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Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.1 CAPÍTULO 13 COGERAÇÃO E GERAÇÃO DISTRIBUÍDA Luiz Augusto Horta Nogueira Flávio Neves Teixeira Fabiano da Rosa Carvalho 13.1- INTRODUÇÃO ...................................................................................................................1 13.2- FUNDAMENTOS ...............................................................................................................2 13.3- O DESENVOLVIMENTO DA COGERAÇÃO .................................................................5 13.4- ASPECTOS TECNOLÓGICOS..........................................................................................8 13.5- OPERAÇÃO DOS SISTEMAS DE COGERAÇÃO ..........................................................19 13.6- DESEMPENHO DOS SISTEMAS DE COGERAÇÃO.....................................................30 13.7- ASPECTOS ECONÔMICOS ..............................................................................................32 13.8- POTENCIAL DE COGERAÇÃO .......................................................................................40 13.9- GERAÇÃO DISTRIBUÍDA................................................................................................43 13.10- REFERÊNCIAS.................................................................................................................46 13.1- INTRODUÇÃO No aperfeiçoamento dos sistemas energéticos, especificamente em termos de ganhos de eficiência, é fundamental a redução das perdas nos vários processos de conversão, necessários para atender aos consumidores nos seus usos finais. Ao se reduzirem tais perdas, reduzem-se correspondentemente os níveis de demanda de energia primária e todos inevitáveis efeitos associados ao consumo de energia, como podem ser os impactos ambientais na exploração dos recursos naturais e as emissões para a atmosfera. Neste sentido destaca-se a tecnologia da produção combinada de calor útil e energia elétrica ou mecânica, de modo simultâneo e a partir de um único combustível, também denominada como cogeração, que pode ser praticada em grandes centrais térmicas de serviço público ou junto aos consumidores. Este capítulo dedica-se a este tema, em seu primeiro tópico apresentando os conceitos, suas vantagens e principais aplicações. No tópico seguinte é feita uma descrição da evolução destes sistemas e seu cenário em alguns países, incluindo-se o Brasil. Para este último é apresentada uma tabela onde constam as principais plantas de cogeração em funcionamento no país, bem como suas capacidades. Na sequência são estudadas as tecnologias empregadas nos sistemas de cogeração. Neste sentido, definem-se inicialmente os ciclos superiores (‘topping’) e inferiores (‘bottoming’), em função da posição relativa da geração de energia elétrica na seqüência da geração e utilização do calor. Posteriormente são mencionadas as principais características dos tipos de acionadores primários mais empregados para a cogeração, a saber, turbinas a gás, a vapor e motores de combustão interna. A descrição empregada permite comparar, em termos de eficiência, instalações com turbinas a gás, vapor e motores alternativos operando sem recuperação e com recuperação de calor (cogeração), a fim de evidenciar as vantagens da produção combinada de energia. Finalizando este tópico, são apresentados os principais parâmetros que devem ser considerados quando da escolha de se instalar uma central de cogeração. A operação de sistemas de cogeração é o assunto do quarto tópico, que procura avaliar como uma unidade se comporta frente a variações de carga, tendo-se em conta que as demandas de calor e trabalho podem ser independentes. Um primeiro método baseia-se em relações Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.2 adimensionais e na análise das condições médias de operação dos sistemas de cogeração, sendo fornecidos valores da relação de consumo trabalho/calor para alguns segmentos onde a cogeração tem sido aplicada no Brasil, bem como das tecnologias consideradas neste capítulo. Neste tópico se apresenta também o método da convolução, que permite uma abordagem mais detalhada da operação em regime variável. O desempenho dos sistemas de cogeração é o assunto do quinto item, sendo a contabilização dos fluxos de entrada e saída dos equipamentos importantes para analisar o desempenho do sistema. São definidos alguns critérios de eficiência, entre eles a eficiência energética, a eficiência ponderada por preços e a eficiência térmica artificial. As principais vantagens da cogeração, como a redução de perdas e seu menor impacto ambiental, terão significado prático somente a partir de uma análise de seus aspectos econômicos, como abordado no sexto tópico. Assim são avaliados os investimentos em equipamentos de cogeração e apresentados estudos de viabilidade, cuja finalidade é confrontar as alternativas de geração de calor e potência através dos métodos de geração convencional e com cogeração, permitindo avaliar os custos anuais associados. Finalizando este tópico, é feita uma explanação sobre o custo da energia cogerada traduzido pelos métodos de alocação de custos para a determinação dos custos de cada produto. Um exemplo de caso é mostrado a fim de exemplificar alguns dos critérios de repartição. O sétimo tópico trata dos potenciais de cogeração. Interessa ao planificador energético conhecer, com o nível possível de detalhe, a capacidade que se pode instalar em sistemas de cogeração e a energia possível de ser cogerada, considerando uma região ou setor industrial, ou mesmo uma empresa. Sendo assim, em cada estudo de pré-viabilidade de sistemas de cogeração os potenciais termodinâmico, técnico, econômico e de mercado deve ser avaliados. Em outros capítulos neste livro se apresenta a legislação brasileira sobre termeletricidade, com algumas particularidades de interesse para os sistemas de cogeração, bem como alguns esforços que vêm sendo realizados para aumentar a atratividade destes sistemas junto ao parque gerador brasileiro. Também no capítulo final desta obra, onde se apresentam dados de plantas térmicas brasileiras, se incluem diversas unidades de cogeração, de porte e tecnologia diversificada. 13.2- FUNDAMENTOS A energia tem uma posição estratégica na sociedade, podendo ser considerada como insumo essencial à realização de praticamente todas as atividades humanas e do desenvolvimento econômico. Dessa forma é compreensível a importância que apresentam os estudos e projetos de implantação e ampliação dos sistemas energéticos, tanto em nível de geração como também de distribuição. Da mesma forma, os estímulos e a conscientização para o aumento da eficiência na utilização podem ser considerados como uma fonte energética à medida que o uso mais racional permite o aumento da oferta de energia ou a diminuição de seu consumo, resultando tipicamente na minimização dos custos dos serviços energéticos para o consumidor final e para o setor elétrico. A qualidade de um fluxo energético está associada fundamentalmente à capacidade de conversão deste fluxo em outros tipos de energia. Assim, a energia elétrica é considerada uma forma nobre de energia, já que pode ser totalmente convertida em qualquer outra, enquanto o calor e por conseqüência os combustíveis, têm sua qualidade determinada em função da temperatura na qual se verifica o fluxo energético correspondente. Níveis mais altos de temperatura correspondem a maior qualidade energética em um fluxo de calor. Este aspecto importante na análise dos sistemas energéticos infelizmente muitas vezes é esquecido, comparando-se magnitudes energéticas em bases muito distintas e avaliando-se assim as perdas de modo equivocado. Por exemplo, a maior perda em uma central térmica a vapor não é o calor Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída13.3 rejeitado no condensador, uma inevitável imposição termodinâmica, mas as perdas irreversíveis associadas as grandes diferenças de temperatura que se observam na caldeira. Tais considerações são oportunas ao apresentar-se a cogeração, já que se busca com este procedimento de conversão energética melhorar a qualidade da energia produzida por um combustível, reduzindo as perdas que ocorrem em sua utilização e justificando todo o interesse nesta tecnologia. Os sistemas de cogeração são aqueles em que se faz, simultaneamente, e de forma seqüenciada, a geração de energia elétrica ou mecânica e energia térmica (calor de processo e/ou frio), a partir da queima de um combustível tal como os derivados de petróleo, o gás natural, o carvão ou a biomassa. O termo “cogeração” é um neologismo de origem americana, difundido a partir do final dos anos setenta, e que indica uma tecnologia conhecida e praticada desde o século passado. Trata-se de um procedimento bastante empregado nos países desenvolvidos e novamente em um ciclo