os olhos bem abertos. Mas acho que estão muito nervosos... Nesse caso será altamente provável que lancem algumas bombas muito perigosas, como por exemplo, bombas de Árcon, que desencadeiam incêndios atômicos inextinguíveis. Eu lhes recomendaria que colocassem os trajes protetores.
Saiu. Aos poucos, seus passos firmes foram se afastando pelo corredor.
Já durante a palestra com Judson, havia avaliado corretamente a situação. Agora podia concentrar sua atenção inteiramente sobre aquilo que tinha pela frente, era claro que os arcônidas encontrariam Fera Cinzenta. Seria inútil convocar Deringhouse e sua frota. Não havia dúvida de que a mesma seria capaz de rechaçar os atacantes. Porém, nesse caso, sofreria pesadas perdas. E a Terra não podia dispensar uma única das suas naves. E, o que era o principal, havia uma coisa que Deringhouse não conseguiria fazer: impedir que os arcônidas lançassem bombas. Chegaria tarde. Portanto, era preferível que continuasse onde se encontrava.
Afinal, o que estava em jogo aqui era apenas o destino de uma base. E essa base não era muito importante. Além das vinte e três naves ali estacionadas — tratava-se de veículos pequenos, destinados apenas ao transporte — não havia muita coisa a perder em Fera Cinzenta. O grosso da frota encontrava-se, sem que os arcônidas o soubessem, a quinhentos anos-luz de distância. Não havia nenhum perigo para a Terra e a Humanidade...
A não ser que, provavelmente, dali a cinco horas, Perry Rhodan estaria morto...
* * *
A calma inabalável de Perry Rhodan transmitiu-se ao Tenente Judson. Com alguns movimentos rápidos, ligou o sistema de intercomunicação geral. Todos os homens que se encontrassem em algum recinto fechado poderiam ouvi-lo.
As ordens eram rápidas e precisas.
— Todos se dirigirão aos seus postos. Até segunda ordem fica proibido sair do planeta. Temos pela frente algumas horas difíceis, mas conseguiremos atravessá-las.
Quando proferiu estas palavras eram onze horas e cinqüenta e um. Às onze horas e cinqüenta e três minutos, Judson e o posto de observação espacial tiveram certeza absoluta de que Fera Cinzenta constituía o objetivo dos arcônidas. Sua rota dirigia-se diretamente ao planeta.Mike Judson ordenou aos postos de foguetes que disparassem, assim que as naves arcônidas se aproximassem a menos de dois mil quilômetros da superfície do planeta.
Isso aconteceu às onze horas e cinqüenta e oito minutos. Às doze horas em ponto os primeiros foguetes disparados pelo sistema defensivo da base atingiram o alvo. Alguns sóis ofuscantes surgiram nos céus de Fera Cinzenta, mergulharam a paisagem numa luz colorida e voltaram a desaparecer. Mike Judson pegou o microfone do intercomunicador, apertou alguns botões e esperou que o rosto de Reginald Bell surgisse na tela.
— O ataque começou, Sir — anunciou laconicamente. — Na primeira investida destruímos dez naves arcônidas.
Reginald Bell sorriu.
— Bendito seja seu otimismo, Judson - respondeu. — Pelo que sei, são ao todo mil naves.
Era um fato que Judson não podia contestar. Os postos de observação espacial já haviam apurado o número exato de naves. A frota atacante era formada por mil e duzentas unidades pesadas e ultra pesadas.
— Faremos o que estiver ao nosso alcance, Sir — asseverou Judson.
— Não tenho a menor dúvida — respondeu Reginald Bell. — Estamos subindo para dar apoio ao senhor.
Mike Judson parecia surpreso. Esteve a ponto de responder alguma coisa, mas nesse instante sentiu-se ofuscado por um relâmpago que emitia uma luminosidade insuportável!
O rosto de Reginald Bell desapareceu em meio a uma confusão de anéis coloridos chamejantes...
Subitamente, a lâmina de plástico transparente, pela qual Judson olhara para a ampla superfície do espaçoporto, partiu-se. Sentiu-se agarrado por um punho de gigante que o arrancou da cadeira e o atirou contra a parede. Judson soltou um grito de dor. Por alguns segundos ficou deitado no chão, quase inconsciente. Mas para sua surpresa, conseguiu levantar sem qualquer dificuldade.
Era bem verdade que a sala na qual se encontrara ainda há pouco não existia mais. Uma cadeira quebrada estava a seu lado. A pressão desencadeada pela explosão atirara as paredes e o teto a algumas centenas de metros de distância, reduzindo tudo a um montão confuso de destroços.
No centro do campo de pouso, o raio incandescente de uma pequena bomba nuclear subia. Judson sentiu o calor irradiado pela mesma. Ainda bem que no momento crítico, ficara protegido pela lâmina de plástico transparente. Se não fosse ela, a essa hora estaria reduzido a cinzas.
A lâmina já não existia!
A próxima bomba o encontraria ao ar livre, sem a menor proteção, e completaria o que a primeira deixara de fazer. Olhou em torno. Mais adiante havia algumas construções baixas que escaparam aos efeitos da explosão. Estavam ligeiramente inclinadas, mas continuavam de pé. Correu para lá. Por estranho que pudesse parecer, não estava com medo. Apenas desejava um intercomunicador que lhe permitisse manter contato com os subordinados.
Enquanto corria, um foguete defensivo subiu à sua direita. Mike Judson parou e seus olhos acompanharam o artefato com uma expressão de enlevo. Subitamente, viu acender-se, muito acima do azul, a bola ofuscante da explosão. Não ouvira nada, nem o disparo, nem o trovejar do mecanismo propulsor. Levantou a mão direita e estalou os dedos perto do ouvido. Nada!
Tudo continuava em silêncio.
Perdera a audição... Não sabia se a perda era temporária ou definitiva. De qualquer maneira, era a pior coisa que lhe poderia ter acontecido na hora do perigo.
Como poderia dar ordens e receber informações? Desorientado e inseguro, continuou a caminhar.
A bomba nuclear levantara toneladas de pó, que se espalhavam numa nuvem, e esta obscurecia o sol. Começou a escurecer. Os raios fulgurantes dos mecanismos propulsores cortavam a penumbra como os relâmpagos de uma gigantesca trovoada.
Continuando aos tropeços, Judson chegou às primeiras construções. A porta da frente estava “empenada”, mas Judson, animado pela cólera e pelo desespero, conseguiu abri-la com um pontapé.
No interior da construção estava escuro. Ao que parecia, a bomba inutilizara parcialmente o sistema de suprimento de energia da base. Judson tateou à procura do intercomunicador e ligou-o. O sistema de intercomunicação dispunha de suprimento energético independente. A tela e as luzes de controle acenderam-se imediatamente.
Mike Judson refletiu sobre o que deveria fazer. O recinto estava mergulhado num silêncio perigoso e deprimente. Tinha a impressão de estar só no planeta. A luminosidade dos foguetes, a poeira que era tangida pelo vento, os homens que corriam abaixados em meio à escuridão, tudo isso se passava num outro universo com o qual Mike Judson não tinha nada em comum.
Judson fez um esforço para controlar-se. Devia fazer alguma coisa, pois os homens aguardavam instruções. Procurou avaliar quantas dentre as vinte e três naves ainda estavam intactas. As outras oito haviam sido esfaceladas, derrubadas, esmagadas ou fundidas pela bomba nuclear.
Judson resolveu entrar em contato com o posto de observação espacial. A tela mostrou um rosto vermelho, banhado em suor.
— Preste atenção! — gritou Judson. — Não posso ouvi-lo; estou surdo. Responda às minhas perguntas dando um sinal ou escrevendo alguma coisa num pedaço de papel. Entendido?
