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P 327 Quatro Seres Medonhos K. H. Scheer

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QUATRO SERES MEDONHOS
Autor
K. H. SCHEER
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
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Depois da ação bem-sucedida em Magalhães, um novo perigo surgiu para Perry Rhodan e seus companheiros terranos. Um inimigo que dispõe de um poder imenso entra em ação. Trata-se de Tro Khon, um policial do tempo e vigilante de vibrações!
Em 22/12/2.435 um hiperalarme desperta Tro Khon do estado de hibernação que prolonga sua vida. Ativa seu dolan, que ê um ser artificial usado como espaçonave, e entra em ação. Tro Khon tem uma tarefa bem definida. Deve caçar e chamar à responsabilidade os terranos que cometeram um crime contra o tempo. Mas depois de travar a primeira batalha, o policial do tempo tem de reconhecer que os terranos são mais fortes do que esperara.
Em 04/01/2.436 Tro Khon volta a entrar em combate. Avança para Old Man com seu dolan e dentro de pouco tempo assume o controle do robô gigante. Assim aconteceu uma coisa que causa muitas preocupações aos principais dirigentes do Império Solar. De fato, deve-se recear que o policial do tempo use o poder de Old Man contra a humanidade.
Já se sabe que os vigilantes de vibrações costumam ser rigorosos e implacáveis com os chamados criminosos contra o tempo. Por isso teme-se que à humanidade esteja reservada a mesma sorte dos gurrados de Magalhães.
Em 12/01/2.436, depois que o robô gigante Old Man sai em direção à Via Láctea, com seis vigilantes de vibrações a bordo, começa a batalha decisiva. A Frota Solar ataca — e para os tripulantes da Crest começa a odisséia e a invasão dos Quatro Seres Medonhos...
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Perry Rhodan — O Administrador-Geral que resolve lançar um ataque contra Old Man.
Atlan, Roi Danton, Melbar Kasom e Oro Masut — Que são levados ao desconhecido e ao inconcebível através de um transmissor.
Coronel Merlin Akran — Comandante da Crest IV.
Tenente George Terminow — Oficial de plantão no centro de transmissão da Crest.
Gucky — O rato-castor que tem uma conversa com um invisível.
Icho Tolot — Um cientista de Halut e companheiro de luta dos terranos.
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1
O Tenente George Terminow estava de plantão na sala de transmissores da nave-capitânia solar, a Crest IV.
Seu turno de serviço começara há duas horas. Terminaria dali a mais duas horas, desde que ninguém tivesse a idéia de transformar o estado de prontidão parcial numa rigorosa prontidão de combate. Neste caso Terminow teria de continuar em seu posto.
Terminow estava pensando no serviço desgastante das últimas semanas e no ambiente aconchegante da cantina de oficiais número VII, na qual normalmente se podia ingerir calmamente as refeições simples servidas na nave. Nos últimos trinta dias, tempo de bordo, Terminow só estivera nesta cantina duas vezes. O estado de prontidão ininterrupto modificara os hábitos da tripulação da Crest até o limite do suportável.
Terminow ouviu o ruído de um campo de impulso. Mesmo sem olhar para trás, sabia que era o carro de comida robotizado, que estava levando alimentos para os homens que estavam em seus postos, sonolentos e exaustos.
O sargento Saragol, técnico de plantão junto ao painel de controle dos sincronizadores de freqüências números três e quatro, desligou o campo energético transparente e passou a mão pela janela de alçapão que se abria no aço terconite de seu posto de combate.
Terminow fitou Saragol com uma expressão de curiosidade. O sargento tentava fazer passar a cabeça pela abertura. Já tentara isso muitas vezes. Terminow, um gigante calvo de dois metros de altura, de vinte e três anos, campeão de caratê na classe dos seres humanóides normais da frota metropolitana, obrigou-se a esboçar um sorriso triste.
— Sarag, há quatro semanas ainda achava graça das contorções que vive fazendo com a nuca, mas hoje elas me deixam nervoso. Por favor, feche essa portinhola, afaste o rosto de meu campo de visão e cuide de seu trabalho.
O tenente levantou o dedo indicador que nem um professor que quer dirigir-se ao aluno e sacudiu a cabeça.
— Não adianta, Sarag. Não lhe darei folga antes da hora para que possa encher o estômago. Feche a portinhola!
— Mas o tira-gosto já está por aí outra vez, senhor — respondeu o subordinado em tom queixoso.
Terminow suspirou. Recostou-se na poltrona de controle, encostou a sola da bota à aresta metálica do console e fez a poltrona girar num ângulo de cento e oitenta graus.
O nariz comprido de Antony Saragol ainda saía da janelinha. Terminow compreendia a angústia física daquele homem magro, do qual se costumava dizer que era capaz de devorar porções enormes.
Saragol esforçou-se para exibir uma expressão de humildade e desespero.
— Nunca o julguei um monstro, senhor — confessou e baixou os olhos. 
Mas apesar disso Terminow percebeu que estava sendo atentamente examinado.
— O senhor quer ver minha reação. Fico me perguntando qual foi o erro ao qual o senhor deve sua designação a um posto desses.
— Apresentar-me-ei para trabalhar na USO, senhor — resmungou o sargento. — Lá os homens são muito bem alimentados.
— Muito bem alimentados! — repetiu Terminow. — O senhor deveria cuidar dos seus controles. O robô de alimentos ainda chegará perto do senhor. Acontece — prosseguiu Terminow, balançando a cabeça — que o senhor não conseguirá arrancar três rações de uma máquina incorruptível como esta.
— O senhor conhece meu problema — disse Saragol em tom sombrio. — É grande e forte, mas eu sou tão pequeno e fraco que o senhor...
As luzes de controle que se acenderam e o som estridente das campainhas que indicavam uma manobra impediram Antony Saragol de concluir a frase. Soltou uma praga, tirou a cabeça da abertura, fechou-a e voltou a ligar o campo energético que protegia seu posto de combate dos perigosos efeitos secundários de um transmissor em funcionamento.
George Terminow voltou a girar sua poltrona. À sua frente estendia-se o console principal de formato semicircular, que permitia o controle total do sistema de transmissão da nave-capitânia.
Uma tela retangular iluminou-se bem à frente de seu rosto. O rosto de um afro-terrano de pele escura apareceu nela.
— Quem está de serviço na sala dos transmissores? 
Terminow anunciou seu nome e posto.
— Ah, é o senhor, Terminow. Estamos recebendo o sinal em código 1311 da nave-capitânia da USO. O Lorde-Almirante vem para cá. Trate de fazer um ajuste perfeito dos terminais de recepção. Prepare-se para a rematerialização de quatro pessoas ao todo. O ertrusiano Melbar Kasom também virá. Entendido?
— Tudo preparado, senhor. Tem outras instruções? Que tal uma escolta especial?
— Nada disso — recusou o imediato. — Era só o que faltava. Atlan ficaria muito espantado e pensaria na situação em que estamos. Receba-o com um cumprimento simples mas respeitoso. Outra coisa...
Ishe Moghu interrompeu-se. Voltou o rosto e, ao que parecia, estava contemplando a gigantesca sala de comando do ultracouraçado.
— O chefe está abrindo o elevador direto. Suponho que queira cumprimentar o arcônida assim que chegar. Tenho alguns dados que não são de sua conta...
— Obrigado, senhor — interrompeu Terminow secamente. Moghu exibiu um sorriso ligeiro, mas logo voltou a ficar sério.
— A décima segunda conferência foi tão enervante e infrutífera como as outras. Todas as sumidades do Império na área das ciências, da técnica e da navegação espacial estão a bordo. Se achar o comportamento de Perry Rhodan um pouco estranho, não se importe. É o único que não sabe que está com os nervos esgotados. Que isto lhe sirva de orientação — e trate de não cometer qualquer erro. É só.
— Está bem, senhor — respondeu Terminow, mas não foi ouvido, Moghu já desligara.
George colocou o interfone da sala de transmissores à frente da boca e chamou os técnicos do setor.
— ...isto vale principalmente para o senhor, sargento Saragol. Caso pense em incomodar o Chefe, fazendo um rosto triste e dizendo que aalimentação não presta, usarei sua pessoa numa demonstração do novo golpe Batron pertencente à arte antiga mas sempre moderna do caratê. Entendido?
Saragol não respondeu. Tinha entendido!
Quieto e absorto em pensamentos, ficou observando os mostradores de seus sincronizadores, que oscilavam fortemente. A Imperator III, que era a nave-capitânia da USO, tentava estabelecer contato. Desta vez Terminow examinou com mais cuidado os avisos de rotina de que as instruções tinham sido cumpridas. No dia anterior um desvio no rastreador de imagem do grande transmissor de matéria causara um acidente grave, que custara a vida de cem porcos. Os cem animais de abate, que eram um presente da USO e tinham sido transportados numa distância de trinta mil anos-luz antes de chegar à grande nuvem de Magalhães, já tinham aguçado há dias o apetite dos homens da Crest IV.
Mas o prazer gastronômico tinha sido estragado por causa de uma falha no dispositivo central de retificação. Quando se lembrava disso, Terminow ainda sentia um nó no estômago.
Não se poderia arriscar que a mesma coisa acontecesse com homens como o Lorde-Almirante Atlan e Melbar Kasom, agente especial da USO. Por isso Terminow usou seu computador especial para examinar mais uma vez os dados enviados pelas diversas estações.
À frente de seu posto de comando também surgiu um campo defensivo. Estava pendurado à frente do console que nem uma semi-esfera transparente, protegendo-o contra a ação dos dois transmissores leves que podiam ser vistos dali.
As linhas de força tremiam junto aos condutores. Condensaram-se para formar um fluxo energético chiante, de cor vermelho-viva. Os dois fluxos de energia entravam em contato em cima das colunas polares, formando o arco em ponta que era uma das características dos transmissores. Entre eles surgiu o campo da quinta dimensão, aparentemente infinito, em cujo interior tinha de ser recebido o hiperimpulso desmaterializado para rematerializar em seguida.
De repente Terminow começou a transpirar. Sem saber por quê, voltou a lembrar-se dos cem porcos cujo triste fim merecera o devido destaque no jornal de bordo da Crest.
