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ASPECTOS PROCESSUAIS DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL (LEI 9.605/98) ATINENTES À RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL DA PESSOA JURÍDICA∗ Carla Diehl Gomes** RESUMO A presente investigação aborda uma questão polêmica: os aspectos processuais referentes à responsabilização criminal da pessoa jurídica no âmbito dos crimes ambientais. A diretriz interpretativa consubstancia-se na demonstração do vácuo legal do rito a ser aplicável à legislação ambiental (lei n.º 9.605/98) no que tange ao ente coletivo. Para tanto proceder-se-á a uma análise profunda do inquérito, interrogatório e sua representação judicial, denúncia do Ministério Público, citação, a participação da pessoa coletiva na ação penal, dentre outros aspectos, com o intuito de fornecer subsídios para uma melhor compreensão do assunto em tela. Ao final, far-se-á crítica a legislação ambiental. Palavras-chave: Responsabilidade Penal. Pessoa Jurídica. Dupla imputação. Representante Legal. Meio Ambiente. ABSTRACT The present investigation addresses a controversy question: procedural aspects regarding criminal liabilition of entity juridical on scopes of the environment legislation. The interpretative guideline is based on the analysis of demonstration the legal vacuum of the rite to be applicable to (law nº 9.605/98) in that it refers to the company. for this purpose, an in-depth analysis of investigation, interrogation and its lawsuit representation, Public Departament disclosure, quotation, person collective participation into a action-penal, among other aspects, with the object of giving subsidy for a better understanding about the subject in question. a review on the environment legislation will be done. Keywords: Penal responsibility. Legal entity. Double imputation. Legal representative. Environment. * Artigo extraído do trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul aprovado pela banca examinadora composta pelo Orientador Prof. Alexandre Wunderlich, Profa. Clarice Beatriz da Costa Söhngen e Lenora Azevedo de Oliveira. ** Aluna graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: carladg.rs@ig.com.br 2 INTRODUÇÃO O essencial papel exercido, atualmente, pela pessoa jurídica na organização social, somada à realidade das organizações criminosas ou criminalidade em massa, em especial, dos delitos ambientais, com a participação cada vez maior desses entes coletivos, faz-se necessário a discussão sobre a amplitude da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Diante desse panorama, neste estudo demonstraremos a responsabilidade penal da pessoa jurídica: aspectos processuais da lei nº 9.605/98 atinentes à responsabilização criminal da pessoa jurídica. Iniciaremos a exposição transcorrendo sobre as hipóteses de responsabilização criminal do ente coletivo, bem como o processo penal relativo à pessoa jurídica: denúncia, citação, interrogatório, representação em juízo, os sujeitos da relação processual, dentre outras considerações. Por derradeiro, faremos crítica à legislação ambiental com relação à omissão do legislador em não regulamentar um rito específico à lei nº 9.605/98. 1 ASPECTOS PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO ÂMBITO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL- LEI No 9.605/98 1.1 ASPECTOS DOGMÁTICOS DA LEI 9.605/98 O perfil do Direito Penal neste fim de século caminha inegavelmente no sentido de profundas mudanças. Tudo isso implica na necessidade de passar a contar com a presença das pessoas jurídicas e corporações no cenário do delito, razão pela qual, cedo ou tarde, 3 iremos necessitar de sistemas penais apropriados.1 O autor Oliveira2 esclarece: “Optar por permitir que as pessoas jurídicas possam responder penalmente por suas ações implica na necessidade de encarar a visibilidade social que a derrogação do princípio societas delinquere non potest acarreta”. Assim, a Lei 9.605/98, disciplinadora dos crimes ambientais, trouxe como novidade a responsabilidade penal da pessoa jurídica, implementando determinação constitucional (art. 225, § 3º da Constituição Federal/88). Há norma de extensão (art. 3º da Lei 9.605/98), com as condições em que se dá a imputação às empresas, adotada responsabilidade por fato de outrem (quais sejam do representante legal ou contratual, ou membro de seu órgão colegiado). O legislador ordinário, interpretando literalmente a norma do art. 225 acima aludida, através da Lei 9.605/98, regulamentou-a e especificou as modalidades de sanções penais aplicáveis aos delitos ambientais praticados pelas pessoas jurídicas, cujo texto legal, em seu aspecto técnico-científico, sofreu profundas críticas.3 Passaremos a analisar o polêmico art. 3º da Lei 9.605/98. 1 OLIVEIRA, William Terra de. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e sistemas de imputação. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas e medidas de direito criminal. Coleção Temas Atuais de Direito Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. 2, p. 169-170. Atualmente, autores como Jakobs tentam elaborar um conceito de ação válido para as pessoas jurídicas, admitindo sua possibilidade de ação, não importando a sua origem (humana ou ficta0 concebe um sistema no qual a capacidade de ação pode tanto residir em uma pessoa física como em uma pessoa jurídica (considerando que as decisões de seus órgãos coletivos podem fundamentar uma conduta coletiva relevante para o Direito Penal. 2 OLIVEIRA, 1999, p. 170. No mesmo sentido, Bastos e Martins: “A atual Constituição rompeu com um dos princípios que vigorava plenamente no nosso sistema jurídico, o de que a pessoa jurídica, sociedade, enfim, não é passível de responsabilização penal” (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 103-4, v. 7. 3 ROBALDO, José Carlos de Oliveira. A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Direito Penal na Contramão da História. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 97. v. 2. Coleção temas atuais de direito criminal. Com efeito, referido autor, em tese, não se coloca contra a responsabilização penal da pessoa jurídica em si, contudo exige uma profunda mudança no sistema penal de cada país, para adaptá-lo e harmonizá-lo com o instrumento legal instituidor. Entre nós, conquanto a previsão legal, tal adaptação não se deu, posto que a parte geral do Código Penal, não obstante a mudança de 1984, introduzida pela Lei 7.209/84, nenhuma inovação trouxe nesse sentido e tampouco lhe foi acrescida posteriormente. Daí a conclusão de que a Lei 9.605/98 é inaplicável à pessoa jurídica. 4 1.1.1 Aplicação prática do Art. 3º da legislação ambiental Após a previsão constitucional do artigo 225, § 3º, sobre a responsabilização penal da pessoa jurídica que agride o meio ambiente com suas ações empresariais, por respeito ao consagrado princípio consagrado da reserva legal, foi elaborada e promulgada em 12 de fevereiro de 1998, a Lei 9.605, que cuida das sanções penais e administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Conforme o art. 3º4, três são as possibilidades de responsabilização criminal das pessoas coletivas: a) por decisão de seu representante legal; b) por decisão contratual; c) por decisão de órgão colegiado.Dessa feita, consta da leitura do artigo 3º da Legislação Ambiental, outro pressuposto à responsabilização criminal da pessoa jurídica. Segundo o referido dispositivo a infração deve ser cometida no interesse ou benefício da pessoa coletiva. De se destacar o entendimento de Lecey5: Assim a peça acusatória deverá explicitar os requisitos benefício e ou interesse da pessoa jurídica. De regra, qualquer conduta no exercício regular da atividade de uma empresa, por exemplo, será no seu interesse ou beneficio. Todavia, poderá determinada conduta ser exercitada sem deliberação por quem de direito, ou com excesso de mandato ou até contrariamente aos interesses da empresa. Em tais casos, ausente o pressuposto legal, não será denunciada a pessoa jurídica e, tão somente, a pessoa ou as pessoas físicas responsáveis. 4 Art. 3º da Lei 9.605/98, in verbis: “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”. 5 LECEY, Eládio. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica: Efetividade e questões processuais. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 35, ano 9, jul./set 2004, p. 71- 2. O mesmo autor cita precedente jurisprudencial: mandado de segurança relatado pelo Des. Vladimir Passos de Freitas: “as pessoas jurídicas podem ser processadas por crime ambiental, todavia a denúncia deve mencionar que a ação ou omissão foi fruto de decisão de seu representante legal ou contratual, ou de órgão colegiado, ainda que esta decisão tenha sido informal ou implícita (parte da ementa no MS 2002.04.01.054936-2/SC). No corpo do acórdão sustentando que a vantagem (interesse ou benefício da entidade) pode estar implícita nos atos da diretoria, não sendo necessário que tenha sido deliberada em reunião e registrada em ata, até porque isso seria praticamente impossível de ocorrer. Todavia, mesmo implícita deve ser apontada na denúncia. 