O homem acenou com a cabeça e disse alguma coisa que ele não ouviu.
— Onde está o inimigo? — perguntou Judson.
O homem do posto de observação olhou para o lado. Por alguns segundos fitou um lugar à sua frente. Depois levantou um pedaço de papel e Mike Judson leu as palavras escritas às pressas:
— Está espalhado por cima do planeta. A altitude média é de mil e quinhentos quilômetros.
“É muito alto para os desintegradores”, pensou Judson bastante desanimado. “E principalmente, está muito espalhado para um bombardeio maciço.”
— Quais são nossas perdas?
Seguiu-se outra ligeira pausa, depois da qual foi apresentado outro papel.
— Oito naves, oitenta e quatro mortos ou feridos. Há perigo de novas perdas, em virtude da radiatividade.
“Os trajes protetores”, pensou Judson, que se sentia perplexo. “Por que não colocaram os trajes protetores?”
Lembrou-se de que ele mesmo ainda não o envergara. Nestes poucos minutos havia acontecido tanto atropelo que ninguém tivera tempo de pensar em outra coisa senão naqueles terríveis acontecimentos.
— Encarregue-se disso por mim — ordenou ao operador de rádio. — Todos deverão colocar imediatamente os trajes protetores. Isso é mais importante que qualquer outra coisa. Avise-me assim que haja algo de novo. Parece que, no momento, os arcônidas se mantêm calmos, não é?
O homem do posto de observação confirmou com um sinal. Judson interrompeu a ligação.
Sabia que não conseguiriam manter a base. Suas instalações defensivas eram muito fracas, isso porque, na época de sua construção, ninguém contara com a possibilidade de que os arcônidas pudessem passar a operar com uma gigantesca frota a poucos anos-luz de Fera Cinzenta.
A proteção mais eficaz da base residia no fato de que os arcônidas não a conheciam. Se eles a tivessem descoberto há alguns dias atrás, a frota ainda estaria por perto para rechaçar qualquer ataque. Mas, naquele momento, só dispunham de algumas pequenas naves de transporte, desarmadas, que se encontravam indefesas diante do próximo ataque. Eram vinte e três, mas oito delas já estavam reduzidas a sucata.
Do lado oeste do campo de pouso, mais um foguete subiu ao céu. Estava equipado com um dispositivo de auto comando. Dentro de poucos instantes, atingiria o alvo e o transformaria numa nuvem reluzente de gases. Os arcônidas sabiam disso. Por que não desferiam logo seu golpe?
Mike Judson olhou pela janela inclinada, fitando a escuridão.
Que faixa de luz amarela era esta que se estendia ao noroeste? Seria um incêndio?
Tolice! Num campo de pouso de cromo plastificado não havia nada que pudesse pegar fogo.
Mike Judson passou a mão pelos olhos. Mas a faixa de luz amarela continuava lá. Tornou-se mais forte e larga e parecia aproximar-se. Judson voltou a chamar o posto de observação. Antes que a telase iluminasse, viu pelo canto dos olhos que os homens do posto de foguetes mais próximo se levantaram e correram desabaladamente pelo campo de pouso, em direção ao edifício do depósito. Dentro de quinze minutos, no máximo, todos estariam usando os trajes protetores.
De tão nervoso, o rosto do homem do posto de observação tornara-se ainda mais vermelho e o suor lhe escorria pela testa.
— Que linha de fogo é esta que se vê no noroeste? — perguntou Judson.
O homem do posto de observação já se esquecera do pedido de Judson; deu uma resposta verbal. Judson viu que seus lábios se moviam; interrompeu-o com um gesto contrariado.
— Escreva!
Dali a alguns segundos, leu o papel.
— Causa desconhecida. Supomos que se trate de um incêndio atômico provocado por bombas de Árcon.
Mike Judson soltou um assobio entre os dentes. Numa fração de segundo, elaborou seu plano.
— Preste atenção. Desligue seus rastreadores e não se preocupe mais com os mesmos. Temos coisas mais importantes a fazer. Diga aos homens que entrem, quanto antes, nas naves que ainda nos restam e dêem o fora de Fera Cinzenta. Por aqui não temos mais nada a ganhar. Entendido?
O homem não acenou com a cabeça. Inclinou-se para o lado e mostrou mais um pedaço de papel. Nele, leu:
— Qual é o destino?
— Nenhum destino — gritou Judson. — Se conseguirem passar pelas linhas das naves arcônidas, deverão dirigir-se a Peep ou qualquer outro planeta do sistema onde possam abrigar-se até que a frota venha buscá-los.
Quando percebeu que o observador ainda hesitava, acrescentou:
— Vamos logo! Não podemos perder tempo!
Apesar disso, o observador escreveu mais um bilhete. Judson leu:
— E o senhor?
— Não se preocupe comigo! — gritou Judson. — Saberei arranjar-me. Desligo.
De qualquer maneira, sentiu-se feliz porque o homem perguntara por ele.
“Tudo em ordem”, pensou, tentando ser otimista. “Dentro de alguns minutos, todos já terão abandonado Fera Cinzenta. Agora preciso arranjar um traje protetor para mim.”
Levantou-se e saiu. Lá fora rugia uma forte tormenta. O ar estava quente e abafado. Mike Judson sentiu-se mal ao pensar que o ambiente exterior devia conter boa dose de partículas radiativas.
Reuniu todas as energias e disparou...
Apesar da frente de fogo amarelo que se estendia ao noroeste, a escuridão era tamanha que receava não achar o caminho do depósito. Procurou localizar os outros homens, mas estes deviam estar passando a mais de dez metros dele, ou então já estavam devidamente escondidos.
Mike Judson compreendeu por que os arcônidas não faziam mais nada. Haviam lançado suas bombas de Árcon em vários pontos do planeta e esperavam até que o incêndio atômico se espalhasse. Não tinham motivo para preocupar-se com os postos de foguetes terranos. Uma das bombas caíra nas proximidades do campo de pouso. Numa questão de minutos o incêndio atingiria as posições defensivas. Ainda acontecia que as naves eram dirigidas por robôs. E o instinto de autoconservação dos mesmos era puramente mecânico, subordinando-se às considerações táticas.
A tormenta fez Judson cambalear. Depois de algum tempo, foi atirado contra um obstáculo que parecia uma casamata. A dor fez Judson praguejar, mas sentia-se satisfeito por ter alcançado o objetivo.
Uma vez no interior, Mike Judson apoiou fortemente o corpo contra a porta e esforçou-se para fechá-la, apesar da tormenta que insistia em mantê-la aberta. Depois disso, encostou-se à parede e descansou para respirar profundamente.
A surdez não o incomodava. Conhecia perfeitamente o interior do depósito. Levou menos de um minuto para encontrar o armário no qual estavam guardados os pesados trajes. Tirou um deles e abriu os fechos.
Em dois minutos conseguiu colocar a pesada armação e fechá-la. Nesses dois minutos ficou olhando pelas amplas janelas e viu cinco manchas luminosas pálidas que se ergueram por cima da parede do fogo e desapareceram em direção ao céu. Eram cinco naves que se punham a caminho, para retirar os homens do inferno atômico de Fera Cinzenta.
Enquanto se dirigia à porta, Judson esbarrou na mesinha sobre a qual estava guardado o intercomunicador. Subitamente lembrou-se de que há quinze minutos — ou seriam duas horas? — Reginald Bell lhe dissera que ele e o arcônida viriam para cima, a fim de dar-lhe apoio...
“Santo Deus! Não terão a menor chance de me encontrar, quanto mais de ajudar-me!”, pensou apavorado.