A Imperator III ainda não estava transmitindo. Terminow fez um grande esforço para permanecer calmo.
Bem atrás dele abriram-se as eclusas de radiações, que tinham permanecido fechadas segundo mandava o regulamento. Um homem alto e magro, que usava uniforme de bordo de um tipo simples, entrou. O elemento de comando robotizado do setor dos transmissores, que estava em toda parte, transmitiu um impulso às quatro máquinas de guerra, que se mantinham imóveis de ambos os lados da eclusa blindada. Os quatro gigantes captaram numa fração de segundo as vibrações individuais do homem que acabara de entrar, identificando-o como o chefe do Império Solar, o Administrador-Geral Perry Rhodan.
Os tocos de braços com as armas embutidas ergueram-se abruptamente numa continência. As solas metálicas bateram ruidosamente no chão.
O rosto de Rhodan contraiu-se numa expressão contrariada. Olhou para as máquinas. O cerimonial previa a entrada em forma de vinte e um robôs, mas esta norma de tempo de paz fora revogada há várias semanas.
Perry parou, fitou os gigantes de quase três metros e, conformado, bateu no boné ligeiramente amassado.
Esperou que as máquinas registrassem o cumprimento e voltassem à posição normal de alerta. Devagar, com as mãos cruzadas nas costas, foi passando pelas diversas cabines de comando, retribuía com gestos ligeiros as continências dos homens e parou na entrada da sala dos transmissores.
Seu rosto estreito não mostrava a menor emoção. Mas nos olhos cinzentos havia vida. Parecia que percebiam prontamente tudo que valia a pena ser visto. Terminow limitou-se a levantar a mão num cumprimento. Não virou o rosto. Estava de olho nos controles.
— Pode-se chegar mais perto? — perguntou o homem quase lendário que no dia 8 de junho de 2.436 faria quinhentos anos. Ainda faltavam seis meses para isso. Os calendários da Crest IV registravam o dia 12 de janeiro.
— O campo foi ativado, mas a linha de risco continua escura, senhor. Se quiser chegar mais perto, aqui há outra poltrona.
Terminow ouviu o ruído dos passos do Administrador-Geral. Rhodan não perdeu tempo seguindo a cerimônia de recepção, que era uma superfluidade.
Fez girar a poltrona, sentou e recostou-se. Tirou o boné e uma mecha de cabelo castanho-escuro caiu-lhe na testa. Rhodan parecia tenso e cansado. Mas quem não estava a bordo da Crest?
O Administrador-Geral viu que o terminal de recepção fora ajustado. Não havia a menor falha.
— Os jovens terranos conhecem seu trabalho, não é mesmo? — perguntou a Terminow.
O tenente voltou o rosto por um instante. Fora um gesto de ironia, proposital ou não? O Administrador-Geral era conhecido por seu humor seco, às vezes um tanto sarcástico.
Rhodan fitou-o com uma expressão pensativa. Até parecia que esquecera o que dissera há pouco. Terminow resolveu não tomar conhecimento da observação. Percebeu que aquele homem, sobre cujos ombros pesava a responsabilidade pela vida de bilhões de seres humanos e por um gigantesco império estelar, simplesmente usara uma fórmula de cortesia.
Rhodan massageou as coxas com ambas as mãos. Certamente ficara de pé muito tempo. Terminow teve uma idéia.
— Quando nem sinto mais os ossos, costumo levantar as pernas, senhor. Pode apoiá-las nesta travessa.
Rhodan franziu a testa. Olhou para o jovem oficial, e depois a travessa. De repente seus lábios crisparam-se num sorriso quase imperceptível. Não se sabia se era uma expressão de ironia, tolerância ou um elogio.
— Muito bem, tenente... bem...
— Terminow, senhor, George Terminow. Como todos os tenentes da minha idade, sou uma empregada para todos os serviços. Costumam chamar a mudança constante entre os trabalhos de navegação e os serviços de combate de programa da experiência. No momento estou tentando compreender o funcionamento do transmissor.
— É um trabalho importante. Espero que não tenha sido responsável pela morte dos pobres suínos.
— Se fosse, já teria saltado para o vácuo, senhor.
De repente Rhodan deu uma risada. Seu rosto descontraiu-se. Um brilho alegre surgiu naqueles olhos distantes. Este brilho logo desapareceu.
— Pois então temos uma chance de que consiga trazer Atlan e seu peso-pesado ertrusiano são e salvo. Como é mesmo seu nome?
George repetiu o nome. Perry Rhodan acenou com a cabeça, pensativo. Quando sentiu o olhar do jovem pousado em seu corpo e percebeu um brilho de respeito e veneração naqueles olhos escuros, o Administrador-Geral de repente ficou nervoso.
Deu início imediatamente a um auto-diagnóstico extremamente rigoroso, ao qual costumava submeter-se constantemente nos últimos dias.
O que fizera para merecer tamanha dedicação dos seus homens — ele, o homem lendário, que só continuava vivo graças ao ativador de células? Como se explicava que até mesmo os mais competentes dos seus companheiros perdoassem seus erros e fraquezas?
Seria um fluido que emanava dos feitos e sucessos do passado? Seria a certeza de que a Terra há séculos se teria transformado num deserto radioativo, se ele não tivesse agido segundo sua consciência, seus princípios e o amor que sentia pela humanidade?
Não. Não podia ser por isso. O homem de quase quinhentos anos, que em virtude de uma interrupção precoce do processo de envelhecimento tinha o aspecto de um homem de trinta e oito anos, tentou em vão prestar contas dos seus atos e encontrar a solução do mistério.
Tossiu, encolheu as pernas e descansou os pés sobre a travessa.
— Terminow, foi o melhor conselho que me deram nas últimas semanas. Muito obrigado. A propósito. Estou lembrado de seu desempenho como esportista. Desculpe por não me ter lembrado disso antes.
George apertou a tecla de ajuste final. Uma das saliências da linha de suposição saíra do quadro.
— O senhor deve estar preocupado com outras coisas além da minha carreira esportiva.
Ali estava de novo — o perdãoimediato. A prova, manifestada em palavras e em atos, de que ninguém conseguia ficar ressentido com um homem como Perry Rhodan.
— A criança grande mimada da frota! — dissera certa vez sua esposa Mory.
Perry voltou a tossir e olhou meio tenso para as mãos robustas mas sensíveis do jovem oficial, do qual a vida de cinco mil homens podia depender tanto quanto de um alto oficial da nave-capitânia.
Rhodan fez um esforço para ficar de olho nos controles. Isso o distraía. Quase sem querer, uma pergunta grave saiu-lhe da boca.
— Terminow, o que faria o senhor se, depois de ter conferenciado doze vezes com os homens mais inteligentes da humanidade e os inimigos mais sinceros pertencentes a outros povos, ainda não tivesse chegado a uma conclusão sobre as medidas que devem ser tomadas em benefício de todos?
George refletiu um instante. Uma luz verde acendeu-se, mostrando que o terminal de remessa do transmissor fora ligado na Imperator.
— Se fosse Perry Rhodan, faria exatamente aquilo que meu instinto e minha experiência mandassem. Ouviria todos, pesaria os fatos passados e agiria sem fazer muitas perguntas.
— O senhor não me ajudou nem um pouco, meu caro. Terminow olhou firmemente para seu chefe supremo.
— Sei disso, senhor. Eu, George Terminow, teria de guiar-me de qualquer maneira pelos conselhos dos homens importantes, porque não possuo nada daquilo que distingue o senhor. Por isso não posso dizer nada além do que já disse. Acho... desculpe, a Imperator está transmitindo.
As colunas arqueadas feitas de energia pura tremeram. Bem nos fundos os reatores de alta potência e os conversores rugiram. A energia necessária à rematerialização não era menor que a exigida na transmissão.
Dali a instantes o campo limitado pelas colunas em arco iluminou-se, pondo à mostra os contornos de dois corpos humanos. Demorou meia hora até que os grupos atômicos dissolvidos se reconstituíssem, formando as moléculas e construindo as células. Na técnica da rematerialização não havia muita diferença entre um corpo orgânico e uma porção de matéria inerte. O elemento básico, o átomo, com seus componentes ainda menores, estava em toda parte.
As trilhas energéticas se desfizeram e havia dois homens em pé entre as colunas polares que continuavam incandescentes.
Atlan sacudiu fortemente a cabeça e apertou as têmporas. Permaneceu nesta posição por alguns segundos.
Melbar Kasom, um ertrusiano de dois metros e meio, ignorou os efeitos dolorosos da rematerialização. Viu Rhodan, sorriu alegre e o cumprimentou com um gesto.
Atlan logo recuperou o autocontrole. Saiu do veículo vermelho que assinalava a área perigosa. Usava o uniforme escuro da USO. A cabeça de cabelos louros-claros estava descoberta. Os distintivos que usava nos ombros e na parte central do uniforme não tinham igual na Galáxia. Indicavam o alto posto de lorde-almirante e davam notícia da grandeza de um império estelar desaparecido, ao qual já se dera o nome de Grande Império.
O tempo dos conquistadores arcônidas há muito pertencia ao passado. Atlan, antigo príncipe de cristal e mais tarde imperador, era o último arcônida dotado de inteligência e força de vontade.
Em passos elásticos, sem parecer cansado que nem Rhodan e os outros homens que se encontravam na Crest, dirigiu-se ao console principal. Kasom seguiu-o a passos retumbantes.
Terminow desligou o campo energético, levantou-se e fez continência.
— Ora veja! O anão do caratê terrano — escarneceu Kasom. — Terminow, o senhor ainda terá de comer muito antes de ser um lutador de verdade. Trouxe uma coisa para o senhor.
Kasom deu uma gostosa risada e tirou um enorme embrulho do bolso da calça.
— É um lombo de boi. Quem nos presenteou com esta bênção veio de Marte, onde os quadrúpedes chifrudos se dão muito bem. A propósito. Instalamos várias fazendas de criação em Ertrus. Os homens de minha raça gostam de comer bem.
Kasom atirou o pacote para Terminow. Ouviu-se alguém gemer atrás da caixa de controle mais próximo. Em seguida alguém comeu tão ruidosamente que fez o arcônida aguçar o ouvido.