5 Para que haja respeito ao ordenamento jurídico existente, em extensa e clara exposição sobre o assunto, ensina Freitas6: Posteriormente, obedecendo ao comando constitucional, o legislador especificou esta responsabilidade. Com efeito, a Lei 9.605/98, de 12.12.98, no art. 3º, expressamente atribui responsabilidade penal à pessoa jurídica. Portanto, temos agora a previsão constitucional e a norma legal. Impossível, assim, cogitar de eventual inconstitucionalidade, como ofensa a outros princípios previstos explícita ou implicitamente na Carta Magna. Se a própria Constituição admite expressamente a sanção penal à pessoa jurídica, é inviável interpretar a lei como inconstitucional, porque ofenderia outra norma que não é específica sobre o assunto. Tal tipo de interpretação, em verdade, significaria estar o Judiciário a rebelar-se contra o que o legislativo deliberou, cumprindo a Constituição Federal. Portanto, cabe a todos, agora, dar efetividade ao dispositivo legal. Gize-se que o artigo 3º da lei 9.605/98 condiciona a responsabilidade criminal da empresa ao fato de ter sua direção atuado no interesse ou benefício da entidade. Isso quer dizer que é necessária a indicação mínima de tomada de posição por parte dos responsáveis legais do ente coletivo no corpo da denúncia. Caso haja interesse individual, ou seja, atitude tomada pela pessoa física sem ter proveito à empresa, sem envolvimento do diretor, gerente, administrador e, isso ficar comprovado, será responsabilizado apenas a pessoa física que agiu em interesse próprio e não da empresa. As disposições de Rocha.7 No que diz respeito ao dispositivo em tela, o legislador utilizou da expressão serão responsabilizadas mas, não se pode interpretar a regra como de imputação objetiva do resultado ilícito, para viabilizar a aplicação da teoria do delito. A construção analítica do delito não é aplicável à pessoa jurídica e a responsabilidade da pessoa jurídica resta submetida apenas aos requisitos estabelecidos no próprio art. 3º da lei de crimes ambientais. 6 FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de Freitas. Crimes Contra a Natureza de acordo com a Lei no 9605/98. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006, p. 68. 7 Observa, ainda, o autor: não é possível utilizar a teoria do delito tradicional para fundamentar dogmaticamente a responsabilidade penal da pessoa jurídica. A pessoa jurídica não é uma realidade ontológica sobre a qual se possa aplicar um método interpretativo cunhado para a pessoa física. Por outro lado, o legislador nacional deixou claro que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não deve se fundamentar em nova teoria do delito. [...] A Lei 9.605/98, definiu os pressupostos para a responsabilidade da pessoa jurídica por crimes ambientais e estabeleceu penas compatíveis com sua natureza peculiar (ROCHA, Fernando Antônio Nogueira Galvão da. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 45). 6 Nessa previsão excepcional, a norma jurídica estabeleceu quais os requisitos necessários à responsabilização da pessoa jurídica e tais requisitos não se relacionam à teoria do delito. Deve-se reconhecer que tal disposição não estabelece que a pessoa jurídica seja autora de crime, mas apenas responsável. A regra do art. 3º não produz qualquer efeito sobre a teoria do delito, que foi construída com muito sacrifício para identificar a pessoa física autora de crime. não se trata de norma de extensão típica ou de culpabilidade. Não se trata de co-autoria entre a pessoa jurídica e pessoa física, mas sim de responsabilidade penal da pessoa jurídica pela conduta realizada pela pessoa física, porque tal comportamento se deu em nome e benefício da pessoa jurídica. É hipótese de responsabilidade pelo fato de outrem, mas que não possibilita investigar elementos subjetivos na pessoa responsável. Para a responsabilização da pessoa jurídica utiliza-se a teoria do delito apenas para identificar a autoria de crime naquele que atua em nome ou benefício do ente moral. Sempre dependente da intervenção de pessoa física, que responde criminalmente de maneira subjetiva, a pessoa jurídica não apresenta elemento subjetivo ou consciência da ilicitude que viabilize comparação com as construções da teoria do delito. A responsabilidade da pessoa física é subjetiva, pois se deve aplicar a teoria do delito com suas exigências de natureza subjetiva. A responsabilidade da pessoa jurídica, no entanto, decorre da relação objetiva que a relaciona ao autor do crime. Considerando a pessoa jurídica isoladamente, os critérios para sua responsabilidade são objetivos. No entanto, a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de pessoa física e análise da conduta desta possui sempre possui aspectos de natureza subjetiva. Há que ressaltar, contudo, que para a responsabilização da pessoa jurídica não é necessária à responsabilidade da pessoa física que concretamente viola a norma jurídica, posto que esta pode não ter cometido um fato típico (diante da ausência de elemento subjetivo - como no caso de erro) ou pode ter agido sem culpabilidade (sob coação moral irresistível, por exemplo, como no caso de ameaça de perder o emprego). Vejamos o que suscita Robaldo8: Inquestionavelmente, a Lei 9.605/98, de um lado deu um grande passo no sentido de tutelar o meio ambiente de forma mais eficaz, contudo, de outra parte, retrocedeu não só nas generalizações como também nas especificidades. No todo porque, ao prever mais de quarenta figuras delituosas,incorreu na falsa percepção de que o Direito Penal é o remédio para todos os males. [...] não se questiona a importância da aludida Lei como instrumento de controle das agressões ao meio ambiente. A realidade ambiental, como é do conhecimento de todos, está a exigir um disciplinamento jurídico mais rígido e eficaz. 8 ROBALDO, 1999, p. 99. 7 Para se ter noção do que quis satisfazer o legislador infraconstitucional ambiental, Rodrigues9 pondera que “Partindo-se desta premissa, e com sanções educativas, tal como penas sócio-educativas ambientais à comunidade, para que se consiga, depois de imposta e cumprida a pena, mais do que um ex-criminoso, um militante defensor do meio ambiente”. Após, o breve estudo da legislação ambiental, na verificação do art. 3º que mais consta divergência doutrinária e jurisprudencial, analisaremos as hipóteses de responsabilidade penal da pessoa coletiva. 1.2 HIPÓTESES DE RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA Vejamos os tipos de responsabilidade que encontramos especificadas na doutrina e o entendimento jurisprudencial. 1.2.1 Sistema da dupla imputação (simultânea) O sistema da dupla imputação ou simultânea é o adotado pelo nosso sistema, conforme a Constituição Federal em seu art. 225, § 3º e Lei 9.605/98. A responsabilidade penal da pessoa jurídica responsabiliza a pessoa jurídica, na pessoa do representante legal e a pessoa física que cometeu um delito na esfera ambiental em prol dos interesses ou benefícios da entidade. Schecaira10 disserta sobre o sistema da dupla imputação: [...] A responsabilidade penal das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras ou partícipes do mesmo fato, o que demonstra a adoção do sistema de dupla imputação. Através deste mecanismo, a punição de um agente (individual ou coletivo) não permite deixar de lado a persecução daquele que concorreu para a realização do crime, seja ele co- 9 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos do direito ambiental. Parte Geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 272. 10 SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. GOMES, Luiz Flávio (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 140. 8 autor ou partícipe. Consagrou-se, pois, a teoria da co-autoria necessária entre agente individual e coletividade. Um dos princípios constitucionais consagrados em muitas Constituições contemporâneas, inclusive a brasileira, e o da responsabilidade subjetiva, ou seja, da culpabilidade. A nossa ordem jurídica também dá a culpabilidade gabarito constitucional. Basta considerar o texto do inciso XVII, do art. 5º11 da nossa Carta Magna. Isso quer dizer que a condenação ao cumprimento de uma pena pressupõe, seja provada e declarada a culpabilidade de um agente que seja autor ou partícipe de um fato típico e antijurídico. Salienta-se que até o advento da Lei 9.605/98, basicamente puniam-se só os crimes ambientais dolosos. Ao que se sabe, apenas nas Leis no 7.802/89 (Agrotóxicos)12 e Lei no 8.974/95 (Biossegurança)13 foram previstas algumas modalidades de crimes informados pela culpa. Dessa feita, andou bem o legislador ao formular, em vários passos, tipos penais passíveis de consumação também sob a modalidade culposa, cassando em boa medida, a impunidade que até então era a regra. O crime doloso ocorre quando o agente quer o resultado ou assume o risco de produzi-lo. O crime culposo, não definido pela lei, se configuraria na hipótese de o agente provocar o resultado pro imprudência, negligência ou imperícia.14 Sobre a culpabilidade, Luisi15 enfatiza: [...] o dado básico para a individualização da pena é sem dúvidas, a culpabilidade. Tem se questionado se a culpabilidade é elemento integrante do delito. Mas é unânime o entendimento de que a culpabilidade é fundamental para que o Juiz possa fazer a escolha entre as penas aplicáveis, quando alternativas, bem como para fixar o quantitativo aplicável entre o mínimo e o máximo legalmente previsto. E, ainda, para fundamentar a aplicação de penas substitutivas. O Juízo da culpabilidade tem por base, a luz de uma concepção normativa pura, e mesmo na concepção psicológica normativa, além de imputabilidade do agente, o ter podido o agente agir diversamente e o ter ou poder ter tido 11 Art. 5º, inciso XVII, in verbis: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 12 Arts. 15 e 16. 