Com um movimento desajeitado da mão enluvada segurou o microfone. Errou três vezes ao apertar as teclas numeradas, mas finalmente chamou o número do abrigo subterrâneo. A tela iluminou-se, mas a única coisa que Judson viu foi o sinal vermelho de espera. A linha estava desocupada, mas do outro lado não havia ninguém que pudesse responder ao chamado.
Mike Judson sentiu-se dominado pelo pavor. Estavam subindo! Rhodan, Bell, o arcônida e o mutante. Não estavam informados a respeito do incêndio atômico desencadeado pelos arcônidas. Conforme a saída escolhida, poderiam correr diretamente para dentro do fogo.
Isso não deveria acontecer em hipótese alguma!
Mike Judson resolveu voltar.
E voltou!
Agora que envergava o traje pesado e o capacete contra radiações já não sentia o calor trazido pela tormenta. Mas o ar era como uma pesada tábua que tivesse de empurrar com o peito para avançar.
A parede luminosa amarela crescera e espalhava uma luminosidade pálida em meio à poeira. Mike Judson seguiu para a direita, ou seja, para o norte, a fim de chegar à saída do abrigo situado nas proximidades do lugar onde antes ficara seu posto de comando. Não sabia o que deveria fazer para avisar Perry Rhodan e seus companheiros sobre o caos reinante na superfície do planeta. Mas achou que seria boa idéia entrar no abrigo e atravessar o corredor circular do pavimento superior, que ligava as quinze saídas.
Vez por outra, via bolas de luz pálida que subiam à esquerda, no oeste. Eram os mecanismos propulsores das naves que decolavam, cuja imagem sofria uma deformação grotesca produzida pelo calor e pela tormenta. Contara as decolagens e sabia que das quinze naves intactas apenas três ainda permaneciam no solo. Sentiu uma alegria feroz pela fuga bem sucedida dos homens. Fazia votos de que nenhum deles fosse tolo a ponto de esperá-lo na última nave. E torcia para que os veículos espaciais conseguissem atravessar as linhas arcônidas, sem serem notados.
Viu destroços à sua frente. Eram os remanescentes de alguns edifícios. Reconheceu o perfil oval de um tanque de água. O tanque propriamente dito fora arrancado pela explosão, mas sua base continuava intacta.
Judson avançava aos tropeções. A tormenta atirou-o ao solo e arrastou-o por alguns metros. Sentiu uma dor ao bater contra uma coisa dura e pontuda. Ao levantar-se seu peito doía tanto que teve a impressão de estar com uma costela fraturada.
“Só faltava isso!”, pensou. “A entrada do abrigo fica a mais de duzentos metros. Preciso chegar lá.”
Viu que a parede de fogo amarela crescera mais, erguendo-se na altura de uma casa. Ao norte e ao sul, estendia-se a perder de vista. Já devia ter atingido o centro do campo de pouso. Mas não continuava a crescer em altura. Judson percebeu que, na parte superior, sua luminosidade era muito menos intensa que na inferior. Sem querer, lembrou-se do que aprendera sobre as bombas de Árcon. Uma vez reguladas para o número de ordem de um ou vários elementos, desencadeava, logo após a detonação, o processo de fissão nuclear desses elementos, iniciando um incêndio atômico que só se extinguia depois de consumido todo o “combustível”.
O fato de que o incêndio só se propagava pelo solo, sem estender-se à atmosfera, levava a concluir que os arcônidas preferiram não regular o artefato nuclear para os números de ordem sete e oito, correspondentes ao nitrogênio e ao oxigênio. O efeito das bombas estendia-se aos elementos pesados.
Mike Judson sentiu falta de ar. A dor no peito era insuportável.
“Preciso chegar lá”, pensava.
Prosseguiu, sempre tropeçando,sem saber se estava caminhando na direção certa.
Depois de longo tempo, viu os remanescentes de um edifício. Reconheceu-o. Fora uma das cantinas. Dali em diante, deveria seguir para a esquerda, obliquamente em direção à parede de fogo amarela. Os escombros do muro serviram-lhe de apoio. Arrastando-se por lá, economizava suas forças e conseguia avançar mais depressa.
Só faltavam cinqüenta metros até a entrada do abrigo. Mike Judson nem se lembrou de que a cada passo que dava a temperatura ambiente subia. E também não se lembrou de que, acima de determinado limite de temperatura, o traje que usava deixaria de funcionar. Só se fixava nos cinqüenta metros que faltavam, e na necessidade de vencê-los.
Fungando, suando e gemendo de dor, avançou penosamente em meio a um mundo no qual rugia o caos, mas que era completamente silencioso. Nem se deu conta do irreal da situação. Sentia-se dominado pela idéia de que devia chegar ao abrigo e prevenir Perry Rhodan. Já não olhava para a parede fulgurante da fogueira nuclear que se aproximava pelo pavimento do espaçoporto, e não se dava conta de que sua temperatura seria suficiente para provocar certos acontecimentos perigosos, como, por exemplo, a fusão de duas metades distintas de um catalisador de urânio.
Depois de ter vencido vinte e cinco ou trinta metros dos cinqüenta que ainda faltavam, suas forças o abandonaram. Deu um passo cambaleante e tombou para a frente. Usou a energia que lhe restava para resistir à tormenta mortífera que ameaçava carregá-lo dali.
“Só um instante...”, pensou. “Daqui a pouco poderei andar de novo. Só alguns segundos...”
O raciocínio venceu o corpo.
Mike Judson voltou a levantar-se e prosseguiu cambaleando, embora quase não lhe restassem forças para mover as pernas e resistir à tempestade.
Viu a casinha da guarda do abrigo surgir em meio à bruma da poeira radiativa. A consciência de estar tão próximo do destino deu-lhe novas forças. Tropeçando, fungando, cambaleando, avançava metro por metro, passo a passo. Naquele momento, veio uma lufada escaldante, levantou-o do solo e atirou-o vinte metros para trás. Caiu pesadamente ao solo e, sob a força do impacto, perdeu a consciência.
Isso até parece que aconteceu para que não tivesse de assistir ao inferno que, naquele momento, desabou sobre a base espacial de Fera Cinzenta. Inferno este que, dentro de poucos segundos, devoraria tudo... inclusive Mike Judson.
* * *
Às doze e quarenta e nove, hora de Terrânia, a muralha de fogo atiçada pelas bombas de Árcon atingiu a posição de foguetes XVII, situada na parte norte do campo de pouso. Meia hora antes, um foguete fora preparado para ser disparado. Naquele mesmo instante, foi divulgado o comando do Tenente Judson, para que os ocupantes da base vestissem os trajes protetores. Os homens, que guarneciam a posição, obedeceram à ordem e deixaram o foguete no lugar onde se encontrava. Assim que envergaram os trajes protetores, subiram a bordo das naves de transporte que os aguardavam.
Ninguém se lembrava do foguete, cujo dispositivo de segurança fora destravado.
O fogo derreteu as duas partes do catalisador, reunindo-as numa massa crítica. A temperatura superior a um milhão de graus derreteu a espoleta de fusão do detonador.
Uma bola incandescente de energia nuclear ergueu-se sobre o campo de pouso de Fera Cinzenta, fazendo com que, por alguns segundos, empalidecesse até mesmo a clareza radiante da frente de fogo nuclear.
Às doze e quarenta e nove, hora de Terrânia, a base terrana de Fera Cinzenta deixou de existir.
