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217 LEITURA DO PROFESSOR, LEITURA DO ALUNO: PROCESSOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA Renata Junqueira de SOUZA, Ana Claudia de SOUSA, Priscila Cristina Vieira de CASTRO, Grazielle Campos de SOUZA∗ Resumo: A leitura, as práticas e as competências leitoras têm ocupado espaço considerável na educação e na mídia brasileira. Em 2003, o Brasil obteve desempenho insatisfatório em duas grandes pesquisas: uma de âmbito nacional - Instituto Paulo Montenegro - divulgou que 72% de jovens são alfabetos funcionais, ou seja, não sabem ler e escrever. Em outra internacional, o PISA - Programa Internacional para Avaliação de Estudantes, o país ocupou o 37o. lugar em letramento de leitura. Diante deste cenário, o projeto aqui descrito busca desenvolver ações educativas voltadas diretamente para alunos e professores das séries iniciais do ensino fundamental e centralizadas no ato de ler e seus processos. Os objetivos gerais do projeto consistem em formar o leitor autônomo (alunos e professores das séries iniciais), através do estímulo à sensibilidade, criatividade e criticidade e da formação do gosto pela leitura, contribuindo para a construção de uma cidadania plena. Palavras-chave: leitura; literatura; formação de professores; ensino-aprendizagem. INTRODUÇÃO A leitura, as práticas e as competências leitoras têm ocupado espaço considerável na educação e na mídia brasileira. Em 2003, o Brasil obteve desempenho insatisfatório em duas grandes pesquisas: uma de âmbito nacional - Instituto Paulo Montenegro - divulgou que 72% de jovens são alfabetos funcionais, ou seja, não sabem ler e escrever. Em outra internacional, o PISA - Programa Internacional para Avaliação de Estudantes, o país ocupou o 37o. lugar em letramento de leitura. Algumas ações têm tentado mobilizar escolas, professores, diretores e sociedade para mudar este quadro: PNLD - Programa Nacional do Livro Didático através dos módulos literários, o PNBE - Programa Nacional Biblioteca na Escola, campanhas como "Tempo de Leitura" e "Literatura em Minha Casa", entre outras. Estas iniciativas mostram algo em comum: a utilização de textos literários e a proposta para o uso de diversos tipos de textos nas ações voltadas para leitura. No entanto, nota-se que as instituições de ensino encontram dificuldades em fazer uso da literatura como objeto de leitura. Entre vários problemas estruturais já tão denunciados pelas pesquisas e estudos realizados, ressalta-se aqui a questão da formação docente como um dos principais entraves a uma prática educativa de qualidade, especialmente no que se refere ao ensino da leitura. Entende- se que, ainda que todos os quesitos ideais necessários a uma prática de ensino da leitura fossem efetivados na escola, indispensável seria a presença de professores leitores, que sentissem prazer ∗ Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP – Presidente Prudente. 218 na leitura, que fossem bem informados e instrumentalizados para tal prática. O ensino da leitura e, particularmente, a importância da literatura na formação pessoal e intelectual do ser humano, encontram pouco espaço nos programas de formação inicial e continuada. O projeto: “Leitura do professor, leitura do aluno: processos de formação continuada” desenvolvem atividades que convergem para ações voltadas diretamente para alunos e professores das séries iniciais do ensino fundamental. Os objetivos gerais do projeto consistem em formar o leitor autônomo (alunos e professores das séries iniciais), através do estímulo à sensibilidade, criatividade e criticidade e da formação do gosto pela leitura, contribuindo para a construção de uma cidadania plena. Tais objetivos podem ser traduzidos nas seguintes ações que vem sendo implementadas paulatinamente: 1. cultivar o espaço da biblioteca, através do Laboratório de Leitura, Literatura e Educação, como lugar onde a prática de leitura não esteja restrita à pesquisa e consulta, mas voltada para a satisfação de necessidades