— É... é o sargento que faz os ajustes, senhor — disse Terminow apressadamente. — E um grande comi... perdão, é um homem que come muito.
Atlan riu abafado. Rhodan olhou divertido para a caixa de controle, mas não fez nenhum comentário.
— Era de uma boa família, bem comportado, discreto, até que foi servir na Frota Solar — filosofou Kasom com um sorriso cínico.
— Cale-se, Kasom — advertiu Atlan. — As regras da disciplina mandam que um general se abstenha deste tipo de observação.
Terminow mordeu o lábio ao ver o rosto de Kasom. O gigante olhou para as divisas que trazia sobre os ombros.
— Senhor, sou e continuarei sendo um agente especial — resmungou. — Vale mais que um posto arbitrariamente concedido a alguém.
— Não deixe que o pessoal de meu estado-maior ouça isso — disse Rhodan rindo.
Atlan olhou demoradamente para ele.
— Vamos, amigo. Dormi bastante nas três últimas sessões, depois tomei um chuveiro, comi muito bem e voltei a dormir. Como vê, os resultados foram excelentes. E você? O que andou fazendo?
Rhodan fez um gesto de pouco-caso. Seu rosto voltara a assumir a expressão reservada que lhe era típica.
— Não segui seus conselhos. Que mais poderia ter feito? As três sessões que você passou dormindo não serviram para nada. Já fizemos doze ao todo. E a célebre pergunta se devemos atacar o robô gigante Old Man com todos os recursos ao nosso alcance continua em aberto. Segundo informa Gucky, há no momento em Old Man seis condicionados em segundo grau, também conhecidos como vigilantes de vibrações ou policiais do tempo, com suas espaçonaves vivas. Ei, Terminow. Há um escritório ou coisa que o valha por perto?
O tenente compreendeu. Rhodan queria falar a sós com o lorde-almirante.
— Há uma pequena sala atrás da grade de radiações, senhor. Permita que o leve para lá. A tela do videofone até pode ser desligada.
— O senhor é um sábio — disse Rhodan em tom de galhofa. — Leve-nos para lá. Mas não se esqueça de repartir o lombo de boi.
Terminow limitou-se a acenar com a cabeça. Passaram pelo centro de ajuste dos sincronizadores de freqüências números três e quatro. Rhodan viu o rosto enrugado de um homem baixo comprimindo-se contra a lâmina transparente blindada da janela de seu posto.
— Sargento Saragol — explicou Terminow. — Os técnicos Meduse e Rin Tchã merecem ser condecorados por terem salvo a vida dele, senhor. Saragol quis suicidar-se quando soube que os cem porcos tinham desaparecido no hiperespaço. Aqui, por favor. Que diabo, Saragol! Chame de volta os robôs! Que bobagem é essa?
As últimas palavras foram berradas para o lado dos controles. As quatro máquinas de guerra estavam entrando em posição de sentido.
Atlan fitou o jovem tenente com uma expressão pensativa.
— Seus jovens terranos estão se saindo muito bem, Perry! — disse quando se viu a sós com Rhodan. — O Terminow não é apenas um esportista de primeira. Dá para ficar emocionado vendo como se esforça para deixá-lo um pouco mais alegre. Terminow sabe perfeitamente que não teria havido necessidade de falar no tal do sargento que sempre está com fome. Mas como estão as coisas na sala de reuniões? São cem homens e mil opiniões diferentes, não é mesmo?
Rhodan fez um gesto de pouco-caso. Encontravam-se numa pequena sala quadrada. Ao lado dela funcionava uma turbina de emergência movida a combustível químico. Os homens da Crest IV estavam preparados para qualquer eventualidade, até mesmo para uma falha completa das gigantescas usinas atômicas.
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2
Num instante foi feito o levantamento dos fatos dos últimos quatro meses. O robô gigantesco chamado Old Man, uma figura vinda do passado, transformara-se desde o dia 10 de janeiro de 2.436, isto é, há dois dias, numa espada de Dâmocles que a qualquer momento poderia desabar com uma violência tremenda sobre a humanidade.
Rhodan recriminava-se amargamente por não ter mandado destruir Old Man enquanto era tempo.Os mutantes tinham estado mais de uma vez a bordo do robô. Bastaria colocar uma pequena bomba de fusão no interior do objeto gigante, para transformar o robô com seus quinze mil ultracouraçados numa nuvem de gases inofensivos.
Mas Rhodan dera ordem para que isso não fosse feito. Não conseguira conformar-se com a idéia de mandar destruir o presente oferecido à humanidade, pelo simples fato de os cérebros de comando orgânicos terem cometido um engano.
Mas naquele momento, depois que tinham aparecido os seis vigilantes de vibrações, as coisas estavam diferentes. Old Man estava em poder de seres que não se impressionavam nem um pouco com o poder da Frota Solar.
Eram técnica e cientificamente superiores. Além disso atribuíam-se com a maior naturalidade a competência de julgar a humanidade.
O maior problema de Rhodan era que nenhum dos condicionados em segundo grau parecia pensar na possibilidade de que sua ação pudesse violar as regras da convivência de inúmeros povos.
Atlan baseara seus cálculos de probabilidade neste dado. Não era o único que tivera essa idéia. Outros cientistas tinham feito a mesma coisa. Mas graças ao seu grande arsenal de experiências o arcônida chegou a conclusões diferentes.
— Não deveria ter seguido o conselho de Michael — aliás, de Roi Danton — confessou Rhodan deprimido. — Há dois dias Old Man abriu seus campos hiperenergéticos para permitir que os reforços dos condicionados em segundo grau pousassem em uma das doze plataformas. Bastaria um bombardeio concentrado de uns poucos canhões conversores para pôr fora de ação o robô gigante. Ninguém sairia ferido e não haveria avarias de nosso lado.
— Não se esqueça dos treze cérebros de comando, que continuam boiando em seu bioplasma químico, berrando sua angústia para o espaço. Ninguém os ouve, a não ser eles mesmos. Atirando, você os teria assassinado, caso ainda haja uma centelha de vida neles — disse Atlan em tom objetivo.
Rhodan cerrou os lábios. A expressão de seu rosto parecia ainda mais reservada. Quanto mais indiferente parecia, quanto mais se alheava das coisas, mais intensa era a luta interior travada pelo terrano.
Atlan tentou acalmá-lo.
— Você sabia disso. Do ponto de vista ético-jurídico é indiferente que os cérebros sofram de uma loucura incurável. Estão indefesos. Não seria uma ação bélica com suas vítimas inevitáveis, mas um golpe desferido contra treze homens doentes. Tenho a impressão de que, não tendo feito isso, você está com a consciência mais tranqüila.
Rhodan permaneceu em silêncio, mas conseguiu esboçar um sorriso ligeiro.
Atlan balançou a cabeça, pensativo.
— É claro que este raciocínio não se aplica se usarmos o ponto de vista puramente lógico e militar. A lógica militar, também conhecida como lógica utilitária, sempre é desumana. Nós, mais que qualquer outro, sempre deveríamos dar-nos conta dessa diferença profunda.
— Qual é então a solução? Como chefe da frota, não tenho a menor dúvida de que depois de ter sido ocupado por seis condicionados em segundo grau Old Man transformou-se num perigo imenso para a galáxia. Oitenta por cento das pessoas que participaram das conferências são a favor de um ataque total. Quinze por cento acham que devemos ficar quietos, e os cinco por cento restantes são de opinião que devemos sair imediatamente da nuvem de Magalhães, retirar a frota para um anel defensivo em torno do Império e aguardar os acontecimentos. Nenhuma destas soluções é bem certa. Nosso poder militar foi sobrecarregado com a presença dos seis vigilantes de vibrações. Além disso não devemos esquecer as quinze mil belonaves de grande porte que Old Man pode lançar na luta a qualquer momento. Disponho de quarenta mil unidades junto à estrela Navo Nord, mas estas são de várias categorias. Não teriam a menor chance contra quinze mil ultragigantes da classe Galáxia. Mas se Old Man der partida, atacarei. Neste caso a lógica fria fatalmente terá a precedência. Treze fragmentos humanos, embora inocentes, não mais poderão ser considerados o fator decisivo; terão de ser colocados em segundo plano, no interesse da humanidade. Concorda?
Atlan demorou um pouco a responder.
— Concordo plenamente. Por enquanto o robô gigante não saiu do lugar. Aceitarei o ataque no momento em que não tivermos alternativa. Com a ação de Old Man será deflagrado o estado de guerra. Gostaria de dar um conselho. Espere para ver se os vigilantes de vibrações conseguem assumir os controles robotizados extremamente complicados. Se conseguirem, não precisaremos discutir mais o assunto. Não haverá dúvida de que pretendem lançar um ataque, especialmente se Old Man seguir em direção à nossa galáxia. Esperar, observar e tentar sempre de novo convencer estas inteligências presunçosas de que estão enganadas quando lhe atribuem um crime contra o tempo — deve ser este o lema de vocês. Os hipertransmissores deveriam transmitir ininterruptamente mensagem e imagens em linguagem clara. Se houver um pouquinho de tolerância do outro lado, talvez haja um acordo pacífico. Afinal, estamos lidando com seres inteligentes.
— Com seres obstinados — queixou-se Rhodan em tom amargo. — Nossos transmissores estão funcionando há dias. Fazemos tudo para esclarecer o engano cometido pelos desconhecidos. Eles nem tomaram conhecimento.
— Continue tentando. O que acham Icho Tolot e Fancan Teik?
Rhodan levantou e voltou a caminhar de um lado para outro, com as mãos cruzadas nas costas e a cabeça e os ombros inclinados para a frente.
— Os halutenses vivem nos alertando. Acham que com os policiais do tempo não se pode brincar. Os acontecimentos verificados no mundo de origem dos gurrados, totalmente destruído, são a melhor prova de que os condicionados em segundo grau agem impiedosamente, quando acham que alguém foi bem-sucedido numa experiência com o tempo.
— Quer dizer que são de opinião que devemos atacar?
