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Pronomes e assinalamentos

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Décima primeira aula de semântica formal
Alessandro Boechat de Medeiros – alboechat@gmail.com
Pronomes e assinalamentos
Comecemos com a seguinte sentença:
Ele fuma.
Podemos dizer que ela é verdadeira ou falsa sem um contexto que nos forneça o referente do pronome?
Pronomes são usados o tempo todo para se falar de pessoas ou coisas (ou entidades abstratas). Fora de algum contexto que forneça tais referências (as pessoas e objetos de que falamos), não é possível saber se uma sentença que contenha um pronome é verdadeira ou falsa. Além disso, contextos diferentes (e diferentes vinculações dos pronomes nesses contextos) levam a diferentes valores de verdade para uma sentença que contenha pronomes.
Como lidamos com isso?
A maneira de tratar de pronomes em semântica é através do conceito lógico de assinalamento. Um assinalamento é uma função parcial que relaciona números naturais a indivíduos. Por exemplo:
[1 Pedro]		(b)	1 Pedro
					2 Zé
					3 Augusto
Suponhamos que nossa semântica nos permita atribuir índices a pronomes, e que esses índices sejam números naturais. Suponhamos que esses índices sejam elementos do domínio dos assinalamentos. Ora, a combinação da atribuição de índices com os assinalamentos nos permite estabelecer a extensão dos pronomes e, como consequência, dos constituintes que os contêm.
Por exemplo, tomemos (1) acima, mas com o pronome “ele” carregando o índice 3. Ou seja:
Ele3 fuma.
Assumindo o assinalamento (b) apresentado acima, dizer “ele fuma” se torna o mesmo que dizer “Augusto fuma”. Ou seja, temos uma sentença sobre a qual é possível dizer se é verdadeira ou falsa. 
Normalmente, usa-se a letra g para indicar um assinalamento. Na expressão da denotação de um constituinte qualquer, g será usado como um expoente, que indicará que um assinalamento deve ser levado em consideração no cálculo das condições de verdade de uma sentença que o contenha: [[]]g.
[[ele1]]g = g(1)
[[ele2]]g = g(2)
[[ele3]]g = g(3)
Etc.
Agora suponha mais uma vez que o assinalamento em questão seja (b) acima. Teremos então a seguinte situação para pronomes com índices:
[[ele1]][1 Pedro] = Pedro.
[[ele2]] [2 Zé] = Zé.
[[ele3]] [3 Augusto] = Augusto.
Aproveitando o texto do livro do Marcelo: “Generalizando, essas entradas devem ser lidas da seguinte forma: para qualquer assinalamento g, e qualquer número natural i, a extensão de elei ou elai é o valor que g atribui a i, ou seja g(i)” (p. 70).
Como ficam as entradas lexicais dos pronomes? 
		g(i)		se i D(g)
[[proi]]g = 
		indefinido	se i D(g)
Claro está que nos casos em que i não pertence ao domínio do assinalamento, a extensão do pronome com tal índice não pode ser estabelecida, e a sentença contendo tal pronome não terá um valor de verdade.
No nosso cálculo, é preciso que não só a extensão dos pronomes faça menção explícita aos assinalamentos, mas também as extensões dos constituintes que os contêm, e ainda os constituintes que contêm estes. Assim, os princípios composicionais de que tratamos (nós não-ramificados e aplicação funcional), além da operação de modificação de predicado, devem ser redefinidos para levar em conta os assinalamentos. Na prática, os assinalamentos só serão relevantes quando elementos sem referência própria (como pronomes ou vestígios de sintagmas nominais movidos) estiverem envolvidos.
Princípio dos nós ramificados:
Se é um nó não ramificado cujo único constituinte imediato é , então, para qualquer assinalamento g, [[]]g = [[]]g.
Aplicação Funcional:
Seja um nó ramificado, cujos constituintes imediatos são e . Para qualquer assinalamento g, se [[]]g é uma função e [[]]g pertence ao domínio de [[]]g, então [[]]g = [[]]g([[]]g).
Modificação de predicado (ou Conjunção funcional):
Seja um nó ramificado, cujos constituintes imediatos são e . Para qualquer assinalamento, se [[]]g e [[]]g pertencem a D<e,t>, então [[]]g = xe.[[]]g(x) = [[]]g(x) = 1.
Exercício:
Considere o seguinte assinalamento g: 1 Pedro, 2 Maria, 3 Rafael. Calcule as condições de verdade da seguinte sentença, com o assinalamento g: o irmão de Pedro viu ele1. Faça todos os passos do cálculo.
Orações relativas e abstração funcional
Vamos começar nossa discussão sobre orações relativas com a seguinte sentença:
O brinquedo que o Miguel ganhou é vermelho.
Uma vez que temos a nossa disposição operações como modificação de predicado, podemos imaginar que a extensão da relativa [[que o Miguel ganhou]] possa ser algo como xe.o Miguel ganhou x. A questão é como chegamos composicionalmente a essa extensão, considerando as componentes da oração relativa. 
Comecemos com a seguinte estrutura para a sentença:
		 
 DP
		 3
		 D	 NP
		 o	 3
		 NP	 S’
		 brinquedo 3
			 que1	 S
				 3
			 DP	 VP
			 o Miguel 3
				 V	 DP
				 ganhou t1
Por razões que não discutiremos neste momento, Heim & Kratzer (1998) propõem que, na interface da sintaxe com a semântica, o índice do pronome relativo seja transferido para S, adjungindo-se a este nó, como na estrutura a seguir:
 DP
		 3
		 D	 NP
		 o	 3
		 NP	 S’’
		 brinquedo 3
			 que1 	 S’	 
				 e|
 1 S
				 3
			 DP	 VP
			 o Miguel 3
				 V	 DP
				 ganhou t1
Para interpretar o constituinte S’, que domina um índice numérico, é preciso um novo princípio composicional, chamado Abstração funcional.
Abstração funcional (ou Abstração de predicado):
Seja um nó ramificado, cujos constituintes imediatos são e um índice numérico i. Para qualquer assinalamento g, [[]]g = xe.[[]]g[i x].
A notação [[]]g[i x] deve ser lida da seguinte maneira: a extensão de em relação a um assinalamento g’, que é idêntico a g, exceto pelo fato de que g’ relaciona o número natural i ao indivíduo x.
Para conseguirmos interpretar S, ainda é preciso atribuir uma extensão ao vestígio que é irmão do verbo da oração relativa. A ideia é tratá-lo como um pronome, cuja referência será estabelecida pelo assinalamento. Ou seja:
		g(i)		se i D(g)
[[ti]]g = 
		indefinido	se i D(g)
Como fazemos o cálculo?
A maneira de mais fácil de fazer é procedendo de cima para baixo. Assim, por abstração de predicado, temos que [[que o Miguel ganhou t1]] = xe.[[o Miguel ganhou t1]]g[1 x] = xe.[[ganhou]] g[1 x]([[t1]] g[1 x])(Miguel). Uma vez que [[ganhou]] g[1 x] = [[ganhou]] = ze.ye.y ganhou z, e [[t1]] g[1 x] = g(1) = x, então: xe.[[ze.ye.y ganhou z](x)](Miguel) = xe.Miguel ganhou x.
Agora, considerando que o pronome relativo é semanticamente vácuo, temos que [[S’’]] = [[S’]] = xe.Miguel ganhou x, e podemos fazer modificação de predicado combinando S’’ a NP.
Exercício:
Calcule passo a passo o resto da derivação da sentença (3).

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