mais amplas do ser humano (culturais, afetivas, estéticas, etc.); 2. estimular o uso da literatura infantil como elemento essencial para a formação do “leitor mirim”; 3. estimular o trabalho com a oralidade no texto literário, aproveitando o universo infantil para as várias possibilidades de leitura; 4. formar o professor das séries iniciais como contador de histórias e criar conjuntamente metodologias que proporcionem a formação do gosto; 5. acompanhar e orientar o trabalho desenvolvido por professores em sala de aula; 6. disseminar e multiplicar as metodologias para formação do leitor; 7. habilitar o aluno para consulta em bibliotecas (conhecimento de regras de funcionamento, cuidados com acervo, procedimentos para inscrição, consulta e/ou retirada de livros, etc.); 8. constituir acervo diversificado de literatura infantil e de material didático-pedagógico para alunos e professores, bem como produzir guias de leitura que auxiliem na seleção de obras literárias adequadas para o trabalho nas séries iniciais; 9. expandir as formas de interpretação de textos escritos para diferentes campos de linguagem (teatro, artes plásticas, música, cinema, etc.); 10. proporcionar acesso de alunos das séries iniciais a novas tecnologias, como o computador, por exemplo, desmistificando seu uso e viabilizando-o como nova possibilidade de linguagem. 219 Tais objetivos vêm sendo efetivados gradativamente através de ações cotidianas no universo escolar, envolvendo professores e alunos concomitantemente, buscando na imersão deste cotidiano desenvolver processos de formação continuada que resultem não apenas em acréscimo de conhecimentos científicos e desenvolvimento cognitivo, mas na mudança de hábitos e valores com relação à leitura e seu significado. O projeto vem sendo desenvolvido na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Profª Carmem Pereira Delfim, localizada no município de Presidente Prudente, que atua na Educação Infantil (4 a 6 anos) e Ensino Fundamental (7 a 10 anos). A escolha desta unidade de ensino justifica-se, primeiramente, pelo contato da equipe escolar (gestores escolares) com a universidade em busca de aprimoramento da sua prática pedagógica bem como pela disponibilidade da equipe docente em realizar um trabalho cooperativo com os pesquisadores. Tal busca originou-se de um diagnostico realizado pela escola no final do ano de 2003, onde os indicadores de desempenho dos alunos nos quesitos leitura e escrita se revelaram insatisfatórios diante das expectativas e objetivos educacionais pleiteados pela equipe escolar. Ressalta-se então esta iniciativa como um movimento importante e consciente da escola, que caminha ativamente na direção de sua primordial tarefa: oferecer ensino de qualidade a todos, principio da escola democrática e em consonância com os princípios educacionais brasileiros. No diagnóstico acima referido, realizado no inicio do ano de 2004 junto aos alunos de 1ª a 4ª séries, a escola apresentava os seguintes índices de desempenho no que se refere à leitura especificamente: 40% dos alunos apresentaram desempenho equivalente ao Nível I, que tem como critérios “é capaz de ler pequenos textos, desde que apoiados em discussões anteriores e consegue identificar poucas informações no texto”; 22% dos alunos atingiram o Nível II, cujos critérios são “é capaz de ler pequenos textos, mesmo sem apoio, identifica informações principais do texto e lê em voz alta, porém sem fluência”; 38% dos alunos conseguiram o patamar do Nível III, que apresenta como critérios “lê textos mais longos demonstrando compreensão, consegue identificar e localizar diferentes informações contidas no texto e lê em voz alta com fluência”. 220 Tais resultados motivaram a equipe escolar a buscar alternativaspara alteração deste quadro, destacando-se aqui a procura pela efetivação de uma parceria com a universidade, construindo um trabalho cooperativo, em que ambos (escola e universidade) conquistam espaços e disseminam conhecimentos, além de estabelecer ações efetivas de luta por melhoria da escola pública. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE LEITURA Segundo Micheletti e Brandão (1997), o ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão, de entender o mundo a partir de uma característica particular ao homem: sua capacidade de interação com o outro através das palavras, que por sua vez estão sempre submetidas a um contexto. Desta forma as autoras afirmam que a recepção de um texto nunca poderá ser entendida como um ato passivo, pois quem escreve o faz pressupondo o outro. Desta forma, a interação leitor-texto se faz presente desde o início de sua construção. Nas trilhas do mesmo entendimento, Souza (1992) afirma: Leitura é, basicamente, o ato de perceber e atribuir significados através de uma conjunção de fatores pessoais com o momento e o lugar, com as circunstâncias. Ler é interpretar uma percepção sob as influências de um determinado contexto. Esse processo leva o indivíduo a uma compreensão particular da realidade. Vislumbramos em Freire (1989) este olhar sobre leitura quando nos diz que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, ou seja, a compreensão do texto se dá a partir de uma leitura crítica, percebendo a relação entre o texto e o contexto. Dessa forma um leitor crítico não é apenas um decifrador de sinais, mas sim aquele que se coloca como co-enunciador, travando um diálogo com o escritor, sendo capaz de construir o universo textual e produtivo na medida em que refaz o percurso do autor, instituindo-se como sujeito do processo de ler. Nesta concepção de leitura onde o leitor dialoga com o autor, a leitura torna-se uma atividade social de alcance político. Ao permitir a interação entre os indivíduos, a leitura não pode ser compreendida apenas como a decodificação de símbolos gráficos, mas sim como a leitura do mundo, que deve ser constituída de sujeitos capazes de compreender o mundo e nele atuar como cidadãos. 221 A leitura crítica sempre leva a produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor. Em outras palavras, a leitura crítica sempre gera expressão: o desvelamento do SER leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um PROJETO, pois se concretiza numa proposta pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro. (SILVA, 1981). Micheletti e Brandão (1997) nos afirmam que o leitor se institui no texto em duas instâncias: No nível pragmático, o texto enquanto objeto veiculador de uma mensagem está atento em relação ao seu destinatário, mobilizando estratégias que tornem possíveis e facilitem a comunicação. No nível lingüístico-semântico, o texto é uma potencialidade significativa que se atualiza no ato da leitura, levado a efeito por um leitor instituído no próprio texto, capaz de reconstruir o universo representado a partir das indicações, pistas gramaticais, que lhe são fornecidas. Essa é uma perspectiva que concebe a leitura como um processo de compreensão amplo, envolvendo aspectos sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, bem como culturais, econômicos e políticos. Segundo Martins (1989), o ato de ler é considerado ‘’um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, por meio de qualquer linguagem’’. Há que se encarar o leitor como atribuidor de significados e, nessa atribuição, levar- se em conta a interferência da bagagem cultural do receptor sobre o processo de decodificação e interpretação da mensagem. Assim, no momento da leitura, o leitor interpreta o signo sob a influência de todas as suas experiências com o mundo, ou seja, sua memória cultural é que direcionará as decodificações futuras. Todavia, para a formação deste leitor que consegue por em prática sua criticidade, é necessário que haja um estímulo contínuo para o contato entre o indivíduo e o livro. O jovem e a criança precisam ser seduzidos para a leitura, desconsiderando neste processo qualquer artifício que possa tornar a leitura uma obrigação. Martins (1989) chama a atenção para o contato sensorial com o livro, pois antes de ser um texto escrito, um livro é um objeto; tem forma, cor, textura. Na criança esta leitura através dos sentidos revela um prazer singular; esses primeiros contatos propiciam à criança a descoberta do livro, motivam-na para a concretização do ato de ler o texto escrito. 