13 Art. 13, V, §§ 4º e 5º. 14 Art. 18, II, do Código Penal. A doutrina moderna tem conceituado o crime culposo como “a conduta voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível,e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1999, p. 145). 15 LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. Notas sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 2003, p. 162-3. 9 consciência do ilícito. Destarte o Juízo de reprovabilidade tem como componentes que a agente seja imputável, e no concreto da conduta delituosa tenha podido agir em consonância com a lei, e tenha tido ou podido ter a consciência da ilicitude. Abstraindo os outros aspectos da culpabilidade, não é possível sustentar que a pessoa jurídica tenha consciência. Aliás, não são poucos os adeptos da responsabilidade da pessoa jurídica que afirmam não se poder vislumbrar nela a consciência.16 Sustenta-se, no entanto, um novo tipo de culpabilidade, embasada na consciência social. É o que preconiza Klaus Tiedmann17: Este penalista alemão, vêm pregando a necessidade de se criar este tipo de consciência através da lei. É de se colacionar o que escreve a respeito o jurista referido: “reconhecer, em direito penal, a culpabilidade (social) da empresa é levar em conta as conseqüências da realidade social de uma parte, e das obrigações correspondentes aos direitos da empresa de outra parte. Introduzir por via legislativa tal conceito de culpabilidade individual tradicional não é impossível segundo ponto de vista ideológico”. E, mais: “se trata de um alargamento considerável da matéria penal é um standart moderno do estado de direito que a decisão corresponde ao legislador”. David Baigún18, dissertando sobre o sistema da dupla imputação, assevera: Este sistema, que se cobija ya bajo el nombre de doble imputación, reside esencialmente en reconocer la coexistencia de dos vías de imputación cuando se produce un hecho delictivo protagonizado por el ente colectivo; de una parte, la que se dirige a la persona jurídica, como unidadindependiente y, de la otra, la atribución tradicional a las personas 16 LECEY, apud LUISI, 2003, p. 163. Lecey enfatiza: “não se pode buscar na pessoa jurídica o que ela não pode ter, qual seja a consciência da ilicitude”. E advoga a criação de um novo conceito de culpabilidade, não bem precisado, e que seria próprio da pessoa jurídica. 17 TIEDEMANN, Klaus. Responsabilidad Penal de Personan Jurídicas y Empresas em Derecho Comparado. Revista de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995, ano 3, n. 11, p. 22-8, jul./set, 1995, p. 21 e ss. 18 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 25. 10 físicas que integram la persona jurídica" (Naturalezade la acción institucional en el sistema de la doble imputación).19 Denota-se que não se compreende no ordenamento Brasileiro a responsabilidade da pessoa coletiva sem a automática responsabilidade da pessoa física, pois estas não estão dissociadas, consoante se depreende da doutrina e jurisprudência pesquisas. O autor em foco não prevê, de fato, o evento danoso como conseqüência certa de uma conduta, mas como conseqüência meramente possível, como resultado que poderá verificar-se ou não. Costa Júnior20 explicita a definição de culpa consciente: 19 DO ENTENDIMENTO DA CORTE SUPERIOR RELATOR: MINISTRO FELIX FISCHER RECORRENTE: LEÃO E LEÃO LTDA ADVOGADO: EDSON JUNJI TORIHARA E OUTROS T. ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DE JARDINÓPOLIS -SP RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO EMENTA PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA. INÉPCIA SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. NULIDADE DA CITAÇÃO. PLEITO PREJUDICADO. I - Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). II - No caso em tela, o delito foi imputado tão-somente à pessoa jurídica, não descrevendo a denúncia a participação de pessoa física que teria atuado em seu nome ou proveito, inviabilizando, assim, a instauração da persecutio criminis in iudicio (Precedentes). III - Com o trancamento da ação penal, em razão da inépcia da denúncia, resta prejudicado o pedido referente à nulidade da citação. Recurso provido. 20 COSTA JÚNIOR, Paulo José da Costa. O elemento subjetivo. A responsabilidade das empresas. A responsabilidade objetiva. In: Direito Penal Ecológico. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1996, p. 100-1. “Nos surpreende encontrar na Lei inglesa de 1951. o Rivers prevention pollution act, a norma contida no art. 2°, que pune aquele que provoca ou conscientemente permite a emissão, num curso de água, de qualquer substância tóxica, nociva, ou poluidora, ou que por decisão da Suprema Corte, com respeito a um caso de poluição hídrica devida à ruptura de uma bomba automática de um estabelecimento que servia para manter o nível das águas servidas utilizadas em ciclo fechado, sustenta a desnecessidade da indagação acerca do elemento subjetivo e a irrelevância do fortuito, no que tange à responsabilidade pela poluição. Deixa-nos perplexos, ao contrário, que a Lei suíça sobre as águas preveja expressamente formas de responsabilidade objetiva ou que, em sistemas ancorados, por expressa previsão constitucional, às regras do direito penal da culpa, exatamente em matéria ambiental, apresentem-se hipóteses que a doutrina não hesita em definir como de “responsabilidade objetiva”. 11 Considera-se culpa consciente aquela do titular de um estabelecimento industrial, que tenha efetivamente previsto o evento poluidor como possível conseqüência de sua conduta de descarga, ainda que não o desejasse, já que a autoridade administrativa lhe havia imposto não despejar os resíduos industriais sem tê-los antes apurado. 1.2.2 Responsabilidade penal da pessoa jurídica Segundo tendência do Direito Penal moderno de superar o caráter meramente individual da responsabilidade penal até então vigente, e cumprindo promessa do art. 225, § 3º, da CF, o legislador brasileiro erigiu a pessoa jurídica à condição de sujeito ativo da relação processual penal, dispondo, no art. 3º da Lei 9.605/98, que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Nesse sentido, Milaré21: O Intento do legislador, como se vê, foi de punir o criminoso certo e não apenas o mais humilde e/ou o “pé-de-chinelo” do jargão popular. Sim, porque, via de regra, o verdadeiro delinqüente ecológico não é a pessoa física - o quitandeiro da esquina, por exemplo, mas a pessoa jurídica que quase sempre busca o lucro como finalidade precípua e, para a qual, pouco interessam os prejuízos a curto e longo prazos causados à coletividade, assim como a quem pouco importa se a saúde da população venha a sofrer com a poluição. É o que ocorre geralmente com os grandes grupos econômicos, os imponentes conglomerados industriais, e por vezes - por que não dizer? - com o próprio estado, tido este como um dos maiores poluidores por decorrência de serviço e obras públicas sem controle. 21 MILARÉ, 2005, p. 780. No mesmo tópico: A responsabilidade da pessoa jurídica, como está escrito no parágrafo único do referido art. 3º, é óbvio, não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato, na medida em que a empresa, por si mesma, não comete crimes. 