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2
No momento em que a explosão da bomba nuclear fez estremecer o abrigo, Perry Rhodan compreendeu que iria perder Fera Cinzenta. Os arcônidas estavam atacando. A base não possuía instalações que permitissem uma defesa eficaz. Sua arma mais importante fora o segredo que cercava sua posição galáctica. E agora um acaso ridículo, um defeito num pequeno aparelho, o neutralizador da nave Rigel, arrancara essa arma das mãos dos terranos. Fera Cinzenta estava praticamente indefesa diante do ataque tremendo do inimigo. A frota terrana encontrava-se a quinhentos anos-luz de distância. Era uma distância tão grande que qualquer tentativa de intervenção estaria fadada ao fracasso.
Além disso, não havia a menor possibilidade de avisar a frota. A explosão da bomba nuclear pusera fora de ação o grande transmissor de hiperrádio, que fazia as ligações entre Fera Cinzenta e o mundo exterior. Havia grande número de aparelhos menores, mas estes estavam espalhados pelos depósitos e escritórios. O único aparelho pertencente ao equipamento de emergência do abrigo não tinha potência suficiente para romper a camada de terra de quase um quilômetro de espessura que o cobria.
Quinze minutos depois de iniciado o ataque, o observador espacial informou Perry Rhodan de que uma parede de fogo amarela se aproximava, vinda do noroeste. E o homem manifestou diante de Rhodan a mesma suspeita que transmitira a Mike Judson através de um pequeno bilhete. Os arcônidas haviam lançado bombas de Árcon.
Dali em diante, Rhodan não perdeu mais tempo. Se as bombas estivessem reguladas de forma a desencadear o processo de fusão nuclear no elemento número quatorze, ou seja, no silício, a fogueira atômica penetraria no solo, atingindo em pouco tempo o lugar mais profundo do abrigo.
Só restava a fuga. E, já que o fogo vinha do noroeste, deveriam fugir na direção sudeste. Nessa direção havia uma saída que atingia a superfície quinze quilômetros além da extremidade sul do espaçoporto. Isso bastava para que estivessem a salvo da fogueira nuclear pelo menos por uma hora.
Reginald Bell teve suas dúvidas. Prometera subir para ajudar Mike Judson. Perry Rhodan procurou entrar em contato com o Tenente Judson pelo intercomunicador, a fim de explicar-lhe que a luta estava perdida. A guarnição da base devia receber ordem para afastar-se do campo de pouso ou sair de Fera Cinzenta nas pequenas naves de transporte, se é que alguma delas havia resistido à explosão da primeira bomba.
Mas o aparelho se manteve num silêncio total. Durante sua palestra com Judson, o próprio Reginald Bell vira a explosão destruir a pequena casa do comandante. As comunicações ficaram interrompidas e, conforme informavam os homens do posto de observação, Judson saíra para o ar livre. Era de supor que ele mesmo já havia dado ordens de evacuar a base. Não se podia fazer mais nada em relação a Judson e ao resto da guarnição. Se não quisessem ser queimados pela fogueira nuclear, eles mesmos teriam de procurar um lugar seguro.
Revelando a prudência e a tranqüilidade costumeiras, Perry Rhodan procurou em meio às provisões de emergência tudo de que pudesse precisar um grupo de quatro homens num planeta devastado por uma fogueira nuclear; retirou antes de mais nada um minicomunicador, alguns instrumentos de medição, mantimentos e armas.
Depois puseram-se a caminho. Foram subindo, pensativos e em silêncio. Uma fita rolante de alta velocidade levou-os pelos corredores desertos, em direção ao poço do elevador da saída sudeste. O elevador levou menos de três minutos para vencer a distância de novecentos e cinqüenta metros que separava o fosso da superfície.
O poço do elevador terminava vinte metros abaixo da saída propriamente dita do abrigo, num corredor circular, dotado de uma série de fitas rolantes de diversas velocidades, que o ligava à saída.
Esse corredor também estava deserto. Quem estivera lá embaixo no momento em que surgira a frota arcônida, depois de atender ao alarma, dirigira-se aos seus postos junto às rampas de disparo ou às posições de artilharia. O abrigo estava vazio; os quatro ocupantes aos quais até então oferecera proteção contra o efeito mortífero das bombas arcônidas também se dispunham a abandoná-lo.
Felizmente a escada rolante que conduzia à saída estava intacta. No interior da pequena guarita havia uma série de telas e alto-falantes, que transmitiam tudo que se passava lá fora. Um furacão de violência nunca vista rugia pelasavana, dirigindo-se à selva. O vento arrastava uma parede impenetrável de poeira e fumaça. O sol fulgurante havia desaparecido. Nos alto-falantes rugia um verdadeiro inferno de ruídos.
Os homens fecharam os capacetes. Apesar da tormenta furiosa que bramia lá fora, teriam de sair. Só poderiam dirigir-se a um destino: a cidade de Greenwich, abandonada pelos colonos, situada a quatro quilômetros do lugar em que se achavam, à margem do Rio Verde. Lá encontrariam veículos abandonados pelos colonos transferidos para Vênus. Se não conseguissem atingir Greenwich, correriam o risco de dirigir-se diretamente para a parede de fogo que vinha do oeste, e esta os devoraria.
O vento furioso arrancou-lhes a porta das mãos assim que a abriram. Rhodan foi o primeiro a sair. Hesitou um pouco, deu um grande passo e desapareceu. Bell e Atlan soltaram um grito de surpresa, mas Fellmer Lloyd, que, além de telepata, era localizador, levantou a mão num gesto tranqüilizador.
— Não houve nada — disse em voz baixa. — Está lá na frente. Foi a tempestade que o arrastou.
Dali a alguns segundos, Rhodan chamou. Não o viram em meio à escuridão, mas ouviram a voz nos seus receptores:
— Nem tentem andar! Teremos de rastejar para Greenwich!
* * *
Quando o primeiro impulso isolado foi seguido, poucos minutos depois, por uma série de mais de mil outros, captados pelos receptores da nave capitania Drusus, até mesmo o General Deringhouse se sentiu perplexo. O primeiro impulso não o deixara preocupado, mas a série seguinte significava que, naquela área, uma verdadeira frota estava em movimento. E a frota não poderia ser composta de naves terranas, pois o planeta Terra não dispunha de mil naves além daquelas que se mantinham silenciosas no espaço.
Eram naves arcônidas. Naturalmente era possível que o regente tivesse resolvido retirar parte da sua frota de bloqueio ou reforçá-la, mas Deringhouse teve a impressão de que havia algo de errado. Talvez o primeiro impulso lhe infundisse a idéia de que uma nave isolada estava sendo perseguida por um grupo de unidades arcônidas.
Refletiu por um instante e mandou enviar uma mensagem condensada para Fera Cinzenta. Não recebeu resposta e logo compreendeu que acontecera algo não previsto nos planos da frota terrana.
Fera Cinzenta não estava respondendo. General Deringhouse agiu imediatamente. Passou o comando da frota ao oficial que lhe seguia em graduação e mandou que a Drusus se preparasse para a transição. O setor de astronavegação recebeu ordens de percorrer num único salto a distância que separava a nave de Fera Cinzenta. Quinze minutos antes da transição, Deringhouse deu o alarma. Gastou cinco minutos para explicar aos tripulantes que a Drusus provavelmente pararia no meio de uma frota arcônida. À tripulação caberia destruir o maior número possível de unidades inimigas, e não deixar que a nave terrana fosse atingida. Também não ocultou o fato de que provavelmente a base de Fera Cinzenta estava perdida.
Apenas guardou para si um detalhe: no momento do ataque — se é que realmente houvera um ataque — Perry Rhodan se encontrava em Fera Cinzenta. Se os demais prognósticos eram corretos, nesse caso também ter-se-ia de admitir que Perry Rhodan estivesse morto.