de expansão, cuja racionalidade e vantagens podem ser observadas de dois modos. No primeiro, considere-se uma central termoelétrica, que mesmo adotando os melhores equipamentos, consegue converter em eletricidade no máximo a metade do calor produzido na queima do combustível, cuja maior parte é perdido. Em geral, estas perdas de calor são conduzidas para a água de resfriamento dos condensadores ou para a atmosfera, através das torres de resfriamento, e não produzem qualquer efeito útil. A cogeração busca exatamente empregar este fluxo de calor em algum processo industrial ou rede de calefação para aquecimento de residências e edifícios, que utilize calor em níveis de temperatura não muito elevados. O calor rejeitado nos ciclos de potência também pode ser empregado para a geração de frio, mediante os ciclos de absorção. Neste caso as vantagens são evidentes, porém é preciso ter usuários de calor ou de frio próximos da planta térmica, o que nem sempre é um fato. Seu maior potencial apresenta-se nas centrais termelétricas localizadas em países frios, onde o calor é distribuído para os usuários mediante dutos de água quente ou vapor de baixa pressão. Tal concepção é conhecida como aquecimento distrital ou “district heating” e caracteriza a cogeração em grandes blocos de potência, onde o calor é um subproduto da geração de eletricidade. A Figura 13.1 esquematiza esta situação. C e n tr a l d e Eletricidade Calor/Frio Central Cidade Figura 13.1- Esquema de um sistema de cogeração distrital (“district heating”). Entretanto, há uma outra maneira de se perceber a racionalidade da produção combinada de calor e potência, agora no contexto industrial (Figura 13.2). Em quase todas as indústrias é freqüente a utilização de calor, em sua grande parte sob níveis não muito altos de temperatura, ao redor de 120 a 200 °C. Esta é a faixa de temperaturas típica para os processos de secagem, cozimento, evaporação, etc. Para produção desta energia térmica são geralmente empregados combustíveis, cujas chamas estão entre 1400 e 1800 °C. Em outras palavras, o processo convencional de produção e utilização de calor em indústrias, parte de uma energia térmica de alta qualidade para fornecer uma energia de baixa qualidade. Devido a isto é que, mesmo as melhores caldeiras e fornos, ainda que alcancem rendimentos energéticos próximos a 90%, Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.4 destroem, irreversivelmente, mais da metade da qualidade do fluxo de calor. A cogeração, ao produzir trabalho e calor úteis, reduz as perdas de energia e permite abastecer ambas demandas com quase o mesmo consumo de combustível. Sobre esta racionalidade termodinâmica se baseiam todas as vantagens da cogeração, já que níveis mais altos de eficiência implicam em reduzir o consumo de combustíveis e todos os demais custos associados, inclusive o custo ambiental (Nogueira, 1996). Eletricidade C e n t r a l d e Eletricidade Calor/Frio Concessionária Central Processo industrial Figura 13.2 - Esquema de um sistema de cogeração industrial. Ao lado destas vantagens econômicas e ecológicas, há alguns pontos negativos na cogeração. Como o vapor e a água quente não podem ser levados a longas distâncias, deverão existir demandas locais, sem o que a eficiência térmica global do processo ficará prejudicada. Além disto, estas utilidades deverão ser geradas às temperaturas requeridas localmente. Por estes motivos, a energia elétrica tem geralmente um peso maior que o calor, e as avaliações econômicas de uma instalação têm que levar estes fatos em consideração. Tendo em conta estas possibilidades e face às novas estruturas institucionais no setor elétrico, com estímulos à participação do segmento privado na produção de eletricidade, a cogeração vem ampliando-se significativamente em muitos países europeus, além dos EUA e Japão. Também contribuíram para esta expansão a maior disponibilidade de gás natural e a significativa evolução das turbinas a gás nos últimos anos. Por outro lado, o Brasil e a maioria dos países em desenvolvimento ainda incorporaram pouco desta tecnologia em seus sistemas elétricos, apesar do expressivo potencial existente. O importante é deixar claro que a cogeração é um processo de conversão de energia que independe dos seguintes pontos (Walter et al., 1996): • da forma como os produtos estão disponíveis: a potência pode ser necessária tanto na forma elétrica como na forma mecânica e a energia térmica, por sua vez, pode ser empregada em processos de aquecimento ou de refrigeração; • a potência elétrica pode ser consumida pela própria empresa proprietária da instalação de cogeração ou, ainda, ser vendida para outros consumidores ou para uma concessionária de serviço elétrico; • o sistema de cogeração pode ser de propriedade de um consumidor, de um produtor independente ou de uma concessionária; • do porte dos sistemas, desde unidades pequenas, de poucos kilowatts, até unidades de grande porte, com muitos megawatts de capacidade. Um projeto de central de cogeração conceitualmente adequado é aquele que atende as demandas elétricas e térmicas com um desejado desempenho, disponibilidade e facilidade de manutenção, além de ser economicamente viável. Nos casos em que isso não é alcançado, as Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.5 falhas na geração e a queda de eficiência que lhe são decorrentes implicam em aumento dos custos de operação, manutenção e investimentos, e portanto a cogeração deixa de apresentar interesse. Tendo em vista este aspecto, a escolha do ciclo a ser utilizado para a configuração de centrais de cogeração deve ser feita sob estritos critérios de racionalidade (Teixeira, 1997). Em países com tradição de geração termoelétrica, nos quais o custo da energia elétrica está ligado diretamente ao custo do combustível e à eficiência de conversão, a cogeração oferece vantagens econômicas consideráveis e evidentes. No Brasil, o custo relativamente baixo da energia elétrica e a disponibilidade de recursos hídricos limitaram, até anos recentes, uma maior utilização da cogeração. Entretanto, a redução da oferta de energia hidroelétrica, a evolução institucional no setor energético brasileiro e a crescente importância da conservação de energia têm aberto boas possibilidades para os sistemas de geração combinada de calor e potência no cenário brasileiro. 13.3- O DESENVOLVIMENTO DA COGERAÇÃO A cogeração não é uma tecnologia nova e já tem sido utilizada em muitas unidades industriais como um meio econômico de fornecer, parcial ou totalmente, suas necessidades térmicas e elétricas. Contudo, foi apenas nos últimos anos que a cogeração ganhou expressivo impulso. Assim, aplicações nos setoresquímicos, em refinarias de petróleo, em siderúrgicas, em indústrias de papel e celulose, no setor sucroalcooleiro, em indústrias de alimentos, além de hospitais, centros comerciais, complexos de escritórios, entre outros, têm demonstrado a potencialidade da cogeração para fornecer, simultaneamente, formas diferentes de energia úteis. A seguir é feita uma breve caracterização do cenário mundial e brasileiro destes sistemas. 13.3.1- A cogeração no mundo Embora James Watt já sugerisse o uso do calor residual das máquinas a vapor, os primeiros sistemas comerciais de cogeração foram instalados ao final do século XIX, quando o fornecimento de energia elétrica proveniente de grandes centrais ainda era raro. Nesta época era comum que consumidores de energia elétrica de médio e grande porte instalassem suas próprias centrais de geração de energia. Esta situação estendeu-se até a década de 40, sendo que, nos Estados Unidos, a cogeração chegou a ser responsável por cerca de 50% da energia elétrica total gerada, enquanto que na Europa este valor estava ao redor de 30%, em boa parte em sistemas de aquecimento distrital. (Hu, 1985) Em meados do século passado, com a expansão dos sistemas elétricos nacionais, que combinavam escalas crescentes e interconexão de sistemas isolados e forneciam energia elétrica com confiabilidade e qualidade a baixo custo, a cogeração foi perdendo gradativamente a importância. Assim, a cogeração foi perdendo espaço, atingindo na Europa ao redor de 15% e nos EUA menos de 5% da oferta, ao final dos anos sessenta. Entretanto, com o incremento dos preços dos combustíveis e a valorização da eficiência energética partir da década de 80, a cogeração passou a ser encarada novamente como uma importante alternativa energética. Contribuíram para isso a maior disponibilidade de gás natural nos países industrializados, o desenvolvimento tecnológico de turbinas a gás e motores com capacidade e desempenho compatíveis às necessidades de consumidores industriais e comerciais, a marcante perda de interesse com a energia nuclear, sobretudo devido aos crescentes custos de construção e às pressões do movimento ambientalista, após uma série de acidentes com gravidade. Também a partir deste