222 A escola torna-se fator fundamental na aquisição do hábito da leitura e formação do leitor, pois mesmo com suas limitações, ela é o espaço destinado ao aprendizado da leitura. Tradicionalmente, na instituição escolar, lê-se para aprender a ler, enquanto que no cotidiano a leitura é regida por outros objetivos, que conformam o comportamento do leitor e sua atitude frente ao texto. No dia-a-dia, uma pessoa pode ler para agir – ao ler uma placa, ou para sentir prazer – ao ler um gibi ou um romance, ou para informar-se – ao ler uma notícia de jornal. Essas leituras, guiadas por diferentes objetivos, produzem efeitos diferentes, que modificam a ação do leitor diante do texto. São essas práticas sociais que precisam ser vividas em nossas salas de aula. Apesar de todos os problemas funcionais e estruturais, é na escola que as crianças aprendem a ler. Muitas têm, no ambiente escolar, o primeiro (e, às vezes, o único) contato com a literatura. Assim fica claro que a escola, por ser estruturada com vistas à alfabetização e tendo um caráter formativo, constitui-se num ambiente privilegiado para a formação do leitor. A FORMAÇÃO DO LEITOR CRÍTICO – IMPORTÂNCIA DE ATIVIDADES DIFERENCIADAS NESTE PROCESSO A literatura infantil é como uma manifestação de sentimentos e palavras, que conduz a criança ao desenvolvimento do seu intelecto, da personalidade, satisfazendo suas necessidades e aumentando sua capacidade crítica. Esta literatura, como já foi expresso, tem o poder de estimular e/ou suscitar o imaginário, de responder as dúvidas do indivíduo em relação a tantas perguntas, de encontrar novas idéias para solucionar questões e instigar a curiosidade do leitor. Nesse processo, ouvir histórias tem uma importância que vai além do prazer. É através de um conto e/ou de uma história, que a criança pode conhecer coisas novas, para que efetivamente sejam iniciados a construção da linguagem, da oralidade, idéias, valores e sentimentos, os quais ajudarão na sua formação pessoal. Considerando que o gosto pela leitura se constrói através de um longo processo e que é fundamental para o desenvolvimento de potencialidades, há a necessidade de se propor atividades diversas e diferenciadas para a formação do leitor crítico. De acordo com Zilberman (2003, p.30): ... o uso do livro na escola nasce, pois, de um lado, da relação que se estabelece com seu leitor, convertendo-o num ser crítico perante sua circunstância... Muitos estudos e pesquisas têm evidenciado a importância das atividades literárias diferenciadas no contexto educacional para o bom desempenho da criança. A utilização da literatura como recurso pedagógico pode ser enriquecida e potencializada pela qualidade das intervenções do educador. 223 Assim, o educador preocupado com a formação do gosto pela leitura deve reservar espaços em que proponha atividades novas sem o compromisso de impor leituras e avaliar o educando. Trata-se de operacionalizar espaços na escola e na sala de aula onde a leitura por fruição-prazer possa ser vivenciada pelas crianças e jovens. As várias atividades propostas podem ajudar no contexto educacional, se bemutilizadas a partir de um conto: o pintar; o desenhar no contexto da história; discutir sobre as partes da história que as crianças mais gostaram; trocar experiências a partir da história contada; adivinhar o que vai acontecer e/ou imaginar finais e situações diferentes; fazer origami; colar; usar massa de modelar; usar bexiga; barbante; construir objetos com sucata; elaborar textos; encenar uma peça teatral; utilizar papéis diversos; confeccionar novos materiais; trabalhar em grupo etc, podem contribuir para a formação de um ser criativo, crítico, imaginativo, companheiro e provavelmente leitor. Nesse contexto, o professor deve proporcionar várias