— Ontem ainda tinham suas dúvidas, mas há três horas insistem em que ataquemos. Parece que Fancan Teik, o historiador, realizou excelentes cálculos de probabilidade. Não há dúvida de que os halutenses e os condicionados em segundo grau são parentes. É altamente provável que o império halutense foi fundado por seres que descendem dos vigilantes de vibrações. A crueldade desumana revelada pelos halutenses há cerca de cinqüenta mil anos, durante a conquista da galáxia, quando quase chegaram a exterminar a primeira humanidade, formada pelos lemurenses, apresenta muita semelhança com o comportamento atual dos condicionados em segundo grau.
— Eles sempre foram vigilantes de vibrações? — perguntou Atlan, devagar.
Rhodan interrompeu sua caminhada. Parecia olhar fixamente para algum ponto situado além da tela desligada do videofone.
— É muito provável que não. Teik e Tolot negam esta possibilidade. Nos registros históricos de seu povo não existe nada que indique isso. Deve ter acontecido em certa fase de sua evolução. Tentei conseguir o apoio dos dois halutenses.
Atlan também levantou. Parecia tenso.
— E daí?... Estão dispostos a apoiar-nos caso sejamos obrigados a atacar?
— Perfeitamente. Contam com o canhão intermitente e o transmissor dimensional, que com algumas modificações serve para criar o campo paratron. Meus hiperfísicos e técnicos em armamentos já pensam num canhão paratron versátil. Além disso os halutenses possuem um maquinismo ultraluz que em nossos registros passou a ser designado como propulsor dimetrans. Mas não sabemos como funciona. Só sabemos que o sistema de propulsão linear fica bem atrás dele... Como vê, nunca se pára de aprender.
Atlan recomendou novamente que se esperasse e tentasse esclarecer o engano. Por enquanto não aceitariam a oferta dos halutenses.
Rhodan pegou o boné e tentou desamassá-lo.
— Posso garantir que você não perdeu nada deixando de comparecer às últimas conferências, arcônida. Certa gente me acusa de ter cometido uma leviandade, não destruindo Old Man enquanto isto era possível. Deixei que uma base de valor enorme caísse na mão destes seres impiedososque costumam ser chamados de condicionados em segundo grau. Já estão à nossa espera. Só quis ouvir sua opinião. Vejo que continua praticamente a mesma. Posso dizer o que desejo, Atlan?
— Eu sei — afirmou o Lorde-Almirante, calmo. — Desejo mais ou menos a mesma coisa.
— É mesmo?
— O ideal seria conquistar Old Man intacto, expulsar os vigilantes de vibrações, abandonar as nuvens de Magalhães e ficar em casa para esperar o que farão os condicionados em segundo grau.
Rhodan olhou para o amigo com uma expressão vaga. Seu rosto permaneceu imóvel.
— Vejo que Vossa Alteza é de uma modéstia a toda prova. Meu desejo é que além de nos apoderarmos do robô gigante tenhamos os vigilantes de nosso lado. Além disso deveríamos definir a situação militar e política nas nuvens de Magalhães e aproveitar os conhecimentos dos policiais do tempo. Que tal?
— Seu bárbaro sem-vergonha — resmungou Atlan. 
Kasom deu uma risadinha. Parecia o rugido de uma trovoada.
— Não se esqueça de que você descende dos bárbaros! — disse Rhodan. — Não suje seu próprio ninho. Devem existir uns dez milhões de astronautas que dizem que você é um terrano aprisionado. Numa manifestação de carinho, naturalmente.
— A última observação foi supérflua. Pare com esse sorriso antipático, agente especial Kasom. Quando desci na Terra há dez mil anos, todos pensaram que eu fosse um deus.
— Ainda parece divino, mas só em parte — escarneceu Rhodan. — Kasom, cuidado para não adotar os preconceitos de seu chefe. Os arcônidas foram e ainda são descendentes da humanidade primitiva, com pequenas mutações. Em outras palavras, descendem da raça lemurense do planeta Terra. Ainda bem que já sabemos disto. Afinal, a viagem pelo tempo que nos foi imposta pelos senhores da galáxia serviu para alguma coisa. Que houve? Não se sente bem, meu amigo?
Rhodan fitou o arcônida alto com uma expressão ingênua.
Atlan reprimiu um sorriso. Conseguira o que queria. Perry se descontraíra por dentro. E isto valia mais que cem conferências infrutíferas.
Atlan procurou seu rádio-capacete. Encontrou-o embaixo de uma poltrona, pegou-o e examinou com olhares críticos a microtela dobrada para cima.
— Já tínhamos isto quando, depois de ter despertado pela primeira vez, fui à América Central para mostrar aos selvagens como se constrói um barco usando o fogo e um machado — disse. — Por Árcon — que tempos! No norte da Europa os habitantes das cavernas me chamavam de Donar. Talvez dali tenha surgido o Donar da mitologia nórdica. Era o deus do raio e do fogo. Mister Rhodan, não se esqueça de que tenho nove mil e quinhentos anos mais que o senhor. Peço um pouco mais de respeito.
— A diferença desaparecerá quando ambos tivermos quinhentos mil anos — respondeu Perry com um sorriso gentil.
— Este terrano é e sempre será — como diria mesmo Roi Danton? — um grosseirão com as maneiras desavergonhadas do populacho. Do ponto de vista arcônida é simplesmente um terrano típico. Não tem a menor sensibilidade. Só obedece às conveniências do momento e vive tramando das suas. Que tal acha minha fala, selvagem das cavernas?
— Quase chega a ser clássica — disse Perry com uma risada. — Conseguiu o que queria. Ou será que acreditava que um terrano típico não teria percebido que se tratava de uma manobra para alegrar o coração? De qualquer maneira, muito obrigado. Vamos andando.
Atlan seguiu o maior dos homens da história terrana. Esforçou-se em vão para reprimir um sorriso de satisfação.
Melbar Kasom piscou os olhos para ele. Perry Rhodan parecia muito mais descontraído do que estivera no momento em que tinham chegado.
— De vez em quando ele precisa de uma ducha para alegrá-lo, senhor — cochichou ao ouvido de Atlan. — Se soubesse como os outros o respeitam e amam, ele não se preocuparia tanto.
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3
— Nunca acontece aquilo que a gente espera! — disse o Major Owe Konitzki no tom grosseiro a que estava habituado.
Konitzki era o chefe do centro de rastreamento da nave-capitânia da Frota Solar, a Crest IV. Seguindo sua natureza, apertou rápida e delicadamente o botão vermelho-claro que desencadeava um verdadeiro inferno no interior da gigantesca nave esférica de dois mil e quinhentos metros de diâmetro.
No mesmo instante os diversos sistemas automáticos robotizados entraram em ação. O sistema automático da sala de comando recebeu o impulso e pôs a nave em estado de alerta.
De todos os alto-falantes — e eram milhares — saiu a voz monótona.
— Sistema automático central falando. Alarme máximo — alarme máximo. Prontidão de combate — prontidão de combate. Todos a postos. Para informação do comando, eis a interpretação dos dados.
“O impulso de alarme foi desencadeado pelo centro de rastreamento. Objeto detectado acelerando. Aguardo ordem de reunião das unidades solares. Sinal preliminar irradiado. Comandante da Crest IV, favor preparar ajustes preliminares. Fim da mensagem.”
O ruído dos alto-falantes cessou. Cinco mil homens, inclusive as pessoas muito cansadas que estavam de folga, saíram correndo, voando, subindo e descendo elevadores, em direção aos postos de combate. Os tripulantes das corvetas e dos caças-mosquito atravessaram em saltos bem treinados as eclusas mais ou menos apertadas.
O centro de artilharia estava com a guarnição dupla. Foi quem primeiro anunciou que estava tudo preparado.
O Tenente-Coronel Dr. Bert Hefrich, engenheiro-chefe da nave-capitânia, anunciou que as máquinas estavam preparadas, antes mesmo que Rhodan e Atlan entrassem na sala de comando.
A confusão perfeitamente orientada dos cinco mil homens, que já tinham entrado em estado de prontidão mais de duas mil vezes, só durou alguns minutos.
Três homens estavam subindo pelo elevador antigravitacional central: Rhodan, Atlan e Kasom. Quando ouviram o anúncio transmitido pelo robô, empurraram-se na parede do poço para subir mais depressa. Atingiram o convés principal equatorial.
De repente o corpo de Rhodan ficou parecido com uma mola tensa. Desceu pela plataforma circular, contornou o centro esférico interior e atingiu as escotilhas blindadas da sala mais importante do ultracouraçado, antes que estas se fechassem. Atlan e Melbar seguiram-no de perto. Foram os últimos a entrar na sala de comando antes que as escotilhas blindadas se fechassem.
Na sala circular reinava a penumbra que costumava instalar-se toda vez que a nave entrava em prontidão de combate. Na parte superior das gigantescas telas de imagem da galeria panorâmica brilhava a faixa cintilante da Via Láctea, enquanto nas telas de popa se estendia a concentração não menos luminosa da grande nuvem de Magalhães.
O Coronel Merlin Akran, o epsalense que era comandante da Crest, já assumira seu posto de combate. Estava sentado numa ampla poltrona especial, com os cintos de segurança atados, aguardando os acontecimentos.
Rhodan atravessou correndo a sala de comando e sem parar bateu na chave do sistema de chamada de rádio previamente ajustado, liberando a mensagem dirigida a todas as unidades.
Old Man acabara de dar partida. Era um acontecimento esperado com medo e ansiedade. Finalmente a inatividade forçada chegara ao fim. Fora um martírio que já durara vários dias.
Rhodan soltou a ancoragem automática da poltrona de comando, girou-a e sentou. Os cintos de segurança saíram automaticamente do encosto e prenderam seu corpo.
A poltrona virou devagar. A trava protetora para as condições de combate fechou-se com um estalo. Mesmo que uma manobra repentina ou alguma falha mecânica produzisse condições de pressão intensa, a pessoa estaria protegida.
Atlan ficou parado atrás do terrano, um pouco indeciso. Os dois contemplavam a mancha luminosa verde que se destacava no espaço. Metade da tela tinha sido escurecida. Era o lado em que normalmente se via o sol gigante Navo Nord.
O ponto foi saindo lentamente da órbita na qual permanecera por vários dias. De repente reinou o silêncio a bordo da Crest IV. Todos acompanhavam os graves acontecimentos.