período, e sobretudo durante os anos noventa, foram intensificadas as pressões por processos de conversão energética sustentáveis e com menores emissões de CO2, para atenuar os impactos de caráter global como o efeito estufa, a destruição da camada de ozônio, a chuva ácida e a poluição nas grandes cidades. Essas mudanças Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.6 mostraram-se decisivas na reabilitação da geração descentralizada de energia, sobretudo da cogeração. (Oliveira, 1995). Outro campo de mudanças decisivas para o renascimento da cogeração diz respeito às políticas e incentivos relacionadas com a indústria de energia elétrica. Como um marco neste sentido, em 1978 foi editado nos Estados Unidos o NEA - National Energy Act, dividido em: • PURPA - Power Utilities Regulatory Policies Act • FUA - Power Plant and Industrial Fuel Use Act • NGPA - Natural Gas Police Act • NETA - National Energy Tax Act • NECPA - National Energy Conservation Policy Act Destes atos, o PURPA foi aquele que mais incentivou o desenvolvimento de sistemas de cogeração. Os elementos centrais do PURPA são a qualificação prévia e a remuneração pelo custo evitado. A qualificação, feita em nível federal pelo FERC - Federal Energy Regulatory Comission, assegura que somente os autoprodutores eficientes, como são os cogeradores, poderão receber as vantagens e os estímulos colocados pelo PURPA, como a obrigação por parte das concessionárias de prover as condições para interligamento e fornecer uma capacidade de reserva e remunerar adequadamente os excedentes. Para qualificar-se e transformar-se em um QF - Qualified Facility, os aspectos centrais são: • Pelo menos 50% do capital deve ser de um gerador independente, ou seja, um IPP - Independent Power Producer; • A produção de calor útil não pode ser inferior a 5% da produção total de energia da planta; A eficiência PURPA, definida abaixo, deve ser superior a 42,5% quando se emprega gás natural ou óleo combustível em ciclos "topping" (quando a geração de energia elétrica antecede o fornecimento de calor útil) e superior a 45% para os ciclos "bottoming" (quando a geração elétrica situa-se após a demanda térmica). A eficiência PURPA é dada por: c u Q 2 Q W PURPA + =η (13.1) sendo W e Qu, respectivamente, a potência eletromecânica e o calor útil produzidos, e Qc a energia térmica fornecida pelo combustível. Não existem restrições baseadas na eficiência quando o combustível adotado é renovável, como biomassa. O outro conceito fundamental no PURPA, o custo evitado, representa o valor pelo qual as concessionárias têm que adquirir energia dos cogeradores qualificados, e deve traduzir o custo marginal que uma concessionária deixa de incorrer quando compra a energia que deveria gerar. Em outras palavras, deveria ser neutro para uma concessionária gerar sua energia ou comprar de um cogerador. No custo evitado estão incluídos dois componentes básicos: o custo da energia, dependente do custo do combustível, e o custo da capacidade, essencialmente devido aos custos de capital. A determinação dos custos evitados não é um tema simples e muitas vezes gera questões técnicas e legais. Logo após a instituição do PURPA, houve um período de fortes questionamentos legais por parte das concessionárias, que impuseram dificuldades aos cogeradores. Com a ratificação do PURPA pela Suprema Corte, em princípios dos anos 80, foi possível a efetiva viabilização da cogeração nos EUA. Posteriormente se fizeram algumas mudanças, como por exemplo estabelecendo-se o custo evitado como referência de negociação e abrandando-se um pouco as imposições para as concessionárias, sem modificar na essência a proposta inicial. A eficácia do PURPA como fator de estímulo à cogeração foi indiscutível, particularmente nas situações onde as tarifas de energia estavam em níveis elevados, como na Califórnia, Texas e na região Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.7 Nordeste. Apenas no sistema elétrico americano, empregando cogeração, cerca de 40 GW de geração adicionais foram acrescidos entre 1980 e 1995,atingindo 54 GW no ano 2000 e com perspectivas de atingir 200 GW até 2020 (USCHPA, 2000). Na Europa, a cogeração é utilizada desde o início do século XX, mas com a expansão das redes públicas a cogeração industrial reduziu sua participação, contudo permanecendo importante as aplicações em centrais públicas com aquecimento distrital, em particular nos países nórdicos. Apenas a partir dos anos oitenta a cogeração voltou a receber um novo impulso, fundamentalmente no âmbito da evolução regulatória do setor elétrico e associado aos benefícios ambientais que ela proporciona. Estima-se que atualmente existam cerca de 97 GW de capacidade instalada nos paises europeus, como mostra a Tabela XX (para os principais países), e um denso estudo do futuro da cogeração na região apresenta, em distintos cenários para 2020, perspectivas de se agregar até 150 GW, conforme o nível de consideração dos efeitos positivos ambientais desta tecnologia (Whiteley, 2001). Tabela 13.1- Capacidade instalada em cogeração na Europa em 2000 (Whiteley, 2001) País Capacidade Geração (MW) (GWh/ano) Alemanha 18.751 58.317 Áustria 3.690 15.410 Bélgica 1.341 6.330 Dinamarca 7.984 23.849 Espanha 4.546 24.553 Finlândia 4.040 19.757 França 5.556 21.067 Itália 10.665 42.043 Holanda 7.873 39.780 Reino Unido 4.632 20.692 Suécia 3.131 14.844 13.2.2- A Cogeração no Brasil O sistema elétrico brasileiro, a partir da década de 50, passou por um processo de acentuada expansão, devido principalmenteao intenso crescimento da demanda industrial e baseando-se majoritariamente no aproveitamento dos recursos hídricos. Desta maneira, a geração termelétrica e particularmente a cogeração no Brasil despertou menor interesse neste período, com a exceção de alguns setores industriais que tradicionalmente utilizaram a cogeração, destacando-se as indústrias de papel e celulose, sucroalcooeleira, siderúrgica e petroquímica, especialmente por contarem com resíduos de processo passíveis de utilização como combustíveis e demandas de calor e energia elétrica. Embora a cogeração já fosse utilizada no País, a venda de excedentes de energia elétrica era desfavorecida pelas baixas tarifas oferecidas nos contratos, além da ausência de regras que ordenassem a relação entre o autoprodutor e a concessionária. Atualmente, a cogeração apresenta expectativas de expansão, devidas principalmente às alterações do cenário institucional brasileiro, como por exemplo, a Resolução ANEEL N° 21 de 21 de janeiro de 2000, que estabelece os requisitos necessários à qualificação de centrais cogeradoras de energia, e a Portaria MME N° 212 de 25 de julho de 2000 que integram as centrais cogeradoras qualificadas pela ANEEL no Plano Prioritário de Termeletricidade (vide Capítulo 1). Também digno de menção é a maior disponibilidade de gás natural na matriz energética brasileira, em diversas regiões e particularmente no Sudeste, com a implantação do gasoduto Brasil-Bolívia, bem como a existência de incentivos no uso deste combustível para cogeração, tal como dispõe a legislação Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.8 do Estado de São Paulo. Aspectos legais e normativos são, como já observado em outros países, determinantes para a evolução da cogeração no país e neste sentido, o quadro brasileiro vem sendo aperfeiçoado. Uma boa referência para informações a este respeito são as publicações do INEE - Instituto Nacional de Eficiência Energética, bem como as notas divulgadas em seu site (www.inee.org.br). Levantamento recente a partir de dados baseados em informações provenientes da ANEEL, as unidades cogeradoras instaladas no Brasil são apresentadas na Tabela 13.2 a seguir, totalizando uma capacidade de aproximadamente 1,8 GW (Brasil Energia, 05/2000). Vale observar que este levantamento é certamente parcial, referindo-se apenas às centrais registradas junto à agência reguladora. Uma apresentação detalhada e bastante completa das centrais de cogeração operando em São Paulo, onde esta tecnologia responde por cerca de 1,30 GW de potencia instalada, principalmente no setor sucroalcooleiro (59,5%), na indústria de papel e celulose (16,4%) e na indústria petroquímica (14,5%), pode ser encontrado na obra “Usinas Termelétricas de pequeno porte no Estado de São Paulo” (CSPE, 2001). 