atividades inovadoras, procurando conhecer os gostos de seus alunos e a partir daí escolher um livro ou uma história que vá ao encontro das necessidades da criança, adaptando o seu vocabulário, despertando esse educando para o gosto, deixando-o se expressar. Acredita-se assim que a proposta de atividades variadas é de grande valor para o processo de construção da autonomia e desenvolvimento da criança em formação. O lugar da Literatura na escola “... É na escola que identificamos e formamos leitores...” Bamberger (1988). Quando se fala em criança, pode-se perceber que a literatura é indispensável na escola como meio necessário para que a mesma compreenda o que acontece ao seu redor e para que seja capaz de interpretar diversas situações e escolher os caminhos com os quais se identifica. Entende-se que a leitura é um dos caminhos de inserção no mundo e da satisfação de necessidades do ser humano. No entanto, muitos professores desconhecem a importância da leitura e da literatura mais especificamente por ignorar seu valor e/ou por falta de informação. A prática educativa com a literatura nas séries iniciais do ensino fundamental quase sempre se resume em textos repetitivos, seguidos por cópias e exercícios dirigidos e mecânicos, onde o espaço para reflexão e compreensão sobre si e sobre o mundo raramente encontra lugar. Não podemos nos referir à leitura como um ato mecânico sem a preocupação de buscar significados. Desse modo, é necessário que dentro do ambiente escolar o professor faça a 224 mediação entre o livro e o aluno, para que assim sejam criadas situações onde o aluno seja capaz de realizar sua própria leitura, concordando ou discordando e ainda fazendo uma leitura crítica do que lhe foi apresentado. Daí a importância em se propiciar a leitura e a literatura de modo a permitir ao aluno criar e recriar o universo de possibilidades que o texto literário oferece. Pode-se dizer que a escola tem a oportunidade de estimular o gosto pela leitura se consegue promover de maneira lúdica o encontro da criança com o livro. A esse respeito Zilberman (2003, p. 16) descreve que: ... a sala de aula é um espaço privilegiado para o desenvolvimento do gosto pela leitura, assim como um campo importante para o intercâmbio da cultura literária, não podendo ser ignorada, muito menos desmentida sua utilidade. Por isso, o educador deve adotar uma postura criativa que estimule o desenvolvimento integral da criança. A literatura tem sua importância no âmbito escolar devido ao fornecimento de condições que propicia à criança em formação. Essa literatura é um fenômeno de criatividade, aprendizagem e prazer, que representa o mundo e a vida através das palavras. Sabe-se que a literatura é um processo de continuo prazer, que ajuda na formação de um ser pensante, autônomo, sensível e crítico que, ao entrar nesse processo prazeroso, se delicia com historias e textos diversos, contribuindo assim para a construção do conhecimento e suscitando o imaginário. Hoje se percebe também que quando bem utilizado no ambiente escolar, o livro de literatura pode contribuir ainda para o desenvolvimento pessoal, intelectual, conduzindo a criança ao mundo da escrita. Dessa forma, a literatura infantil tem sua importância na escola e torna-se indispensável por conter todos os aspectos aqui levantados, sendo de grande valor por proporcionar o desenvolvimento e a aprendizagem da criança em sua amplitude. Ações implementadas O projeto “Leitura do professor, leitura do aluno: processos de formação continuada” compôs-se concomitantemente de duas vertentes de atuação: práticas educativas que promovessem a formação do aluno leitor e práticas de formação que propiciassem reflexões sobre a condição do professor leitor. Memórias do professor leitor: re-significando vivências de leitura As ações desenvolvidas junto aos professores buscaram, rememorando suas histórias de leitura desde a tenra infância, sensibilizar e resgatar a afetividade presente no contato com o livro e com a literatura, no contar e ouvir