A Drusus se pôs em movimento às doze e cinqüenta, hora de Terrânia. Às treze horas e um minuto, atingiu a velocidade mínima para a transição e desapareceu do espaço einsteiniano. No mesmo instante, emergiu do hiperespaço a poucas unidades astronômicas do sol Mirta. O salto fora muito bem calculado. Fera Cinzenta estava tão próximo que com os supertelescópios se reconheciam detalhes na superfície do planeta. Viram o cogumelo de uma gigantesca explosão nuclear, a superfície amarela da fogueira atômica a as extensas nuvens de fumaça que começavam a envolver toda a face diurna do planeta.
E observaram mais uma coisa! Viram centenas de pontos reluzentes. Cada ponto representava uma das naves. Achavam-se espalhadas e a uma distância segura sobre toda a superfície do planeta. Pareciam esperar, até que a fogueira nuclear tivesse destruído Fera Cinzenta.
Conrad Deringhouse deu ordem de atacar. Sabia que nem mesmo uma nave como a Drusus teria qualquer chance de êxito j numa luta contra mais de mil naves robotizadas da frota arcônida. Mas sentia uma espécie de necessidade psicológica de, num ataque fulminante, fazer o inimigo pagar ao menos pequena parte daquilo que fizera em Fera Cinzenta. Ainda acontecia que, em Fera Cinzenta, talvez pudesse haver sobreviventes, e que o ataque-relâmpago desfechado pela Drusus fosse capaz de infundir-lhes novas esperanças, convencendo-os de que a Terra ainda não os abandonara.
Quando deu ordem de avançar, Conrad Deringhouse sentiu uma tensão quase insuportável.
Só ele e os oficiais de patente mais elevada da nave capitania sabiam que, quando a frota terrana se reunira no lugar convencionado, para desferir seu golpe contra Árcon, Perry Rhodan ficara em Fera Cinzenta. Mas houve uma fonte secreta que criou um boato entre os tripulantes. Segundo o disse-me-disse, em Fera Cinzenta se perdera muito mais que uma simples base espacial. E o ataque desfechado contra a unidade mais próxima da frota arcônida foi interpretado como confirmação do boato.
Os arcônidas não deram mostras se já haviam ou não percebido a aproximação da nave terrana. Mantiveram-se em posição de espera. Ao que parecia, só estavam interessados numa coisa: aguardar que o planeta se transformasse por completo numa bola de fogo.
Mas a calma era enganadora. Assim que a Drusus se aproximara, em alta velocidade, a menos de dois mil quilômetros da nave que se encontrava mais perto, seus campos defensivos entraram em incandescência sob a ação dos disparos das naves arcônidas. Ao precipitar-se sobre a nave, estava transformada numa bola chamejante de energia concentrada. Sacudiu o fogo de vinte canhões inimigos como quem espanta uma mosca incômoda. Só começou a disparar quando a distância que a separava da nave inimiga estava reduzida ao mínimo.
A nave arcônida, que era um veículo de dimensões médias, estava em posição nitidamente inferior face a Drusus. Seus campos defensivos fizeram um esforço desesperado para repelir as tremendas energias disparadas pelos canhões térmicos e desintegradores. Dentro de três segundos, entraram em colapso. A nave desapareceu em meio à incandescência branca de uma explosão nuclear.
Quando viu a nave arcônida explodir, o General Deringhouse sentiu satisfação e raiva. Agindo com a frieza e a reflexão de quem executa um exercício tático, fez a Drusus passar uns dez mil quilômetros além do alvo. Acelerando sempre, a nave não demorou a entrar em transição e subtrair-se à ação da frota arcônida. Mas a satisfação não durou muito. Afinal, a vida de Rhodan valia mais que cem mil naves! Ainda mais que, provavelmente, a nave derrubada era robotizada...
Conrad Deringhouse nem sequer tinha motivo de orgulhar-se com o êxito alcançado. A nave era infinitamente inferior à Drusus e, ao escolhê-la em meio a uma poderosa formação arcônida, na verdade havia antes cometido uma tolice que realizado algo de notável.
Deringhouse obrigou-se a manter a calma. Teve de realizar algum esforço para compreender que a situação com que se defrontava não podia ser contemplada sob o ângulo sentimental. Era bem verdade que, segundo tudo indicava, Perry Rhodan estava morto, e a morte de um amigo é um motivo de tristeza para qualquer pessoa.
Mas o que estava em jogo aqui não era a pessoa de Perry Rhodan ou a tristeza de Conrad Deringhouse. O que realmente importava era a segurança da Terra. Novas medidas teriam de ser adotadas. Por enquanto não se poderia cogitar do ataque a Árcon. Talvez então se deveria considerar um ataque maciço contra a frota que cercava Fera Cinzenta...
Por quê? Para vingar-se? Será que a vingança poderia ajudar uma única das pessoas mortas em Fera Cinzenta?
Não!
Deringhouse logo abandonou a idéia. Em meio às reflexões, deu-se conta de um fato de que quase se esquecera. Daquiem diante, seria o único responsável pela frota terrana. Não havia mais ninguém a quem pudesse recorrer para pedir um conselho, e nenhuma pessoa dotada de uma genialidade inata estaria em condições de retificar os erros que ele, Deringhouse, viesse a cometer.
Dependia única e exclusivamente de si mesmo. Ao menos até que houvesse um novo governo na Terra.
Por enquanto só poderia fazer uma coisa: numa distância segura ficar aguardando, para ver se alguém tinha sobrevivido ao ataque traiçoeiro desfechado contra Fera Cinzenta, e agora estava esperando que alguém viesse buscá-lo antes do planeta transformar-se numa nuvem incandescente. Se o sobrevivente possuísse um minicomunicador ou um hiper-rádio de maior potência, não deixaria de irradiar o pedido de socorro.
A cinco horas-luz de Fera Cinzenta, a Drusus entrou em posição de espera. O boato de que um homem muito importante — talvez o próprio Perry Rhodan — ficara no planeta, ganhou corpo, transformando-se quase em certeza.
A cada hora que passava, o nervosismo de Conrad Deringhouse crescia. Não “viu” o menor sinal de vida. Fera Cinzenta manteve-se em silêncio.
Deringhouse sabia que seria inútil esperar mais de três dias. Se até então não houvesse nenhum chamado, as esperanças estariam perdidas. O incêndio nuclear não levaria mais de três dias para completar sua obra de destruição.
* * *
Os pesados trajes quase os esmagavam, mas eram a única proteção contra a furiosa tempestade que ameaçava tangê-los como folhas secas.
Os trajes estavam equipados com geradores antigravitacionais, que permitiam reduzir em determinada proporção o peso do homem e do equipamento. Reginald Bell desligou o gerador por um instante, quando pareceu-lhe que o traje o esmagaria. A tempestade levantou-o e o arrastou uns cinqüenta metros. Ficou inconsciente durante quinze minutos e levou outros trinta para reencontrar os companheiros em meio à escuridão quase impenetrável.
Perry rastejava na ponta do pequeno grupo. Em pleno meio-dia, as densas nuvens de fumaça vindas do oeste provocavam tamanha escuridão que Rhodan mal conseguia enxergar um metro. Com grande esforço, conseguiu orientar-se por meio dos detalhes do terreno de que ainda se lembrava. Mas, à medida que se afastavam da base, esses sinais iam diminuindo. Depois de algum tempo, Rhodan apenas pôde avançar em linha reta, não em curva ou em círculo.
Assim mesmo talvez tivessem errado o caminho. Mas quando tinham percorrido cerca de metade do trajeto, aconteceu alguma coisa com que Rhodan não contara!