12 Ratificando o posicionamento acima, poderá Fonseca22 que consagrou-se, pois, a teoria da co-autoria necessária entre o agente individual e coletividade; a empresa- por si mesma - não comete atos delituosos; ela o faz através de alguém, objetivamente uma pessoa natural; sempre através do homem é que o ato delituoso é praticado. Nesse sentido Schecaira23: A pessoa jurídica tem vontade própria, distinta da de seus membros, o compartamento criminoso, enquanto violador de regras sociais de conduta, é uma ameaça para a convivência social e, por isso, deve enfrentar reações de defesa (através das penas). A pessoa coletiva é perfeitamente capaz de vontade, porquanto nasce e vive do encontro das vontades individuais de seus membros. A vontade coletiva que a anima não é um mito e caracteriza-se, em cada etapa importante de sua vida, pela reunião, pela deliberação e pelo voto da assembléia geral dos seus membros ou dos conselhos de administração, de gerência ou de direção. Essa vontade coletiva é capaz de cometer crimes tanto quanto a vontade individual. A pessoa jurídica pode ser responsável pelos seus atos, devendo o juízo de culpabilidade ser adaptado às suas características. Embora não se possa falar em imputabilidade e consciência do injusto, a reprovabilidade da conduta de uma empresa funda-se na exigibilidade de conduta diversa, a qual é perfeitamente possível. Portanto, diante da expressa determinação legal, não cabe mais entrar no mérito da velha polêmica sobre a pertinência da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, melhor será exercitar e perseguir os meios mais adequados para a efetiva implementação dos desígnios do legislador, consoante a Lei no 9.605/98. 1.2.3 Responsabilidade penal de seus representantes legais Como já vimos, a responsabilidade penal da pessoa jurídica e de seus dirigentes, sujeitará, aos ditames da lei, quer civil, penal ou administrativamente; 22 FONSECA, Luiz Vidal da. Ainda sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 90, v. 784, p. 501, fev 2001, p. 501. 23 SCHECAIRA, 1999, p. 89-95. 13 estando expressamente prevista, primeiramente no Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira - Capítulo I - Dos PrincípiosGerais da Atividade Econômica - artigo 173 § 5º24 e, depois no Título VIII - Capítulo VI - Do Meio Ambiente, em seu art. 225, § 3º25, ambos da Constituição Federal. Logo, para a caracterização da responsabilidade penal da pessoa jurídica, é exigência do art. 3º, da Lei no 9.605/98 que o delito ambiental tenha sido cometido por decisão do representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado da pessoa jurídica, em benefício ou interesse do ente coletivo. Machado26, analisando a questão, expressa que: A responsabilidade penal da pessoa jurídica é introduzida no Brasil pela Constituição de 1988, que mostra um dos seus traços inovadores. Lançou- se, assim, o alicerce necessário para termos uma dupla responsabilidade da pessoa jurídica. Foi importante que essa modificação se fizesse por uma Constituição, que foi amplamente discutida não só pelos juristas, como vários especialistas e associações de outros domínios do saber. Comenta Araújo Júnior27 que “atualmente, no Brasil, a Constituição de 1988, em seus arts. 173, § 5º, e 225, § 3º, outorgou ao legislador ordinário poderes para a instituição dessa forma de responsabilidade. Essa atitude do legislador constitucional brasileiro não nos parece estranha, seja do ponto de vista dogmático, seja do criminológico e do político-criminal, pois esta é a prospectiva mundial [...]”. 24 Art. 173, caput, da CF: Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. [...] § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. 25 Art. 225, caput, da CF: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] § 3º as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos caudados. 26 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 687. 27 ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Societas delinquere potest. Revisão da Legislação Comparada e Estado atual da Doutrina. In: ______. Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, v. 2, p. 87. 14 No mesmo sentido, expõe Marques28 : A responsabilização da pessoa jurídica no campo penal é exigência do mundo globalizado, onde os crimes que atingem de forma mais intensa a vida e a qualidade de vida das pessoas (meio ambiente, consumo, economia, etc.) são praticados por grandes corporações, que usufruem diretamente dos benefícios econômicos-financeiros decorrentes das práticas infracionais. Para finalizar as reflexões de Rodrigues29: Como se disse, a interpretação é decorrente do imperativo constitucional (art.225, § 3º) que expressamente permite a referida cumulatividade. Embora o tronco comum das sanções penais, civis e administrativas esteja enraizado no conceito de antijuridicidade (entendida esta como infração a preceito legal (ilícito) ou como ofensa aos bens e valores protegidos pelas normas e princípios de um dado sistema (conceito mais amplo do que ilícito), o que distingue e permite a cumulatividade é: o objeto e o objetivo de tutela de cada uma das modalidades de sanção e o órgão que irá aplicá-la. Sobre o representante legal do ente coletivo, explicam Freitas30: Representante legal é aquele que exerce a função em virtude da lei. A hipótese pressupõe que a lei, e não o ajuste dos sócios, indique o representante da pessoa jurídica. é mais fácil de ser imaginada no âmbito do Direito Público. Por exemplo, o prefeito é quem representa o município, ainda que eventualmente ele possa ser representado por outra pessoa (v. g. um secretário). Mas pode ocorrer também em caso de pessoa jurídica de Direito Privado. Se o contrato for omisso, todos serão considerados habilitados a gerir e, conseqüentemente, serão representantes da pessoa jurídica é o que determina o art. 1.013 do Código Civil de 2002. 28 MARQUES, José Roberto. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Revista de Direito Ambiental, n. 22, ano 6, p. 112, abr./jun. 2001, p. 112. 29 RODRIGUES, 2005, p. 265. 30 FREITAS, 2006, p. 71. 15 Consigna Machado31: “O representante legal é normalmente indicado nos estatutos da empresa ou associação”. E em sentido diverso coloca-se Rocha32: “Por representante legal deve-se entender aquele que exerce a representação em decorrência de mandamento legal. No caso, é a lei e não a vontade dos sócios que indica a pessoa que representa a pessoa jurídica”. No mesmo sentido colocam-se Costa Neto, Bello Filho e Costa33: O conceito de representante legal firmado pela lei deve ser interpretado extensivamente para abranger aqueles gerentes, administradores de fato e dirigente que, mesmo sem poderes contratuais para representar a firma, dirigem o dia-a-dia da empresa. Schecaira34 ressalta: Inexistem insuperáveis óbices de ordem processual a impedir a regular apuração da responsabilidade criminal da pessoa jurídica. A comunicação dos atos processuais e a participação no processo podem dar-se através de representante legal ordinário (órgão) - salvo quando ele também for acusado -, de outro mandatário constituído ou de representante nomeado pelo juízo. Para fins processuais, interessa a representação da pessoa jurídica no momento da instauração do processo e não à época em que se realizou o crime. Passamos, agora a apresentar, após observar os tipos de responsabilidade penal veiculadas na legislação ambiental, a investigação do Parquet nos crimes ambientais e todo o procedimento até a propositura da ação penal pública. 31 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 688. 32 ROCHA, 2005, p. 72. 33 COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA, Flávio Dino de Castro. Crimes e Infrações administrativas: comentários à lei nº 9.605/98. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 68. 34 SCHECAIRA, 1999, p. 157. 16 1.3 DO INQUÉRITO CIVIL NO ÂMBITO DA LEI Nº 9.605/98 1.3.1 Inquérito civil como meio de proteção do meio ambiente Não há dúvidas de que o inquérito civil, do qual passaremos a tratar, teve como fonte inspiradora o inquérito policial, instrumento de investigação, de cunho administrativo e inquisitório, presidiado pelo Delegado de Polícia, tendente a elucidar os fatos da ocorrência criminal.35 A título de ilustração as palavras de Mazzilli36, dentro da perspectiva da responsabilidade civil: O inquérito civil é uma investigação administrativa prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura da ação civil pública ou coletiva. Dizemos que se trata de forte instrumento de tutela coletiva na medida em que as investigaçõeslevadas ao efeito em seu bojo, quando positivas, servem de base para a obtenção de compromisso de ajustamento de conduta, ou para instruir ação civil pública. As disposições quanto ao inquérito, conforme Fiorillo37: 35 AKAQUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de conduta ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003, p. 57 “O Ministério Público, o legislador da Lei Federal 7.347/1985, em seu art. 8º, § 1º, que “o Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 dias úteis. 36 MAZZILLI, 2005, p. 46. [...] o referido instrumento de investigação tornou-se tão importante na defesa dos interesses da coletividade que ganhou contorno constitucional, pois a CF de 1988 previu em seu art. 129, Inc. III, que é função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. 37 FIORILLO, 2004, p. 377. O autor observa ainda: “na medida em que cuidamos de proteção ambiental, torna-se desnecessário tecer longos comentários a respeito da importante medida criada pelo legislador: é pelo inquérito civil que o Ministério Público pode adiantar suas investigações visando inclusive imediatas providências de índole processual; seja no campo do denominado “processo civil”, seja agora no campo do denominado “processo penal”. 