13.4- ASPECTOS TECNOLÓGICOS Os principais ciclos térmicos utilizados em cogeração empregam motores alternativos, turbinas a gás e turbinas a vapor. Em todos eles existe, necessariamente, a rejeição de calor não convertido em potência de eixo e que pode então ser utilizado para atender uma demanda térmica. Quanto à disposição da demanda de calor em relação à geração de energia elétrica na central cogeradora, dois tipos de sistemas de cogeração podem ser utilizados, que devem ser escolhidos conforme as necessidades térmicas e elétricas de cada processo e fundamentalmente, em função do nível de temperatura desejado na demanda de calor. Assim, de acordo com a posição relativa da geração de energia na seqüência de geração e utilização de calor, os sistemas de cogeração podem ser de dois tipos: geração elétrica a montante (‘topping’), quando a produção de eletricidade antecede o fornecimento de calor útil, ou geração elétrica a jusante (‘bottoming’), quando a geração elétrica está situada após a demanda térmica. A terminologia em inglês é de uso corrente nestes casos e as Figuras 13.3 e 13.4 ilustram tais sistemas. Figura 13.3- Ciclo de cogeração tipo geração elétrica a montante (‘topping’) Figura 13.4- Ciclo de cogeração tipo geração elétrica a jusante (‘bottoming’) Combustível Sistema de Geração de Eletricidade Sistema de Uso de Calor de Processo Trabalho Calor Útil Perdas Gases ou Vapor Combustível Sistema de Uso de Calor de Processo Sistema de Geração de Eletricidade Calor Útil Trabalho Perdas Gases ou Vapor C a p ít u lo 1 3 C o g er a çã o e g er a çã o d is tr ib u íd a 13 .9 T ab el a 13 .2 - U ni da de s co ge ra do ra s no B ra si l. (a da pt ad o da r ev is ta B ra si l E ne rg ia , 0 5/ 20 00 ) U si n a P ro pr ie tá ri o P ot ên ci a (k W ) U si n a P ro pr ie tá ri o P ot ên ci a (k W ) A ço m in as A ço m in as - A ço M in as G er ai s S .A . 41 .3 40 R ho di a - P au lí ni a R ho di a - In du st ri as Q uí m ic as e T êx te is 10 .0 00 C op es ul C op es ul - C om pa nh ia P et ro qu ím ic a do S ul S .A . 74 .4 00 R ho di a - S an to A nd ré R ho di a - In du st ri as Q uí m ic as e T êx te is 10 .7 00 R la m P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et ro br as 62 .5 00 R ip as a R ip as a S .A . 15 .0 00 C ap ua va C ap ua va E ne rg y L td a. 17 .0 00 S ão M ar ti nh o S ão M ar ti nh o 19 .0 00 C T E I I C om pa nh ia S id er úr gi ca N ac io na l - C S N 23 0. 00 0 S ua pe , C G D e, K ob li tz S ua pe , C G D e, K ob li tz E ne rg ia L td a. 4. 00 0 P A N A N C O -S P A L M es se r G ri es he im d o B ra si l L td a. 8. 00 0 S ão J oã o U . S . J . - A çú ca r e Á lc oo l 12 .0 00 C ar ol o A çu ca re ir a B or to lo C ar ol o 8. 00 0 U ni al co U ni al co S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 2. 40 0 B on fi m A çu ca re ir a C or on a S .A . 14 .4 00 U si na R af ar d U ni ão S ão P au lo S .A . A gr ic ul tu ra , In du st ri a e C om ér ci o 10 .2 00 T am oi o A çu ca re ir a C or on a S .A . 3. 15 0 U ni va le m U ni va le m S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 8. 00 0 S ão J os é A çu ca re ir a Z il lo L or en ze tt i S .A . 12 .7 00 B el a V is ta U si na A çu ca re ir a B el a V is ta S .A . 2. 40 0 P ar aí so A gr íc ol a, I nd us tr ia l e C om er ci al P ar aí so L td a. 3. 70 0 F ur la n U si na A çu ca re ir a B el a V is ta S .A . 2. 40 0 A nt ôn io R ue tt e A nt ôn ioR ue tt e In du st ri al L td a. 2. 70 0 S ão C ar lo s U si na A çu ca re ir a de J ab ot ic ab al 6. 80 0 A ra cr uz A ra cr uz C el ul os e 86 .4 00 É st er U si na A çu ca re ir a É st er S .A . 7. 70 0 C el pa v II C el pa v C el ul os e e P ap el L td a. 32 .6 00 S ão M an ue l U si na A çu ca re ir a Sã o M an ue l S .A . 3. 60 0 C en ib ra C el ul os e N ip o B ra si le ir a S .A . - C en ib ra 89 .4 21 A lt a M og ia na U si na A lt a M og ia na S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 10 .0 00 L uc él ia C en tr al d e Á lc oo l L uc él ia L td a. 4. 20 9 B ar ra G ra nd e U si na B ar ra g ra nd e de le nç ói s S .A . 11 .3 10 U ni ão d os R ef in ad or es C ia U ni ão d os R ef in ad or es d e A çú ca r e C af é 6. 00 0 B at at ai s U si na B at at ai s S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 3. 90 0 C it ro su co C it ro su co P au li st a S .A . 2. 30 0 C ol om bo U si na C ol om bo S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 12 .5 00 C ol um bi an C ol um bi an C he m ic al s B ra si l S .A . 27 .0 00 C ol or ad o U si na C ol or ad o - A çú ca r e Á lc oo l O sv al do R ib ei ro 7. 20 0 V al e do R os ár io C om pa nh ia A çu ca re ir a V al e do R os ár io 29 .6 00 C re sc iu m al U si na C re sc iu m al 5. 40 0 S ão M ig ue l C om pa nh ia A lb er ti na M er ca nt il e I nd us tr ia l 4. 00 0 C re sc iu m al U si na C re sc iu m al S .A . 4. 38 0 A lb er ti na C om pa nh ia A lb er ti na M er ca nt il e I nd us tr ia l 4. 25 0 B ar ra B on it a U si na d a B ar ra S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 15 .8 00 S an ta E li sa C om pa nh ia E ne rg ét ic a S an ta E li sa 35 .2 00 M B U si na d e A çú ca r e Á lc oo l M .B . L td a. 9. 40 0 C a p ít u lo 1 3 C o g er a çã o e g er a çã o d is tr ib u íd a 13 .1 0 T ab el a 13 .2 - C on ti nu aç ão . U si n a P ro pr ie tá ri o P ot ên ci a (k W ) U si n a P ro pr ie tá ri o P ot ên ci a (k W ) S an ta E li sa I I C om pa nh ia E ne rg ét ic a S an ta E li sa 4. 00 0 M oc oc a U si na I pi ra ng a de A çú ca r e Á lc oo l L td a. 3. 00 0 Ir ac em a C om pa nh ia I nd us tr ia l e A gr íc ol a O m et to 14 .0 00 Ip ir an ga U si na I pi ra ng a de A çú ca r e Á lc oo l L td a. 2. 40 0 C S T C om pa nh ia S id er úr gi ca d e T ub ar ão - C S T 13 2. 00 0 U si na I pi ra ng a U si na I pi ra ng a de A çú ca r e Á lc oo l L td a. 2. 40 0 C T E I C om pa nh ia S id er úr gi ca N ac io na l - C S N 30 .0 00 M ar ac aí U si na M ar ac aí S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 11 .0 00 C ry lo r C ry lo r In du st ri a e C om ér ci o de F ib ra s T êx te is L td a. 9. 64 0 N ar di ni U si na N ar di ni L td a. 6. 40 0 D ed in i D ed in i A çú ca r e Á lc oo l L td a. 4. 00 0 N ov a A m ér ic a U si na N ov a A m ér ic a S .A . 12 .4 00 S ão L ui z D ed in i S .A . A gr o In du st ri a 6. 00 0 S an ta A dé li a U si na S an ta A dé li a S .A . 8. 00 0 Á gu a L im pa D es ti la ri a Á gu a L im pa S .A . 2. 40 0 U si na S an ta F é U si na S an ta F é S .A . 4. 80 0 D es ti la ri a A lc íd ia S .A . D es ti la ri a A lc íd ia S .A . 4. 00 0 S an ta L íd ia U si na S an ta L íd ia 5. 30 0 D es ti la ri a A nd ra de D es ti la ri a A nd ra de S .A . 7. 20 0 S an to A nt ôn io U si na S an to A nt ôn io S .A . 6. 80 0 F ló ri da P au li st a D es ti la ri a F ló ri da P au li st a F lo ra lc o L td a. 3. 80 0 U si na S an to A nt ôn io U si na S an to A nt ôn io S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 1. 16 0 G al o B ra vo D es ti la ri a G al o B ra vo S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 9. 00 0 S ão J os é U si na S ão J os é S .A . 2. 40 0 K ai se r E ne rg y W or ks d o B ra si l S .A . 5. 55 2 V ir al co ol V ir al co ol - A çú ca r e Á lc oo l L td a. 5. 00 0 E qu ip av E qu ip av S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 14 .0 00 C at an du va V ir go li no d e O li ve ir a C at an du va S .A . A çú ca r e Á lc oo l 9. 00 0 U si na J un qu ei ra F un da çã o de A ss is tê nc ia S oc ia l S in há Ju nq ue ir a 7. 20 4 It ap it a V ir go li no d e O li ve ir a C at an du va S .A . A çú ca r e Á lc oo l 5. 80 0 G lo bo In fo gl ob o C om un ic aç õe s L td a. 5. 16 0 Ib ir á V it er ca na A gr o M er ca nt il S .A . 6. 40 0 C el ul os e Ir an i Ir an i C el ul os e 4. 88 0 It ai pa va P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et robr as 63 .3 00 P ed ra Ir m ão s B ia gi S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 15 .0 00 R ed uc P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et ro br as 30 .0 00 B ur it i Ir m ão s B ia gi S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 3. 20 0 R ef in ar ia H en ri qu e L ag e P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et ro br as 24 .5 00 Ja ri Ja ri C el ul os e 55 .0 00 R P B C P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et ro br as 6. 50 0 L w ar ce l L w ar ce l C el ul os e e Pa pe l L td a. 4. 00 0 A lt o do R od ri gu es P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et ro br as 18 .0 00 P or to T ro m be ta s M in er aç ão R io d o N or te 43 .2 00 R ef ap P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et ro br as 32 .0 00 O m et to P av an O m et to P av an S .A . - A çú ca r e Á lc oo l 11 .4 00 R eg ap P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et ro br as 63 .0 00 R ef in ar ia P au lí ne a P et ró le o B ra si le ir o S .A . - P et ro br as 59 .9 00 R ed uc S an to A nd ré P et ro qu ím ic a U ni ão 8. 50 0 T ot al 1. 78 5. 