Outras telas mostravam as posiçõesde ataque e defesa de quarenta mil unidades da Frota Solar, preparadas há muito tempo.
Ninguém deu atenção ao quadro impressionante da Via Láctea, que ainda estava muito perto para poder ser vista com todas as ramificações e concentrações de estrelas vizinhas. Era uma imensa faixa luminosa, brilhando em cores variadas, que parecia curvar-se bem em cima da Crest.
A única coisa que interessava naquele momento era o ponto verde projetado nas telas dos rastreadores de eco ultraluz.
Outras telas de imagem iluminaram-se. As determinações de ecos só mostravam um ponto, enquanto os rastreadores de contornos projetavam um desenho claro sobre as telas. A tele imagem puramente ótica acabou mostrando Old Man como aquilo que realmente era: um gigantesco objeto semi-esférico, em cuja superfície plana estavam presas doze seções.
Cada uma destas seções media cinqüenta por cinqüenta quilômetros, sem contar o sistema de fixação em cunha, que desaparecia embaixo da superfície do corpo principal.
A semi-esfera, conhecida como corpo principal, tinha duzentos quilômetros de diâmetro na base e cem de altura. Era a primeira vez que um monstro destes fora construído por mãos humanas.
Naturalmente os movimentos de uma massa destas eram menos rápidos e precisos que os de um objeto menor, cujos propulsores eram proporcionalmente mais fortes. Uma figura do tipo de Old Man era imprevisível nas manobras, o que parecia bem lógico.
Para movimentar, acelerar e manter na rota exata um objeto como este, precisava-se de um dispositivo automático muito bem estudado. Nenhum ser humano, e nem mesmo uma tripulação formada por halutenses, seres que reagiam com uma rapidez extrema, seria capaz de controlar perfeitamente Old Man. A experiência ensinara várias vezes que até mesmo dispositivos automáticos de primeira categoria falhavam quando se tratava de pôr em movimento o gigantesco veículo porta-naves.
Por isso Rhodan não ficou admirado ao notar que seu rastreador de precisão registrava desvios de rota consideráveis e saltos esquisitos. Por causa das seções fixadas no corpo principal, os fatores de instabilização eram enormes e não podiam ser perfeitamente previstos.
O balanço das massas salientes produzia efeitos que seriam um pesadelo para qualquer comandante que tivesse de calcular o comportamento de um objeto deste tipo.
Atlan chamou. Olhava por cima do ombro de Rhodan, observando as telas de imagem.
— No tempo das guerras napoleônicas viajei num navio de Sua Majestade britânico. Tinha três conveses e possuía cento e seis canhões. Se me lembro disto, só posso dizer que Old Man não tem nenhuma estabilidade e tende a derivar para sotavento. Ginga e balança no espaço que nem um veleiro descontrolado cruzando contra o vento. Até se poderia ter a impressão de que não tem bastante calado para enfrentar as intempéries, especialmente as ondas empinadas do canal da Mancha. Não possui quilha. Energias tremendas estão sendo liberadas. A cada quilopond que aumenta o empuxo, surgem características ainda não observadas. É por causa da carga variável das plataforma que produz diferenças variáveis nos inúmeros propulsores e em milhares de coisas que só podemos imaginar. Não gostaria de entrar em mergulho com esta coisa.
Rhodan não teve oportunidade de dar a devida atenção às recordações fascinantes do arcônida. A comparação com um veleiro inglês a barlavento não era nada má. O comportamento de Old Man era mais imprevisível que o de um navio de cento e seis canhões do passado remoto.
Neste instante o centro de rastreamento chamou.
— Konitzki falando, senhor. Old Man está acelerando exatamente à razão de cinco quilômetros por segundo ao quadrado. Levará uma eternidade para atingir metade da velocidade da luz. E sem isto não conseguirá colocar sua massa enorme no espaço linear. Sem duvida dirige-se à nossa galáxia.
— Obrigado — respondeu Rhodan para dentro do microfone giratório. — Quer dizer que ainda temos um pouco de tempo. Quanto tempo levará para alcançar a velocidade da manobra?
— Exatamente!... As informações prestadas não valem mais. Old Man está mudando sua aceleração. Torna-se mais rápido. No momento não é possível fazer cálculos. Os valores mudam constantemente. Há alguém experimentando por lá, senhor. Fim.
Rhodan virou o rosto. Era a calma em pessoa. Seu sorriso era indiferente que nem o de uma máscara. Atlan sabia que dali em diante não se poderia brincar com o Administrador-Geral. Certamente seu cérebro trabalhava intensamente.
— Parece que os caras de quatro braços que se encontram a bordo da supernave também não são capazes de fazer magias, Atlan. Ainda bem que a gente sabe disso. Estou curioso para ver a reação de Old Man ao fogo cruzado concentrado de quarenta mil naves terranas. Obrigá-lo-ei a lutar constantemente, cada lado disparando suas baterias de costado. Minhas unidades formarão um polígono de dez lados, com quatro mil unidades por lado. Do ponto de vista geométrico o robô se encontrará no ponto de interseção dos eixos. Desta forma quase todas as baterias de costado poderão entrar em ação ao mesmo tempo.
— Que plano diabólico! 
Rhodan riu sem graça.
— É um plano taticamente correto. Podemos lançar mão de três dimensões diferentes para executar nossa manobra. Seu veleiro britânico só dispunha de duas possibilidades. Mas não importa. Old Man abandonará a luta dentro de três minutos no máximo. Nem mesmo seu formidável campo hiperenergético resistirá ao fogo dos nossos canhões conversores. Pouco importa que o campo seja formado por três camadas. A propósito. Acho que isto não passa de um boato. Desculpe...
Rhodan chamou a sala de rádio. O Major Wai Tong respondeu imediatamente.
— Suspenda as mensagens de esclarecimento, major. Transmita o ultimato já preparado. Se Old Man não parar dentro de dez minutos e regressar à órbita que vinha descrevendo em torno de Navo Nord, declaro o estado de guerra. Pode transmitir isto. Use todos os meios de comunicação possíveis, principalmente os gravadores mentais. Faça correr o filme que mostrará o que vai acontecer depois que eu cumprir minha ameaça.
Rhodan desligou. As unidades da Frota Solar entraram em forma. O contingente de Atlan, que formava a 24a Frota Ofensiva pesada comandada por um almirante epsalense da USO chamado Con Bayth, já estava em posição de tiro. As telas de ecos dos rastreadores davam a impressão de que havia oitocentas pérolas deslizando num cordão bem esticado, para depois de algum tempo ficarem paradas mantendo sempre a mesma distância.
Rhodan esperou mais um instante. A hipótese da partida repentina fora discutida várias vezes com todos os detalhes. Naquela altura já não poderia abrir margem a discussões. Cada comandante sabia qual era seu lugar e o que tinha de fazer.
— O prazo do ultimato terminará dentro de oito minutos — informou o dispositivo automático da sala de comando. A Crest IV já dera partida há algum tempo. Acelerando fortemente, entrou no ponto de interseção dos eixos do polígono à frente da 11a Frota Ofensiva Solar e passou a planar com os propulsores rugindo.
Rhodan não deu muita atenção às mensagens dos chefes dos diversos postos, que informaram que as ordens tinham sido cumpridas. Isto podia ficar por conta do comandante de sua nave-capitânia. Cabia a Merlin Akran colocar o ultragigante na posição prevista no plano de ataque.
Rhodan olhou para o relógio. Os propulsores uivaram por um instante. Depois disso voltou a reinar um silêncio enganador. Uma das telas da galeria central iluminou-se, mostrando o rosto de um homem ruivo de traços duros.
— Major Ronald Keller, chefe da quarta flotilha de corvetas, chamando o comandante da Crest. Peço licença para sair. Gostaria de lembrar que as cinqüenta corvetas da nave-capitânia poderiam reforçar consideravelmente o campo conversor. Fim.
— A última palavra foi a mais bonita — resmungou Akran. — Proposta rejeitada. Trate de controlar seus ímpetos, Keller.
É fácil imaginar o que acontecerá com seus barcos de sessenta metros quandocomeçarem a ser disparadas as salvas. Fique a bordo fazendo votos de que nossos campos defensivos agüentem. Isto também vale para os quatro chefes restantes dos grupos de corvetas. Julgam necessário continuar a ocupar meu tempo?
Keller desligou sem dizer uma palavra. Apesar da situação grave, Atlan não conseguiu reprimir o sorriso. Os terranos ainda agiam como crianças.
— Tomara que nunca deixem de fazer isso! — transmitiu o cérebro suplementar de Atlan num impulso quase doloroso. — Quando se tornarem adultos, começarão a degenerar. É uma lei da natureza.
O arcônida acenou com a cabeça. Era uma realidade palpável, que fora provada em milhares de ocasiões. A história dos povos galácticos apresentava um número assustador de casos.
Rhodan voltou a olhar para, o relógio. Faltavam cinco minutos para que o prazo do ultimato chegasse ao fim. O Administrador-Geral olhou pára Atlan e pôs a mão no microfone.
— Rhodan chamando todos os visitantes da nave-capitânia. A situação começa a ficar séria. Provavelmente os seres que controlam Old Man não tomarão conhecimento de nossa mensagem. Pede-se aos visitantes que abandonem imediatamente a Crest IV. Retornem às suas unidades. Não usem os pequenos barcos espaciais que os trouxeram. Atenção, comandantes de divisão e contingentes da frota. Os senhores terão prioridade no transporte. Tratem de chegar às suas naves dentro de alguns minutos. Os técnicos e cientistas irão em seguida. Atenção, sala de transmissores da Crest IV. Quem é o oficial de plantão?
— Continua sendo o Tenente George Terminow, senhor — disse a voz do jovem saída dos alto-falantes.
— Muito bem. Trate de apressar-se. Utilize todos os transmissores de passageiros. Peço que Roi Danton e o Marechal-de-Estado Reginald Bell compareçam à sala de comando. Terminow, inicie o transporte dos passageiros. Fim.
Rhodan voltou a guardar o microfone. Olhou novamente para o Lorde-Almirante.
— De acordo?
Atlan acenou com a cabeça. Rhodan não costumava esquecer nenhum detalhe.