17 Como resultado da integração dos diferentes subsistemas normativos à defesa do direito ambiental, entendeu por bem o legislador, e foi muito feliz, aplicar o instituto do inquérito civil, figura constitucional regrada no art. 129, III, da Carta Magna, nas hipóteses de perícia de constatação de dano ambiental (art. 19, parágrafo único, da Lei nº 9.605/98). A perícia produzida no inquérito civil poderá, portanto, segundo nosso direito em vigor, ser aproveitada diretamente no processo penal, observado o rigoroso devido processo legal (princípio do contraditório), situação que, sem dúvida alguma, elimina penosa trajetória que sempre caracterizou nosso ortodoxo processo penal. Ademais, a natureza jurídica do inquérito civil é de mero procedimento administrativo, de cunho eminentemente inquisitório, o que afasta, portanto, a imposição do contraditório. Nesse sentido, a lição de Silva38: O inquérito civil é um procedimento administrativo criado pela lei com a finalidade de coadjuvar o Ministério Público na tarefa de investigar fatos ensejadores da propositura de ação civil pública. Não é processo e tampouco procedimento judicial. É simplesmente procedimento administrativo investigatório. No entanto, Freitas39 faz ponderações: 38 SILVA, José Luiz Mônaco da. Inquérito civil: doutrina, legislação, modelos. São Paulo: Edipro, 2000, p. 28. Ainda “O inquérito civil é de natureza inquisitorial, nos mesmos moldes do que ocorre com o inquérito policial.” no mesmo diapasão é a ponderação de Menezes: “sendo um instrumento dispensável, constituindo em seu conjunto peças de informação, não há que se cogitar da incidência ou não dos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, para que se caracterize como um instrumento válido” (MENEZES, José Marcelo. Tutela Jurisdicional Coletiva. São Paulo: LTr, 2006, p. 128) 39 FREITAS, 2006, p. 59. “porém, não fica dúvida no sentido de que ao Ministério Público o que interessa é o estabelecimento da verdade, e, diante da ocorrência de lesão a bem jurídico difuso ou coletivo, notadamente, para nosso estudo, o meio ambiente, o inquérito civil ajudará na colheita dos elementos necessários para que se possa eventualmente convocar o investigado para tentativa de conciliação por meio do compromisso de ajustamento de conduta, ou na obtenção de provas suficientes a demonstrar o fumus boni júris na ação civil pública. [...] na área ambiental, notadamente, o impulso inicial por parte do próprio órgão Ministerial é crucial para a obtenção de bons resultados na defesa do meio ambiente. Portanto, tomando o membro do Ministério Público conhecimento por parte dos meios de comunicação ou mesmo “de ouvir dizer”, deve instaurar o inquérito civil, e, no seu decorrer, verificar se as notícias eram ou não verídicas, com absoluto embasamento técnico. Ademais, havendo necessidade de requisitar informações ou perícias técnicas, é sempre recomendável que o ofício requisitório contenha quesitos a serem respondidos pela pessoa física ou jurídica destinatária, o que certamente ajudará a evitar pedidos de complementação ou de reiteração em razão de o teor da resposta não estar de acordo com as expectativas do órgão ministerial. 18 [...] e, muito embora não haja obrigatoriedade, e até mesmo o interesse, do estabelecimento do contraditório no inquérito civil, é certo que sempre que possível é válido dar ciência ao investigado acerca dos fatos em análise, até porque poderá ocorrer algum esclarecimento por parte deste que venha a colaborar no resultado final da investigação. A possibilidade de permitir a ciência da existência da investigação se dá em razão de que nem sempre é adequado tal procedimento, posto que, por vezes, o conhecimento por parte do investigado da existência do inquérito civil poderá se retratar na tentativa de obstaculização das diligências determinadas nos autos do procedimento investigatório. O inquérito por Salles Júnior40: A finalidade do inquérito é levar a efeito uma investigação. Procura a autoridade, por meio dele, descobrir a prática de ilícitos penais, determinando a respectiva autoria. Torna-se necessário, pois manter o sigilo das investigações e, por conseqüência, do próprio inquérito policial O inquérito é inquisitivo porque a autoridade comanda investigações como melhor lhe aprouver. Não existe um rito preestabelecido para a elaboração do inquérito ou andamento das investigações. O inquérito representa simples informação sobre o fato criminoso e também sobre a identidade do seu autor. Não se sujeita ao chamado princípio do contraditório, próprio do processo penal, em que se apresentam acusação e defesa. É inquisitivo pelo fato de a autoridade comandar as investigações com certa discricionariedade. Conclui-se que o inquérito civil na ação penal pública incondicionada quem coordena é o Ministério Público, solicita informações, investiga, isto é, examina a possibilidade de oferecimento da denúncia. Ademais, o inquérito civil possui as mesmas características do inquérito policial: inquisitivo, escrito e sigiloso, dirigido pelo Delegado de polícia, para posterior propositura da ação penal. Por fim, após o breve abordagem sobre o inquérito civil gerenciado pelo Órgão Ministerial vejamos os requisitos para o oferecimento da denúncia. 40 SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito policial e ação penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 1998, p. 6. Tem-se a possibilidade de o inquérito ser iniciado nos casos de crimes de ação penal pública incondicionada por ofício requisitório do Ministério Público ou autoridade judiciária. É que a noticia criminis pode ser levada ao conhecimento do promotor de justiça ou mesmo do juiz de direito. Em casos tais, tanto o promotor como o juiz terão poderes para requisitar a instauração de inquérito. 19 1.4 DA DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Vejamos neste tópico o entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal quanto aos critériosutilizados para avaliar a individualização das condutas dos indiciados na denúncia do Ministério Público. Assim, abordaremos os acórdãos paradigmas transcritos para cotejar sobre o tema. 1.4.1 Da individualização das condutas dos agentes Na seara doutrinária e jurisprudencial, a denúncia do Ministério Público tem suscitado discussões no que tange a individualização das condutas dos agentes que incorreram em algum dos dispositivos da legislação ambiental. Há quem diga que a participação do responsável pela conduta tipificada deve conter todos os requisitos do artigo 41 do CPP, onde dispõe sobre os requisitos essenciais da denúncia do Parquet, considerando, assim, a denúncia inepta por não descrever a conduta de cada infrator, ou seja, faltam elementos de convicção, inviabilizando a defesa. Não obstante, há Ministros, por exemplo, o Ministro Joaquim Barbosa da Corte Suprema, que fala em “consta da denúncia a descrição, embora sucinta, de cada um dos denunciados”. Ou seja, entende que, embora a investigação não obteve muito êxito, foram verificados os responsáveis pela degradação ambiental. Reveilleau41, fala sobre o Poder Judiciário e a responsabilidade penal da pessoa jurídica: Inicialmente, faz-se preciso dizer que para proteção penal criminal ambiental é necessário que o Poder Judiciário passe a decidir essas questões, deixando de lado teorias clássicas do direito penal comum, tais como tipicidade e culpabilidade. E mais, que haja a flexibilização de alguns princípios, dentre eles o da legalidade, pois, enquanto o meio ambiente não for tutelado de forma diferenciada, continuará sempre prejudicado e 41 REVEILLEAU, Ana Célia Alves de Azevedo. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 61, ano 14, p. 320-1, jul./ago. 2006, p. 320-1. 20 dificilmente poderão ser atendidos os ditames que a norma constitucional impõe em seu art. 225 e parágrafos. Quando se fala em flexibilizar os princípios, dentre eles o da legalidade, não queremos dizer que as garantias individuais e fundamentais sejam afastadas, pois o Estado Democrático de Direito. No entanto, não se pode permitir que em certas situações concretas, o direito individual acabe por se sobrepor ao coletivo. [...] se durante muito tempo, o entendimento dominante era de que a pessoa jurídica não poderia ser responsabilizada criminalmente, e essa visão modificou-se, isso aponta que os novos paradigmas jurídicos também devem ser revistos para que se possa melhor atender aos objetivos práticos, eleitos, agora, como prevalentes. Desse modo, se a política criminal atual entende que a pessoa jurídica deve ser responsabilizada criminalmente, todo sistema jurídico deve ser adaptado a tal norma, vez que não estamos falando de um sistema matemático, mas axiológico. Ademais, a responsabilidade penal da pessoa jurídica decorre de opção político criminal sobre uma possível estratégia de combate à criminalidade moderna. Não se trata de uma posição impensada, mas de um fato social legítimo. O operador do direito não pode, assim, desatender à opção política que foi legitimamente posta no direito positivo, pois a ele cumpre observar a norma jurídica. Nesse sentido, Salles Júnior42: Geralmente, os elementos que informam o Ministério Público sobre a prática de um ato com características de delito estão contidos no inquérito policial. Caberá ao promotor de justiça proceder aos exames das informações, buscando saber se existem condições para a propositura da ação. Torna- se necessário perquirir sobre a existência de um fato com características do delito, autoria conhecida e um mínimo de elementos que posam servir de suporte probatório. Os requisitos da denúncia por Lecey43: 42 SALLES JÚNIOR, 1998, p. 168. 