Alcançaram uma estrada que ligava a cidade colonial de Greenwich com o espaçoporto. Essa estrada corria quase em ângulo reto em relação ao sentido em que Rhodan e seus companheiros de sofrimento se deslocavam. Dali se concluía que, apesar de todos os esforços, se haviam desviado bastante do caminho. Logo se defrontaram com um problema: deviam seguir para a esquerda ou para a direita? Perry Rhodan resolveu tomar a direita e, dali a algumas horas, viu que sua escolha fora acertada.
A escuridão cedeu a uma penumbra vermelho-amarelada. O incêndio nuclear vindo do oeste avançava com uma rapidez cada vez maior. Já não se via mais nada da bola incandescente gerada pela explosão do foguete. Em compensação, a parede de fogo amarela começou a brilhar por entre a fumaça, desenhando no horizonte, a oeste, um traço finíssimo de perigo mortal.
Teriam de agir depressa. O fogo avançava a uma velocidade aproximada de cinco quilômetros por hora, isso de maneira uniforme, em todas as direções. Dentro de muito pouco tempo, em duas horas no máximo, chegaria a Greenwich.
Os medidores revelavam que o teor de radiatividade alcançara uma tal intensidade que qualquer pessoa desprotegida seria morta num tempo extremamente curto. A temperatura exterior era de setenta graus centígrados, e a tempestade se tornara tão forte que já não podia ser medida com os instrumentos usuais.
Rastejando sempre e agarrando-se ao solo com as mãos enluvadas, Perry Rhodan e seus companheiros penetraram na cidade-fantasma.
As casas não estavam mais de pé. A tempestade as derrubara e as arrastara. Os alicerces quebrados assinalavam o lugar em que antes existiam as pequenas e primitivas casas pré-fabricadas dos colonos. A rua estava coberta de cacos de plástico transparente.
Protegendo-se atrás dos escombros, Perry Rhodan parou e olhou cautelosamente em torno. Não se atreveu a levantar a cabeça mais de um palmo acima dos alicerces. Teve a impressão de que, se o fizesse, a tempestade a arrancaria.
— Se por aqui ainda existe algum veículo — gritou Rhodan — deve estar onde ficava a Prefeitura, ou na parte norte da cidade, junto à saída e na margem do rio. Lloyd, vá até o rio com Atlan. Cuidado para não se perderem.
Lloyd e o arcônida mal apareciam em meio à semi-escuridão. Confirmaram com um ligeiro “sim” e desapareceram.
Perry Rhodan e Reginald Bell seguiram em direção ao centro da cidade; o destino deles era o lugar em que, há algum tempo, os colonos haviam reunido as peças de duas casas para fazer uma, à qual deram o nome de Prefeitura.
O caminho a ser percorrido não ultrapassava cem metros. Apesar disso, levaram quinze minutos. A força da tempestade era crescente. E isso constituía prova da tremenda velocidade com que se aproximava o incêndio nuclear.
Perry Rhodan procurou lembrar-se em que lugar se encontrara a Prefeitura. Estivera poucas vezes em Greenwich e agora, que as casas tinham desaparecido, sentiu certa dificuldade em orientar-se.
“Tomara que a tempestade não tenha carregado os veículos”, pensou.
Agachou-se atrás dos alicerces de uma casa e ergueu ligeiramente o corpo. A seguir, tentou acender a lâmpada embutida na parte da frente de seu capacete.
O potente feixe de luz recortou uma faixa branca em meio à penumbra. Do outro lado da rua viam-se restos branco-acinzentados de plástico, sobressaindo em meio à escuridão. A luz da lâmpada continuou a deslizar, e foi refletida pelos cacos de plástico transparente, espalhados pelo solo. Depois desapareceu em meio à poeira, turbilhonante, assim que Rhodan a fez girar, procurando olhar rua acima. Não viu nenhum veículo. — Talvez tenhamos de andar mais um pedaço — disse Bell.
— É possível — confirmou Rhodan. — Vamos.
Desligou a lâmpada e deixou-se cair para a frente. Saiu cautelosamente detrás dos alicerces. Foi então que viu...
Talvez fosse apenas uma sombra irreal em meio à semi-escuridão poeirenta. Chamava a atenção pela rapidez com que se deslocava e pelo sentido em que ia. Seguia contra a tempestade. Mas tão rápida como surgiu, a sombra desapareceu.
Perry Rhodan estirou-se no solo e ficou parado. Reginald Bell apareceu a seu lado. Não vira a sombra.
— Há alguém indo por ali — cochichou Rhodan.
— Será Atlan ou Lloyd? — perguntou Bell em voz baixa.
— Não pode ser. Estão lá no rio. 
Subitamente a voz de Atlan se fez ouvir.
— O que houve por aí? — perguntou o arcônida. — Ouvi meu nome.
— Santo Deus, onde está você? — perguntou Rhodan.
— Perto do rio — respondeu o arcônida. — Mas o rio não existe mais; secou.
— Lloyd está com você?
Ao que parecia, o arcônida teve de procurá-lo antes de responder.
— Lloyd! O senhor está aqui? Está, sim. Por enquanto...
— Prestem atenção! — interrompeu-o Rhodan em tom apressado. — Há mais alguém na cidade, além de nós. Vi uma sombra. Tomem cuidado. Se fosse um dos nossos, teria ouvido nossa palestra e dado um sinal de sua presença.
— Desde que use traje protetor.
— Se não usasse, já estaria morto. Só pode ser um estranho.
Atlan ficou calado por um instante.
— Está bem; e agora? — perguntou em tom tranqüilo.
— Vamos continuar a procurar — disse Rhodan. — Fiquem de arma na mão e assim que virem alguma coisa, atirem.
— Está bem — respondeu o arcônida. Nesse momento, Fellmer Lloyd se fez ouvir.
— Acontece que não sinto nada, Sir — afirmou. — Se houvesse alguém na cidade, eu deveria ser capaz de constatar sua presença.
— A não ser que seja um robô — ponderouRhodan. — Não confie demais nos seus dotes.
— Compreendo, Sir — respondeu Fellmer Lloyd. — É melhor confiar na minha pontaria.
Perry Rhodan suspirou aliviado. Se os homens ainda sabiam responder com sangue-frio, nem tudo estava perdido.
Procurou olhar para Reginald Bell e levou um tremendo susto ao descobrir que seu amigo desaparecera.
“Que estúpido! Como foi que ele pôde sair na situação em que nos encontramos?”, pensou irritado.
— Bell, seu idiota! — gritou Rhodan. — Volte imediatamente.
Algum tempo se passou sem que houvesse qualquer resposta. O pânico começou a dominar Rhodan.
Será que a sombra levara Reginald Bell?
— Bell! — voltou a gritar. — Onde está você?
De repente, ouviu a resposta proferida em voz débil:
— Perry! Estou aqui. Ajude-me!
A voz veio quase num cochicho. Perry Rhodan pôs-se em movimento. Nos poucos segundos em que conversara com Atlan e Lloyd, Bell não poderia ter-se afastado mais de dez metros. Portanto, bastaria procurar nas imediações.
— Socorro! — ouviu Perry novamente, em voz abafada.
“É a tempestade”, pensou Rhodan. “Deve tê-lo arrastado e atirado contra uma parede.”
Saiu rastejando em direção ao lado oposto da rua. Na pressa ergueu-se demais. Foi quando a tempestade o agarrou e o atirou de cabeça contra uma parede baixa.
Instintivamente levantou os braços para amortecer o choque. Uma dor cruciante subiu do pulso esquerdo, tomando conta de todo o braço.
O incidente desorientou Perry Rhodan.
— Bell! — gritou.
— Aqui! — disse uma voz débil. — Ajude-me!
— Já vou! — respondeu Rhodan. — Agüente firme, Bell.