— Acho que na situação em que nos encontramos não se poderá dizer mais que treze cérebros serão assassinados.
Atlan exibiu um sorriso forçado.
— As circunstâncias realmente favorecem a ação, mas isto não muda nada nos fatos.
Rhodan agarrou firmemente as braçadeiras da poltrona.
— Meu Deus! O que posso lazer? Deixar que este gigante voe para nossa galáxia? Ver os ultracouraçados de Old Man atacarem os planetas habitados? Sinto muito, Atlan.
— Não aumente o conflito psicológico dele, senhor — cochichou Kasom ao ouvido do lorde-almirante.
Atlan fez um gesto violento.
— Perry, não quero ensinar-lhe nada, muito menos acusá-lo de qualquer coisa. Se estivesse no seu lugar, faria a mesma coisa. Acontece que não consigo esquecer que os treze homens, cujos cérebros se encontram em Old Man, saíram para levar novos kalups para nós, que estávamos perdidos no tempo. Tudo bem. Tudo bem, não direi mais nada. Deixe que a máquina da destruição entre em ação. Só faço votos de que sejamos bem-sucedidos. Os terranos mais uma vez sentem-se seguros da vitória. Parece que ninguém se lembra de que há seis vigilantes de vibrações com seis poderosos dolans a bordo do robô. Ninguém pode prever o que farão no caso de um ataque. Pense nisso.
— Já pensei! — respondeu Rhodan. — A nave especial de nossos amigos halutenses está se aproximando. Icho Tolot realiza uma excelente manobra de adaptação. A ordem de concentração da frota representou um pedido de ajuda dirigido aos halutenses. Tolot não costuma perder tempo.
Atlan olhou para outra tela que mostrava claramente a espaçonave negra de cento e trinta metros de diâmetro pertencente aos dois halutenses. Era um quadro em relevo com elevada plasticidade.
Uma pequena escotilha de combate abriu-se nos fundos da sala de comando. Era redonda e só tinha um metro de diâmetro. Sua espessura chegava a três metros, e por isso a escotilha, se abrindo, parecia uma rolha esquisita tirada de uma garrafa especial.
A escotilha recuou sobre campos magnéticos, em ângulo reto em relação à parede de aço blindado, até que a extremidade deixou livre a abertura. Em seguida fez um giro para a esquerda.
Três homens atravessaram a abertura de quatro. O gigantesco ertrusiano Oro Masut conseguiu uma verdadeira proeza, fazendo passar o corpo pelo corredor de aço terconite. O que apareceu primeiro foi a faixa de cabelos cor de areia. Seguiu-se o tronco e depois os pés. Masut usava traje de combate meio esquisito, do tipo criado pelos misteriosos cientistas dos livres-mercadores galácticos. Rhodan sabia que se tratava de um equipamento de alta qualidade.
Depois de Masut veio Roi Danton, o rei dos livres-mercadores.
Danton viera pelo transmissor, e por isso usava seu traje de fantasia. Resolvera usar meias brancas com as calças brancas que chegavam até os joelhos. As fivelas que enfeitavam as estranhas luvas eram de ouro puro.
Em cima da calça via-se um colete rosa de seda natural que chegava até os quadris. Um fraque vermelho-vivo e uma camisa de rendas engomada com um lindo colarinho completavam a imagem de um cortesão do décimo sexto rei da dinastia dos Bourbons.
Até havia uma peruca tratada com pó-de-arroz. E o rei dos livres-mercadores galácticos não poderia deixar de usar espada. O lorgnon era um exemplar formidável de sua espécie. Era bem verdade que, segundo se dizia, tanto a espada aparentemente inofensiva como o lorgnon escondiam recursos técnicos capazes de pôr fora de ação um poderoso robô de combate.
Danton ergueu-se todo compenetrado, não tomou conhecimento dos sorriso irônicos dos homens e encostou o lorgnon aos olhos.
— Oh, bonjour, messieurs, bonjour. Vejo que estão nervosos. Que houve, messieurs? O populacho se rebelou? Investe contra as barricadas? Ah, aí está Perry Rhodan. Seu criado, grandseigneur.
Roi Danton dobrou o joelho, inclinou o corpo e num gesto elegante encostou as pontas dos dedos na região do coração.
Rhodan ficou vermelho. Ficara sabendo há pouco tempo que aquele homem alto era seu filho. Fez questão de ignorar a expressão irônica do olhar de Michael, ao qual nada passava despercebido.
Por enquanto ninguém devia saber que o filho desaparecido de Rhodan não era outro senão o tristemente célebre rei dos livres-mercadores, que se mostrara capaz de construir sem o auxílio do pai um império comercial que dispunha de recursos financeiros incríveis. Afinal, a frota dos livres-mercadores possuía cerca de sete mil espaçonaves modernas.
— Traga o papagaio para cá, especialista Kasom — ordenou Rhodan, calmo. — Suponho que seu chefe permita que o senhor atenda ao meu desejo.
Atlan fez um gesto de pouco-caso. Sabia perfeitamente que Michael Reginald Rhodan estava representando uma comédia para todos os povos inteligentes da galáxia. Divertia-se à custa dos outros. Quanto mais tentavam ridicularizá-lo, melhor se sentia.
— Deve ter puxado à mãe — murmurou Perry.
Atlan deu uma risada irônica. Não se calou nem mesmo diante do olhar zangado do amigo.
— É o que costumam dizer todos os pais, meu chapa. Fique calmo. No que Roi tem de bom, belo e verdadeiro, ele puxou a você. O resto herdou da mãe. Satisfeito?
— Eu me admiro porque você não usa também os trajes do século dezoito, fazendo pouco dos outros — disse Perry.
Ninguém ouvira a conversa travada em voz baixa.
— Parbleu, até já pensei nisso — retrucou Atlan, sério. — Bem que tenho vontade de ver ressurgir a época galante da história terrana.
Neste instante ouviu-se um berreiro selvagem vindo de um lugar mais afastado. Eram Kasom e Masut, os dois ertrusianos, gritando um para o outro, como se estivessem prestes a travar uma luta na arena.
— Oro, recebi ordem de levar seu protegido lá para a frente. Por que apareceu nesses trajes?
— Nunca atravesso um transmissor sem um traje de proteção.
— Se por algum erro você for parar no hiperespaço, o traje de proteção não adiantará nada.
— Nenhum dos desaparecidos veio para informar o que aconteceu. Só sei que eu usomeu traje de combate.
Roi divertiu-se com a conversa. Enquanto isso acompanhava atentamente as diversas mensagens e instruções. A frota estava preparada para a batalha.
— Se Vossa Alteza se dignar a atravessar esta sala imunda, ficarei muito grato — disse Kasom, para acrescentar num berro: — Vamos logo!
Danton saiu andando. Finalmente deixou livre a escotilha, permitindo que um homem ruivo e atarracado se espremesse por ela.
Reginald Bell praguejava em altas vozes. Roi estava exagerando de novo.
Quando chegou perto do estrado de comando principal, Roi tirou o precioso chapéu de três pontas de baixo do braço de Masut e brandiu-o no ar. Mas antes que o rei dos livres-mercadores pudesse proferir algumas frases complicadas, Rhodan o interrompeu em tom gelado.
— Dei ordem para que o senhor comparecesse à sala de comando a fim de pedir que mantenha sua nave cargueira longe da linha de tiro. Entendeu?
Pai e filho entreolharam-se. Danton sorriu vagamente.
— Naturalmente, grandseigneur, sempre compreendo. Gostaria de ressaltar que minha nave, a Francis Drake, dispõe do poder de fogo de um ultracouraçado!
Rhodan soltou os cintos de segurança e fez girar a poltrona. Chegou tão perto de Roi que seus rostos quase se tocaram. Rhodan cochichou:
— Você vai obedecer, filho, se não lhe darei umas palmadinhas no traseiro coberto de seda na frente de todo mundo.
— Por que terei de sair da linha de combate? Pai!...
— Não quero comentários, por favor. É possível que a Crest IV seja destruída. Se isso acontecer, sentir-me-ei mais tranqüilo sabendo que um patife charmoso chamado Roi Danton continuará vivo. Você irá à sala dos transmissores com Atlan. Os comandantes já foram transportados. Até logo.
Os dois voltaram a entreolhar-se. Roi acenou com a cabeça. De repente ficara muito sério.
— Tome cuidado, pai — cochichou em tom áspero.
— Por favor, monsieur — disse o Lorde-Almirante neste instante. 
Roi girou sobre os calcanhares e saiu andando.
Reginald Bell e Rhodan discutiram algumas medidas previstas para uma emergência extrema.
— É uma loucura deixar você exposto ao gigafogo da plataforma — disse Bell em tom insistente. — Nenhum chefe de estado cometeria a insensatez de colocar sua nave na linha de frente.
— Acontece que neste momento não sou nenhum chefe de estado. Sou simplesmente Perry Rhodan. Sem dúvida enfrentaremos uma defesa cerrada. Cerca de quinze mil ultracouraçados sairão dos hangares do robô, caso isso seja do agrado dos vigilantes de vibrações. Isso acontecerá o mais tardar no momento em que os desconhecidos perceberem que não podem resistir ao fogo cerrado dos nossos canhões conversores. Ali certamente tratarão de aliviar a situação por meio de um contra-ataque. Por favor, siga minhas instruções. Está na hora, Bell. O prazo do ultimato já terminou. Estão aguardando você e sua nave-capitânia.
Dali a cinco minutos o substituto de Rhodan tinha ido embora. Terminow irradiou-o pelo transmissor sem aguardar a presença de Atlan e Danton.
Os movimentos balançantes de Old Man estabilizaram-se à medida que aumentava de velocidade.
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4
Do ponto de vista astronômico a frota já se encontrava no espaço vazio intercósmico que separa as galáxias.
O gigante vermelho Navo Nord transformara-se numa estrela isolada, que fora escolhida como ponto de encontro e farol solar por causa de sua posição favorável.
No último minuto o espaço vazio ficara parecido com um enorme inferno, onde os poderes do mal tinham acendido cerca de cem mil fogueiras atômicas de uma beleza extraordinária.
Mas o quadro oferecido pela detonação das bombas de fusão, irradiadas pelas quarenta mil unidades da Frota Solar, só parecia belo de longe.