43 LECEY, 2004, p. 72-3. No mesmo sentido a autora Grinover fala sobre a imputação omissa ou deficiente: A instauração válida do processo pressupõe o oferecimento da denúncia ou da queixa com exposição clara e precisa de um fato criminoso, com todas as suas circunstâncias (art. 41 do CPP), isto é, “não só a ação transitiva , como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxilis), o malefício que produziu (quid), os motivos que a determinaram a isso (cur), a maneira por que a praticou (quomodo), o lugar onde praticou(ubi), o tempo (quando). Assim, a narração deficiente ou omissa, que impeça ou dificulte o exercício da defesa, é causa de nulidade absoluta, não podendo ser sanada porque infringe os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. [...] A sentença que vier a ser prolatada em processo iniciado por denúncia inepta será afetada porque assentada em procedimento viciado desde sua origem. (GRINOVER, Ada Pelegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades do processo penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 114.) 21 Assim, o que a denúncia deverá conter, necessariamente, será a deliberação por quem de direito no seio da pessoa jurídica, incluindo na imputação ditas pessoas físicas quando identificadas. Acaso, não precisamente apuradas suas identificações, deverá a referida circunstância ser explicitada na peça acusatória que, assim, atenderá o requisito da lei penal ambiental, denunciando a pessoa jurídica, fundamentando seus pressupostos, mas deixando de denunciar outros concorrentes eventualmente não apurados. [...] em termos de direito ambiental penal, estamos diante de novos paradigmas, entre eles a responsabilização criminal da pessoa ao jurídica. Assim, o agente do Ministério Público deve estar atento às peculiaridades desses novos direitos, a exigirem mecanismos procedimentais especiais, de modo que se recomendam denúncias bem mais arrazoadas, bem mais detalhadas, explicitando todos os requisitos àquela responsabilização, autêntico novo paradigma. Assim, deverão arrazoar como pressupostos: a) deliberação por quem de direito, inclusive a forma da decisão. b) interesse ou benefício da pessoa jurídica; c) narrar a conduta dos executores, com a qual se confundirá a atividade da pessoa jurídica, já que aqueles executam por esta; d) incluir as pessoas físicas identificadas como co-autoras ou partícipes. Não é outro o entendimento da Corte Superior: HABEAS CORPUS Nº 37.695 - SP (2004/0116398-0) RELATOR: MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO IMPETRANTE: LEONARDO SICA IMPETRADO: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PACIENTE: SALVADOR NESSIM BITCHATCHO Y RUMI PACIENTE: RITA DE CASSIA CLAUDIO BITCHATCHO PACIENTE: ALBERTO ALLEN BITCHATCHO Y RUMI PACIENTE: REGINA RUMI DE BITCHATCHO EMENTA HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA PARCIAIS. OCORRÊNCIA. 1. A denúncia que, em parte, sobre desatender o artigo 41 do Código de Processo Penal, não descrevendo a conduta de cada qual dos denunciados, vem desacompanhada de um mínimo de prova que lhe assegure a viabilidade, autoriza e mesmo determina o julgamento de falta de justa causa para a ação penal. 2. Ordem parcialmente concedida. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 16.135 - AM (2004/0075783-8) RELATOR: MINISTRO NILSON NAVES RECORRENTE: LUIZ GARCIA HERMIDA E OUTROS ADVOGADO: JOSÉ LEITE SARAIVA FILHO E OUTRO RECORRIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS 22 PACIENTE: LUIZ GARCIA HERMIDA PACIENTE: ROBERTO SÁ DÂMASO PACIENTE: LUIZ CARLOS DE ANDRADE RIBEIRO PACIENTE: JOSÉ ERNESTO DA SILVA GONZALEZ EMENTA Crime de várias pessoas (societário). Condutase atividades lesivas ao meio ambiente. Denúncia. Individualização das condutas. Argüição de inépcia (procedência). 1. Em casos dessa espécie, não se admite denúncia que dela não conste descrição das diversas condutas. 2. Caso em que, por faltar descrição de elementos de convicção que a ampare, a denúncia não reúne, em torno de si, as exigências legais, estando, portanto, formalmente inepta. 3. Recurso ordinário provido. Voto do MINISTRO NILSON NAVES: Quanto às pessoas físicas ou naturais, exatamente aquelas que aqui são pacientes e recorrentes, a denúncia ficou aquém daquilo que dela se espera (de seus indispensáveis requisitos), bem aquém, a meu sentir, porquanto, naquela exposição narrativa e demonstrativa que das denúncias se requer (parte formal), a presente denúncia não revelou qual fora a participação dessas pessoas no fato por ela indicado. Não há, em seu corpo, uma só palavra referente à maneira como essas pessoas praticaram a ação, ou se omitiram, se e quando dessas pessoas se requeria o dever de agir. [...] É certo que, em casos dessa espécie, existe forte entendimento segundo o qual a denúncia não precisa individualizar a conduta de cada agente ativo. Sucede que existe também o entendimento de que o denunciante, entretanto, tem o dever, mesmo em casos desse porte, de fornecer exposição, ou apresentar proposta de acusação, apresentá-la de tal modo que permita ao denunciado defender-se. Dentro de tal moldura, quero crer que, em apoio desta última posição, podem vir a pêlo, provenientes desta Turma, o RHC-8.389, de 1999, da relatoria do Ministro Fernando Gonçalves, e o REsp-175.548, de 2001, da relatoria do Ministro Hamilton Carvalhido. Em razão de me encontrar diante de denúncia inepta, dou provimento ao recurso ordinário para conceder a ordem de habeas corpus. Certamente que outra denúncia poderá ser oferecida, uma vez preenchidas as exigências de lei. Assim, feita as devidas considerações sobre os paradigmas, convém ressaltar que com o advento da criminalização das pessoas jurídicas por crimes ambientais (CF/88, Art. 225, § 3º, e art. 3º da Lei no 9.605/98) pode-se atribuir a responsabilidade penal decorrente de crime ambiental a empresa, como bem fez os relatores referidos ao enfrentar a questão. Após essa questão da capacidade criminal da pessoa jurídica, houve o exame das acusações. Nos acórdãos, foi mencionado que, embora as denúncias foram feitas de forma genérica, atribui a várias pessoas físicas e jurídicas os crimes ambientais, ao menos fez a distinção das atividades, isto é, cada forma de contribuição dos envolvidos. Para cotejar o voto do Ministro Joaquim Barbosa, em que pese às descrições das condutas estarem genéricas, não se caracteriza o trancamento da ação penal 23 por falta de justa causa. Em controvérsia, vota o Ministro Nilson Naves no sentido de que a denuncia é inepta, para o Ministro não se pode aceitar que a descrição das condutas dos agentes seja genérica e, nem a argumentação de que, durante a ação penal, os fatos ficarão esclarecidos, concedendo por fim o trancamento da ação penal por falta de justa causa. Vê-se, contudo, que a matéria sub examine é divergente nos Tribunais, ou seja, quanto à individualização das condutas dos agentes responsáveis pela pessoa jurídica, o quantum de informações captadas no inquérito e traduzidas na denúncia é necessário para considerar a denúncia apta, dentro do dispositivo (artigo 41) do CPP. Quanto à responsabilidade da pessoa jurídica não há divergência, todos os tribunais consideram devida a sua responsabilização, como demonstrados nos paradigmas. 1.5 DA AÇÃO E DO PROCESSO PENAL Embora a legislação ambiental não adotou modelo mais adequado para a atual realidade de produção legislativa, ou seja, elaboração de normas processuais/ procedimentais em harmonia com o direito material, procurou o legislador adequar a Lei 9.099/95 às necessidades da tutela ambiental (art. 28, I e II), e no mesmo sentido com o art. 79 da Lei 9.605/98, estabelecendo aplicação subsidiária das disposições do Código Penal e Processo Penal. Dessa maneira, conforme observa Azevedo44 a Lei no 9.605/98 é lacônica, em termos processuais, e absolutamente omissa, quanto ao procedimento a ser seguido, figurando a pessoa jurídica no pólo passivo. A definição de ação para Boschi45: 44 AZEVEDO, Tupinambá Pinto de. Crime Ambiental: anotações sobre a representação, em juízo, da pessoa jurídica e seu interrogatório. Revista de Direito Ambiental.São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 11, v. 42, p. 209, abr./jun. 2006, p. 209. 