Passou por cima do muro contra o qual fora atirado pelo vento e teve de cuidar-se para não ser arrastado de novo. As dores no braço esquerdo eram quase insuportáveis. Mas o sofrimento atiçou-lhe a raiva, e esta deu-lhe novas forças.
— Aqui! Ajude-me! — cochichou a voz e estimulou Perry Rhodan a dar mais de si.
Encontrava-se atrás do muro e, ao menos por alguns segundos, não teve de preocupar-se com a tempestade. Esteve a ponto de levantar e acender a lanterna, quando a voz chamou de novo:
— Perry! Estou aqui! Socorro! 
Rhodan aguçou o ouvido. A voz parecia ter se aproximado. Reginald Bell deslocava-se na direção em que se encontrava...
E, caso estivesse em condições de locomover-se, teria motivo para pedir socorro de forma tão lamentosa?
— Bell — chamou Rhodan em tom impaciente. — O que houve?
A única resposta foram as mesmas palavras de sempre:
— Perry! Aqui. Ajude-me!
Rhodan continuou deitado. Depois de algum tempo, pôs-se de joelhos sob a proteção do muro.
Alguma coisa moveu-se na escuridão.
— Bell, é você?
A única resposta foi um gemido abafado. Perry Rhodan abaixou-se. Viu que a sombra à sua frente crescia. Pelo microfone externo, ligado ao volume mínimo, ouvia o uivo da tempestade que investia contra outro obstáculo.
Naquele instante, Perry Rhodan percebeu que caíra numa armadilha. O que vinha em sua direção não era Bell. Era um monstro que não “se importava” em andar ereto em meio à tormenta escaldante de fim de mundo. Mantinha-se de pé sem a menor dificuldade. Rhodan apenas viu uma sombra confusa de mais de dois metros e meio de altura. Foi o suficiente. A arma de radiações térmicas praticamente “escorregou” para dentro de sua mão. Bastou girar o cano ligeiramente para cima e comprimir o gatilho.
Perry superestimara a distância. Bem à sua frente, alguma coisa explodiu com um forte estrondo.
Perry Rhodan viu um raio ofuscante e sentiu os golpes provocados pelos fragmentos da explosão. Foi atirado para trás. Sem proteção, a tempestade agarrou-o e tangeu-o mais um pedaço.
Foi a salvação!
Seu crânio bateu com tanta força contra os restos dos alicerces de uma construção que o deixou inconsciente por alguns minutos. Mas só assim escapou ao calor mortífero irradiado pelos destroços do monstro.
Uma voz angustiada chamou-o de volta à realidade.
— Perry! Responda! O que houve, Perry? Que barulho foi esse?
Era a voz de Atlan. Perry Rhodan ergueu-se cautelosamente e olhou em torno. A dez metros do lugar em que se encontrava, uma fogueira vermelha brilhava em meio à escuridão. Assustado e ainda meio confuso, acreditou ser o incêndio nuclear que já havia chegado à cidade. Mas logo se lembrou do monstro contra o qual disparara. Suspirou aliviado. Além da dor no braço esquerdo, sentia um zumbido na cabeça. Mas o medo pelo destino de Bell fê-lo esquecer as dores.
Virou-se cautelosamente e saiu rastejando em direção ao lugar em que havia a incandescência cada vez mais fraca. Enquanto rastejava, respondeu ao chamado de Atlan.
— Por aqui tudo em ordem — disse. — Parece que os arcônidas desembarcaram robôs em Fera Cinzenta. Um deles quis atrair-me a uma armadilha, mas eu o reconheci no último instante. Foi este o barulho que vocês ouviram. Mas há uma coisa muito pior. Bell desapareceu. Acho que os culpados sejam os robôs.
Ouviu a respiração ofegante do arcônida em meio ao uivo abafado da tempestade.
— Sei que não conseguirei convencê-lo, bárbaro — respondeu Atlan em tom sério.
— Acontece que o incêndio nuclear atingirá a cidade dentro de vinte minutos, muito mais cedo do que pensávamos. Daqui o vemos perfeitamente e se você quiser dar-se ao trabalho de olhar para o termômetro, acreditará no que estou dizendo. Encontramos um veículo de múltiplas finalidades, que resistiu à tempestade e está em condições de voar. Possui um potente estabilizador, e o aparelho lhe permite resistir à tempestade. Poderemos buscá-lo e tratar de sair quanto antes, mas...
— É isso mesmo, almirante; mas... — respondeu Perry Rhodan em tom zangado — ...não sairei daqui antes de encontrar Bell. Ele deve estar nas proximidades. Esperem mais dez minutos. Se até lá não o tiver encontrado, dêem o fora. Ninguém lhes levará a mal se agirem assim.
— Levará, sim — respondeu Fellmer Lloyd prontamente. — Eu mesmo me levaria a mal — de repente sua voz parecia zangada. — Irei até aí, Sir. Se Mr. Bell não estiver morto, eu o encontrarei dez vezes mais depressa que o senhor. Afinal, para que serve o veículo?
Subitamente ouviu-se uma risada que parecia vir de longe.
— Está bem, bárbaro — disse Atlan em voz baixa. — Todos por um. Daqui a dois minutos estaremos aí.
Perry Rhodan suspirou aliviado. A idéia de Fellmer Lloyd era a mais acertada. Caso Reginald Bell estivesse vivo e se encontrasse por perto, Fellmer Lloyd, o telepata, registraria as vibrações de seu cérebro e o localizaria.
Continuou a rastejar. A incandescência vermelha do robô destruído já se apagara. Rhodan olhou para o termômetro. A temperatura era pouco inferior a duzentos graus.
Por várias vezes chamou Reginald Bell. Mas não houve resposta. Talvez estivesse inconsciente. Dali se concluía que o pedido de socorro não fora feito por Bell. E sim pelo robô!
Era um robô especial, cuja programação abrangia o conhecimento da língua inglesa.
Não haviam esquecido nada.
Passou perto do robô, ou melhor, do que sobrara dele depois da explosão. Mais adiante havia um pedaço de muro. Rhodan aproveitou-o para erguer-se e examinar a penumbra com o raio de sua lanterna.
Naquele instante ouviu a voz de Fellmer Lloyd:
— Já chegaremos aí, Sir. Dentro de cinco minutos encontraremos Mr. Bell.
Aquelas palavras eram bastante reconfortadoras. Perry Rhodan sorriu. Dirigiu a luz da lanterna para um lugar cintilante, que se destacava dos arredores.
— Não é necessário — respondeu. — Acabo de encontrar Bell. Do jeito que está deitado conclui-se que o robô lhe aplicou um choque...
* * *
Depois de dez horas de espera, durante as quais não aconteceu nada, o Major Brackett expediu o sinal de emergência. Era um único sinal modulado e condensado em alguns nanossegundos. Só os receptores terranos reagiriam automaticamente ao sinal. Um receptor estranho só o faria se por coincidência um operador ouvisse o chamado e lhe atribuísse um significado especial.
É claro que Paul Brackett sabia que esse perigo existia. Algumasdezenas de milhares de naves arcônidas estavam reunidas nesse setor da Galáxia, e a bordo de cada uma delas havia pelo menos um operador de rádio, destacado para ouvir sinais suspeitos.
Paul Brackett se arriscou a irradiar o sinal, pois estava convencido de que o inferno já estava a solta em Fera Cinzenta e achava que não valia a pena continuar inativo com a Rigel.
O sinal foi captado em vários pontos. As naves da frota terrana registraram o pedido de socorro com a maior atenção. A Drusus também o ouviu. E alguns operadores de rádio das naves arcônidas também o captaram. Procuraram determinar o código utilizado na feitura do sinal e ampliá-lo ao comprimento originário. Depois passaram à localização goniométrica do local em que o sinal foi expedido. Tudo isso era muito complicado e levaria algumas horas.