Para os seres que queriam sobreviver no interior do gigacentro titânico o espetáculo não era tão bonito.
Old Man desaparecera depois das primeiras salvas das unidades terranas no centro de uma bola de fogo extremamente luminosa, em cujo interior reinavam temperaturas iguais às de um sol muito quente.
Além disso deviam ter sido liberadas energias mecânicas inconcebíveis, tudo martelando o gigantesco robô. Qualquer homem capaz de raciocinar chegaria à conclusão de que Old Man fora destruído pelas primeiras salvas das baterias de costado das ultranaves. Era impossível que alguém pudesse sobreviver num inferno destes.
Mas o robô saiu das zonas periféricas ondulantes e fulgurantes como se nada tivesse acontecido. Seu campo hiperenergético brilhava num verde-escuro. Old Man até parecia um pequeno sol muito brilhante.
Rhodan não respondeu ao grito de espanto do comandante de sua nave-capitânia. Os mutantes já haviam descrito as usinas de energia existentes no interior da plataforma porta-naves. Nunca houvera máquinas desse porte na galáxia.
Mas até mesmo a capacidade destas máquinas devia ter um limite. Qualquer campo hiperenergético tinha uma característica traiçoeira. Graças à sua formidável estrutura energética agüentava bastante, mas desmoronava de repente. Isso acontecia depois que as temperaturas extremas e a ação constante das frentes de pressão provocassem uma transformação da espécie de energia existente nas linhas do respectivo campo.
No fundo as coisas eram bem mais complicadas, mas basicamente podia-se falar numa conversão causada por ações térmicas. Por isso a construção dispendiosa e demorada de um campo defensivo pertencente a uma dimensão superior muitas vezes se tornava inútil. É bem verdade que isso só se aplicava quando o campo hiperenergético era atingido por forças muito superiores.
Era o que estava acontecendo naquele momento. Old Man não podia resistir por muito tempo ao fogo das unidades terranas. Os vigilantes de vibrações deviam saber disso. Certamente possuíam bastante inteligência para ler os controles de carga energética e interpretar as sereias de alarme que certamente não paravam de uivar.
Depois do primeiro gigabombardeio dos ultracouraçados, Rhodan mandou suspender o fogo por três minutos. As antenas da nave-capitânia voltaram a ser direcionadas para Old Man, transmitindo novamente as mensagens previamente programadas. Os condicionados em segundo grau não responderam. Parecia que o sistema automático do robô já não dispunha de qualquer liberdade de ação.
Rhodan lembrou-se da insignificante chave vermelha, que se movia para desligar os complicados sistemas de alerta e defesa de Old Man. Isto certamente fora feito.
Dois minutos depois da transmissão da última mensagem de paz, Rhodan deu ordem para que todas as unidades da frota abrissem fogo. Os canhões chamejaram nos cascos esféricos das naves de vários tamanhos. Em sua maioria os comandantes usaram os poderes concedidos por Rhodan, disparando também as armas energéticas convencionais, como canhões térmicos, desintegradores, canhões narcotizantes e canhões de ultra-som capazes de desintegrar a matéria.
A distância de tiro das unidades solares era de três milhões de quilômetros a partir do robô gigante. Rhodan sabia perfeitamente que dali a pouco o contingente teria de afastar-se. Com quarenta mil unidades atirando ao mesmo tempo, surgiria dentro de alguns minutos um sol atômico de milhões de quilômetros de diâmetro.
Neste instante Atlan, Roi Danton e os dois ertrusianos entraram na eclusa da sala dos transmissores.
Atlan e Kasom fizeram questão de colocar modernos trajes de combate, fechar os capacetes e passar a comunicar-se pelo rádio. Roi cumprira em silêncio o desejo de Atlan. Deixou o lindo fraque, o colete e os sapatos de fivelas guardados numa sala espartana da Crest IV. A peruca também teve de ficar.
Esta providência causara certa perda de tempo. Normalmente Roi e Atlan já deveriam estar a bordo de suas naves-capitânias.
De repente a Crest IV deu um salto em sentido contrário ao do disparo dos canhões. O corpo esférico bastante subdividido vibrou que nem um sino. Era a primeira vez que se ouvia o temível repique e rugido, que era o pesadelo de qualquer construtor de naves.
Atlan deu um passo cambaleantepara a esquerda. As chapas de aço em que pisava transformaram-se de repente numa peneira, que sacudia e vibrava fortemente. Era impossível manter-se de pé.
Até mesmo Oro Masut foi atirado e caiu. Mas Roi, que abandonara completamente seu comportamento de cortesão, apertou o botão do equipamento de vôo e esperou que o sistema automático de neutralização gravitacional voltasse a normalizar as condições reinantes na nave.
Os ertrusianos e Atlan seguiram seu exemplo. Os abafadores de ruído saíram dos suportes instalados na altura do pescoço, fixando-se embaixo dos capacetes dos trajes de combate pressurizados. Conchas largas isolaram acusticamente os ouvidos dos homens.
Aos poucos o estrondo, reforçado por outros ruídos, transformou-se num rumorejar suportável.
Roi Danton chamou. Chamou Atlan de senhor, pois não sabia se alguém o ouvia na freqüência universal em que estava ligado seu rádio. Por enquanto ninguém devia saber quem era Roi Danton.
— Que coisa horrível, sire. Veja o que arranjamos. Poderia fazer o favor de dizer como poderemos entrar na sala dos transmissores, enquanto durar o estado de bloqueio? Enquanto o sistema automático de segurança registrar as salvas e o conseqüente perigo de rupturas produzidas pelas vibrações ou por algum impacto direto de conseqüências desastrosas, ninguém fará com que as eclusas pressurizadas se abram. A Crest IV transformou-se num sistema formado por dez mil compartimentos estanques.
— São mais de dez mil — corrigiu o arcônida. — Pelo menos vinte mil. Poderíamos perguntar a um jovem tenente recém-saído da Academia. Nunca mais se fica sabendo tanto como no tempo dos exames teóricos. O jovem tenente sabe informar exatamente quantas eclusas herméticas possui uma nave moderna da classe Galáxia.
— Isso não nos pode servir de consolo — queixou-se Roi. — Se não tivéssemos colocado os trajes de combate, teríamos chegado à nossa nave há quinze minutos. O nobre Rasto Hims, que está no comando da Francis Drake como substituto, a esta hora certamente se está consumindo de saudades e preocupações por minha pessoa.
— Tomara que comece a consumir seus pés suados — esbravejou Melbar Kasom. — Mas Roi tem razão. Como faremos para entrar na sala dos transmissores? Não gosto de ficar no ar que nem um pombo assado.
— Já viu um pombo assado voando, agente especial Kasom?
Kasom encarou seu chefe com uma expressão zangada. Finalmente saiu voando e bateu com os punhos cerrados na escotilha da eclusa.
— Parbleu, que otimista — suspirou Roi para dentro do microfone instalado em seu capacete. — E agora, sire? Vamos voltar à sala de comando?
— Também está vedada — recusou Atlan. — Só nos resta esperar. Daqui a pouco o fogo certamente diminuirá por um instante. Aí entraremos em contato com Terminow. Se houver uma pausa, ele poderá abrir manualmente a eclusa.
— Gostaria de assistir ao combate.
— À batalha — retificou Atlan. — Acha mesmo que um duelo com Old Man não passará de um combate? Tenha um pouco de paciência. Um jovem como o senhor não precisará estar presente oticamente quando as coisas começarem a estourar. Aceite esta lição de um homem de dez mil anos.
* * *
Rhodan não sabia que os quatro homens que há pouco unham saído da sala de comando ainda se encontravam na Crest IV. Nem tinha tempo para preocupar-se com isso.
Old Man, ou melhor, seus novos donos, não suportaram passivamente o ataque de todas as unidades da frota. Aconteceram duas coisas ao mesmo tempo.
Os condicionados em segundo grau preferiram não tirar dos hangares os ultracouraçados ali estacionados para usá-los contra os atacantes.
Era uma coisa fora do comum, completamente inesperada, que atrapalhou os planos de quase todos os estrategistas espaciais. Esperara-se um ataque para aliviar a pressão dos terranos. E para isso seria perfeitamente natural que fosse usada a arma mais poderosa do robô gigante.
Mas os gigantes esféricos continuaram estacionados nos hangares. Em compensação surgiu um fenômeno que só poderia ter sido previsto por aqueles que tinham assistido ao combate entre os dois halutenses e o condicionado em segundo grau chamado Tro Khon.
Eram somente Rhodan, Atlan e mais algumas pessoas. Ninguém tinha uma idéia clara a respeito da superarma conhecida como transmissor dimensional ou, mais recentemente, canhão paratron.
Quanto à estrutura, poderia ser tudo, menos um canhão no sentido convencional do termo. Mas quem visse o artefato poderia pensar que se tratava de um canhão energético pesado.
Antes que as primeiras bombas de fusão rematerializassem na rota de Old Man, um pouco à frente da nave, para explodir em seguida, um fogo trêmulo iluminou o espaço.
A luminosidade tornou-se mais compacta e numa fração de segundo transformou-se num relâmpago azul de bordas recortadas, que rompeu imediatamente a estrutura espácio-temporal do universo einsteiniano.
No lugar do relâmpago formou-se uma falha estrutural que conduzia a uma categoria espacial superior, o chamado hiperespaço. Do ponto de vista lógico esta falha só podia ser considerada como um puro fator matemático. Ninguém sabia como surgia esta falha e que leis físicas tinham sido empregadas para evitar seu desaparecimento.
Mas a falha estrutural não era completamente estável. Sua forma era a de uma elipse alongada com cerca de um milhão de quilômetros de comprimento e pouco menos de cem quilômetros de largura. As zonas periféricas da elipse agitavam-se em forma de névoas luminosas. Até parecia que o espaço einsteiniano se rebelava contra a atuação de uma força poderosa demais para ser completamente neutralizada pelas energias naturais.
Apenas quatro horas depois dos primeiros sinais de um acontecimento quase inconcebível surgiu um brilho no setor espacial compreendido pela elipse. O brilho mudava constantemente de cor, em pulsações lentas.