histórias. Tal escolha deve-se ao fato de entender- 225 se que, identificando suas práticas sociais envolvidas no ato de ler, os professores poderão analisar suas práticas docentes e as experiências de leitura por eles mediadas em sala de aula. .Acredita-se que as leituras do professor influenciam sua prática pedagógica e, portanto, ampliando-se seu universo de leitura, abrem-se espaços para que colabore mais efetivamente para o processo de letramento de seus alunos. Durante os meses em que o projeto foi desenvolvido, ocorreram reuniões semanais em que os professores puderam dialogar, compartilhar e externar suas experiências de leitura, seus gostos, seus hábitos, suas preferências. Puderam relatar, através do resgate de suas memórias, aqueles que se constituíram seus formadores enquanto leitor. Percebe-se, pelos relatos ocorridos, que tal formação origina-se primordialmente nas relações pessoais e familiares, embora seja no âmbito da trajetória profissional que se revela a necessidade de re-significação do ato de ler. Os encontros organizaram-se a partir de uma temática levantada pelo pesquisador participante, compartilhada com o grupo antecipadamente. A titulo de exemplo, em uma das reuniões, combinou-se que falaríamos sobre nossas experiências de leitura na infância a partir da seguinte questão: “O que eu me lembro?”. Poderíamos, inclusive, trazer para o grupo materiais de leitura que por acaso tivéssemos guardado como recordação. Neste encontro, os professores, em sua maioria, relataram lembranças voltadas para o “escutar histórias”, contadas principalmente pelos familiares, entretanto apenas uma professora recordou-se destas experiências como algo habitual e ligado aos hábitos da família. Todos os demais se lembraram destas vivências como situações pontuais em que alguém lhes contou alguma história. Apenas dois professores trouxeram livros que ganharam na infância e a maioria não teve contato com livros antes da escola. Cabe ressaltar que, estando na escola, a principal lembrança se refere aos textos da cartilha de alfabetização, particularmente citada a cartilha Caminho Suave. Observa-se também nos relatos compartilhados que não há lembranças quanto ao ouvir histórias contadas pelos seus professores após o ingresso na instituição escolar, ou seja, não há memórias que trazem o professor ou professora lendo ou contando histórias em situação de sala de aula. Tais reflexões remetem diretamente a um repensar sobre seu papel enquanto professor e formador de leitores e vislumbram a possibilidade de novos encaminhamentos didáticos quando diante de situações de ensino da leitura. 226 A Sala de Leitura Dentro do eixo formação do aluno leitor, instituiu-se a Sala de Leitura que atendeu crianças das séries iniciais do ensino fundamental com idade escolar de 7 a 10 anos. A escola foi atendida em sua totalidade: 7 salas no período da manhã com cerca de 220 alunos, sendo que dessas, 4 salas eram salas de 3ª série e outras 3 salas eram de 4ª série. No período da tarde foram atendidas 6 salas com cerca de 180 alunos, sendo que dessas 3 salaseram de 2ª série e outras 3 salas de 1ª série. No total 400 crianças participaram desse trabalho e puderam durante o processo conhecer melhor a biblioteca da própria escola, além de interpretar várias histórias, produzir diversos textos e ler outros livros de seu agrado. Essas crianças foram atendidas semanalmente e cada encontro teve duração de 40 minutos. MANHÃ Q u a r t a - f e i r a Se x t a - f e i r a 7 : 4 0 à s 8 : 2 0 3 ª A 4 ª C 8 : 3 0 à s 9 : 1 0 3 ª B 4 ° B 9 : 3 0 à s 1 0 : 1 0 3 ª C P r é I I I 1 0 : 2 0 à s 1 1 : 0 0 4 ª A 4 ª C e D T ARDE Q u a r t a - f e i r a Se x t a - f e i r a 1 2 : 4 0 à s 1 3 : 2 0 2 ª B 1 ª B 1 3 : 2 0 à s 1 4 : 1 0 2 ª A 1 ª A 1 5 : 0 0 à s 1 5 : 4 0 2 ª C 1 ª C Este projeto foi desenvolvido na biblioteca da própria escola, fazendo desta um espaço de diversão e leitura e não tão-somente um espaço de consulta a livros para pesquisa. O trabalho com literatura infantil foi apresentado como elemento essencial para a realização da “Hora do Conto”, que logo no inicio representou como sendo um momento novo e diferenciado das atividades realizadas dentro da sala de aula. De modo geral, a receptividade das crianças frente a pessoas até então desconhecidas foi boa. A grande maioria dos alunos adorava e se interessava por aquele momento. 