A Drusus não saiu do lugar em que se encontrava, pois pretendia continuar aguardando eventuais pedidos de socorro, vindos de Fera Cinzenta. No entanto, dois cruzadores pesados saíram da formação de naves terranas que aguardava ordem de atacar e, com uma transição rápida, transportaram-se ao ponto onde achava-se a Rigel.
Pelo rádio comum Paul Brackett transmitiu um relato ligeiro da situação. Sugeriu que os tripulantes de sua nave fossem transferidos para os dois cruzadores, e que a própria Rigel fosse destruída. Face à movimentação que se verificava nesse setor espacial e à circunstância de que a qualquer momento poderiam surgir naves arcônidas que também tinham captado o pedido de socorro, não havia idéia mais razoável que esta. A bordo da nave não existiam recursos que permitissem o reparo do neutralizador avariado. E a montagem de outro aparelho demoraria pelo menos cinco horas. Já o transbordo dos oitocentos tripulantes, muito bem treinados nesse tipo de ação, não demoraria mais de uma hora e meia.
Paul Brackett transmitiu as respectivas instruções. Foi o último a sair da Rigel. Preparou os explosivos nucleares que não deixariam que a preciosa nave caísse nas mãos do inimigo. Suas mãos estavam encharcadas de suor e sentia um nó na garganta. Comandava a nave há apenas seis meses...
Quando sua pequena nave auxiliar foi acolhida a bordo da Bilbao, Brackett não conseguiu dizer uma palavra. O Tenente Huyghens, comandante da Bilbao, teve bastante inteligência para compreender sua dor; limitou-se a apertar a mão de Brackett.
Brackett não testemunhou o fim da Rigel. Assim que subiu a bordo da Bilbao, os dois cruzadores partiram.
O que aconteceu com a Rigel foi uma coisa incrível!
Mal os dois cruzadores terranos desapareceram, um grupo de naves arcônidas emergiu do hiperespaço. Uma das espaçonaves arcônidas ainda teve tempo de colocar-se junto ao costado da Rigel e lançar uma série de naves auxiliares tripuladas por robôs, a fim de ocupar a nave terrana.
Enquanto os robôs se esforçavam para abrir a grande comporta da nave, as bombas explodiram. A Rigel, os robôs e a nave arcônida desmancharam-se numa gigantesca bola de fogo branco-azulada.
* * *
Reginald Bell estava vivo; não havia a menor dúvida. Mas achava-se paralisado, inerte. Foi muito difícil colocá-lo dentro do veículo. A tempestade atingira uma violência inacreditável.
A clareza em torno deles crescia rápida e constantemente. A oeste, o céu era uma única luminosidade, contra a qual se destacavam tristemente os restos das casas, as muralhas esfaceladas e os alicerces arrancados. A temperatura exterior havia se elevado a quatrocentos e trinta graus e subiu à razão de aproximadamente quatro graus a cada dez segundos. Os potentes mecanismos de refrigeração dos trajes espaciais passaram a funcionar a toda potência.
O uivo da tempestade estava sendo superado por um trovejar, que parecia vir das profundezas de Fera Cinzenta e fazia tremer o chão. Esperavam que a qualquer momento a terra se rompesse e soltasse torrentes de lava incandescente. Sabiam que uma catástrofe desse tipo era perfeitamente possível. O incêndio nuclear desenvolvia temperaturas de vários milhões de graus e fazia fundir os núcleos dos átomos. E a energia liberada, em virtude do desarranjo dos núcleos atômicos, fazia a temperatura subir cada vez mais, não permitindo que o incêndio se extinguisse.
A fusão dos núcleos atômicos admitia uma série de variantes. As funções da bomba de Árcon não se restringiam à fusão do silício com os núcleos do próprio silício ou do sódio com os núcleos dos átomos do cálcio. Embora isso fosse menos provável, também poderia ocorrer a fusão de dois núcleos atômicos diferentes, como por exemplo a de um núcleo de silício com um núcleo de sódio.
De qualquer maneira, a propagação da fogueira atômica se verificava com maior rapidez na direção em que a massa de fusão era mais homogênea, ou seja, mais uniforme, formada de um só elemento. Se, por exemplo, a oeste o fogo atingisse uma veia de cobre que surgisse à luz do dia e que se estendesse embaixo do solo em direção ao leste, nesse caso o fogo prosseguiria com maior rapidez subterraneamente, seguindo a porção de matéria homogênea.
Já na superfície, onde teria de atingir a massa heterogênea de vários elementos, sua propagação seria mais lenta. Não havia nenhum sinal pelo qual se pudesse saber se, naquele instante, o fogo já ardia sob os pés dos homens, ou melhor, sob os alicerces da antiga cidade de Greenwich. Só no momento em que o incêndio se alastrasse a uma camada de solo menos estável, o tremendo calor abriria caminho para cima, racharia o solo e atiraria para a superfície todos os produtos incrivelmente quentes do processo de fusão subterrânea.
O veículo encontrava-se na rua. Tiveram de reunir as últimas forças para erguer Reginald Bell por cima do muro atrás do qual estivera deitado. Quinze minutos pareciam passar num instante. A oeste, a parede de fogo continuava a crescer inexoravelmente. A escuridão já havia cedido lugar a uma claridade radiante. E o vento se tornara maligno. Toda vez que acreditavam dispor de uma pequena pausa, voltava a golpeá-los, atirando-os para trás.
Do outro lado da rua, os alicerces de uma casa explodiram ruidosamente. Uma chuva de fagulhas espalhou-se por todos os lados. Fellmer Lloyd abrigou-se instintivamente. Com isso, soltou Reginald Bell, que sob a força da tempestade voltou a escorregar para junto da muralha sobre a qual o haviam passado.
Tiveram de fazer o mesmo esforço outra vez!
Perry Rhodan sentiu que a dor de cabeça ameaçava estourar-lhe o crânio. O braço esquerdo, destroncado ao bater contra o muro, estava sendo inundado por verdadeiras ondas de dor. Mas, mesmo assim, continuou avançando banhado em suor. O ato da respiração havia ficado difícil. Sempre que abria a boca, como alguém que morre sufocado, e procurava encher os pulmões de ar, sentia uma pontada no peito que quase o deixava louco.
Gritava, dizia que Fellmer Lloyd era um idiota por ter soltado Bell e o recriminava por andar muito devagar. Mas Lloyd não ouvia nada, pois também gritava ininterruptamente. Até mesmo Atlan, o arcônida, já perdera a calma. Com palavrões arcônidas respondeu à sensação de medo que lhe oprimia a garganta.
Finalmente conseguiram. A parede de fogo já havia chegado à periferia da cidade. As peças de plástico que haviam resistido à tormenta derreteram-se e estouraram. O veículo começou a balançar. Reunindo as ultimas forças, arrastaram o corpo imóvel de Reginald Bell para cima e enfiaram-no pela escotilha da pequena comporta. Depois disso, mal lhes restava energia para penetrar na comporta, comprimir-se no reduzido espaço da cabina e fechar a escotilha.
O ar quente foi expelido muito devagar e substituído por ar puro e fresco, vindo do reservatório do veículo. No momento em que a luz verde se acendeu, Perry Rhodan deixou-se cair para o lado e bateu com o ombro direito contra a escotilha interna. A escotilha abriu-se. Rhodan entrou aos tropeções na cabina de passageiros, segurou-se na poltrona do piloto e jogou-se de encontro aos comandos.
Com alguns movimentos automáticos, acionou o motor.
De um instante

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