Rhodan viu as gigabombas, cerca de quarenta mil ao todo, serem neutralizadas durante a explosão.
A camada atômica superluminosa, mais ou menos espessa conforme os calibres empregados, foi sugada como se houvesse um enorme exaustor em ação. Era um fenômeno incrível, que fez com que Rhodan duvidasse de sua capacidade de observação.
O Administrador-Geral virou repentinamente o rosto, contemplando a expressão estampada nas faces dos homens que se encontravam mais perto.
Estavam todos perplexos. O espanto e a incredulidade estavam estampados em seus rostos.
Rhodan tomou a iniciativa. Fez isto no momento em que as tremendas energias nucleares se precipitaram pela falha estrutural e desapareceram em forma de uma faixa fina, mas muito comprida. Até parecia que não acontecera absolutamente nada.
— Rhodan a todos os comandantes. O que os senhores estão vendo é o chamado transmissor dimensional, sobre cujos efeitos já foram informados. Se for criada uma técnica capaz de evitar que as energias liberadas se aproximem do alvo, desviando-as imediatamente, é como se estas energias nem existissem. O efeito defensivo do transmissor pode ser comparado com um dique que desvia qualquer inundação, por mais forte que seja, fazendo com que ela se perca no mar aberto. Mas não se pode excluir a possibilidade de que até mesmo a potência desta arma defensiva tenha seus limites. Continuem a disparar suas salvas, tentando colocar as bombas conversoras o mais perto possível do campo defensivo hiperenergético da plataforma. Continuem atirando enquanto não receberem ordem em contrário.
Rhodan afastou o microfone que o ligava ao grande hiper-transmissor instalado na sala de rádio. Pegou o microfone do sistema de comunicação interna.
— Chefe ao centro de comando de artilharia. Atenção, Major Waydenbrak. Os dois halutenses aproximam-se do setor verde. É o que foi combinado. Tome cuidado para que Tolot e Teik não sejam detectados pelo sistema de segurança de seu centro, evitando que este abra fogo. Fim. Rastreamento, coloque a imagem ótica comum e infravermelha nas telas da sala de comando. Tenham cuidado, uma vez que os halutenses chegarão muito pertodo casco da Crest. Enviem um raio de orientação com indicação precisa das distâncias. Façam os halutenses entrar numa posição logo em cima de nossa calota polar superior. Entendido?
As confirmações foram sendo recebidas. As salvas da Crest IV aumentaram, transformando-se num rugido contínuo, que dentro de pouco tempo obrigou todos os tripulantes a usarem os rádio-capacetes para se comunicarem. Não se podia conversar normalmente.
Icho Tolot chamou. A monstruosa cabeça semi-esférica do gigante halutense apareceu na tela instalada à frente do posto de combate de Rhodan. Os olhos vermelhos de Tolot pareciam brilhar num fogo interior. Destacavam-se da pele escura do rosto com aspecto de couro como se fossem brasas acesas.
A nave esférica dos halutenses apareceu numa outra tela. Aproximava-se em alta velocidade.
— Acho que já está na hora de desistir dessa atividade que não dá em nada — rugiu a voz potente de Icho Tolot saída dos alto-falantes. — Por mais fortes que sejam suas salvas, o senhor não conseguirá nada. A fenda estrutural é perfeitamente capaz de desviar a energia de um sol de tamanho médio. Minha colaboração será bem recebida, Perry?
— Será muito bem recebida, muito bem mesmo, amigo. Gostaria de aceitar sua oferta. Ela continua de pé?
O rosto de Tolot não mostrava qualquer emoção, mas o brilho dos três olhos parecia ter aumentado ainda mais.
— Continua. Estamos preparados. Por favor, siga fielmente minhas sugestões.
— Suas instruções!... — corrigiu Rhodan com um sorriso. — Por favor, não veja nisto uma repreensão. O senhor e Fancan Teik são especialistas na área. Não sei como se poderia neutralizar a fenda estrutural.
— Tentaremos eliminar seus efeitos. Por favor, dê ordem para que sua frota continue a atirar e passe a usar a faixa de comunicação normal que funciona à velocidade da luz.
Rhodan deu as respectivas instruções. Os homens incumbidos da execução de suas ordens apenas se olharam em silêncio. Parecia que o Administrador-Geral já discutira com os dois halutenses sobre certas coisas, a respeito das quais ainda não tinham sido informados.
O engenheiro-chefe desligou por um instante os campos defensivos de estibordo.
A nave dos halutenses, um veículo espacial de cento e trinta metros de diâmetro, aproximou-se devagar. Assim que atravessou a área de defesa e foi sendo puxada para perto da Crest por um raio de tração, a cortina verde do campo hiperenergético voltou a fechar-se.
As pesadas bombas de fusão disparadas pelos canhões conversores terranos continuaram a explodir junto a Old Man. Não fizeram nenhum estrago. O robô gigante prosseguia inabalavelmente na rota de mergulho, ganhando velocidade a cada minuto que passava.
As baterias de costado dos ultracouraçados da frota disparavam os novos projéteis de dois mil gigatons. Estas cargas perderam-se na quinta dimensão sem produzir qualquer efeito, que nem as cargas menos potentes dos cruzadores ligeiros.
A espaçonave halutense ficou energeticamente ancorada à área polar superior da Crest IV. Quem olhasse as telas não via o que faziam os dois gigantes de quatro braços que se encontravam em seu interior. Estavam sós num veículo que pelos padrões terranos precisaria de uma tripulação de pelo menos oitenta homens.
Os mutantes cujo posto de comando permanente ficava na nave-capitânia foram chegando à sala de comando da Crest IV. Eram seis ao todo, inclusive Gucky, o rato-castor, Ras Tschubai, o mutante de duas cabeças chamado Ivã Ivanovitch Goratchim e Ralf Marten, o misterioso teleótico.
Estavam mais bem informados que os outros sobre a ação planejada por Perry Rhodan.
Quatrocentos metros abaixo da sala de comando, quatro homens enfiados em trajes de combate permaneciam suspensos em cima das placas do piso que vibravam fortemente. Atlan esperava que o fogo diminuísse. Seria perfeitamente possível entrar em contato com Rhodan ou o comandante, pelo interfone, para pedir que as salvas fossem suspensas por um instante. Neste caso bastaria que Terminow movesse uma chave para abrir as eclusas protetoras.
Mas Atlan achou preferível não interferir nas operações de combate. E tinha seus motivos para isso.
Conhecia os planos de Rhodan. Se a Crest suspendesse o bombardeio ininterrupto por um instante que fosse, os seis vigilantes de vibrações poderiam tirar conclusões bastante desagradáveis para os terranos. Sem dúvida sabiam qual era a nave que levava o Chefe do Império Solar a bordo.
Embora o furacão atômico que desabava ininterruptamente sobre Old Man fosse desviado para a quinta dimensão por meio do transmissor dimensional, as detonações constantes certamente produziam uma forte interferência nos rastreadores. Os aparelhos da nave robotizada sem dúvida já estavam numa tremenda confusão.
E a falta de disparo das baterias de costado da Crest poderia melhorar as condições da aparelhagem.
Atlan refletiu se devia ceder aos apelos de Roi, entrando em contato com Rhodan. Mas acabou recusando definitivamente.
— Não interromperemos o fogo. É provável que neste instante a nave halutense esteja atracando na Crest. Vou contar-lhe um segredo. Rhodan tem planos bem arrojados. Ora veja! As salvas passaram a ser disparadas em ritmo de emergência. Está ouvindo?
— Droga! Estou sentindo — queixou-se Oro Masut. — O ar ficou agitado. Mal consigo agüentar-me.
— Nós também. O aumento do ritmo dos disparos é a melhor prova de que Perry não pode suspender o fogo por nossa causa. Vamos aguardar.
Foi uma decisão que teve uma grande influência no destino dos terranos. Mas naquele momento Atlan não poderia saber disso.
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Mensagens em código saíram das antenas da nave-capitânia. Em quarenta mil unidades da frota os oficiais da equipe de rádio saíram correndo para pôr em funcionamento as máquinas decodificadoras.
A mensagem de Rhodan era breve, mas importante. As unidades em.posição central receberam ordem de suspender o fogo assim que a Crest, que sairia da formação, atingisse determinada posição.
Outros comandantes foram instruídos a colocar uma cortina de fogo no mesmo instante, cobrindo somente a rota calculada de Old Man.
As unidades que se encontravam atrás da Crest deveriam suspender totalmente o fogo.
Tudo dependia de que o plano fosse executado com precisão. Se a Crest entrasse nas frentes de explosão, estaria irremediavelmente perdida.
O centro de computação positrônica registrou os impulsos condensados por meio dos quais os comandantes confirmaram as ordens. Não foi formulada nenhuma consulta. Reginald Bell, substituto de Rhodan, também não chamou. Sabia que seria inútil querer evitar que Perry Rhodan arriscasse a própria pele.
Na verdade, a Crest era a única nave que tinha alguma chance de romper a chamada bolha paratron que se estendia sobre Old Man. Tratava-se da ruptura estrutural do espaço einsteiniano, produzida pelo transmissor dimensional.
Ninguém tinha um relacionamento tão amistoso com os dois halutenses quanto Perry Rhodan. Ninguém conseguia compreender suas instruções tão depressa quanto o Administrador-Geral.
Além disso devia ser considerado o imenso poder de combate da nave-capitânia, cuja tripulação era formada pela elite dos astronautas terranos.
Se fosse possível romper a bolha estrutural, neutralizando os efeitos do transmissor dimensional do inimigo com os aparelhos da mesma espécie existentes na nave halutense, Old Man não duraria mais de trinta segundos.
Mesmo que nessa altura os vigilantes de vibrações resolvessem fazer sair as quinze mil unidades estacionadas no robô para lançá-las na batalha, já seria tarde.
Três minutos depois de ter sido recebido o último impulso de confirmação, os propulsores da nave-capitânia bramiram. O veículo espacial saiu da longa fileira em que se encontrava e deslocou-se para o destino acelerando fortemente.
As bolas de fogo produzidas pelas bombas de fusão surgiam à frente da nave esférica. Old Man só podia ser visto por meio dos instrumentos óticos. Naquele inferno falhavam até mesmo

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