227 Os primeiros encontros com as crianças envolvidas no trabalho foram um tanto difíceis, pois estes no início tinham a visão daquele momento como apenas um momento de dispersão e brincadeiras. Muitas vezes pelo medo de errar e serem advertidos, estas crianças mal se expressavam pela fala e/ou pela escrita. Por outro lado, era visível em seus rostos o fascínio e a adoração por aquele momento. Com o passar do tempo, devido a muitas conversas, muitas histórias contadas e diversas atividades apresentadas, foram em sua maioria se empolgando e se interessando cada vez mais por aquele momento. Assim, começaram a falar, a palpitar, a contar algumas histórias já ouvidas e a escolher histórias do próprio interesse. Dentre os vários indicadores que nos orientam na seleção da história destaca-se o conhecimento dos interesses predominantes em cada faixa etária. Para tanto utilizamos a tabela desenvolvida pela autora Betty Coelho: Pré-escolares – Ate 3 anos - fase pré mágica – historias de bichinhos, brinquedos, objetos, seres da natureza (humanizados), historias de crianças. – 3 a 6 anos – fase mágica – historias de repetição e acumulativas (Dona Baratinha, A Formiguinha e a Neve), historias de fadas. Escolares – 7 anos – historias de crianças, animais e encantamentos, aventuras no ambiente próximo - família, comunidade, historias de fadas. – 8 anos – historias de fadas com enredo mais elaborado, historias humorísticas. – 9 anos – historias de fadas, historias vinculadas à realidade. – 10 anos em diante – aventuras, narrativas de viagens, explorações, invenções, fabulas, mitos e lendas. Neste projeto o encontro entre a criança e o livro ocorre em quatro momentos: 1. A escolha da historia: Uma história da literatura infantil é escolhida, selecionando a melhor técnica para contá-la, respeitando a faixa etária e o gosto do ouvinte. 2. O conto: neste momento a história é contada com intuito de despertar o gosto e o prazer na criança. 3. Há uma discussão da história através de uma conversa (contador e ouvinte). 4. Nesta última etapa, temos uma interpretação crítica que é realizada a partir do momento em que atividades artísticas são apresentadas juntamente com uma produção textual. Assim, a criança pode interpretar criativamente o que lhe foi contado e a leitura se faz num processo de contínuo aprendizado. Um bom livro e/ou uma boa história é capaz de levar a criança a outros mundos e dar vida aos seus sonhos. 228 Descrevemos abaixo um modelo de plano de atividades para grupo etário envolvido no projeto, ou seja, alunos entre 7/8 anos e 9/10 anos, a titulo de exemplo da aplicabilidade do projeto: Planos de atividades 1ª e 2ª séries: LIVRO: O peixe pixote – Coleção Estrelinha III - Ática. AUTORA: Sonia Junqueira. SÍNTESE: Quando este peixe desligado vai descobrir as delícias do fundo do mar... IDEOLOGIA: Abolir os medos, abrir os olhos e dar valor real a tudo àquilo que se tem. ESTÉTICA: Gravuras grandes e coloridas. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: 1. Motivar a criança e encorajá-la para que no decorrer do seu dia-a- dia, não tenha medo de realizar simples atividades. 2. Despertar na mesma a coragem e motivá-la a superar os medos. FORMA DE APRESENTAÇÃO: Livro ampliado. PROCEDIMENTO: 1º Música – Se eu fosse um peixinho. 2º Preparação dos ouvintes – conversa com as crianças. 3º Conta-se à história 4º Comentário sobre a história – participação dos ouvintes. 5º Dobradura – peixe. DURAÇÃO: 40 minutos. LIVRO: Menina Bonita do Laço de Fita – Melhoramentos. AUTORA: Ana Maria Machado. ILUSTRAÇÕES: Walter Ono. SÍNTESE: O coelhinho branco quer ter uma filha pretinha como aquela menina do laço de fita. Mas ele não sabe como a menina herdou aquela cor. IDEOLOGIA: É importante sabermos que temos nossas diferenças e que muitas vezes herdamos de nossos familiares. ESTÉTICA: Gravuras grandes e coloridas. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: 1. Esclarecer aos ouvintes que todos têm em sua origem uma história e que ninguém é igual a ninguém. 2. Levar a criança a perceber que suas herança, desde a cor do seu cabelo até a cor de sua pele são herdadas muitas vezes de seus familiares. FORMA DE APRESENTAÇÃO: Simples narrativa. PROCEDIMENTO: 1º Música – Menininha: Toquinho, Vinícius e Orquestra. 2º Preparação dos ouvintes – conversa com as crianças. 3º Conta-se a história 4º Comentário sobre a história – participação dos ouvintes. 5º Pintura – coelho. 6º Dramatização da história. 7º Elaboração de um novo texto. DURAÇÃO: 40 minutos. 229 Plano de atividades 3ª e 4ª séries: LIVRO: Romeu e Julieta. Ed. Ática AUTORA: Ruth Rocha. ILUSTRADOR: Cláudio Martins. SÍNTESE: Romeu e Julieta se conhecem, se tornam amigos e decidem ir brincar na floresta, onde acabam se perdendo, então todos os canteiros de borboletas, que são separados por cor, se unem para encontrá-los. IDEOLOGIA: Separação. ESTÉTICA: Ilustrações coloridas. OBJETIVOS ESPECÍFICOS: Instigar a criança a perceber quais os tipos de separação que existem ao redor e o porquê. FORMA DE APRESENTAÇÃO: Simples narrativa. PROCEDIMENTO: 1 º Preparação dos ouvintes – conversa com as crianças. 2º Conta-se à história. 3º Discussão sobre a história. 4° Borboleta de dobradura. DURAÇÃO: 40 minutos. SÉRIE: 3° E 4° séries. O projeto tem sido alvo de uma avaliação constante, tanto pela escola como pelos pesquisadores envolvidos. Diante das observações e dados coletados junto a alunos e professores, ainda que como resultados parciais, percebe-se que a leitura tem se tornado prazer e hábito para as crianças envolvidas, pois tem sido introduzida na escola de maneira significativa. Percebe-se, através de resultados obtidos em novo diagnóstico realizado pela escola em dezembro de 2004, que houve progressão das crianças no quesito desempenho em leitura, visto que dos 40% (quarenta pontos percentuais) de alunos que inicialmente encontravam- se no Nível 1 (nível mais elementar), apenas 27% (vinte e sete pontos percentuais) permaneceram neste nível ao final do ano letivo. Por outro lado, o envolvimento e progressão dos alunos nos processos de leitura foram detectados pelos pais. Em resposta a um questionário elaborado pela escola ao final do ano, estes elegeram prioritariamente o quesito “mais leitura” como uma das formas de aprimoramento e melhoria do trabalho educativo junto aos filhos. As crianças, mesmo com dificuldades, produzem textos e expõem suas idéias,trabalhando assim a oralidade e tentando interpretar criativamente e relacionar suas experiências àquelas presentes nas histórias contadas. Neste sentido, o material de leitura vem sendo procurado pelos alunos, o trabalho com linguagem bem como a formação crítica do leitor acontece através da ludicidade e do prazer. 230 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. 4 ed. São Paulo: Ática, 1988. BRANDÂO, Helena; MICHELETTI, Guaraciaba. Teoria e prática da leitura. In: Ensinar e aprender com textos didáticos e paradidáticos. São Paulo: Cortez, 1997. COELHO, Betty. Contar histórias: uma arte sem idade. 4 ed. São Paulo: Ática, 1991. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Ática, 1993. MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1989. SOUZA, Renata Junqueira de. Narrativas Infantis: a literatura e a televisão de que as crianças gostam. Bauru: USC, 1992. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 23ª. ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. SILVA, Ezequiel T. Leitura: algumas raízes do problema. Campinas, FE/UNICAMP, 1981. SILVA, Ezequiel T. Elementos de pedagogia da leitura. São Paulo, Martins Fontes, 1998. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. São Paulo: Global, 2003.
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