55 6 Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.11 Os sistemas de cogeração do tipo ‘bottoming’ são de emprego mais restrito, em geral porque o calor rejeitado em processos industriais já está em níveis de temperatura relativamente baixos para produção de potência. Os ciclos térmicos geralmente fazem sentido quando se dispõe de calor sob elevadas temperaturas. Nos fornos cerâmicos, indústrias cimenteiras ou plantas metalúrgicas podem ser rejeitados gases em altas temperaturas, entretanto, nestas situações devem ser consideradas também as alternativas convencionais de racionalização energética, como preaquecimento de correntes de processo, na forma adotada em processos melhorados da indústria cerâmica (fornos Hoffman) e cimenteira (ciclones recuperativos de clinquer). Caso efetivamente o calor residual não seja necessário para o processo industrial ou seja de difícil utilização, ele poderá ser empregado então, para gerar energia elétrica, especialmente em ciclos a vapor (Nogueira, 1996). Outra forma oportuna de se classificar os sistemas de cogeração é considerando sua evolução. De fato, esta tecnologia expandiu-se recentemente de modo diferenciado das condições de seu primeiro ciclo de expansão, podendo-se identificar assim duas fases distintas, a tradicional e a moderna, conforme se indica na Tabela 13.3. Tabela 13.3- Evolução da cogeração Cogeração tradicional Cogeração moderna Motivação básica Auto-suficiência de energia elétrica Venda de excedentes e redução de emissões Equipamento de geração predominante Turbinas a vapor Turbinas a gás e ciclos combinados Combustíveis empregados Residuais (bagaço, cascas) Todos Relação com a concessionária Operação independente Operação interligada Um exemplo típico da cogeração tradicional, e com amplas possibilidades de aperfeiçoamento, é encontrado na indústria sucroalcooleira, onde o bagaço da cana de açúcar é o combustível empregado para a produção de vapor, que após acionar as turbinas da moenda e do turbogerador, atende a demanda de calor no processo industrial. Outro exemplo refere-se às centrais de utilidades das plantas de produção de celulose, a partir de madeira, que concentram e queimam o resíduo dos digestores de produção da polpa, o licor negro, recuperando produtos químicos de valor para o processo produtivo e produzindo vapor de alta pressão que permite gerar energia elétrica e atender a demanda térmica no processo industrial. A motivação nestes casos tem sido a disponibilidade de combustíveis residuais e a necessidade de assegurar um suprimento confiável de eletricidade. Já a cogeração moderna é muito variada, sendo notável a penetração das turbinas a gás, com seus gases quentes de escape servindo para a produção de vapor de processo em caldeiras de recuperação, empregadas em todos os setores, inclusive em empresas do setor terciário, e em amplo espectro de capacidades instaladas. A produção combinada de energia elétrica e de calor útil pode ser realizada empregando motores de combustão interna, turbinas a vapor ou a gás, pois em todos eles existe, necessariamente, a rejeição de calor não convertido em potência de eixo, que pode então ser utilizado para atender uma demanda térmica em nível de temperatura compatível com as disponibilidades. Considerando as condições dos consumidores industriais, os ciclos com turbinas, a vapor ou a gás, tendem a ajustar-se melhor aos requerimentos típicos de energia elétrica e calor de processo para cogeração e, portanto são os mais adotados. No caso dos consumidores do setor terciário, como shopping, hospitais, hotéis e supermercados, também apresentam interesse os motores de combustão interna de ciclo Diesel ou Otto. A seguir são apresentados os principais aspectos construtivos e operacionais dos acionadores primários e dos sistemas de recuperação de calor, considerando as turbinas a gás e de vapor, os ciclos combinados e os motores de combustão interna. Existem outras Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.12 possibilidades tecnológicas, como as células de combustíveis de ácido fosfórico, os ciclos Stirling, os ciclos fechados com turbinas a gás e os ciclos com turbinas a vapor empregando fluídos orgânicos. Porém são ainda propostas em desenvolvimento tecnológico ou viabilização econômica com perspectivas de médio prazo. 13.4.1- Cogeração com turbinas a gás Como já apresentado em maiores detalhes no Capítulo 6, os elementos fundamentais que constituem uma turbina a gás são: o compressor, a câmara de combustão e a turbina propriamente dita. Em seu funcionamento, o ar é aspirado da atmosfera e comprimido, passando para a câmara de combustão, onde se mistura com o combustível. Nesta câmara ocorre a reação de combustão, produzindo gases quentes, que escoam através da turbina, onde se expandem, movendo rodas com palhetas e produzindo potência mecânica para acionar o eixo do compressor e da carga, freqüentemente um gerador elétrico. Vale lembrar que como os produtos de combustão atravessam a turbina, os combustíveis utilizados devem ser de qualidade, como é o caso do gás natural e dos derivados claros de petróleo. Na Figura 13.5 são apresentadas duas instalações com turbinas a gás: uma operando sem recuperação de calor de exaustão e a outra operando com recuperação, em um sistema de cogeração. Um balanço térmico típico é apresentado na Figura 13.6. Note-se que para uma mesma quantidade de combustível fornecida, o primeiro sistema consegue uma eficiência elétrica de 20 % o que resulta num total de perdas de 80 %. Ao se utilizar o calor de escape da turbina, a eficiência elétrica se mantêm a mesma enquanto que as perdas se reduzem a 20 % devido à recuperação de calor de exaustão, totalizando uma eficiência energética global de 80 %. Dessa forma fica claro como os sistemas de cogeração apresentam uma eficiência na utilização docombustível mais elevada. Figura 13.5- Esquema de uma turbina a gás operando sem cogeração e uma outra em um sistema de cogeração (Schmitz and Koch, 1996) Os gases de escape da turbina podem ser aproveitados diretamente para processos térmicos ou de modo indireto na produção de vapor ou água quente, utilizando uma caldeira de recuperação, ou utilizando os gases como comburente nos queimadores de caldeiras convencionais. A temperatura destes gases situa-se geralmente entre 420 e 650 °C, com um conteúdo de oxigênio entre 14 e 17% em volume. Algumas das possíveis aplicações em uso direto dos gases de escape de uma turbina a gás são: secadores com atomização (argilas, leite, Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.13 produtos químicos), secadores em estufas (placas de madeira, placas de gesso, produtos agrícolas e alimentícios) e em fornos metalúrgicos de alívio de tensões e reaquecimento. Figura 13.6- Balanço térmico típico de uma turbina a gás operando sem cogeração e uma outra em um sistema de cogeração (Schmitz and Koch, 1996) O calor de escape freqüentemente é utilizado para a produção de vapor, um vetor energético de amplo uso na indústria. Para sua produção podem ser empregadas caldeiras de recuperação ou podem modificar-se caldeiras convencionais. Entretanto, neste último caso pode ocorrer uma sensível diminuição no rendimento global da instalação Nas caldeiras de recuperação, ao contrário das caldeiras convencionais, a transmissão de calor se ocorre essencialmente por convecção, podendo ser construídas com 1, 2 ou 3 níveis de pressão. Geralmente a adoção de um número mais alto de níveis de pressão está associada a ganhos de desempenho quando o uso posterior do vapor ocorre em ciclos com turbinas a vapor (Vide Capítulo 4, sobre caldeiras). 13.4.2- Cogeração com turbinas a vapor Neste caso, o acionamento da turbina se produz pela expansão do vapor de alta pressão procedente de uma caldeira convencional. Esta expansão se realiza nos bocais fixos e nas palhetas móveis, montadas nos rotores, em um ou mais estágios, onde a energia contida no vapor se transforma primeiro em energia cinética e em seguida em energia mecânica, impulsionando as palhetas. Embora a energia mecânica gerada receba as mesmas aplicações que no caso da turbina a gás, o vapor de baixa ou de média pressão rejeitado pelas turbinas poderá ser aproveitado em um processo industrial quando o mesmo necessitar de vapor ou energia térmica a um nível relativamente baixo de temperatura, geralmente inferior à 200°C. Na Figura 13.7 são apresentadas duas instalações com turbinas a vapor: uma operando como uma central de geração elétrica e a outra operando em um sistema de cogeração. O balanço térmico correspondente é apresentado na Figura 13.8. Neste caso, para uma mesma quantidade de combustível fornecida, o primeiro sistema consegue uma eficiência elétrica de 28 %, o que resulta num total de perdas de 72 %. Por outro lado, ao se utilizar o vapor de escape da turbina, a eficiência elétrica pode se reduzir um pouco, assumida neste caso em 20 %, mas as perdas totais se reduzem a 18 % devido à utilização do vapor de escape em um processo industrial, totalizando uma eficiência energética global de 82 %. A turbina de vapor como elemento motor é mais simples que a turbina de gás, embora quando se consideram os restantes elementos necessários para realizar o ciclo (caldeira, trocadores de calor, bombas, condensador, desaeradores, etc.) a instalação é sem dúvida mais pesada e complexa. Por outro lado, é uma tecnologia mais conhecida e bem dominada, com muitos fabricantes de equipamentos, particularmente na faixa de potência dos sistemas de cogeração. Ainda que os fabricantes procurem reduzir seus custos através da padronização das unidades, existe uma ampla variedade tipos e modelos de turbinas a vapor, cada qual mais Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.14 adequado a uma aplicação específica, com diversas opções quanto a número de estágios, sistema de controle e tecnologia de materiais e de fabricação. Figura 13.7- Esquema de uma turbina a vapor operando sem cogeração e uma outra em um sistema de cogeração (Schmitz and Koch, 1996) Figura 13.8- Balanço térmico típico de uma turbina a vapor operando sem cogeração e uma outra em um sistema de cogeração (modificado de Schmitz and Koch, 1996) Uma característica importante destes sistemas de cogeração refere-se à sua capacidade de utilizar qualquer combustível, desde resíduos industriais como bagaço de cana até combustíveis mais nobres como o gás natural. Outro aspecto positivo desta tecnologia é o fato do vapor ser largamente empregado como vetor energético para aquecimento em processos industriais, nesse caso já disponível no escape das turbinas. 