45 BOSCHI, José Antônio Paganella. Ação penal: denúncia, queixa e aditamento. 3. ed. Rio de Janeiro: Aide. 2002, p. 21-22. Ação é um direito abstrato, autônomo e independente do direito material. É por meio dela que o autor põe sua pretensão ao exame e pronunciamento do juiz, em cognição processual completa ou, eventualmente, incompleta. 24 A ação é o direito “subjetivo” de “mover” a jurisdição, enquanto a “pretensão” constitui a obrigação exigível do ex adversus de cumprir com a sua obrigação, que, no dizer de Ovidio Baptista, se configura como categoria de direito material. Sendo um direito “subjetivo” (a expressão deriva de “subjetivo”, de “sujeito”, de “individual”, de indivíduo, significa então que todo cidadão, independentemente da idade, do estado civil etc., está autorizado a intentar a ação para defender pretensões de conteúdos civis, comerciais, trabalhistas. Todavia, tratando-se de ação penal pública, em que o jus persequendi in juditio é monopólio do Estado/administração, representado pelo Ministério Público (art. 129, I, da CF), é impróprio o apelo ao conceito de ação como direito “subjetivo” público. Como o Estado/Administração/Ministério Público não se inserem no conceito antropológico de “indivíduo”, resulta que sua legitimidade para dar impulso à jurisdição, como parte, decorre não do direito assegurado ao particular e sim do seu oposto, isto é, do dever pactuado pelo Estado de fazer atuar o Direito Penal em defesa dos interesses da comunidade com a segurança e a justiça. Na ação penal pública, o fundamento que legitima e sustenta é, então, o mesmo que legitima e sustenta o monopólio do jus puniendi nas mãos do Estado: o pacto social, e, dele, o dever jurídico de apurar a responsabilidade dos criminosos para que os particulares não voltem a fazê-lo, injusta e desmedidamente, assegurando, assim, as vantagens da civilização sobre a barbárie. Desse modo, a ação penal, entendida, simplesmente, como “poder” de mover a jurisdição, pode ter natureza de “direito subjetivo público” nas ações de iniciativa privada ou de “dever jurídico” nas ações públicas. Jucovski46 faz crítica: No Brasil, como em boa parte dos países, cresce, a cada dia, a preocupação com a efetividade do processo. Na tutela ambiental, o processo deve ter a disposição instrumentos adequados, não somente quanto à legitimidade para agir das associações, mas, também, quanto à tutela preventiva, através de medidas de urgência e, ainda, ao cumprimento dos decisórios e à diminuição dos valores das despesas processuais. Mas, ainda restam dificuldades para a verdadeira e célebre proteção do ambiente no Brasil, especialmente no que se refere ao desaparelhamento do Judiciário; à possibilidade de inúmeros recursos protelatórios das decisões às instâncias superiores; à proliferação de leis e medidas provisórias editadas pelo Executivo, a causar instabilidade nas relações jurídicas; à desproporcionalidade entre o número de juízes e servidores em relação à quantidade de processos judiciais em tramitação perante o Poder Judiciário; para além da questão davasta extensão territorial e diversidade de problemas ambientais em cada região, da dificuldade no cumprimento das decisões judiciais pela Administração Pública, bem assim da recente consciência ecológica pela sociedade e da incipiente educação ambiental, inclusive, nas universidades do País. De todo modo, o processo deve ser rápido e eficaz, a fim de propiciar a prevenção e repressão do dano ambiental. 46 JUCOVSKI, Vera Lúcia R. S. O papel do juiz na defesa do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, v. 19, ano 5, jul./set. 2000, p. 46. 25 Com relação à autora em foco47, a postura do juiz nas ações: Reclama-se do Juiz em ações judiciais desse jaez papel mais ativo e menos inerte, a fim de fazer incidir, de forma efetiva, o comando constitucional previsto no art. 225 da Carta Magna. Com efeito, no exercício da jurisdição o Juiz deverá atentar para a relevância social das ações ambientais, sendo assim, o Juiz não deve ser expectador apático dos fatos que lhe são submetidos. Ao contrário, deve acompanhar a prova a avaliá-la tendo em vista o interesse coletivo na busca da verdade, interesse este que por ser público e genérico, sobrepõe-se aos casos em que a ofensa seja individual. Como visto, mal ou bem existe a tentativa de um processo, ou seja, um procedimento a ser aplicado a pessoa jurídica. Desta feita, vejamos a seguir os sujeitos da relação processual. 1.6 DOS SUJEITOS DA RELAÇÃO PENAL-PROCESSUAL Os sujeitos podem ser ativo e passivo. Sujeito ativo é o autor da conduta típica, enquanto o sujeito passivo da conduta pode não ser o sujeito passivo do delito. O sujeito ativo, geralmente, pode ser qualquer um mas em certos tipos são exigidas características especiais no sujeito passivo. É novidade no nosso ordenamento a participação da pessoa jurídica na relação processual. No âmbito do sujeito ativo, nos crimes ambientais, pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica. Logo, a possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito ativo no campo penal é, sem dúvida, um dos temas mais tormentosos e inquietantes da atualidade e, 47 JUCOVSKI, 2000, p. 44-45. Nesse sentido, finaliza: “a maioria dos modernos Estados de Direito democráticos consagram constitucionalmente a tutela ao meio ambiente, podendo-se asseverar, hordiernamente, a constante presença de uma constituição ambiental, dirigida ao legislador infraconstitucional, como aos operadores do direito, tais como os Juízes, Ministério Público, advogados e outros colaboradores da aplicação da Justiça, bem como a todas as pessoas, físicas ou jurídicas, de direito público e de direito privado. 26 em razão disso, vem provocando incessantes e salutares abordagens e debates por autores pátrios e estrangeiros, uns defendendo, outros não.48 Partes em sentido processual, por Tucci49: Com efeito, apesar de, em regra, apresentarem-se, no processo, como autor e réu as mesmas partes integrantes da relação jurídica material submetida à definição judicial, nele são como tal considerados os sujeitos processuais parciais, ou seja, aquele que exerce, ou aquele em face de quem se exerce, mediante ação, o direito à jurisdição. Acrescente-se que esse posicionamento processual não significa, nem pode significar, que o autor seja, necessariamente, o titular do direito subjetivo, e o réu da obrigação ou do dever: em muitos casos, com declaração da improcedência do pedido formulado na petição inicial, exatamente o reverso. O Ministério Público, por sua vez, nelas atua, preponderantemente como órgão opinante, isto é, como custos legis; todavia, com a mesma incumbência de “defesa da ordem jurídica” e dos interesses social e individual (indisponível) do paciente, peticionário ou executado, e a possibilidade, ainda, de assumir a qualificação de parte em sentido processual. Sabemos que são uns dos pressupostos para a existência do processo as partes, que são sujeitos de direito com personalidade e capacidade jurídica, que participaram na condição de sujeito ativo ou sujeito passivo do processo penal. Porém, até pouco tempo o nosso ordenamento só dava capacidade de incorrer penalmente a pessoas físicas, princípio da pessoalidade. No entanto, com o advento da Lei 9.605/98 esta definição mudou, passando a adotar também a pessoa jurídica como sujeito de direito capaz de participar da relação processual, na pessoa de seu dirigente legal. 48 ROBALDO, 1999, p. 95. Nesse sentido “como a conservação ambiental é uma obrigação que nos pertence a todos individual e coletivamente, porque é a defesa da vida mesma, é lógico pensar que estes delitos não são um entidade nova, mas que adquirem uma forma específica frente ao problema da destruição sistematizada da natureza”. 49 TUCCI, Rogério Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e Processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003, p. 184. 27 1.6.1 Da participação da pessoa jurídica no pólo passivo do processo penal A responsabilidade penal da pessoa jurídica, realidade na lei dos crimes ambientais, gradativamente vem se tornando efetiva. De um modo geral, as pessoas jurídicas tem acatado a sua responsabilização trazida pela Lei no 9.605/98. Para esclarecer a participação da pessoa jurídica no pólo passivo do processo penal, trazemos excerto de jurisprudência da Corte Superior: RECURSO ESPECIAL Nº 889.528 - SC (2006/0200330-2) RELATOR: MINISTRO FELIX FISCHER RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA RECORRIDO: REUNIDAS S/A TRANSPORTES COLETIVOS ADVOGADO: ELEANDRO R BRUSTOLIN EMENTA PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA REJEITADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SISTEMA OU TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio" cf. Resp nº 564960/SC, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJ de 13/06/2005 (Precedentes). Recurso especial provido. [...] A douta Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pelo provimento do recurso em parecer assim ementado: A pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos através da atuação de seus administradores, inclusive ações penalmente relevantes e típicas, sendo, assim, passível de responsabilização penal, nos termos da Lei n° 9.605/98, que veio regulamentar o art. 225, 3º, da Constituição Federal. Noutra vertente, a pessoa jurídica somente pode ser responsabilizada - e figurar no pólo passivo da relação processual-penal - quando houver intervenção de uma pessoa física, que atue em nome e em benefício do ente moral, também denunciada; deve, ainda, ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado, o que ocorreu no caso. Precedentes. Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso, a fim de que seja reconhecida a legitimidade da pessoa jurídica de direito privado para figurar na pólo passivo da presente relação processual-penal, retornado os autos ao Tribunal para análise do mérito do recurso de apelação interposto pela recorrida (fl. 282). Na busca de uma mais efetiva justiça ambiental e social, criminalizou-se a pessoa coletiva e seus dirigentes. Em razão desses novos paradigmas, necessário 28 se fazrepensar o direito penal e o direito processual penal, os adequando, principalmente, aos novos sujeitos trazidos ao pólo passivo do processo criminal. 1.7 DA CITAÇÃO DO ENTE COLETIVO A citação é exigência essencial ao exercício do contraditório, o conhecimento pelos demandados, de todos os dados do processo, pois como comenta Grinover50 sem a completa e adequada informação a respeito dos diversos atos praticados, das provas produzidas, dos argumentos apresentados pelo adversário, a participação seria ilusória e desprovida de aptidão para influenciar o convencimento do juiz. A citação do ente coletivo para dar início ao processo válido seus trâmites apropriados, conforme relata Marques51: A citação da pessoa jurídica deve ser feita na pessoa de seu representante legal, limitando-se as formas de citação àquelas previstas no Código de Processo Penal, inclusive com aplicação do disposto nos arts. 366 e 367 daquele estatuto. Fica excluída, pois, a citação pelo correio, permitida pelo Código de Processo Civil, uma vez que se afasta do direito de defesa inerente ao processo penal. No mesmo sentido pondera Lecey52: No mais, a citação da pessoa jurídica obedecerá as regras do processo penal, ou seja, art. 531 do CPP, e das Leis dos Juizados Especiais Criminais. Será pessoal e por mandado, expedindo-se precatória quando 50 GRINOVER, 2004, p. 121. A efetividade dos diversos atos de comunicação processual representa condição indispensável ao pleno exercício dos direitos e faculdades conferidos às partes; sua falta ou imperfeição implica sempre prejuízo ao contraditório, comprometendo toda a efetividade subseqüente. 51 MARQUES, 2001, p. 112. Nesse entendimento Grinover: A citação constitui seguramente o mais importante ato de comunicação processual, especialmente em sede penal, pois visa a levar ao conhecimento do réu a acusação que lhe foi formulada, bem como a data e local em que deve comparecer para ser interrogado, propiciando, assim, as informações indispensáveis à preparação da defesa (GRINOVER, 2004, p. 122-3). 52 LECEY, 2004, p. 75. 29 estiver o representante fora do território da jurisdição em que tramita o processo. Poderá ser por edital nas hipóteses dos arts. 361 a 363 do CPP. Já nos Juizados Especiais Criminais, não é admitida a citação por edital. Não será possível, outrossim, citação pelo correio. Grinover53 acrescenta: Citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu a fim de se defender, motivo pelo qual esse ato de comunicação processual está intimamente ligado ao direito de defesa. Segundo o objeto do processo, as garantias de que se deve revestir-se o ato de citação podem variar. A citação é ato indispensável à validade do processo, e o processo penal tem requisitos de validade que podem ser mais rigorosos do que os exigidos para a validade do processo civil. A analogia não encontra aplicação nesse campo, e a citação da pessoa jurídica deverá seguir as formas previstas no CPP (Art. 531) ou na Lei 9.099/95, conforme o caso. O funcionamento do processo por Boschi54: Portanto, operada a citação e, desse modo, estabelecida a relação jurídica entre os três sujeitos do processo (autor, juiz, réu), o acusado terá o direito de conhecer a longitude, a latitude e a profundidade da acusação; terá o direito de impugná-la pessoalmente; de acompanhar e fiscalizar, com a mesma finalidade, a prática dos atos processuais e de ser representado em todas as fases da persecução penal por um advogado. Diante das citações apresentadas, vê-se que o entendimento adotado é no sentido de aceitar a citação da pessoa jurídica feita em pessoa que se apresenta como representante legal da empresa e recebe a citação sem ressalva quanto à inexistência de poderes de representação em juízo, tornando aplicável a teoria da 53 GRINOVER, 1999, p. 48-49. 54 BOSCHI, 2002, p. 32. 30 aparência.55 Esta posição é válida também para o sócio que não possui poderes de representação. Nessa linha, Grinover56 conceitua: No processo penal brasileiro, a citação pessoal é feita através do mandado, normalmente expedido pelo próprio juiz da causa, mas que também pode resultar de ato de cooperação jurisdicional (carta precatória, rogatória e de ordem). [...] com a citação pessoal regular, completa-se a relação processual, ficando o acusado, a partir daí, com o ônus de comparecer aos atos processuais para os quais for intimado e também de comunicar a juízo qualquer mudança de residência, sob pena de prosseguir o processo sem a sua presença (art. 367 do CPP, na redação dada pela Lei no 9.271/96). 55 RECURSO ESPECIAL. CITAÇÃO. REPRESENTANTE. TEORIA DA APARENCIA. APLICAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO. DECIDINDO O TRIBUNAL, COM APLICAÇÃO DA TEORIA DA APARENCIA, SER VALIDA A CITAÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL, NA PESSOA DE EMPREGADA COM EVIDENCIA DE REPRESENTANTE, NÃO SE TEM POR INFRINGIDO O ART. 215 DO C.P.C. E OUTROS A DISCIPLINAR A REPRESENTAÇÃO LEGAL DAS PESSOAS JURIDICAS. RECURSO NÃO CONHECIDO. (Resp 6631/RJ RECURSOESPECIAL 1990/0012878-1/MIN. CLÁUDIO SANTOS/ DJ 24.06.1991 p. 8634) AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 869.500 - SP (2006/0150007-4) RELATOR : MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA AGRAVANTE : BANCO SANTANDER MERIDIONAL S/A ADVOGADOS : ALEXANDRE YUJI HIRATA E OUTRO ISABELA BRAGA POMPÍLIO AGRAVADO : HÉLIO MENDES ADVOGADO : ALFREDO VASQUES DA GRAÇA JUNIOR EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CITAÇÃO POSTAL. PESSOA JURÍDICA. TEORIA DA APARÊNCIA. APLICAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Segundo a Teoria da Aparência, é válida a citação realizada perante pessoa que se identifica como funcionário da empresa, sem ressalvas, não sendo necessário que receba a citação o seu representante legal. 2. Em caso similar ao dos autos, em que a citação fora recebida por funcionário de empresa terceirizada que prestava serviços ao réu, decidiu-se pela validade do ato processual, salientando que, 'ao se considerar a estrutura e organização de uma pessoa jurídica, é de se concluir que todos os atos ali praticados devam chegar ao conhecimento de seus diretores ou gerentes, não apenas por via de seus gerentes ou administradores, mas também por intermédio de seus empregados, o que se observa na presente hipótese' (AG 692.345, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ 06.10.05). 3. Ademais, na espécie, observa-se que sequer consta prova dos autos, mas apenas mera alegação do Banco recorrido, de que a pessoa que recebeu a citação não faz parte dos seus quadros. 4. Agravo improvido. 56 GRINOVER, 2004, p. 123. A falta de atendimento a formalidades relativas à execução do mandado (art. 357 do CPP) também acarretará a nulidade do ato em questão, porquanto as prescrições legais visam assegurar e atestar o pleno conhecimento, pelo réu, da imputação e demais elementos indispensáveis ao atendimento do chamamento judicial; a omissão ou laconismo da certidão do oficial de justiça sobre a leitura do mandado, entrega da contrafé e aceitação ou recusa do citando descaracterizam o ato citatório, dando lugar à nulidade. 31 Ademais, caso ocorra à citação única ao diretor-réu em que consta a dupla imputação, diante do recebimento de cópia da denúncia, entende o autor Azevedo57 que não há prejuízo à defesa. A visão de Azevedo58: Nossa posição é favorável à citação única, não havendo em tal alvitre qualquer interpretação elástica. Apenas, deve haver a cautela de consignar, na citação, a amplitude do objeto: ciência da propositura de ação penal contra o diretor e contra a empresa, situando-o como seu representante.
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