13.4.3- Cogeração com motores alternativos Os motores de combustão interna, de ignição por centelha (Otto) ou de ignição por compressão (Diesel), também são utilizados em sistemas de cogeração. O rendimento térmico obtido com estes motores pode ser similar ao obtido com as turbinas a gás ou turbinas a Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.15 vapor, mas apresentam como desvantagem a maior dificuldade na recuperação do calor, limitado às baixas temperaturas. Entretanto, há muitas situações em que estes acionadores representam a melhor alternativa, como é o caso de centros comerciais, supermercados, hotéis, hospitais e empresas alimentícias, situações tipicamente com demandas de energia elétrica da ordem de alguns megawatts. Também os motores de combustão interna são apresentados em duas instalações na Figura 13.9, uma operando como central de geração elétrica e outra operando em um sistema de cogeração. Um balanço térmico representativo é mostrado na Figura 13.10. Note-se que para uma mesma quantidade de combustível fornecida o primeiro sistema consegue uma eficiência elétrica de 36 % o que resulta num total de perdas de 64 %. Por outro lado, ao se utilizar o calor de escape do motor, a eficiência elétrica se mantêm praticamente a mesma, enquanto que as perdas se reduzem a 24 %, devido à utilização deste calor, cujo aproveitamento estaria por volta de 40 %, totalizando uma eficiência energética global de 76 %. Figura 13.9- Esquema de um motor de combustão interna operando sem cogeração e um outro em um sistema de cogeração (Schmitz and Koch, 1996) Figura 13.10- Balanço térmico típico de um motor de combustão interna operando sem cogeração e um outro em um sistema de cogeração (Schmitz and Koch, 1996) Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.16 As perdas mais significativas nos motores de combustão interna são as perdas de calor nos gases de escape, as perdas no óleo lubrificante, água ou ar de arrefecimento e as perdas de calor através da superfície do motor. Comparativamente aos motores Otto, os motores Diesel apresentam maiores perdas de calor pelas paredes do motor e menores perdas nos gases de escape. O rendimento global de um motor Otto está compreendido entre 27 % e 30 % enquanto que o rendimento global de um motor Diesel está entre 30 % e 45 %. Em função das condições impostas pelo usuário de calor, os sistemas de recuperação térmica para motores de combustão interna podem assumir distintas configurações. Até temperaturas inferiores à de ebulição da água de arrefecimento, os sistemas são simples e podem incluir trocadores de calor para a carga e de rejeição de calor, para as situações de carga reduzida, quando é necessário manter o motor operando e não existe demanda térmica. Para temperaturas mais elevadas, inclusive para geração de vapor de baixa pressão, em temperaturas de cerca de 120 °C, os sistemas devem ser pressurizados e exigem sistemas mais complexos de segurança e de controle.Outro procedimento possível para recuperação da energia térmica em motores se baseia na refrigeração do motor mediante a vaporização da água de refrigeração. O vapor assim produzido é conduzido pela própria água de refrigeração não vaporizada até um separador de vapor. Como nos casos anteriores é preciso ter em conta a segurança de operação do motor, incorporando controles adequados. Existem disponíveis no mercado diversos grupos geradores de pequena e média potência já incorporando os trocadores de calor e os sistemas de controle e de redução de ruídos, para instalação rápida, em espaços reduzidos. O calor recuperável nos motores de combustão interna, a partir da água de refrigeração está compreendido entre 0,5 a 0,8 kWh por kWh elétrico gerado. Considerando o óleo de lubrificação e os gases de escape, a energia recuperável está compreendida entre 0,4 a 0,7 e por volta de 0,45 kWh por kWh produzido, respectivamente. 13.4.4- Critérios de seleção A seleção, especificação, avaliação e eventual implementação de uma instalação de cogeração são tarefas complexas, que pressupõem um conhecimento detalhado das demandas de calor e eletricidade, e seus respectivos custos. Provavelmente cada instalação terá mais de uma solução, todas exigindo estudos minuciosos dos aspectos técnicos e econômicos para que a melhor dentre elas seja selecionada. Sendo assim, deve-se ter em conta que os sistemas de cogeração sempre deverão ser projetados de acordo com as condições da planta ou consumidor associado, uma seleção caso a caso. Algumas características que basicamente orientam esta seleção são: • preços da eletricidade (atuais e futuros); • preço do calor; • combustíveis empregados - preço e disponibilidade; • investimentos necessários (implantação, operação e manutenção); • eficiência na geração de eletricidade; • produção de calor útil, por unidade de energia elétrica produzida; • impactos ambientais; • incentivos fiscais; • nível esperado de retorno financeiro. A não ser por razões estratégicas, como por exemplo em locais onde o suprimento de energia elétrica não é confiável, a opção pela cogeração via de regra é definida por condicionantes estritamente econômicas e, somente quando evidenciam reduções substanciais nos custos de energia, são adotadas. Um aspecto importante a ser considerado no cálculo do custo da energia elétrica é o impacto que pode haver sobre os mesmos da importação ou exportação para a rede local de pequenas quantidades de energia. É também necessário levar Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.17 em conta os custos da energia de reserva ou "back up", para atender as paradas das instalações onde não há capacidade própria de reserva instalada. Não é impossível também que, com a ameaça de perda de receita, a concessionária reduza seus preços, diminuindo as vantagens do empreendimento. Mas mesmo nestes casos, pode-se entender que a consideração da utilização da cogeração como alternativa foi válida por ter-se atingido o objeto maior que é o da redução dos custos com energia. A Figura 13.11 mostra os principais fatores que devem ser considerados em um método que auxilie o projeto e a configuração das centrais de cogeração. Observe-se que a capacidade dos equipamentos e as demandas máximas de utilidades (eletricidade, vapor, gases quentes) devem ser determinadas junto com a estratégia operacional da central de cogeração para uma dada estrutura da unidade de processo, tarifas de utilidades, demandas energéticas e condições ambientais.Outros fatores técnicos que devem ser adequadamente considerados na seleção da tecnologia de cogeração são os requerimentos de temperatura, volume qualidade da energia térmica a ser fornecida, a confiabilidade do sistema, a possibilidade de interconexão elétrica com a concessionária, os requerimentos de pessoal para operação e manutenção e a tradição operacional. Figura 13.11- Fatores principais a serem considerados em um projeto de sistemas de cogeração (Teixeira, 1997) Uma visão geral com relação às possibilidades de abastecimento das demandas de uma central de cogeração pode ser observada na Figura 13.12. Assumindo um consumidor de energia elétrica, calor útil e frio, pode-se considerar diversas configurações possíveis. Dessa forma, a demanda de energia elétrica pode ser suprida pela compra da concessionária (ECOMPRA), complementada ou totalmente substituída pela geração elétrica nas máquinas térmicas (isto é, para o exemplo dado, turbinas a gás e/ou motores Diesel), podendo também ser considerada a possibilidade de venda de algum eventual excedente gerado (EVENDA). Para a demanda de energia térmica, pode-se considerar a de geração de calor através de caldeiras convencionais de processo e/ou em caldeiras de recuperação utilizando a energia térmica (d) Gerenciamento energético: - Estratégia operacional: - níveis de carregamento. (a) Unidade de Processo: - Estrutura: - acionadores primários; - tipos; - equipamentos suplementares. - Equipamento: - número; - capacidade; - desempenho; - custo de capital. - Utilidade: - demanda máxima. (e) Meio ambiente: - Condição ambiental: - temperatura, umidade relativa e pressão atmosférica. (c) Produção energética: - Demanda de energia: - eletricidade; - calor de processo; - frio. (b) Energia de entrada: - Utilidades - custos: - eletricidade; - demanda contratada; - combustível . Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.18 disponível nos gases quentes de exaustão das turbinas ou motores. Nesta caldeira de recuperação pode ser incluída uma queima suplementar a fim de aumentar a geração de vapor. No que diz respeito à produção de frio, pode-se optar pelo emprego de máquinas de refrigeração de compressão (‘chillers’) e/ou ‘chillers’ de absorção, sendo nesse segundo caso, adotada como fonte energética o calor. Naturalmente que se trata da configuração mais genérica possível e que poderá ser simplificada no caso de sistemas destinados ao atendimento de cargas específicas. O essencial é que a configuração, que deverá compor o sistema de cogeração, considere o atendimento das demandas térmicas e elétricas do processo sob condições favoráveis de custo, eficiência e confiabilidade (Teixeira, 1997). ACIONADOR ~ Cald. Recup. Cald. Aux. Combustível Chiller de compressão Chiller de absorção EECOMPRA EEVENDA EEDEMANDA CALORDEMANDA FRIODEMANDA Figura 13.12- Estrutura básica de uma instalação de cogeração Quando se propõe a instalação de um sistema de cogeração, uma primeira dúvida é qual configuração adotar, definida pela tecnologia e especificação dos equipamentos. Como critério inicial nesta decisão, tem-se a demanda de energia elétrica e o nível de temperatura de processo. Potências inferiores a 1.000 kW e requerimentos de calor a temperaturas próximas de 100 °C tipicamente sugerem a aplicação de motores de combustão interna. As demais situações configuram a possibilidade de empregar-se ciclos com turbinas, sejam máquinas a gás ou a vapor, dependendo essencialmente do combustível a ser empregado. Não obstante, devido ao recente desenvolvimento dos sistemas de cogeração, tanto por parte dos fabricantes de turbinas a gás como de motores alternativos de combustão interna, a viabilidade das turbinas tem se ampliado na direção das máquinas de menor porte, enquanto os motores têm se mostrado oportunos em muitas aplicações de maior capacidade. Desta forma, para unidades entre 500 kW e 5 MW de potência instalada cabe uma análise mais cuidadosa para definir a melhor configuração (Nogueira, 1996). Quando se decide optar entre uma turbina a gás e uma turbina de vapor deve-se ter em mente os seguintes comentários(Nogueira, 1996): 1)- Não é oportuno o emprego de turbinas a vapor em processos de secagem que requeiram a utilização de gases quentes diretamente, ou em processos industriais nos quais se precisa de vapor de alta pressão; Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.19 2)- No caso das turbinas de contrapressão, a produção de energia elétrica e seu rendimento serão sensivelmente alterados pelas variações de carga, fruto das variações na demanda de vapor do processo; 3)- Em face de demandas térmicas idênticas, a opção turbina a gás com produção posterior de vapor permitirá instalar uma potência de geração maior que a que poderia obter-se com a instalação de uma turbina a vapor de contrapressão. Assim, em princípio, a opção turbina a gás, aumentará a produção de energia elétrica e o rendimento elétrico. 4)- Por ser construtivamente mais simples que a turbina a gás, as turbinas a vapor têm um custo inferior por kW instalado, embora recentemente as turbinas a gás venham apresentando significativa redução de custos. Os custos de manutenção das turbinas a vapor são aproximadamente a metade que os da turbina de gás. Sua vida útil é mais longa, podendo atingir a 40 anos, ao passo que turbinas a gás apresentam vida útil de cerca de 20 anos. 5)- Tanto com a turbina a gás como com a turbina a vapor, é interessante aproveitar em certas ocasiões uma caldeira existente, no primeiro caso utilizando os gases de escape como comburente na caldeira existente e no segundo caso, elevando a pressão de operação do vapor. Não sendo possível o aproveitamento da caldeira ou das caldeiras existentes, o custo por kW instalado será maior no caso de uma turbina de contrapressão, porque a caldeira de alta pressão tem um custo consideravelmente superior ao da caldeira de recuperação de gases de escape. 13.5- OPERAÇÃO DE SISTEMAS DE COGERAÇÃO Como já afirmado anteriormente, um equívoco comum é pensar que a cogeração pressupõe, necessariamente, a operação interligada entre o autoprodutor e a concessionária de eletricidade. Na verdade, como a produção combinada de calor útil e potência é uma forma de produção termoelétrica, pode ou não estar em paralelo com outros geradores. É preciso observar, entretanto, que é justamente quando em operação interligada que se verificam as melhores condições de economicidade, devido a elevação dos fatores de capacidade. Um sistema operando em paralelo pode melhor utilizar sua capacidade instalada e permite uma recuperação mais rápida do investimento. Por outro lado, quanto à interconexão, os sistemas de cogeração devem ser classificados em três categorias: aqueles que necessitam aportes permanentes de energia da concessionária para atender seus requerimentos de energia elétrica, aqueles em que estes aportes são eventuais e que podem do mesmo modo gerar excedentes eventuais, e finalmente os sistemas que geram permanentemente excedentes de energia. Em geral, as boas oportunidades para os sistemas de produção combinada de potência e calor útil ocorrem em indústrias de médio e grande porte, e que demandam energia elétrica e térmica em proporções tais que os equipamentos de cogeração consigam atender sem grande complementação externa a demanda associada. Esta complementação se faz normalmente com eletricidade, já que não se dispõe usualmente de redes de fornecimento de energia térmica, que possam compensar desequilíbrios entre oferta e demanda de calor. Neste caso, se diz que o sistema opera em paridade térmica, ou seja, a energia elétrica é produzida como uma conseqüência do fornecimento de calor. Uma situação contrária se verifica nas centrais elétricas do serviço público, onde a produção de calor não é prioritária, existindo a paridade elétrica. 13.5.1- Análise da operação pelo Método αααα e ββββ As condições de operação dos sistemas de cogeração podem ser analisadas utilizando valores de demanda médios, comparando-se as relações entre energia elétrica e energia térmica em nível de produção e consumo. Com essa finalidade, são definidos os parâmetros α e β, dados por: Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.20 C C Q E Consumido Calor Util Consumida Eletrica Energia ==α (13.2) U P Q E Produzido Calor Util Produzida Eletrica Energia ==β (13.3) Os valores de α dependem exclusivamente do consumidor, sendo mais elevados quanto mais energia elétrica se requeira por unidade de energia térmica. Apenas como referência, a Tabela 13.4 apresenta valores deste parâmetro para alguns setores industriais, determinados a partir de suas demandas globais de vetores energéticos observadas no Brasil. Como o determinante básico desta relação de demandas é a tecnologia produtiva empregada, se pode admitir que, para um determinado ramo industrial, os valores de α devem ser semelhantes. Da mesma forma, pode ser considerado que este parâmetro apresenta valores variáveis com o tempo, refletindo as variações relativas das demandas dos vetores energéticos no processo industrial. Uma maneira expedita para a determinação de α é através dos dados de consumo específico de utilidades, convertidos para uma mesma base energética. Tabela 13.4- Valores de α para alguns setores industriais (modificado de Nogueira, 1996) Setor Industrial αααα Açúcar e Álcool 0,11 a 0,09 Papel e Celulose 0,18 a 0,23 Têxtil 0,40 a 0,44 Petroquímica 0,21 a 0,25 Alimentos e Bebidas 0,05 a 0,10 Nos casos onde ocorrem demandas de energia térmica para frio industrial ou condicionamento ambiental, pode ser interessante considerar ambas alternativas para seu atendimento: sistemas de compressão (que consomem energia elétrica) e sistemas de absorção (que consomem calor e pouca energia elétrica). No caso de se empregarem sistemas de absorção substituindo sistemas de compressão, a demanda de energia elétrica deverá ser diminuída do consumo no compressor frigorífico, Ef e na demanda térmica deverá se adicionar o consumo de calor no sistema de absorção, Qfa . Neste contexto e para uma avaliação expedita, podem ser adotadas as seguintes relações, a partir da carga frigorífica a ser atendida, Qf , e dos coeficientes de performance do ciclo de compressão e de absorção, respectivamente COPc e COPa , por sua vez estimados com base nas temperaturas ambiente e fria, Tamb e Tf. Naturalmente que os valores de α e β se alteram correspondentemente (Nogueira e Alkmin, 1996). Coeficientes de performance: − = 1T T 6,0 COP f amb c (13.4) − − ⋅= 1T T T T1 5,0COP f amb q amb a (13.5) Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.21 Consumo de energia elétrica no compressor: c f f COP Q E = (13.6) Demanda térmica no sistema de absorção: a f fa COP Q Q = (13.7) Sendo uma função somente do sistema de cogeração, e medindo sua produção de energia elétrica por unidade de calor útil produzido, o parâmetro β depende da tecnologia e do rendimento do equipamento empregado para produção combinada de calor e potência, sem outra dependência do processo consumidor senão as condições de temperatura do calor rejeitado. Apresentam-se na Tabela 13.5 e nas Figuras 13.13, 13.14 e 13.15 a seguir valores de referência para os principais tipos de acionadores primários utilizados em cogeração: turbinas a vapor de contrapressão, turbinas a gás com caldeiras de recuperação e motores Diesel, sempre em função da temperatura requerida no processo demandante de calor. Na medida em que se pode especificar melhor o sistema de cogeração a ser empregado, melhor também pode ser definido o valor de β. Tabela 13.5- Faixas usuais de valores de β para sistemas de cogeração (modificado de Nogueira, 1996) Tipode ciclo ββββ Turbinas a Vapor de Contrapressão 0,10 a 0,45 Turbinas a Gás 0,25 a 0,80 Motores Diesel 0,50 a 1,60 Ciclos Combinados 0,75 a 2,00 β temperatura 1 2 3 4 100 0,35 0,31 0,26 0,22 150 0,26 0,22 0,18 0,14 200 0,17 0,13 0,095 0,06 250 0,08 0,04 0,01 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4 β Figura 13.13- Valores de β para turbinas a vapor de contrapressão. Condições na entrada da turbina Curva P (bar) T (C) 1 105 540 2 82 480 3 60 430 4 42 380 Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.22 0 0,5 1 1,5 2 2,5 100 125 150 175 200 250 temperatura de processo (C) β Figura 13.14- Valores de β para turbinas a gás. 0 1 2 3 4 5 100 150 200 250 Figura 13.15- Valores de β para motores diesel. Vale observar que β está associado ao calor recuperável para utilização, e não ao total de calor rejeitado necessariamente por um ciclo térmico de potência. Adotando, conforme mostrado na Figura 13.16, um coeficiente de perdas térmicas (calor não utilizado) igual a Z, por unidade de calor de combustível fornecido, pode mostrar que β é dado pela expressão a seguir, válida para ciclos “topping” de rendimento conhecido ηciclo. η−− η =β Z1 (13.8) Conhecidos os valores de α e β, é possível determinar as condições de operação médias de um sistema de cogeração em paridade térmica, ou seja quando a produção de calor é ajustada à demanda (Qp=Qu), como costuma ocorrer na maioria dos casos. Assim, quando β é maior que α, a disponibilidade de energia elétrica é superior a demanda e há excedentes que poderão ser entregues à rede da concessionária. Por sua vez, se β for menor que α, as necessidades de energia elétrica estão acima das disponibilidades do sistema de cogeração, e portanto haverá necessidade de complementação com energia da concessionária. A expressão abaixo indica como, a partir da demanda térmica anual Qanual, se pode estimar a energia que se deve transacionar com a concessionária durante o mesmo período, )(QE anualexced α−β⋅= (13.9) β Temperatura de saída dos gases do motor: 285 OC 540 OC Temperatura de processo (C) Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.23 Conhecida a energia cogerada anual, pode-se estimar a capacidade, adotando para cada caso o fator de capacidade, FC, correspondente. FC8760 E E excedexced . ⋅ = (13.10) Figura 13.16- Esquema de fluxos energéticos em um ciclo topping genérico. 13.5.2- Análise da operação usando valores instantâneos ou curvas de duração Mais representativo das situações reais, a análise da operação dos sistemas de cogeração, em dependência do tempo, pode empregar valores instantâneos ou curvas de duração (monótonas de carga) das demandas e disponibilidades de energia térmica e elétrica. São procedimentos mais complexos, porém permitem um melhor conhecimento dos fluxos de energia entre o sistema de autoprodução, o consumidor e, eventualmente, a concessionária elétrica. Como as demandas são variáveis no tempo, em maior ou menor grau de acordo com as características do consumidor, pode ser que mesmo instalando-se uma capacidade de autoprodução superior à carga média seja necessário, em alguns momentos, fazer uma complementação com energia da concessionária. Para desenvolver uma análise da operação detalhada, os requerimentos de dados naturalmente são superiores, justificando-se somente nos casos em que a viabilidade econômica for promissora, o que pode ser preliminarmente efetuado pelo método anterior. Conhecendo-se a cada instante a produção de energia elétrica e a demanda respectiva, é possível avaliar os déficits e os excedentes ao longo do tempo diretamente. A Figura 13.17 apresenta os valores observados em um sistema real, com uma demanda média de 20 MW, demanda máxima de 30 MW e um sistema de cogeração com 24 MW de capacidade instalada, operando em paridade térmica. Embora esta capacidade esteja acima da demanda média, como pode ser observado, em diversos momentos a demanda supera a disponibilidade de potência, devendo ser obtida junto à concessionária a energia faltante. Em outros momentos, a potencia disponível é excedente e pode ser entregue à concessionária. Estas situações estão representadas para o período estudado na Figura 13.18, quando ao longo de um dia, a empresa comprou 53,7 MWh e entregou 37,3 MWh. Em termos líquidos, foram necessários 16,4 MWh para complementar sua demanda. Uma forma interessante de apresentar estes dados é ordenando os resultados da figura anterior, como mostrado na Figura 13.19, onde a área da curva sobre o eixo do tempo representa a energia excedente e sob a curva a energia faltante. Este tipo de curva é bastante útil na análise da operação dos sistemas Ciclo Processo Qcombustível=1 EP QU Z Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.24 de cogeração, sendo conhecida também como curva de duração ou monótona, por que os valores são colocados de forma decrescente e o tempo em valores percentuais. 0 5 10 15 20 25 30 0 5 10 15 20 25horas MW Demanda Geração Figura 13.17- Demanda e produção de energia elétrica em uma planta de cogeração -10 -5 0 5 10 0 5 10 15 20 25horas MW Figura 13.18- Excedentes e déficits de energia elétrica em uma planta de cogeração MW -10 -8 -6 -4 -2 0 2 4 6 8 10 0 20 40 60 80 100 tempo % Figura 13.19- Curva de duração dos excedentes de energia em uma planta de cogeração Entretanto, ainda que seja mais direta e evidente a análise com base nos valores instantâneos, eles são raramente disponíveis. Por outro lado, as curvas de duração ou monótonas de carga são mais fáceis de estimar-se ou mesmo avaliar-se em campo, e permitem determinar, empregando-se o Método da Convolução, a curva de duração dos excedentes. Por este método, baseando-se na curva de duração da demanda térmica, chega-se a curva de Capítulo 13 Cogeração e geração distribuída 13.25 duração de energia elétrica produzida, que combinada com a curva de duração da demanda elétrica, por meio da operação matemática denominada convolução, pode-se obter a curva de duração dos excedentes. Determinada a curva de duração dos excedentes, é possível conhecer a energia a comprar e a vender para a concessionária, bem como conhecer a máxima potência em cada caso. É possível ainda determinar se a energia a ser vendida é firme, ou em qual percentagem do tempo está disponível. Este método pode ser implementado computacionalmente e está esquematizado na Figura 13.20. Observe-se que sua aplicação, seja em ciclos de vapor ou de gás, se restringe às situações de paridade térmica, ou seja, quando a energia elétrica é um subproduto do fornecimento de calor útil, mesmo nas situações em que existe complementação térmica, como a combustão suplementar nas caldeiras de recuperação. Neste caso a curva de carga de demanda térmica a ser atendida pelo sistema de cogeração é geralmente a base da curva total, já que o fornecimento de calor suplementar deve ocorrer na ponta. Demanda térmica % Tempo MW Geração elétrica % Tempo MW Convolução MW ( + ) ( - ) % Tempo Curva de duração dos excedentes Demanda elétrica % Tempo MW Figura 13.20- Representação gráfica do método da convolução para análise da operação de sistemas de cogeração 15.5.3- Exemplo de aplicação da análise da operação de sistemas de cogeração pela convolução das curvas de demanda e geração de energia elétrica Na seqüência, apresenta-se um exemplo da metodologia da convolução para análise da operação de sistemas
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